Ele me agarrou pelo colarinho, a boca arreganhada espumando, o olhar de um insano prestes a matar.Senti o violento soco no rosto que me tonteou e depois, na minha visão ainda turva ele e Fernando engalfinhados numa luta brutal. Meu irmão era alto, encorpado e ágil como um ladrão, não tendo pois dificuldade em dominar o mais novo. Retorceu-lhe o braço como a um pano de chão, fazendo o meu loiro urrar de dor.
_Desgraçado!
_Então por isso não se desgrudam!_ grunhiu o mano se deleitando com a dor dele_ Suas cadelas!
Presenciar a dor e a humilhação de Fernando foi o suficiente para que eu saisse daquele torpor que me engessava de medo. Com ódio desferi violento chute no braço do mano, fazendo-o berrar furioso.
_Mato você, Pierrô!
Avançou com extrema fúria para mim, me imobilizando dolorosamente. Pressenti que não escaparia e só tive tempo de gritar a Fernando enquanto era arrastado para fora do estábulo.
_Corre , Fernando!
O tolo ainda hesitou, a pique de avançar no mano outra vez. Gritei mais.
_Fuja seu tonto! Ele vai me levar ao pai!
Ele me olhou apiedado e apreensivo enquanto eu era arrastado, apertado nos braços e estapeado vigorosamente pelo mano debaixo dum festival de palavrões enraivecidos. Ouvi o som seco do farfalhar ligeiro sobre as folhas de mangueira caidas atras de nós e voltei rapidamente a cabeça para trás: era Fernando quem corria para casa. Fiquei mais aliviado.
Brutal, meu irmão começou a gritar pelo pai assim que nos aproximamos da casa. Eu tremia de medo, resistindo aos empurroes, mas sem deixar de olhá-lo com ódio, repugnado como nunca por seu semblante terrível, o fartum de suas roupas tisnadas, seu hálito de cigarro velho, toda a asquerosa figura daquele violento beberrão de trinta e cinco anos.
_Vai dançar muito o carnaval do papai, Pierrô!_berrou ele de repente numa risada sádica,dando-me outro murro na cara que me latejou o rosto numa dor quente e aguda.
Atraido naturalmente por aquela algazarra o meu pai apareceu à porta da cozinha, espantado, cachimbo na mão.
_Que significa este tropel infernal?_ indagou com agressividade.
Como quem puxa pelas pernas um bezerro, o mano jogou-me como um fardo à entrada cimentada da cozinha, fazendo com que meu joelho e palmas das mãos imediatamente se esfolassem. Gemi de dor e raiva, me encolhendo e os encarando com ira.
_Significa_ senti o riso mordaz e a careta de asco nas palavras de meu irmão_ Que o seu filho, um homem praticamente feito, estava aos beijos com o amiguinho, o filho de D. Marcela!
Já em pé, de costas para a porta, vi a feição de meu pai se transfigurar da irritação para um vívido assombro. Perdeu as cores do rosto e, depositando o cachimbo sobre a mesa, fitou o mano atrás de mim.
_Você enlouqueceu, seu porco? Isso é mentira!
_Mentira?Pois se os vi com esses olhos aqui!_ bradou o mano indignado_ Engoliam a língua um do outro, escondidinhos no estábulo. Vai pai! Quebre-o com o cajado! Ele só canta em minhas costas, não? Vê agora, de tanto o senhor poupar o Pierro das surras, vê em quê ele se transformou!
O pavor me paralisava, me acovardava vergonhosamente. Eu tremia. No limiar da porta que levava à sala avistei a madrinha me fitando com espanto, quase terror, a mão na boca. Meu pai me olhava dum modo sinistro, esperando uma resposta. De súbito senti o peso da mão dele em meu rosto numa tapona que me queimou o rosto na hora.
_Fale! É tudo mentira desse imbecil, não?
Me senti à beira dum despenhadeiro, os pés agora no ar. Saltando.
_Não_ sussurrei, encarando-o, o coraçåo paralisado_ Fernando e eu estamos apaixonados.
Ele pareceu ter perdido o fôlego, tamanho o ódio. Berrou um "Degenerado!", me socando com força e já correndo ao canto da cozinha, apanhando o cajado enquanto o mano me segurou , impedindo minha fuga. Jogaram-me ao chão, a porta da cozinha foi fechada e as pauladas e chutes voaram como facadas por meu corpo encolhido, aos gritos de madrinha.
_Não compadre!Pare!_ vislumbrei-a atarantada, afinal saindo de minha vista para não sei onde.
Enquanto o pai me surrava , meu mano chutava-me onde bem entendesse, vigorosamente, me dando a cruel sensação de ser espancado como um cão de rua. Sentia gosto de sangue na boca e percebia os profundos e arrepiantes sons de algo como galhos secos se partindo dentro de mim. Em meio às pancadas latejantes, infernais, num tipo de ódio que nunca vi neles, fui percebendo tudo à minha volta escurecer, apagar feito a luz de um candeeiro no final.
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