K:Olha... Muita coisa que você disse explica algumas atitudes suas, mas não me peça para passar uma borracha e apagar tudo, por que as coisas não funciona dessa maneira, eu teria todos os motivos do mundo, mas eu não consigo te odiar e ao mesmo tempo é tão difícil confiar em você...É mais forte do que eu...Então não me peça uma resposta agora por que eu não tenho uma pra te dar, na verdade minha cabeça esta uma bagunça com tudo isso que você acabou de me contar...É como se eu nem me conhecesse direito, nunca imaginei que nosso pai fosse gay, e muitas vezes me perguntei como seria a reação dele ao saber que teria um filho gay.
D:Ou dois, ainda mais dois filhos que se amam.
K:Digo...
Ele se levantou e ficou na minha frente e segurou as minhas mãos deixando um beijo.
D:Não negue o que você sente por mim, eu posso ver em seus olhos e você pode sentir que eu estou falando a verdade quando digo que te amo, não como irmão, mas sim como uma pessoa que me completa em todos os sentidos, como a única pessoa que preencheu um espaço vazio em meu coração, que me tirou ou melhor me salvou de uma escuridão que achei que fosse ficar perdido pra sempre, mergulhado em duvidas ódio e culpa. Sei que eu estou muito longe de ser um cara perfeito, mas com você do meu lado não tenho duvida que com sua ajuda posso ser uma pessoa melhor e que se fodam os outros que não nos aceitarem.
K:Eu preciso de um tempo pra mim... Eu preciso pensar... colocar minha cabeça no lugar...preciso escutar meu coração.
D:Eu entendo e vou esperar o tempo que for necessário... Mas não aqui...
K:Como assim?
D:Eu preciso voltar pra São Paulo, o Miguel está com a Luana e eu não posso deixar ele com ela por mais tempo, mesmo ela dizendo que não, mas sei que ele ta dando trabalho e sem falar na saudade que eu estou do meu pequeno. E também tenho meu restaurante e meus negócios.
K:A sim... Claro... Eu imagino...
D: Mas estarei esperando é só chamar que eu venho correndo, pode ter certeza.
K:Rsrsrs, e você vai quando?
D:Amanhã de manhã. E por favor, tente se cuidar melhor, faz esse esforço por mim, sei que não tenho o direito de te pedir isso, mas a vida é tão boa pra ser desperdiçada assim, problemas todos temos, mas não podemos desistir de viver e deixar que eles tomem conta de nós
K:Eu prometo que vou me cuidar.
Encerramos nossa conversa com um abraço que começou com ele, ambos estávamos emocionados e durante o abraço eu me senti tão bem, poucas vezes eu tive essa sensação tão boa de paz e proteção, e ele me abraçava tão forte como se quisesse proteger algo muito precioso para ele e só desfazemos o abraço quando o telefone tocou e eu fui atender e ele foi para o quarto, e quando atendi era a minha mãe que havia acabado de chegar de viagem e queria saber como eu estava, no começo eu fiquei mudo, não sabia 90º que dizer a ela, agora que eu sabia de toda a verdade era um pouco estranho afinal ainda não havia assimilado toda aquela informação recente.
M:Carlinhos? Você esta ai meu filho?
K:To aqui mãe...
M:Assim que soube eu fiquei muito preoc...
K:Mãe eu já sei de tudo...
M:Tudo o que?
K:O Digo me contou tudo, do nosso pai... o caso que ele teve, como foi que ele morreu... o por que ele sempre me maltratou desde criança, o por que ele sempre dava um jeito de acabar com o meu namoro o que ele sentia sobre mim.
M: (Suspiro) Você quer me perguntar mais alguma coisa meu filho?
K: O que é que a senhora acha que eu devo fazer? O que a senhora acha disso, seus dois únicos filhos são gays e se amam, sim por que infelizmente ou não eu amo ele. Então me diga o que a senhora acha que devo fazer?
M:Eu procurei essas respostas muito antes de você ter ideia do que é certo e o que é errado, procurei ajuda, respostas, Deus, mas não consegui, tentei manter seu irmão longe de você, mas também não adiantou, bati nele achando que estava curando ele de uma doença terrível, mas mesmo assim não adiantou... eu não tenho a resposta meu filho, passei anos e anos tentando entender vocês dois, mas não consegui, quando você mudou e o seu irmão se casou eu pensei que finalmente Deus escutou minhas preces e ele deu um rumo para os dois, mas tudo aconteceu o contrario, sempre que conversamos eu sentia um tom de tristeza em sua voz, eu conheço você melhor que ninguém e sabia que você sofria, e a mesma coisa aconteceu com o seu irmão, eu sabia que ele também estava sofrendo muito e ele não sabe mas enquanto estava casado com a Daniela eu já o peguei chorando diversas vezes e sempre que ele dormia aqui em casa ele chamava você enquanto dormia, não há nada pior para uma mãe do que ver seus filhos sofrerem e não poder fazer nada então resolvi seguir um conselho da sua avó.
K:Que conselho mãe?
M:Colocar nas mãos de Deus... Foi só o que eu consegui fazer... eu sei que não sou um exemplo de mãe e falhei com vocês dois, mas aconteça o que acontecer vocês ainda serão meus filhos e não vou deixar ninguém machucar vocês podem ter certeza disso.
K:...
M:Independente do que vocês dois decidirem, podem ter certeza que terão o meu apoio, prefiro ver meus dois filhos juntos e felizes do que separados e infelizes, mão nenhuma deseja o sofrimento dos filhos, podem não concordar com a vida que eles escolhem, mas os apoiará se isso os deixa felizes.
K:Obrigado mãe...
Ainda ficamos conversando por um bom tempo e quando desliguei o telefone fui procurar o Digo e a porta do seu quarto estava entreaberta e eu vi pela fresta da porta que ele tava deitado olhando para o teto e chorava silenciosamente, mas chorava e isso fez meu coração ficar apertado, não queria que ele sofresse por minha causa, mas mesmo assim eu precisava de um tempo pra mim então naquele dia não conversamos mais cada um ficou em seu quarto e quando acordei no dia seguinte o café da manhã já estava feito e tinha um bilhete na mesa.
"Eu me esqueci de dizer ontem, mas meu voo estava marcado para as seis e quinze da manhã e então preferi não te acordar, já deixei o café pronto então trate de comer direitinho e se cuida e qualquer coisa me liga estarei esperando por você.
Te amo, Rodrigo"
Quando terminei de ler me bateu uma angustia tão grande corri até o seu quarto e claro não tinha ninguém e todas as suas coisas haviam sumido, eu não sei explicar o que eu senti naquele momento pessoal, mas só me lembro que foi um dos dias que eu mais chorei na vida, eu estava completamente perdido, de um lado vinha todas as lembranças ruins que o Digo fez comigo e por outro lado eu já sentia uma saudade tão grande dele, eu sem querer havia me acostumado com a presença dele, com o cheiro dele, o jeito marrento dele, era um misto de coisas que rodeavam na minha cabeça, mas nenhuma solução ou saída para os meus problemas.
Os dias se passaram, mas no primeiro dia sem ele não foi fácil, só me acalmei quando ele me ligou pouco antes do almoço para saber se eu havia tomado meu café da manha direito e assim o tempo passou eu me cuidava e me alimentava direito, mas eu não me sentia bem, já havia terminado a faculdade e agora o que eu ia fazer, meus antigos colegas tinham planos de abrir um escritório, mas na verdade eu não conseguia criar nenhum plano ou meta para o meu futuro, era como se eu estive sobrando ali, mas não falei nada disso para o Digo não, quando não conversávamos pelo telefone, era pelo MSN e nossas conversas virava noite inteira, nunca faltava assunto era como se nos estivéssemos nos conhecendo.
Em um certo fim de semana eu contei para o Deivison sobre como eu estava me sentindo , esperando que ele fosse me ajudar.
D:Cara seu nível de boiolisse esta lá em cima, tem dó admita que ta doido pra ir embora pra São Paulo e tranzar até morrer com o seu irmão.
K:Eu já devia saber que eu não devia conversar certas coisas com você, você não entende nada que não envolva sexo né moleque?
D:To errado por acaso?
K:...
D:Viu quem cala consente, e quando for aproveita pra me levar junto.
K:A ta vo te levar como, ta doido guri.
D:É serio Kadu eu queria muito ir morar lá com você.
K:Deivison eu não vou a lugar nenhum, eu só te contei algumas bobagens. Mas que papo é esse, e seus pais?
D:
K:Deivison?
D:Meus pais nunca vão me aceitar Kadu, ontem meu pai viu uma reportagem sobre um casal de gays que foram atacados la na Bahia ai meu pai disse que aquilo era uma vergonha que ele prefere ter um filho morto do que gay.
K:É o mesmo discurso de todo pai que não entende as coisas, mas Deivison você é menor de idade e o Adriano?
D:Ele vai se mudar na semana que vem pra lá, ele passou no concurso lá que nem lembro o nome.
K:Serio, por que que vocês não me contaram, que ótimo cara ele deve estar muito feliz.
D:Ficou sim, ficamos sabendo quando você estava internado ai foi aquela confusão que esquecemos de te contar, mas eu não vou poder ir com ele...
K:Eu não nego que seus pais são linha dura, mas Deivison você teria coragem de deixar seus pais pra trás...
D:Claro, ainda pergunta? Aqui eu sei que eu não vou conseguir ter sossego se eles descobrirem.
K:Você esta querendo se assumir?
D:Não, enquanto eu não completar dezoito anos, por que ai eu não vou mais precisar ficar aturando a hipocrisia deles, por que assim que eles souberem vão fazer um inferno na minha cabeça.
K:Não preocupa não, se eu for eu dou um jeito de te levar junto comigo tá?
D:Você promete?
K:Prometo, agora tira essa cara de choro vai lá dentro lavar o rosto que o seu macho ta chegando pra gente sair.
Bom como sempre em nossas conversas o Deivison mesmo com pouca idade consegue ver coisas que não vemos ou não queremos ver, e nesse momento acredito que ele acertou na mosca, na verdade eu estava me sentindo um peixe fora d’água, só tinha medo de tomar uma decisão e me arrepender, mas ai que eu me lembrei de uma frase da minha avó.
“É melhor se arrepender do que fez do que se arrepender do que não fez”