São Paulo - alguns anos antes
- Pedro. Os bebês vão chegar a qualquer momento. – disse Mauricio com um dos sorrisos mais lindos do mundo.
- Ohh Deus. Eu não consigo respirar. Eu acho que vou desmaiar. – falei sentando.
- Ei. Para com isso. Já temos o Paulinho. Vamos nos sair bem. – ele disse se abaixando perto de mim.
- O Paulinho é um caso diferente. Afinal, ele já era mocinho quando chegou até nós.
- Mas, era um bebê. Tivemos cuidado e hoje ele é nosso maior orgulho. – afirmou Mauricio.
- Sabe. Sem você não conseguiria fazer metade das coisas que fiz até hoje. – falei pegando nos cabelos dele.
- Somos uma só alma. Nunca vou te deixar sentir um vazio. Você é meu príncipe, meu bebê e sempre te varei dessa forma.
- Até quando você estiver com Alzheimer e eu com Parkinson? – perguntei colocando meus braços por volta de seu pescoço.
- Em tudo. Eu prometi... na alegria, tristeza, saúde ou doença. Eu te amo. E vamos fazer nossa família dar certo, não importa a opinião dos outros. Quando vejo o teu sorriso... todos os problemas desaparecem. – ele disse me beijando.
- Engraçado... pensei a mesma coisa. – disse retribuindo com outro beijo.
- Vamos fazer da certo. Tudo. Pois, eu te amo e você me ama. Nada vai mudar.
Acordei com a respiração ofegante do Mauricio ao meu lado. Ele estava febril. Chamei a Priscila e ela disse que era realmente febre. Sentamos lado a lado e ficamos em silêncio.
- Eu o amo tanto. – falei sem olhar para a minha irmã.
- Sei disso mano.
- Eu falhei. Falhei com o Mauricio. – disse chorando.
- Para com isso. Você fez o que pode. Não é um super herói Pedro. Você é humano. – ela falou tentando me acalmar.
- Se eu tivesse voltado para salvar ele. Eu poderia... poderia...
- Ter sido morto? Temos que ajudar o Mauricio. Parar de pensar e se...
- Ele... ele... é toda minha vida. Sem ele não sou ninguém. – falei baixando minha cabeça.
- Lembra como a morte do Paulo afetou todos nós? Hoje temos tanta coisa. E você não tem apenas o Mauricio. Tem que ser forte pelos teus filhos. Eles também precisam de você.
- Verdade... preciso ser forte agora.
- Estamos do teu lado Pedro. Afinal, o teu marido é como um irmão pra mim.
Do outro lado da cidade, a culpa também consumia outra pessoa. Márcio parecia transtornado, ele pegou uma caixa e abriu alguns envelopes que haviam dentro dela.
- Porque? Porque fez isso comigo? – ele disse chorando.
Márcio segurava dois passaportes, um dele e outro de Ryan. Ele fugiria com o namorado, mas antes de terem a chance, a consciência dele impediu uma tragédia maior.
- Desculpa amor, mas eu precisava dar um fim. – ele gritou chorando copiosamente.
Márcio levantou e saiu de casa sem ao menos fechar a porta. Andou pelas ruas da cidade, suas roupas estavam sujas de sangue e ele estava abalado com os acontecimentos. Algumas pessoas saíram de perto dele. O sol começava a se pôr. Ele chegou até a ponte da cidade e subiu no apoio. O vento batia no rosto do Márcio e ele apenas chorava. Quando a vontade era se jogar, algo o distraiu.
- Tem certeza que essa é a única opção? – perguntou um homem.
- No momento é... – ele respondeu sem dar atenção.
- Está esperando o que? – perguntou novamente o homem.
- Você calar a boca.
- Nossa para quem vai se matar até que está bem.
- Sai fora cara.
- Olha, eu até iria, mas perderia você descer daí. E eu não teria como ir tomar um chopp com você.
- Escuta bem... – disse Márcio virando e escorregando. – Deus!!!
- Calma. – falou o homem ajudando o ex-presidiário.
- Deixa eu cair moço...
- Está louco? Não posso fazer isso! – gritou o homem.
- Eu preciso pagar pelos meus pecados.
- Existem outras formas menos dolorosas. Eu posso te ajudar. Apenas vem. Sobe. – pediu o homem quase sem forças.
- Eu não consigo mais... eu tentei ser uma boa pessoa, mas sempre me machuco. – confessou Márcio.
- Vamos tomar um cerveja? Se não gosta podemos mudar para um café?!
Algumas pessoas se aglomeraram ao verem a cena. O rapaz segurando Márcio que não fazia nenhum esforço para subir.
- Deixa eu ir. Por favor, me livra desse sofrimento.
- Eu não vou fazer isso. Você vai subir!!! – gritou o homem levantando Márcio de uma única vez.
Com a força, os dois foram parar no chão. As pessoas aplaudiram e no momento alguns policiais chegaram. Um deles reconheceu Márcio.
- Então, você estava com aqueles bandidos. Vem... vamos levar esse aqui. – gritou o policial.
- Calma... – pediu o salva-vidas do Márcio.
- Senhor, não me toque. Precisamos levar ele.
- Para onde? – questionou o homem.
- A segunda delegacia geral. – disse o policial antes de colocar Márcio no carro.
É. Márcio conseguiu cavar um pouco mais o fundo do poço. Ele foi jogado na cela e começou a chorar. Um dos presos que estava na mesma cela tentou tirar graça. De repente, um flashback passou na cabeça dele e Márcio segurou o homem pelo braço e o arrastou até a parede.
- Escuta aqui. Eu passei o pão que o diabo amassou. E se você ao menos olhar para a minha cara, vou arrancar teus olhos com minhas próprias mãos e enfio no teu cú.
- Vai bichinha tenta. – disse o homem.
Márcio deu um chute no calcanhar do homem que caiu no chão e deu vários murros. Ele viu naquele homem a imagem de Ryan e só não o matou porque os policiais impediram. Mudaram o ex-presidiário e ele sentou na cama.
- Mais alguém? – perguntou ele, fazendo com que todos os outros se afastassem.
Dora e Isabel tentaram animar as crianças antes de colocá-las para dormir.
- Vamos meninos. Segunda-feira o pai de vocês vai ser liberado e voltará para casa. – falou Dora.
- Lembra quando eles viajaram de férias e vocês fizeram aquela festa para a chegada deles. Que tal? – sugeriu Isabel.
- Mas, agora é diferente. Ele foi...
- Ele está bem agora. – disse Isabel cortando Judith. – E vocês precisam mostrar que estão do lado dele.
- Verdade. – falou Paulinho. – Podemos fazer cartazes.
- Sim. E podemos fazer bolo também. – sugeriu DJ.
- Eu vou pegar meus pinceis. – gritou Paulinho subindo as escadas.
- A gente ajuda. – gritaram os gêmeos correndo atrás do irmão.
- Eu vou lá para eles não fazerem bagunça. – falou DJ.
- Judith. Está tudo bem? – perguntou Dora.
- Não. Eu quase ia perdendo meu pai. – confessou Judith chorando.
- Querida. Essas coisas infelizmente acontecem. O Mauricio vai precisar de muita força. – falou Dora.
- Eu nem imagino o que ele passou, porém a vida precisa seguir. Um passo de cada vez. – disse Isabel abraçando e beijando a minha filha.
Na delegacia, Márcio tentava dormir. Apesar de tudo, ele já estava acostumado com o clima da delegacia. Para ele, estar ali era como voltar para casa. O silêncio foi quebrado por um policial que bateu na grade.
- Acorda. Você está solto. – falou o guarda.
Márcio saiu de cabeça baixa, antes de sair, olhou para a direita e viu o homem que havia agredido. Márcio olhou para ele e apenas sorriu. Um olhar de deboche. Ao sair da delegacia, ele encontrou o rapaz que havia lhe salvado horas antes.
- Você de novo? – questionou Márcio.
- Sim. Por acaso, você sempre está na defensiva?
- Olha. Eu não quero papo beleza? Tenho meus próprios problemas.
- E quem disse que eu sou um problema?
- Senhor aqui está o recibo. – disse uma policial entregando um papel para o homem.
- Obrigado. Preciso assinar alguma coisa?
- Não. Só isso mesmo. Boa noite.
- Mas... o que.... o que significa isso? – perguntou Márcio.
- Paguei a sua fiança oras. Não poderia deixar você passar a madrugada aqui. – falou.
- Eu... porque você está me ajudando?
- Não posso ajudar um amigo? – questionou.
- Amigo? Eu não tenho amigos...
- Você realmente não lembra de mim? – perguntou o homem.
- Não. Realmente não lembro. Agora com licença. Preciso ir. – disse Márcio.
- Posso te dar uma carona se quiser? – ofereceu o homem.
- Olha. Não sou garoto de programa e... eu... eu posso saber seu nome por favor? – pediu Márcio.
- Mikael Lourenço... lembrou?
- Não. Desculpa. Mikael. Minha cabeça está a mil. Tive uns dias ruins e hoje culminou numa desgraça que feriu pessoas inocentes....
- Eu sei. Vi nos noticiários. Ei... estou levantando a bandeira branca. Posso apenas te deixar em casa? Por favor. – pediu o homem.
- Claro. Eu to cansando demais para pensar em qualquer coisa. – falou Márcio.
No hospital, observava meu amor. Aquele homem na cama nem parecia o Mauricio. Todo roxo, com o rosto inchado. Subitamente, ele levanta e começa a gritar arrancando os fios das máquinas. Segurei no rosto dele.
- Amor... calma... passou... sou eu... sou o Pedro. Você está bem. Está seguro. Eu não vou deixar ninguém machucar você. – disse antes de ele desmaiar. – Eu prometo.