Quando o amor acontece... 03

Um conto erótico de Maverick
Categoria: Homossexual
Contém 1443 palavras
Data: 25/04/2014 16:33:40

Como prometido, mais uma parte da história.

"Sexta-feira, fim de tarde na Marginal Tietê, o dia fora um desastre e tudo que poderia dar errado aconteceu, meu sapato mais adorado quebrou o salto, uma amiga comissária de bordo não trouxe meu perfume como encomendado, um dos meus melhores clientes estava em crise no casamento e criando todo tipo de dificuldade incluindo ser preso por dirigir embriagado, eu estava a duas semanas sem sexo, então o saldo do dia era uma dor de cabeça fenomenal e uma vontade de chorar que eu não sabia de onde vinha – deduzi que provavelmente eram meus hormônios brincando comigo - e o trânsito lento tornava tudo um verdadeiro purgatório; sinalizei que faria a conversão para a direita na saída da ponte da Casa Verde, conferi duas vezes no retrovisor e mesmo assim quando mudo de faixa sinto uma pancada na traseira do carro. Continuei até um posto de gasolina mais a frente e o outro carro me seguiu. Quando saio do meu para conferir o estrago, fiquei bem arrasada.

Ao levantar a cabeça para olhar o desgraçado que eu iria processar até o último dia da vida dele – ou último centavo, o que chegasse primeiro – vejo sair do carro uma moça, baixinha - um metro e meio no máximo - toda delicada, pele clara, de corpo perfeito e com uma abundância absurda de cabelos crespos e castanhos, parecia uma adolescente, mas se estava dirigindo deveria ter pelo menos dezoito anos e estava se debulhando em lágrimas.

Quando se é obrigado a lidar com pessoas uma das primeiras coisas a aprender é reconhecer o tipo de lágrima que molha o rosto da sofredora e eu era muito boa nisso, conseguia perceber uma lágrima de crocodilo a quilômetros de distância. E aquele choro não fora provocado pelo acidente, ela claramente já vinha chorando antes e muito provavelmente aquilo causara a colisão.

No momento fiquei completamente sem ação, não sabia se chegava dando esporro, se esperava até a menina se acalmar ou se a abraçava e levava para a loja de conveniência para que não ficasse tão exposta. Escolhi a última opção e pegando em seu braço levei-a para dentro. No caminho dei as chaves para o frentista estacionar os carros num lugar que causasse menos transtorno e nos sentamos em volta de uma mesinha de café. A moça ainda soluçava, mas parecia mais calma.

Até hoje não sei de onde surgiram as palavras que escaparam da minha boca:

— Meu bem, não precisa ficar assim. O carro é segurado e mesmo que não cubra o carro do seu pai, também não é o fim do mundo.

Ela me olhou por um segundo e quando meus olhos encontraram os dela foi como se alguma coisa em mim, algo que eu nem sabia que existia e que não sabia identificar, se levantasse e exigisse atenção, o tempo passou e só percebi que prendia a respiração quando meu corpo exigiu que puxasse ar para dentro dos pulmões, minha pulsação estava estranha e eu sentia um calor ainda mais estranho. Não conseguia parar de olhar para aqueles olhos que de tão vermelhos só dava para perceber que poderiam ser verdes ou castanhos. Ela voltou a chorar sem controle e eu achei melhor deixá-la sozinha por um tempo, mas quando levantei me deu uma coisa que parecia medo. Mas medo de que? Aquela criaturinha nãos era capaz de assustar ninguém. Mesmo que eu estivesse errada e aquilo fosse apenas teatro, quem mora em São Paulo se acostuma a acidentes de carro e se ela quisesse fugir teria de deixar o carro para trás, mesmo sem entender a razão daquela sensação fui ao balcão pedi duas águas e dois cafés, voltei para a mesa onde ela continuava sentada e chorando com as mãos escondendo o rosto.

— Me desculpe pelo inconveniente dona. O seguro vai cuidar do carro e a senhora não precisa se preocupar. E me perdoe também por chorar como uma louca desse jeito...

Ela ficou quieta olhando para as próprias mãos e para meu assombro eu queria que ela continuasse falando, a voz dela de alguma forma, apesar de me chamar de dona e de senhora, parecia me encantar, mas como percebi que ela não continuaria por vontade própria, tentei um incentivo.

— Quer me contar o que aconteceu?

— A senhora vai me achar uma idiota, mas acabei de levar meu cachorro para ser eutanasiado. Eu ganhei o Elvis quando tinha oito anos... eu sei que para qualquer pessoa um cachorro é só um cachorro, mas o Elvis era a criatura que eu mais amei na vida.

Como não conseguia estabelecer nenhuma empatia pela morte de um cachorro, na verdade nem me lembrava da última vez que notei um, tive de imaginar que seria a mesma coisa que perder um primo de segundo grau ou um colega de trabalho. Eu mesma nunca enterrei ninguém a quem amasse, mas aquela criatura dentro de mim exigia estabelecer um vínculo com a menina, o que me obrigava a falar.

—- Não existe palavra que sirva de real consolo nessas horas. Nunca precisei passar por uma situação assim então... apenas acho que não tem do que se envergonhar, se amava o Elvis de verdade tem todo o direito de chorar o quanto quiser.

E então ela sorriu para mim. Tinha dentes perfeitos, lábios de Amanda Seyfried, nariz pequeno, olhos grandes, sobrancelhas grossas e aquela quantidade absurda de cabelo crespo, solto e lindo. Ela disse num sussurro.

— A senhora não é muito boa nessa coisa de consolar as pessoas... - mas ela disse aquilo de maneira tão gentil que nem consegui me sentir ofendida.

— Posso te pedir um favorinho? Pare de me chamar de dona e de senhora, se não daqui a pouco eu é que começo a chorar. Meu nome é Patrícia e devo ter, no máximo, uns sete anos mais de experiência que você.

Jamais alguém me ouvirá dizer que sou velha, nem para comparar.

Ela claramente me avaliou da cabeça aos pés e imaginei que eu deveria estar num daqueles dias em que pareço mais séria que o normal. Quando voltou a olhar nos meus olhos parecia espantada, então, num gesto para deixá-la mais à vontade, apesar de ser ousado demais e uma pura falta de bom senso, afinal ela tinha destruído meu carro, tirei os óculos de sol, soltei o cabelo, tirei o terninho e abri dois botões da camisa que coloquei por fora da saia. Ela acompanhava meus movimentos com a boca aberta e os olhos esbugalhados, talvez imaginado que eu tiraria o resto da roupa ali mesmo. Depois de uns segundos pareceu se dar conta da situação e tentou olhar novamente para a próprias mãos, no que pareceu um gesto automático para quando ficava nervosa ou constrangida.

— Pareço menos senhora agora? – a menina voltou a me olhar e seus olhos estavam novamente ameaçando transbordar e rapidamente eu continuei falando – Não chora não, por favor. Vamos ligar para a seguradora e ver quanto tempo precisam para mandar um taxi ou um carro extra. – pareceu dar certo, pois ela engoliu o choro e pegou a carteira na bolsa.

A coitada tremia tanto que fiquei penalizada, tirei dela o cartão da seguradora, era a mesma que eu usava e a seguradora era cliente do escritório em que eu trabalhava. Só assim descobri que seu nome era Marcela. E para meu espanto o carro era dela e estava a poucos dias de completar vinte e um anos, quase enfartei. Como ela conseguia ter aquela cara de criança? Tudo foi resolvido em menos de quinze minutos e dali a pouco teria um carro reserva para usar enquanto o meu estivesse no concerto.

Com tudo acertado e depois de eu prometer não processá-la e nem nada do tipo ficou mais relaxada e mesmo que ainda triste se soltou um pouco e conseguimos conversar. Fiquei sabendo que ela estava no último ano da faculdade de administração, viveu três anos na Inglaterra, trabalhava como tradutora para uma firma de logística em Barueri e era solteira. Esse último detalhe por algum misterioso motivo amenizou o medo que me acompanhava. Fomos tirar as coisas dos carros e quando o reserva chegou levei-a para casa. Ela morava com a avó logo atrás do prédio de uma universidade localizada próximo ao terminal da Barra Funda. Fomos conversando e ela falando do seu cotidiano, da família e da saudade que sentia do Elvis e de como se sentiria solitária sem ele, pois tinha poucos amigos por ser muito tímida e por achar as pessoas da sua idade fúteis, preguiçosas e com péssimo gosto musical, falamos de música e descobri que temos muito em comum nessa área. Nos despedimos e fui para casa."

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Comentários

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Bruna Oliveira termina o seu conto q e muito bom

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comecei ler hoje seus contos são maravilhosos continua....

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Muito bom , muito mesmo ! Vc escreve muito bem . Espero a continuaçao

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