Minha vó, que nós chamamos de nona, é de origem italiana. Os pais dela vieram diretamente da Sicília para as grotas do Brasil. Assim, muito das palavras que ela usa são uma corruptela ou, quem sabe, um dialeto falado lá no país da bota. Uma palavra especial sempre me divertiu: Pizza.
Se entrarmos no tradutor do Google, selecionarmos o italiano, digitarmos pizza e logo para ouvir a palavra, ela estará muito próxima da pronúncia que a minha nona usa: piça. Mas, se o Google deixa alguma dúvida, a pronúncia da nona nunca deixou. Assim, desde pequena eu aprendi que nos sábados tinha piça para todos. Todos os sábados, meu pai também contava a mesma piada.
- Vocês sabem qual a semelhança entre o pizzaiolo e o ginecologista? Perguntava. Toda a vez a gente fingia que não sabia a resposta
- Os dois sentem o cheirinho, mas não podem comer! E caia na risada.
Quem nunca se acostumou foi o meu irmão Carlos. O infeliz não aprendia. Conseguia uma menina e teimava em apresenta-la no sábado para a família.
- Mãe, nona: esta é Claudinha. Nós nos conhecemos na faculdade. Estamos namorando.
- Nossa como você bonita Claudinha.
Depois de alguma conversa, batia a fome na nona. Sem rodeios, ela ia direto ao assunto.
- E a menina, gosta de piça?
Dizer que Claudinha pegou um vermelhão é pouco. Ali, uma séria e veneranda senhora perguntando intimidades .
- Aqui todo sábado é dia de piça. Não é Carlinhos?
- Nona, é pizza. Pizza.
- Isto piça. Piça boa era do Genaro, meu marido. A Piça dele era grande. Gostosa.
Nesta altura a menina estava escondendo o rosto. Não sabia se ria, chorava ou se mandava tudo para o diabo que carregue. A nona, sem “desconfiômetro” algum, continuava falando dos dotes do marido.
- Eu esquentava o forno para ele. Ele metia a piça. Quando tava pronta, ele tirava. Eu gulosa enfiava tudo que podia na boca. Me lambuzava toda. Ele botava muito molho. Era de lamber tudo.
- Ah, que saúde da piça do Genaro.
- Pizza, vó. Pizza.
- Isto Carlinhos, Piça. Sabe menina, infelizmente o Carlinhos não puxou pelo avó. Ele já tentou, mas a piça dele é pequena, fria e meio mole. Sabe? Aquela piça sem graça que ninguém gosta. Para dizer, a verdade a única que gostou da piça do Carlinhos foi uma irmã minha, freira. Também, no convento não tem destas coisas. Ela se contenta com qualquer coisa. Pode ser até mole.
A nona continuava, não dando tempo para qualquer contestação. Velha tem a qualidade de ir emendando assuntos, sem respirar. Não dá oportunidade de uma pausa.
- Agora, a gente pede a piça para o rapaz... Como é o nome dele mesmo, Carlinhos?
- Motoboy, a gente pede a pizza na Calábria. Depois, o motoboy traz.
- Isto. A piça do rapaz da moto também é grande. Claro, que não tão quente como a do Genaro. Mas é uma piça boa.
- Nona, eu acho que vou indo.
-Menina, não vai querer piça?
- Aqui a gente gosta muito. A mãe do Carlinhos adora, ataca a nona.
- É que minha mãe tá sozinha. Eu preciso fazer companhia para ela.
- Que nada, menina. Liga e manda ela vir aqui. Garanto que ela também gosta muito de piça.
- O Carlinhos eu vou indo.
- Eu acompanho você, Claudinha.
- Não precisa. A gente volta a se ver quando mudar o cardápio da família. Já pensou na festa de casamento? Tua vó vai querer todas as piças. Porra, até eu. Todas as pizzas.
Enquanto, Claudinha se mandava, Carlinhos reclamou com a nona.
-Viu, já é a terceira namorada que você me azeda.
- Também, você só arruma meninas que não gostam de piça.