Eu estava cogitando sim a possibilidade de estar sim apaixonado. Mas logo que eu me lembrava de que se tratava de outro garoto uma angústia tomava meu peito. Uma espécie de loucura controlável. Não tão insana a ponto de quebrar tudo ao meu redor, mas suficiente pra que eu fizesse coisas das quais me arrependesse depois. E assim cheguei à casa dos meus avós. A história já está ficando longa e compreendo o esforço empenhado por quem a está lendo, mas é importante pra mim desabafar um pouco.
Não tinha como não me sentir triste comigo mesmo. Aquilo não era o que eu havia planejado para mim, não naquele momento. Mas afinal, era melhor esquecer...
Como não esquecer aqueles olhos azuis brilhantes com uma tonalidade quase tão intensa quanto as profundezas de mares bravios. Eu estava de fato, aliás, estava convencido de que talvez fosse passar. Talvez eu precisasse de uma garota. Sim. Hoje percebo que aquilo não resolveria mas aparentemente me fez sentir um pouco menos tenso em relação a esse lado. Que lúdico e simples tentar amar uma garota. Não pensei nas consequências e decidi que era hora. Talvez se eu tivesse pensado nisso antes eu não passasse por esse turbilhão de sensações inconvenientes.
O pior realmente é manter somente para si mesmo algo tão sufocante. Claro que era melhor manter esse segredo a sofrer preconceito, desamparo, poxa eu sabia que não ia ser fácil. Sim, pode ne julgar covarde, mas seu senso de moralidade GLBT não me atinge. Eu faço as regras aqui. Entretanto, onde eu parei mesmo?
Ah, casa dos meus avós.
- Vinícius, meu neto chegou! Disse minha avó quando me recebeu à porta. Eu amo aquela mulher. Ela é do tipo que te abraça mas não chega a apertar tuas bochechas, nem é fútil a ponto de afirmar que eu cresci, eu não crescia. Mas gosto de pensar nela como uma espécie de fonte de admiração. Inteligentíssima, e acima de tudo: vó. Vó que faz bolo, fala bobeira na sua frente sem querer, que critica as noras e protege incondicionalmente seus filhos e os filhos de seus filhos.
Meu avó andava um pouco doente, mas continuava meu avô com as piadas bobas perguntando sempre das namoradas e claro, falando do Santos. Aquele homem era apaixonado pelo time e por futebol em geral, mas o que eu realmente gostava no meu vô era como ele sempre via o lado bom das coisas. Por pior que estivesse, ele dava um jeito de nos fazer rir.
- Olha só quem veio visitar o asilo!
Claro que ele precisava causar.
- E as namoradas?
- Sabe como é né vô, sempre no seu pé.
- Também não é pra menos, um muleque bacana como vc! - Entrei na brincadeira.
- Tem cada broto por aí!
- Fica quieto muleque vão achar que eu sou velho com vc falando essas coisas. Haha
Eu amava aquela sensação de estar junto, receber aquele carinho que só quem realmente te ama pode te dar. Então, lembrei do Caio. Ele naquele momento nem se lembraria de mim. Estaria no quarto lendo qualquer coisa, ou na piscina. Mas eu tinha que me lembrar de seus cabelos avermelhados. Aquele raro sorriso que só aparecia quando nos encarávamos em silêncio. Minha expressão mudou.
- Aconteceu algo, querido? - Perguntou minha vó.
- Nada não vó.
- Certeza?
- Sim vó, - disse enquanto virava os olhos.
- Me conta da casa nova.
- É demais vó, sério principalmente meu quarto. E o pessoal que eu conheci é bem legal. O Caio meu vizinho...
- Mãe, ele vai falar desse Caio o dia todo agora porque os dois só andam juntos.
- Claro deixei todos os meus amigos em outra cidade.
- Que bom que vc está se adaptando. Vc sempre foi carismático por natureza.
- Poxa vó eu até me acho tímido.
- Vc Vinícius, tímido? Com uma cara de safado dessas!
- Parecido com o avô! - disse meu avô provocando minha avó.
- Esse aí já esteve em dias melhores, mas como pode um homem na sua idade ser tão intrometido?
- O Caio é um bom garota e a mãe dele está menos preocupada com ele parece que ele...
Era como se ela tivesse percebido que não poderia falar na minha frente. Levantei e fui dar uma volta. Confesso que estava curioso, mas não queria ocupar minha cabeça com ele.
Fui brincar com meu irmão. Ele se parecia comigo e era uma criança muito quieta, daquelas que vc tem que procurar pela casa. Mais uma vez senti aquele peso: minha família contava comigo, eu teria sim que lutar contra aqueles sentimentos
Enquanto balançava-o no quintal, pensava novamente nele. Caio. Eu não podia evitar, e mais conflitos se estabeleciam na minha cabeça. Não. Não vou mais pensar nisso. Até aquele momento eu nunca havia imaginado que poderia ser recíproco.
Era impossível. Talvez eu estivesse por conta, uma sociedade tão hipócrita quanto a nossa, deixou-me triste e ate com medo do que eu sentia. Mas aqueles cabelos ruivos e o som da sua voz penetravam minha mente em devaneios longos que me faziam esquecer tudo ao redor. Gostar de alguém, mas gostar de verdade. Tesão não é amor, sentir atraído é mais uma reação dos sentidos ou para os acadêmicos parte do processo evolutivo da reprodução.
mas nem tudo era de maravilhas, ainda havia aqueles segredos. Os crimes do passado, as razões para o seu comportamento introspectivo. e eu que me julgava seu amigo, àquela altura não era nem seu pseudo colega. Aquela mania de me apegar aos outros. Foi assim com meus antigos amigos, mas eu era e continuo sendo incurável, o que posso fazer se gosto tanto de sofrer?
E assim se passaram alguns dias. Sai da casa dos meus avós um pouco mais aflito que antes, e a cobrança que eu passei a fazer sobre mim mesmo era muito maior. Desci do carro e fui direto buscar o Brandon, meu cachorro pra passear. Aquela era minha última semana de férias e já não fazia tanta diferença, eu queria mesmo era ocupar minha cabeça. E a causa para minhas aflições apareceu:
- Bom dia Vini.
- Oi Caio. (Não o chamaria mais de ruivo)
- Como foi de viagem?
- Tudo bem, valeu por perguntar.
- A gente pode conversar?
- Bem, eu vou levar o Brandon pra passear se vc quiser ir junto...
- Ok, só vou busca a Cora pra ir junto.
Até nossos cães se davam bem, mas naquele momento uma curiosidade enorme bateu.
Em instantes eu descobriria o que aflingia o Caio, o que o fez se afastar dos amigos e se isolar em casa, seu jeito acanhado. A maneira como ele desviava o olhar. Havia um ar de mistério que transcendia um segredo fútil. Era como se ele sofresse dentro de si, talvez algo que ainda não entendesse. Claro que naqueles momentos não fiz uma análise tão profunda, mas de fato tudo aquilo era intrigante. Saímos então nós quatro, meu cachorro, ainda filhote mas com uma força considerável, me arrasta pela coleira, enquanto isso a Cora, toda adestrada ia vagarosamente acompanhando Caio.
- Deixa eu levar o Brandon um pouco.
- Pega aí. - Disse enquanto tomava a guia da Cora nas mãos.
- Brandon, junto.
Incrível, o Brandon acompanhou!
- Como vc..? - Disse impressionado com o novo comportamento do meu cachorro.
- Fácil, ele tem que perber que vc está no comando, e não ele. Geralmente ele que te leva para passear não é? - Disse Caio sorrindo. Sim, com aqueles dentes branquinhos e alinhados, um queixo largo e com uma barbar ruivinha por faz que ainda nem crescia no rosto todo.
- Eu tenho complexo de altura e vc ainda me rebaixa mais. Haha.
- Você é perfeito Vini. - Afirmou Caio com um semblante um pouco mais sério. Sentamo-nos sob uma árvore, alguns raios de sol atravessavam as folhas e incidiam sobre seu rosto que àquela altura já tinha gotas de suor descendo sobre suas bochechas. E em meio àquela sensação de ansiedade e até mesmo certa vontade de romper o silêncio enquanto nossos cães ofegantes deitavam lado a lado.
- Vini, há dois anos eu passei por uma perda muito difícil na minha vida pessoal. Meu melhor amigo, Marcelo..
- Tudo bem se não quiser falar.
- Eu preciso falar. Tá na hora. Bem. Ele começou a emagrecer e sentir umas dores de cabeça, a princípio disseram que era por conta da sua má alimentação, ele só comia besteira. - Disse ele sorrindo.
- Aquele garoto não comia nada saudável, mas não era de ficar doente. Ele era magro como vc e cara, a gente foi criado junto. Sempre junto. Eu passava mais tempo com ele do que com meu próprio irmão. Nossas famílias viajavam juntas. - Seu olhos estavam avermelhados e sua voz alcançou um tom melancólico, vibrante como se a ponto de iniciar um choro.
- Por que ele tinha que morrer? - Caio desabou. Soluçava enquanto eu já não sabia o que fazer. Decidi abraçá-lo.
- Eu não pude dizer o quanto ele era importante. - Disse ele enquanto lágrimas vertiam de seu rosto.
Meu coração doía ao vê-lo daquele jeito. Mas a dor era tão grande pra ele que parecia que havia acabado de acontecer.
- Ele foi diagnosticado com leucemia. - Caio falou com pesar como se culpasse a doença por tirar dele o amigo.
- Três meses Vini! Em três meses eu perdi o Ma! Eu vi seu estado ir piorando e ele sempre mantinha o sorriso. Não queria preocupar ninguém. Logo ele começou a Quimio. - Caio olhava para o horizonte como vivesse tudo de novo enquanto em um suspiro repentino e profundo fez um instante de silêncio.
- Eu passava praticamente o tempo todo no hospital com ele, já quase no fim eu dormia no quarto com ele. Eu raspei seu cabelo, Cara, é muito difícil. Eu sinto uma dor dentro de mim. Um pedaço do meu coração parece que foi esmagado.
- Caio, eu sinto muito.
- O câncer foi muito agressivo e formou metástase que espalhou para outras partes. Ver ele quietinho, encolhido na cama cm os braços roxos de tantas agulhadas, sem quase nenhuma veia, careca, magro eu me perguntava porque. Por que o Marcelo tinha que passar por tudo aquilo? Eu não pude fazer nada Vini! - Disse Caio aflito.
- Eu não pude.. O pior era pra família dele. Ninguém conseguia dormir sossegado, e quando o quadro dele piorava todos nos encontravamos no hall do hospital aguardando qualquer notícia. Um dia, pedi para dormir com ele, os médicos já haviam liberado as visitas e eu acabei deitando na poltrona ao lado de sua cama, ele pediu pra que eu deitasse com ele porque estava frio. Então, me deitei ao seu lado na cama e ele disse:
- Caio, vc foi o melhor amigo que alguém poderia ter.
- Eu simplesmente pedi que ele não dissesse aquilo. Não era o fim.
- Então quer dizer que eu não sou mais seu melhor amigo?
- Você sempre será! Eu não queria que você guardasse essa imagem de mim, por isso eu trouxe umas fotos nossas.
- Eu desabei Vini, fotos da nossa infância, nossos amigos, viagens, eu e o Marcelo juntos.
- Caio, não chora por favor. Eu preciso que vc seja forte, pelo menos hoje. Eu não vou poder mais fazer parte da sua vida, mas..
- Marcelo para com isso! Não vai acontecer nada, vc tá fazendo o tratamento e ainda tem chance de cura.
- Caio, eu amo você. E eu pude perceber nesses dias que vc realmente esteve do meu lado, ninguém mais aguentou essa pressão. Eu quero que você seja muito feliz.
- Marcelo eu não quero que vc diga essas coisas cara. Vc vai sair dessa.
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Enquanto Caio me contava com lágrimas nos olhos, eu coloquei minha mão sobre a dele, e ele que olhava longe, voltou seus olhos para mim. Eu retirei rapidamente mas ele insistiu em segurar a minha mão. Nossos cães próximos de nós, como se comovidos pela narração permaneciam ali sentados.
- Caio, conta comigo.
- Eu tive medo de perder de novo alguém importante, por isso eu me afastei de todos.
Caio encostou sua cabeça sobre meu ombro enquanto nossas mãos ainda estavam unidas. Naquele momento eu pude perceber o quão frágil o Caio estava e seu coração amargurado buscava agora redenção.
- No dia seguinte ele faleceu.
Aquela história era de fato comovente, me senti culpado por julgar o comportamento do Caio sem saber do seu sofrimento. Eu talvez estivesse menos preocupado comigo naquele momento. Só o calor da sua mão e seu olhar de pesar e culpa me faziam querer tomá-lo em meus braços. Meu coração parou quando ele encarou meus olhos e aproximou seu rosto do meu.
- Vamos então Caio. - Disse eu enquanto me levantava rapidamente desatando nossas mãos e buscando a coleira do Brandon.
- Vini, eu...
- Caio, sei como foi difícil.pra vc falar sobre isso. Eu sei que eu nunca poderei tapar essa ferida, e nem quero substituir ninguém, mas conta comigo pro que der e vier.
Um sorriso tímido surgiu em seu rosto. E meu amor pelo Caio crescia à medida que eu o descobria.