Oito anos antesBelém, 2001
Meu nome é Augusto Tavares.
Tenho 16 anos. Não malho, mas corro todos dias pela manhã. Por isso tenho o corpo um magro, mas musculoso. Cabelos loiros ondulados e olhos cinzas. Pedro e Clara, são meus únicos amigos. Uma vez me disseram que meus olhos são cinzentos, como nuvens de tempestade; bonitos, mas também intimidadores. Até alguns meses atrás , era aluno de um internato, em uma escola particular para adolescentes problemáticos no nordeste do estado do Pará.
Se eu sou um adolescente problemático ?
Sim, pode-se dizer isso.
Eu poderia partir de qualquer ponto da minha vida curta e infeliz para prová-lo, mas as coisas começaram a ir realmente mal no último mês de maio, quando nossa turma do sexto ano fez uma excursão ao Museu Paraense Emílio Goeldi, a fim de observar os animais e árvores nativas da região norte.
Eu esperava que desse tudo certo na excursão. Pelo menos tinha esperança de não me meter em encrenca dessa vez. Cara, como eu estava errado. Entenda: coisas ruins me acontecem em excursões escolares.
Nessa viagem, eu estava determinado a ser bonzinho.
Ao longo de todo o caminho para a cidade aguentei Lucas (eu e o Pedro o chamamos de Arroto de Fanta ou Pentelhos Flamejantes ) , aquele cleptomaníaco ruivo e sardento, acertando a nuca do meu melhor amigo, Pedro, com pedaços de sanduíche. A Clara inventou uma desculpa fajuta de que estava com gripe e conseguiu escapar da excursão.
Pedro era um alvo fácil. Ele era magrelo. Chorava quando ficava frustrado. E, ainda por cima, era aleijado. Tinha um atestado que o dispensava da educação física pelo resto da vida, porque tinha algum tipo de doença muscular nas pernas. Andava de um jeito engraçado, como se cada passo doesse, mas não se deixe enganar por isso. Você precisa vê-lo correr quando é dia de frango frito na cantina.
De qualquer modo, Lucas estava jogando bolinhas de sanduíche que grudavam no cabelo castanho cacheado dele, e ele sabia que eu não podia revidar, porque já estava sendo observado, sob o risco de ser expulso. O diretor me ameaçara de morte com uma suspensão “na escola” (ou seja, sem poder assistir às aulas, mas tendo de comparecer à escola e ficar trancado numa sala fazendo tarefas de casa) caso alguma coisa ruim, embaraçosa ou até moderadamente divertida acontecesse durante a excursão.
— Eu vou matá-lo — murmurei.
Pedro tentou me acalmar.
— Está tudo bem. Gosto de sanduíche.
Ele se esquivou de outro pedaço do lanche de Lucas.
— Agora chega.
Comecei a levantar, mas Pedro me puxou de volta para o assento.
— Você já está sendo observado — ele me lembrou. — Sabe que será culpado se acontecer alguma coisa.
Quando ele me lembrou daquilo, eu preferia ter acertado Lucas no ato. A suspensão na escola não teria sido nada em comparação com a encrenca que eu estava prestes a me meter.