A conheci na faculdade. Era um presença constante nas aulas. A observava ao longe e mesmo sem trocar uma palavra se quer seu carisma criou em mim afeto e respeito. As mãos delicadas, de dedos finos e compridos, nunca apontaram o dedo para ninguém e de sua boca rósea palavras de difamação não saiu. Sua ajuda à todos, uma sacola de mercado aqui, uma ajuda na sua matéria de sua facilidade ali, atividades que mesmo com suas moderadas força e inteligência não negava a alguém. Ao lado de seu namorado de boa aparência. Uma idealizada heroína romântica se vista nesse contexto. Mas horas e horas de observação me levaram a ver seus cabelos bagunçados logo de manhã, todo desalinhado, suas cochiladas em determinadas aulas, seus olhos castanhos todos vermelhos e marejados nos dias ruins, seu temperamento dócil se tornar tóxico em momento de raiva.
Sempre assim, ao longe analiso a sua pessoa. Seus olhos miravam o meu a observando vez ou outra. Meu olhar rapidamente desviava e mais rápido ainda voltavam à vislumbrar-lhe.
Entre desvios de olhar se passou um ano. Nossa primeira comunicação ocorreu da maneira mais improvável possível.
As férias chegaram e com isso minha oportunidade de rever a família. Minha afeição sempre foi muito grande a eles, minha mãe, avó e irmão. Sai da capital do estado e voltei para o interior, malas prontas. Assim que cheguei fui recebida com muito carinho, abraços sufocantes e uma festa modesta para amigos e familiares. Mesma conversa, novidades da faculdade, "casinhos" amorosos, vida na cidade grande. Estou cotando para Paul, meu irmão, sobre acontecimentos engraçados no metro quando sou interrompida pela mulher que me gerou.
- Filha, essa é a Manuella, filha da Marta, minha amiga, ela disse que vocês se conhecem da capital. - empolgação na sua voz nitidamente percebida.
Direciono meu olhar e a vejo ali, em minha frente. Fico em estado de estupor a olhando. Minha mãe é chamada por alguém e nos deixa.
- Vou deixar vocês aqui. Minha filha cuidará bem de você Manuella. - sai piscando o olho para mim.
Nos encaramos por um tempo até que meu irmão no interrompe cobrando mais historias. Retomo meu relato animadamente e logo Manuella entra na conversa contando seus relatos próprios. Rimos da confusão da cidade e vejo admiração nos olhos de meu irmão, um menino de 12 anos que almeja grandes feitos. Depois de longo tempo conversando somos chamados para nos juntarmos à mesa.
Nos fundos da casa, envolto ao jardim, existe uma enorme mesa de jantar herdada de minha bisavó mãe de 15 filhos. A mesa comprida e de madeira com várias outras menores e improvisadas de plástico a rodeando. Nossos lugares estão reservados. Espanto-me ao notar que o lugar de Manuella jaz ao lado do meu. Nos sentamos e a comida é servida. Estou mastigando preguiçosamente minha comida quando sou surpreendida.
- Beatriz né? - ficou esperando minha resposta e acenei positivamente estranhando o fato de saber meu nome - Ta gostando do curso?
- To, acho que fiz realmente a escolha certa e você?
Ela pareceu ficar em duvida de sua resposta.
- Para ser sincera, não sei. Não é o que realmente queria, fiz pela minha família.
- Serio que a Dona Marta não te deixou escolher?
A mãe dela sempre me pareceu liberal e mesmo não conhecendo sua relação com a filha, pois nem sabia que tinha, julgava que ela seria da mesma forma com a escolha profissional da filha.
- Não foi a Marta, ela sempre me apoiou em tudo. Foi meu pai.
Eu já havia acabado de comer enquanto ela apenas remexia na comida distraidamente.
- Acho que nunca o conheci.
- Ele não mora aqui. Moro com ele na capital.
Assenti.
- Desculpa a intromissão, mas acho que você tem que ver se vale a pena se privar de fazer o curso que quer para agradá-lo. É sua vida que ta em jogo.
- Sim, eu sei. Estou pensando seriamente nisso.
Com o encerramento da refeição sentamos no banco debaixo da árvore do jardim e conversamos. O sol descia e mal percebíamos. Falamos sobre todos assuntos que nos via na cabeça, desde musica à politica.
Com o fim do dia ela foi embora deixando claro que nos veríamos no dia seguinte.
Assim acabou-se as férias e uma forte amizade havia se criado. Na faculdade já não a observava de longe mas agora de perto enquanto seus lábios se moviam proferindo frases de nossa conversa. Fui apresentada como uma grande amiga ao namorado Matheus que apesar de belo e simpático não dominava sobre vários assuntos e nossas conversas ficavam falhas, com silêncios constrangedores postos ao fim pela Manuella.
Manuella que fui instruída pela mesma a usar apenas o diminutivo Manu.
Saíamos de noite em algumas festas. Ela, eu, seu namorado e dois ou três amigos de melhor papo. Nos divertíamos e depois de duas caipirinhas ja me soltava o suficiente. Vez ou outra os dois se afastavam para ter um momento a sós, vez ou outra alguma menina me agarra (ou vice-versa).
Minha sexualidade não era segredo a ela desde o nosso primeiro contado. Lésbica assumida minha família ao contrário de preconceito me dava apoio. Manu e Matheus, junto com nossos amigos respeitavam minha escolha.
Todo feriado retornávamos para visitar nossas mães. Ela que visitava sua mãe uma vez a cada dois anos desde que foi morar com o pai aos 4 anos, passou a vê-la quase mensalmente. Nossa amizade era forte e de nossa família também se tornou assim. Como não nos separávamos nem la, almoços juntando as duas famílias eram de praxe.