Flowers are the things we grow
Secrets are the things we know
Learn from us very much
Look at us but do not touch.
“Some Velvet Morning”, Lee Hazlewood.
Nando
Foi uma viagem infernal. O avião sacolejava, feito uma égua xucra, na pior turbulência que eu já vi. Antes disso houve a conversa definitiva (e muito mais turbulenta) com minha ex. Conversa essa finalizada com aquele eterno clichê de “o problema não é você, sou eu” que as mulheres usam quando querem dizer “você é um filho da puta”. Por tudo isso, e mais alguns uísques que caíram muito mal e abriram um buraco no meu estômago, eu fiquei tremendamente feliz quando ouvi a voz do comandante: “Obrigado por tê-los conosco”. Agora eu só queria era pegar um taxi, chegar em casa, tomar um sal de fruta, uma ducha fervendo e então cair na cama. Sozinho. A única coisa boa que aconteceu foi reencontrar a comissária de bordo, que eu já conhecia de outra viagem. Era uma dessas inglesinhas fleumáticas, mas que depois de tomar uns três dry martinis e terem uma língua colocada no lugar certo se transformam em uma vadia. No desembarque ela deu um jeito de colocar um papel rabiscado em minha mão. Um número de celular e um “se algum dia você for a Londres”... Aliás, à eterna ladainha que as companhias aéreas fazem os comandantes repetir feito papagaios poderia se acrescentar conselhos mais práticos tais como: “se você for cantar a comissária de bordo seja discreto” ou o utilíssimo: “Não frequente o Central Park depois do pôr do sol”.
Mandy
“Don’t touch the girls”. A regra é clara aqui no Dessert Dolls, bar onde trabalho. Só que isso nem sempre convence a clientela. O lugar fica perto de Wall Street e é assim mesmo, cheio de babacas idiotas. Yuppies estressados, operadores da bolsa impotentes, CEOs com ejaculação precoce e uma fauna variada de outros gênios do mercado financeiro. Os caras tem grana e se sentiriam ofendidíssimos se fossem acusados de dirigirem qualquer coisa menos valiosa que um Mercedes Benz. Ser garçonete e stripper não era o que eu tinha em mente quando troquei o Alabama por New York City. Isso tudo contra a vontade de meus pais, que são mais puritanos que os peregrinos do Mayflower. Mas uma coisa eu gosto de deixar claro: Não faço, de forma alguma, sexo em troca de dinheiro. Faço striptease por que precisava de grana para pagar meu curso de Relações Internacionais na New York University. E então acabei escolhendo o caminho mais fácil. Só que há alguns incômodos. Eu fico puta da cara quando um figurão, que acha que pode tudo só porque usa Armani e dirige um Porsche, de repente invade o palco e enfia uma nota de dez dólares dentro da minha calcinha, violando a regra de não tocar nas meninas. Se ao menos fossem notas de cem... E pior. Quando saio do trabalho não é raro que eu seja seguida à distância até a entrada do metrô. Mas eles normalmente não costumam tentar nada. Latem muito pouco e mordem menos ainda. Onanistas perdidos entre vários uísques e meia dúzia de carreiras de pó.
Nando
Quando decidi deixar o Brasil e me estabelecer definitivamente em NY não tive dúvidas em escolher o SoHo, a zona mais fervilhante e cheia de vida de toda Manhattan, com seus lofts espaçosos, suas galerias de arte e as cadeias de lojas internacionais. E, como não sou rico, uma das coisas que também levei em conta é que aqui um cara pode encontrar apartamentos antigos e espaçosos com um aluguel que não te custa os dois olhos da cara. E, o que para mim é o mais importante, aqui há uma intensa vida noturna. A ardente vida noturna de Manhattan. Alucinante como uma carreira de pó. Com as mulheres mais interessantes que você já conheceu.
Por falar nas mulheres do SoHo , um belo espécime é Mandy, minha vizinha de andar. Uma potranca de cabelo loiro e olhos azuis vinda diretamente dos campos do Alabama. Vinte anos, mais ou menos 1,75 de altura e um conjunto de bunda e cintura capaz de deixar até um defunto excitado. Seios de tamanho pequeno a médio, daqueles que quase se consegue abarcar com as mãos. E o olhar daquelas mulheres sempre dispostas a dar um belo trato em um macho.
Mandy
Tenho só 20 anos e escolhi o SoHo porque aqui pelo menos a metade das pessoas ainda não chegou aos 40. Eu não ia escolher morar em um lugar de velhos. Já me bastam aqueles que eu sou obrigada a aturar no trabalho. A vizinhança é legal, sem coroas aposentados e rabugentos, que bem poderiam morrer ou ser todos exportados para a Pensilvânia.
Meu vizinho de porta é um jornalista brasileiro de uns trinta e poucos anos. Caladão e cheio de manias, mas um gato. Ele tem um sorriso de boca fechada e um olhar que atravessa as mulheres. Sempre reparo no belo volume que marca a braguilha. Queria ter sentado mais vezes naquele vulcão. Ele só usa jeans apertados e um par de botas de couro de boi (ele conta que ele mesmo matou o bicho no lugar onde nasceu, um buraco no meio do mato chamado, se não me engano, Rio Grande do Sul). E, para completar o look, um eterno par de óculos Ray-Ban, que ele só tira do rosto, acho, na hora de trepar.
Nando
Mandy já está em casa. Nirvana no CD. Nunca vi alguém escutar Smells like teen spirit tantas vezes por dia. Essa garota só pode dar para o Kurt Cobain no plano astral. É a única explicação.
Mandy
Nando voltou. Eu vi aquela maldita placa de “Don’t disturb” pendurada na maçaneta. Engraçado, achei que ele demorava mais. Logo ele liga para pedir que eu diminua o volume do CD.
Pelo Telefone
Oi, será que dá pra diminuir o volume do Nirvana? Cheguei há pouco. Uma viagem infernal. Estou morrendo de sono. (O CD player ficou mudo).
- Ora, ora. Você voltou bem mais rápido dessa vez.
- Sim, as coisas não correram bem. Acho que agora não volto tão cedo.
- Uma pena. Mas quem sabe agora você pode pensar em cumprir as suas promessas...
- Do que você está falando?
- Do meu ensaio cara. Do contato com o pessoal da Playboy...
- Eu te prometi um contato com alguém da Playboy? Para você fazer um ensaio? Quantos litros eu tinha entornado?
- Foi no coquetel de inauguração do loft da Peggy Sue. Você tinha cheirado pra valer e tomado tantos Jacks que eu até perdi a conta.
- E daí?
- Então você me ofereceu uma carona, ficou me bolinando durante todo o caminho e quando entramos na garagem disse que estava louco de tesão e que queria me enrabar em cima do capô do carro.
- E então?
- Então você me jogou no capô do carro e me enrabou. Doeu, mas eu adorei.
- NÃO!!! Você está chapada. Está querendo forçar uma situação, me amarrar em um compromisso. Você jamais andou de carro comigo. É uma armação.
- Ah é?! E a pintinha na ponta do teu pau?
-O quê?!
- É isso mesmo. Um lollipop lindinho, com uma pinta na ponta. Grosso e meio torto para a esquerda.
Nando deu um salto no sofá. A sonolência foi embora em segundos. O fogo do seu estômago agora queimava em outro lugar.
- Bom, acredito que com esse nível de detalhes só pode ter sido eu mesmo, falou excitado.
- Mas é claro que foi. Ela falou isso dando uma gargalhada deliciosa. Você acha que sou a sua vizinha tarada cantando você as três da manhã? Você me enrabou. E, além de tudo, ainda falou que estava cavalgando a potranca mais deliciosa de todo o Alabama.
- Mas que grosseria...
- Pois é, muita grosseria. Acho que eu mereço uma compensação. Quero as minhas fotos.
- Mas você não era estudante de RI? Que história é essa de fotos agora?
- Eu quero meu ensaio. Você falou de um amigo seu, que trabalha na revista e que poderia me ajudar.
- Mas esse cara é um freela, não sei se ele tem alguma influência na escolha das capas ou até mesmo das coelhinhas. Em todo caso vou ver o que posso fazer.
- Ótimo, por enquanto, mas quem sabe a gente não discute esse assunto melhor no seu apartamento? Você pode me preparar aquele seu Frozen Margarita maravilhoso.
- Frozen Margarita?
- É. Durante a festa você falou que fazia o melhor Frozen Margarita de toda Manhattan.
- Sim, é claro, ele falou enquanto se aproximava da tela do PC, abria o Google e digitava Frozen Margarita com a velocidade de The Flash.
- Vejamos... Tequila, limão, cointreau, sal, gelo, tartamudeou.
- Como?
- Nada não, só estava fazendo uma lista mental para ver se tenho todos os ingredientes em casa.
- Ah, mas se faltar alguma coisa eu posso levar.
Nando mediu as consequências e achou que elas não tinham comprimento algum.
- Então traz gelo.
No apartamento
Mandy não usava nada por baixo do robe com estampas da Big Apple. Parecia uma menina com um baldinho de gelo em uma das mãos e alguns CDs na outra.
- Estava se preparando para ir dormir? Ele debochou. Onde está Teddy Ruxpin?
Ela colocou o balde e os CDs em cima da coffee table da sala de estar e sentou-se no sofá em frente a poltrona onde Nando estava sentado, vestido só com uma calça jeans e sem camisa. Ao sentar-se ela olhou bem para ele e cruzou as pernas, no melhor estilo Sharon Stone, brindando-o com a visão de um moicano milimetricamente bem aparado.
- Ah, o robe, ela falou enquanto alisava o cetim bem devagar, como se quisesse molda-lo a seu corpo. Eu normalmente não uso nada para dormir, mas não podia andar pelada pelos corredores do prédio.
- Bobagem, os donos dos apartamentos iriam adorar. Os inquilinos iriam disputar vagas a tapa e os aluguéis sempre seriam pagos em dia.
- Sério que você me acha tão gostosa assim? Eu não sei não. Meus seios, por exemplo. Eles são tão pequenos.
- Besteira. São perfeitos, mas, mesmo que eles fossem pequenos, uma garota com um rabo desses não precisa de seios grandes.
- Que grosseiro, disse Mandy com um sorriso nos lábios. Mas enfim, você vai me deixar seca aqui? E a bebida que prometeu?
- Se há alguma coisa que poucas mulheres até hoje podem me acusar é de tê-las deixado secas, disse enquanto pegava o gelo e se dirigia à cozinha.
Algum tempo depois ele voltou, com duas taças já servidas na mão.
- Prova.
Depois de um tempo, em que ela sugou todo o drink com o canudinho, ele perguntou:
- E então, que tal?
- Está ótimo. Não sei se é o melhor Frozen Margarita de toda Manhattan, mas com certeza é o melhor que eu já provei.
- Uma questão de prática. Eu preparo um desses com uma das mãos amarrada nas costas. Ele falou isso com uma cara de pau a toda prova.
- Agora vamos ver o que essas duas mãos livres sabem fazer.
E então ela se livrou do robe com uma rapidez incrível. Andou como uma pantera faminta até a estante onde Nando colocara seu CD player. Nas mãos levava “Cole Porter by Billie Holiday”. Colocou o CD na bandeja e manejou o controle até achar “It’s too darn hot”. Depois disso ajoelhou-se em frente a poltrona onde Nando estava sentado, abriu o zíper de sua calça e a abaixou, junto com a cueca boxer, em um único movimento.
- Sabe, estou começando a gostar cada vez mais do seu país. Os homens são vulcânicos.
- Ah é? Aprendeu isso estudando Relações Internacionais?
- Não. Por amostragem. Você basta.
Ao falar isso ela o engoliu. E nessa hora Nando finalmente entendeu o que Porter queria dizer com “Too Darn Hot”. Mandy estava em chamas. E após algum tempo ela levantou e sentou-se em seu colo. E havia visgo em todos os seus lábios, como se ele enfiasse em um tubo de cola quente. Ela o queimou por quase uma hora. Ele se sentia como um pedaço de carne, churrasco bem passado, puro homem-objeto. Fogo sem dor. Fogo e prazer. Fogo e paixão. E ao pensar isso ele lembrou-se de Wando, soltando uma gargalhada.
- Que foi? Será que estou sendo gulosa demais?
- Não, claro que não. Está sendo perfeita, gemeu.
- Você ainda não viu nada, ela ronronou. Agora vamos estudar negócios escusos, desses que a gente faz pela porta dos fundos.
GOD BLESS AMERICA!, ele pensou. E então agarrou Mandy pelos cabelos e a jogou de bruços em cima do sofá.