Capitulo 21
Um mês.
Por exatamente um mês eu fiquei sem contato com os outros. Sem Li, Caio, Pedro, Larissa, Leah, nenhum deles. Apenas eu e Heitor e a academia. Eu e o meu mais novo amigo treinávamos a manhã toda, a tarde Heitor abria a academia e ia até a madrugada. Meus irmãos faltaram a academia na primeira e segunda semana posterior ao meu sumiço, depois eles vieram, mas nunca os três juntos. Depois de eu ter quase me rastejado até a academia, Heitor me deixou viver com ele no loft sobre a academia, o apartamento não tinha paredes, mas era perfeitamente mobiliado, sabia onde terminava a cozinha e começa a sala e que dava lugar para o quarto. O único cômodo que tinha paredes era o banheiro, fiquei super envergonhado quando cheguei ali, todo sujo e desarrumado.
Tomei banho de roupa e tudo, não tinha força nem para tirar meus farrapos de panos que estava vestindo. Só sai do banheiro quando Heitor foi me buscar, fiquei sentado no chão do box, chorando, deixando a agua cair sobre a minha costa, se misturando com as minhas lagrimas. Heitor me secou, me despiu - deixando apenas a minha cueca -, esperou até eu tirar minha peça intima molhada e me deu uma roupa três vezes maior do que eu.
Ele me deixou dormir na cama, enquanto me acabava em um choro compulsório, deitou do outro lado e me deixou chorar. Dormir ouvindo o seu ressonar baixo, olhando seu peito grande e musculoso subir e descer enquanto respirava, cai no sono. Acordei pela manhã com Heitor grunhido em frustação, metal se chocando contra metal, me levantei, com a cabeça quase explodindo de dor.
Heitor se virou assim que eu levantei, ele estava usando apenas um short que era dois dedos maior que uma cueca verde, com o peito liso e musculoso a mostra. Ele segurava duas panelas de aço contendo uma mistura amarronzada e borbulhante, consegui ficar sentado, mesmo com a minha cabeça pulsando de dor.
- O que você estar fazendo, Heitor? - Minha voz naquele primeiro dia estava horrível, dura, mas ao mesmo tempo com uma fragilidade de um cristal fino, baixa e rouca. Heitor abriu um sorriso engraçado, meio envergonhado, meio surpreso.
- Estava tentando fazer chocolate - Ele disse, sua voz era baixa e rouca, mas não como a minha. A rouquidão dele era charmosa, a minha era ruim e feia - Mas isso daqui parece mais coco!
Eu ri e depois de quase dez minutos que demorei para levantar da cama e mais quinze para tomar banho, eu fui fazer o café da manhã. Heitor queria comer frutas mergulhadas em chocolate quente, fondue. Ri demais quando uma gota de chocolate quente caiu em sua barriga, Heitor saiu pulando e gritando como uma criancinha, não como um homem de 27 anos que ele era. Depois disso tudo arrumamos toda a nossa bagunça, ele desceu para a academia e eu fiquei deitado na cama dele.
Na primeira semana eu comprei roupas.
Já estava cansado de usar apenas aquelas peças de roupas largas de Heitor, então em um átimo de estima comprei roupas. Usei o resto do dinheiro da festa dos meus irmãos, tinha sobrado aproximadamente cinco mil. Anos de trabalho e eu nunca desfrutei de um centavo daquele dinheiro. Pedi para Heitor me levar até ao shopping mais próximo para que eu pudesse comprar algo para eu vestir.
Heitor me ajudou a escolher roupas, passamos quase um dia todo passeando de lojas em lojas. Heitor carregava a metade de minhas sacolas com roupas. Nunca tinha comprado tanta roupa em minha vida, nem quando meus pais eram vivos. Heitor nesse dia não abriu a academia e a cada cinco minutos seu telefone tocava, mas ele nunca atendia. Só olhava na tela e voltava a guardar no bolso da calça.
Quando chegamos em casa eu joguei todas aquelas sacolas dentro do enorme guarda roupa, em uma parte que ele tinha guardado para mim. Sorri exultante quando vesti a roupa nova que eu comprei com o dinheiro que comprei com o meu dinheiro. Um calção cós baixo e uma camiseta branca ficaram bons em mim.
Não me senti nem um pouco culpado quando fiz isso. Não pensei em meus irmãos, pensei em mim. Primeiro em mim.
Na segunda semana mudei de visual.
Já estava com roupas novas e disse para Heitor que queria continuar os meus treinos, ele não pensou duas vezes. Disse que nós poderíamos treinar pela manhã, já que ele não abria esse horário. Eu aceitei, descemos até a parte onde éramos acostumado a treinar. Foi a mesma coisa do ultimo, antes de eu ir no aeroporto atrás de Li. Ele me jogou varias vezes no chão e eu mal acertei ele duas vezes. No final da manhã eu estava cansado e dolorido.
No segundo dia da segunda semana eu resolvi que era hora de cortar aquele cabelo, ele era um dos motivos de eu apanhar tanto. Passei a tesoura. Meu cabelo que antes era longo e sem vida, agora estava curto e brilhoso. Heitor abriu um grande sorriso quando me viu assim.
- Christy-Ann - Ele estava socando um saco de areia quando me viu, parou e começou a me olhar admirado - O que você fez?
- Cortei o cabelo - Respondi, contorcendo as mãos. Ainda não tinha visto o resultado final - Gostou?
- Ficou bonito - Ele andou na minha direção e bagunçou o meu cabelo recém cortado, depois passou os braços musculosos em meus ombros e me guiou escada acima - Temos que tirar uma foto.
Agora a foto nos encarava da porta do guarda roupas.
Na terceira semana veio a preocupação.
Estava no segundo andar, separando ingredientes para fazer o jantar para mim e Heitor. Era possível escutar a musica abafada e os socos. Já estava deitado no sofá quando escutei as portas de metal da academia se fechar e segundos depois Heitor estava sentado do meu lado. Eu apontei para o banheiro e disse "Banho", ele riu, bagunçou os meus cabelos e deixou um rastro de roupa enquanto ia para o banheiro.
Depois de ele estar perfeitamente limpo e alimentado, ele me contou. Estavamos deitado na cama, conversando baixinho e rindo.
- Seus irmãos vieram hoje - Ele disse depois de eu ter me recuperado de um ataque de risos, me calei logo, não era a primeira vez que ele tentava tocar no assunto irmãos - Os três vieram hoje.
- Ah, legal - Não queria saber, depois daquela decepção com Li no aeroporto eu fiquei muito mais preocupado comigo, passei anos de minha misera vida vivendo para os outros, agora estava na hora de mudar.
- Eles me contaram Christy-Ann - Respondeu -, não gosto nem um pouco de manter você aqui trancado o dia todo. Eles pareciam bastante preocupados, Christy-Ann.
- Meus irmãos? Preocupados? Comigo? - Eu gritei surpreso e depois cai na gargalhada, Heitor me olhou confuso, mas não perguntou nada - Isso é brincadeira, Heitor?
Ele não respondeu, e se respondesse eu nem queria saber.
Na quarta e ultima semana me sentia outra pessoa.
Essa ultima semana passou voando, quando finalmente chegou a segundo eu já estava totalmente arrumado, esperando Heitor acordar para ele poder me levar para a faculdade. Já estava sem emprego e mega atrasado na faculdade. Quando Heitor abriu o primeiro olho eu puxei o pé dele e gritei:
- Vamos Heitor, hoje eu tenho apresentação de trabalho.
Ele resmungou e resmungou, mas foi tomar banho. Já dentro do carro ele estava de cara feia, mas eu fui atazanando ele até a faculdade. Pedi pra ele estacionar o mais longe possível da entrada, andamos o caminho todo até a minha sala. Durante essas três semanas eu tinha pegado um pouco mais de massa muscular, mas não estava forte, estava usando uma calça skinny e camisa de gola v azul. Heitor estava com uma bermuda florida e uma camisa de botões listrados. Cheguei na porta da minha sala, parei, respirei fundo e depois abri a porta.
O burburinho de conversa chegou até mim, logo vários pares de olhos se voltaram para Heitor e eu, inclusive dois pares de olhos puxados. O namoradinho de Li também estava ali? Ai, Deus! Ele fez isso? Me traiu e colocou outro em tudo que era lugar? Caminhei até uma cadeira que ficava na primeira fileira, não olhei para ninguém, só para a cadeira que era o meu destino. Me sentei e segundos depois Heitor se sentou do meu lado.
O professor chegou minutos depois e já foi logo chamando alunos para irem apresentar o trabalho, não era em ordem alfabética, ele estava escolhendo quem iria apresentar primeiro. E assim se passou os primeiros trinta minutos, durante esse tempo que passei recluso eu tinha feito o meu trabalho, não concluir meu pensamento pois o professor falou:
- Li-Yang - A voz dele era anasalada e fanha - Venha agora apresentar.
Li se levantou da cadeira, mas eu só olhei ele quando ele já estava lá na frente. Calça jeans azul e camisa cinza. Para a minha surpresa o outro japonesinho foi atrás dele.
- O meu trabalho era em dupla professor - Li começou, pegou gentilmente no pulso do mais baixo e trouxe ele para mais próximo de si - Eu ia fazer com Chris, mas ele não vem a um mês, então vou fazer com Chin.
Franzi a testa quando ouvi o meu antigo apelido e o nome do outro de olhos puxados. Li começou falando, ele gesticulava, fazia tudo e depois foi a vez do Chin. Quando um estalo percebi que Chin era igualzinho a mim antigamente, passivo até a alma. Fechei meus punhos em bolas apertadas, isso era tão nojento da parte de Li.
Eles terminaram e segundos depois o professor já estava chamando outros nomes. Sete pessoas depois ele chamou "Chris" na sua voz fanha.
- Ele não vem a mais de um mês, professor - Li respondeu depois que o professor falou, ele revidou com um olhar mortal na direção de Li - E o senhor sabe disso.
Eu sabia que esse professor iria chamar meu nome mais uma vez, me levantei e sabia que tinha olhos cravados em minha costa. Remexi em minha mochila e tirei o pendrive, andei rapidamente até a mesa do professor na hora que ele estava dizendo "Chris" pela terceira e ultima vez.
- To aqui professor - Respondi e tive a prazerosa percepção do choque não só dele, como da sala toda - Desculpa a minha ausência, mas eu fiz o meu trabalho. Será que da para colocar o pendrive em seu computador, esqueci de trazer o meu.
- Claro - Respondeu - Sem problema, Chris.
- É Christian, professor - Falei - Meu nome é Christian.
Me virei bem a tempo de ver um cara com um par de olhos negros queimando de raiva e dor caminhando em minha direção.
Abri um sorriso. Li me reconheceu.