A janela do meu quarto ficava na parte da frente da nossa casa, e em frente a nossa casa havia uma escada que boa parte dos meus vizinhos usava com alguma frequência, uma das coisas que eu acho péssimas aqui no Brasil é o fato de termos tantos fios e postes espalhados pela cidade, a paisagem fica feia, de fato, o meu tédio maior naquela tarde de uma quarta feira foi ficar olhando gotas de chuva formando outras gotas no fio do telefone e esperando elas pingarem, mais nada pra fazer além disso.
Corria o boato que Afonso era gilete, corria também o boato de que eu era viado, mas eu continuava encenando a mentira, nessa tarde de quarta feira Afonso desceu a tal escada, estava um pouco escorregadio e tudo mais mas era correr o risco de cair ou ficar na chuva, nos últimos degraus ele deu uma leve escorregada fazendo seu olhar bater com o meu, eu que já estava encarando ele desde que aparecera no topo da escada enrubesci, não sei se com a distancia ele tinha percebido algo, mas fiquei com aquele leve desejo de que adoraria se ele me notasse e o medo de as pessoas terem a confirmação da minha sexualidade.
Os dias passaram e a estação da chuva, que é como o inverno deveria ser chamado aqui em Salvador, continuou bem molhado, eu já estava sem sapatos pra ir a escola, as meias com aquelas manchas escuras da tintura dos tênis, também estavam no fim, por sorte tivemos dois dias de sol, e não precisava me preocupar com aquilo, roupas e sapatos secos finalmente.
Na volta pra casa acabei pegando o ônibus depois do meu horário habitual, não tinha ninguém pra conversar e eu não tinha nada pra ler, ou seja, viagem encarando a paisagem, eu já estava começando a entrar naquela quase hipnose quando um colorido me chamou a atenção, eu tinha conseguido sentar-me numa daquelas cadeiras mais elevadas que ficam na frente, na época não existia proibição de quem podia ou não sentar-se ali, Afonso estava sentado próximo a cadeira do motorista, vestia uma camisa com motivo floral, nas cores amarelo, verde e vermelho, estava lindo, ele me olhava com a expressão de reconhecimento, mas sem querer falar algo, eu lhe dei um leve aceno de cabeça e parei de olhar, já estava começando a ficar nervoso.
A senhora gorda que estava ao meu lado desceu no ponto próximo ao hospital, Afonso sentou-se ao meu lado:
- E ai? tudo bem? Efraim seu nome né?
- Oi, é sim, Afonso o seu né?
- Isso, mas e o que eu perguntei? você não me respondeu.
- Tudo bem sim, desculpe, e com você?
- Tudo certo, estuda aqui no centro você?
- Pois é, mas isso está pra acabar já, é meu ultimo ano na escola.
- É mesmo? uma pena isso, estava pensando que te veria mais vezes neste horário, é meio chato viajar sozinho, nada pra fazer, ninguém pra conversar, geralmente eu aproveito pra ler alguma coisa da faculdade, mas esses dias estou sem assunto pra estudar.
Nessa hora eu já estava dando sinais claros de nervosismo, o coração acelerado, aquela mão gelada, e a gagueira quase tomando conta.
- Que curso você faz?
- ADM, mas estou pensando em mudar, mas ainda não tenho ideia do que fazer, e você? sendo seu ultimo ano e considerando que já passamos um pouco do meio do ano, pensa em fazer o que?
- Não sei, rola uma certa pressão, mas eu não tenho a menor ideia, meu pai quer que eu faça arquitetura, ele é topografo, dai acredita que vai ser melhor assim, mais fácil pra conseguir emprego.
- E você gosta de arquitetura?
- Eu até gosto da parte de desenho e esse lance mais artístico, mas sou péssimo em matemática, as vezes fico me perguntando como consegui chegar ao terceiro ano.
- Não deve ser verdade isso, você parece inteligente, além de bonito.
Nossa conversa seguiu por essas banalidades e eu continuei com o coração acelerado, o nervosismo não era mais tanto, já estava mais relaxado, mas senti mais daquele desejo de ser notado e o medo de ser, será que eu podia confiar nele?
Afonso se revelou como um carinha bem divertido, o papo com ele fluía fácil, coisa anormal pra mim que era do tipo calado, eu na minha ingenuidade não percebia que ele tava dando em cima de mim, só fazia ficar enrubescido com seus elogios.
Descemos juntos e fomos andando até a minha casa, Afonso tinha um cheiro bom, acho que era colonia pós barba, coisa que eu ainda não usava, ele era pouca coisa mais alto que eu, calculo que 1,90 m, já que eu tinha 1,83 m, eu ficava sorrindo fácil, e acho que ele já devia ter percebido isso, fisicamente ele era bem másculo, braços naturalmente grossos, com pelos no antebraço, coisa que eu invejava, já que meus pulsos eram finos feito de moça, e os pelos ainda demorariam de sair, se um dia isso fosse acontecer.
Ficamos pouco tempo jogando conversa fora no portão de madeira da minha casa, ambos estavam famintos, ele se despediu com um sorriso dizendo que queria me ver mais vezes, eu todo derretido com seu sorriso branco, disse que seria ótimo, fiquei olhando ele seguir pra casa dele, olhando mais atentamente seu corpo, sua bunda arredondada, sua pele bronzeada.
Fiquei toda a tarde pensando nele, aquilo pra mim era algo novo, e desconhecia totalmente as sensações, não conseguia me concentrar em outras coisas, fiquei pensando em maneiras de encontra-lo novamente "de maneira casual", acabei mudando meus horários, sempre dava um jeito de me demorar um pouco mais na escola, eu já sabia qual o seu ponto, e ficava frustrado quando ele não vinha.
Depois de uma semana Afonso pediu meu número, fiquei feliz com mais essa aproximação e trocamos os números, só depois é que eu fui pensar em como seria conversar com ele no telefone da sala na frente de todo mundo, fiquei novamente naquele dilema, querendo que ele ligasse e que não o fizesse ao mesmo tempo, fui ler e o telefone tocou, minha mãe disse que era pra mim, desci as escadas nervoso, gaguejei na hora do alô e Afonso riu:
-Tá Nervoso moço?
- Não, que é isso, e ai? tudo bem?
- Melhorando, você sabe, tá ocupado por ai?
- Lendo, e você?
- Estava estudando um pouco, mas não consigo me concentrar, fiquei pensando em você, está um pouco difícil me concentrar esses dias, sabe?
Gaguejei um serio meio incrédulo, e perguntei o porque.
- Você sabe o porque, nunca gostei de um carinha da sua idade, e você tem sido bem cativante com esse jeito nervoso, sem contar esse sorriso.
Mais gago ainda eu agradeci, ele pediu pra que o encontrasse na pracinha perto do estacionamento.
Me sentei no banco que ficava debaixo da mangueira e esperei, o céu ameaçava uma chuva, e Afonso subiu a escada olhando os trovões que riscavam o horizonte.
- Parece que vai cair o barranco, olha como o céu tá escuro.
Sentou-se ao meu lado esquerdo encostando seu braço no meu, me arrepiei e ele percebeu, dando um pequeno sorriso.