Depois de muito custo, Fernando aceitou seu trabalho de novo na empresa onde eu trabalhava. Mas agora as coisas estavam melhores. Nós conversávamos, brincávamos e riamos mesmo Fer estando tenso por seu filho.
Todos os dias ele saia do trabalho, comia algo rápido na padaria em frente a empresa e ia para o hospital. Ele e seu filho se mudaram para uma casa menor. Mesmo eu pagando a conta do hospital, algumas despesas dele aumentaram, e ele se recusou a me deixar pagar por elas.
Acontece que de fato ele tinha leucemia. Houve uma mobilização em massa na empresa para doar sangue para ela, afinal, Fernando era uma pessoa carismática. Todos gostavam dele...
Infelizmente poucas pessoas eram compatíveis, mas foi suficiente, além de encher o banco de sangue do hospital, o que nunca é ruim.
O filho de Fernando, Caio é seu nome, tinha apenas sete anos de idade. Quimioterapia nessa idade, radiação e outros remédios são muito destrutivos, mas é um mal necessário. Nas primeiras doses, ele aparentava uma criança morta. Fernando chorava todas as vezes que saia do quarto nesses dias... E era sempre eu consolando ele.
Após Caio melhorar um pouco, ele foi liberado. Fernando se viu obrigado a contratar uma enfermeira. Eu quis pagar, mas ele se recusou. Nosso chefe bondoso permitiu Fernando trabalhar só meio período, para ficar com seu filho.
Sempre que eu tinha um tempo livre, eu ia os visitar. A princípio Fernando não gostava disso, mas depois reconheceu que eu só queria ajudar e passou a aceitar melhor. Não só passou a aceitar melhor, mas passou a dividir comigo seus problemas...
Ele evitava falar, mas todos os problemas do Fernando giravam entorno de dinheiro, já que seu filho era super bem tratado no hospital, com o melhores médicos da região. Ele se recusava a admitir, mas precisava mais de ajuda do que simplesmente pagar as contas do hospital.
Um dia, após o trabalho, Fernando me pediu uma carona ao hospital e eu fiquei surpreso, não sabia que Caio ia internar novamente, mas mesmo assim, de bom grado eu dei a carona.
No caminho, já perto do hospital, passamos em frente uma casa com uma placa de “Aluga-se”. Percebi que Fernando gravou o número no celular e perguntei:
- Pensando em se mudar?
- É.. O dono da casa que eu moro pediu ela. Eu to procurando outra mais perto do hospital e que não seja tão cara.. Além do mais, aqui é um bom lugar para se viver.
- Que chato em.. Aquela era a casa ideal para você o Caio.
- É mesmo.. Pequena mas limpinha e organizada. Caio gosta bem de lá, vai ser triste para ele mudar.
Nesse momento tive uma ideia. Peguei um caminho diferente do que normalmente eu pegaria para ir ao hospital e Fernando percebeu isso, me perguntando:
- Aonde você vai?
- Eu sei de uma casa muito boa onde você pode morar – Dirigi mais alguns instantes e parei de frente para minha casa – Aquela – Eu apontei para minha casa.
- Mas Felipe, aquela casa é grande e não tem placa de aluga-se... – Sua voz foi morrendo à medida que ele percebeu o que eu queria dizer – Não Lipe, eu não vou morar com você...
- Por que não? Qual o problema disso?
- Felipe, eu já aceitei você pagando o tratamento do Caio, não posso fazer isso...
- Fernando, olha para essa casa. Ela é muito grande só para mim... Tem três quartos, um meu, um pra você e um pro Caio. Tem uma área gramada pra ele brincar e tem o novo cachorro, que nem nome tem ainda... Vai ser bom pra ele! – Inventei isso do cachorro agora. Mas eu já queria mesmo comprar um Golden pra mim, agora eu achei a oportunidade certa.
- Eu não posso Felipe. Isso já tá virando abuso...
- Cara, tem noites que eu me sinto tão sozinho que eu vou pra um hotel ou pensão. Vocês aqui vão encher a casa, vai me fazer bem. Veja como um favor que você faz para mim...
Fernando pensou um instante e disse:
- Só até eu achar uma casa para mim – Nunca me senti tão feliz antes. Mas agora eu tinha um problema um pouco mais sério. Eu precisava arranjar um cachorro Golden, filhote ainda por cima.
Levei Fer até o hospital, fiz uma visita ao Caio, conversei com o médico sobre o quadro de saúde dele. Caio estava respondendo bem ao tratamento, mas era muito forte e ele se sentia mal. É normal, disse o médico.
Caio ficou mais dois dias no hospital. Fernando me disse que eles se mudariam assim que ele saísse. Nesses dois dias, fui em todos os pet-shops da cidade e região a procura de um filhote de Golden. Felizmente eu achei.
Arrumei tudo para o Fer e para o Caio, contratei uma empregada. Conversei com o médico para saber qual a alimentação adequada para o Caio, ele me explicou e eu enchi a geladeira. Comprei também alguns jogos novos de PS3, que eu julguei que Caio gostaria de jogar.
O grande dia chegou. Fernando e Caio se mudaram, ambos receosos. Eles passaram o dia inteiro arrumando o quartos deles (Fernando insistiu que eles ficassem no mesmo quarto). Acabaram tudo já era noite.
Quando eles acabaram, fiz uma janta para nós, eles comeram e Fernando se propôs a lavar as vasilhas. Então, enquanto ele lavava, peguei o novo mascote da casa e apresentei para o Caio.
- Nossa tio Felipe, que legal seu cachorro! Como que ele chama? – Ele fazia carinho no novo cachorro, que lambia sua mão.
- Sabe Caio, não sei ainda... Que nome você sugere? – Ele pareceu animado com a ideia de escolher um nome. Sentou no chão, pensativo, até que disse decidido:
- Feroz – Eu e Fer rimos do nome, mas ficou esse nome mesmo.
- Ok! Amanhã eu mando fazer a coleirinha dele... – Caio ficou brincando com ele até dar sono (nele e no cachorro). Ele foi dormir e eu e Fer ficamos conversando na sala. Abri uma garrafa de vinho, a pedido do Fernando.
- É uma boa ideia mesmo esse cachorro, Lipe? – Ele me perguntou tomando um gole.
- Bom, eu li certa vez que crianças com câncer respondem melhor ao tratamento. Além do mais eu vou adestrar ele, se o problema é segurança – Expliquei.
- Sendo assim... – Eu e Fernando ficamos mais um tempo conversando sobre trivialidades como futebol e tudo mais. As horas foram chegando e Fernando foi dormir. Eu disse que ficaria mais um pouco na sala.
Após ele sair, eu respirei fundo, e senti todo seu perfume perfeito invadindo minha casa aos poucos. Era um sonho.
