O Casarão - Parte 8

Um conto erótico de Whirled
Categoria: Homossexual
Contém 5125 palavras
Data: 09/08/2014 14:11:14
Assuntos: Amor, Gay, Homossexual, Sexo

Já em Maceió, Igor estava empolgado com seus novos companheiros de turma e se divertia numa frenética conversa com eles através de um chat na internet. Ele sabia que a faculdade significava um pouco mais de liberdade, sabia que muitos de seus novos colegas poderiam ser gays (e não deu outra). Sabia que não precisaria ensaiar seus modos e excluir suas gírias do vocabulário. Igor não era efeminado, mas com um pouco de atenção, percebia-se sua orientação sexual.

Enquanto estava sentado na cama com o computador, o barulho das teclas era a única coisa que ecoava naquele casarão vazio, até que um carro buzina no portão. Igor se levantou e foi até a varanda. Não conhecia aquele carro, mas com certeza – ou quase – não era alguém estranho. Desceu as escadas e seguiu para o portão. Pôs seu olho entre as grades de ferro, até que a motorista se mostrou e acenou para Igor.

- Igor, sou eu, Melissa!

“Mas o que ela quer aqui? Será que aconteceu alguma coisa?”. Abriu o portão imediatamente e deixou que o carro entrasse. Ela estacionou próximo aos degraus da entrada e desceu.

- Aconteceu alguma coisa?

- Não, eu só trouxe umas coisas que meu pai mandou. E umas coisas para o Pedro também.

- Ele vai dormir em João Pessoa hoje?

- Vai. Ele ligou, disse que volta amanhã.

- Deve ter sido a Nina...

- Quem é Nina?

- Uma menina que conhecemos lá.

- Aff... Olha, tenho sorte de ser irmã dele. Não queria ser uma civil.

- Civil? – perguntou rindo.

- É, qualquer uma que não fosse da família. Porque, olha, não seria fácil. Do jeito que eu sou ciumenta... Vem, me ajuda com as trouxas.

Melissa abriu o porta malas e Igor a ajudou a levar as sacolas para a cozinha. Estavam muito pesadas, então saíram correndo e rindo com aquela situação.

- Sai da frente, sai da frente!

- Põe aqui em cima da mesa.

- Acho que estourei alguma coisa...

- Não, é porque está molhado mesmo. Tem umas coisas que precisam ir para geladeira.

Enquanto arrumavam os mantimentos, Melissa olhou para Igor e o achou engraçado.

- A gente nunca teve oportunidade de se conhecer, né?

- É, só fui à sua casa uma vez...

- Não sei como você tem coragem de ficar aqui nesse casarão sozinho.

- Ah, é divertido. Quer dizer, eu tenho muita liberdade.

- E os ladrões?

- Não me assustam...

- Posso tomar um desses?

Melissa pegou uma garrafa long neck de cerveja, abriu e começou a tomar.

- Você não vai dirigir?

- Você está me expulsando?

- Não! – respondeu rindo.

- Anda, bebe comigo!

Melissa e Igor passaram aquela noite bêbados e rindo de tudo na varanda do quarto.

Pedro passou a madrugada daquele dia na estrada, rumo de volta para a sua atual residência: o casarão. Mas não poderia chamar de lar. Durante toda a viagem pensou em como seria bom se Nina vivesse em Maceió; poderiam namorar, casar, constituir família e tudo mais que uma vida satisfatória exige de um homem. Era ainda jovem para pensar nessas coisas, mas queria adiantar seu futuro e sua imaginação o ajudava a fazer essa projeção. Pensava em como Nina poderia ser uma boa mãe, era bonita e poderia gerar filhos bonitos, poderia ser boa dona de casa, mas não se queixaria se ela quisesse trabalhar. Seria perfeita. Seria de plástico ou de borracha como uma boneca.

E como poderia ele não perceber que Nina poderia ser tudo, menos uma boa esposa? Aliás, até poderia, mas não para ele. Isso simplesmente pelo fato de que ele não chegou a pensar nela como tal! Mas seguiu dirigindo crente de que seria bom se casar com ela. Pena que ela não fosse alagoana.

Já Melissa e Igor estavam na sexta garrafa de cerveja cada um e se deitaram na cama, pois no estado em que estavam ficar na varanda era perigoso. Correram para as camas e continuaram rindo.

- Agora é sua vez...

- Nunca, nunca, nunca!

- Ah, não é justo, Igor, eu contei quando foi a primeira vez que eu transei...

- Não posso contar!

- Por que?

- Porque eu sou virgem...

- Ah, que mentira, Igor!

E atravessaram a noite em risadas e mais piadas sobre si mesmos, até que se juntaram na mesma cama, se abraçaram e começaram se beijar. Mas logo voltavam a rir. Continuaram assim, entre beijos e gargalhadas, até que caíram no sono. Pedro chegou ao casarão, não estacionou a van de forma correta e nem mesmo pegou sua mochila. Abriu a porta de entrada e subiu as escadas. Por estar quase que completamente vazia, sua movimentação ecoava por todo o casarão. Chegou ao quarto e viu a silhueta de um corpo deitado na cama. Seria Igor. Seria. Ao acender a luz do quarto, pôde ver sua irmã e seu inimigo abraçados e as pernas entrelaçadas.

Sua primeira reação mental foi imaginar que estivesse interpretando errado, mas não havia como enxergar outra coisa. No mínimo aquele casal havia se beijado, mas a disposição dos corpos na cama gritava outra coisa. Algo muito mais além. Igor vestia apenas a bermuda, que era curta e de tecido fino. Mesmo que Melissa ainda usasse toda a roupa, era de se desconfiar que eles tivessem transado.

Pedro caminhou até a borda da cama, olhou um pouco aqueles dois e não conseguia decidir o que mais o incomodava naquela situação. Antes que sentisse vontade de vomitar, agarrou o calcanhar de Igor e o puxou com força até que ele caísse da cama e batesse a cabeça fortemente na quina do pé da cama. Mesmo após ter caído, não acordou totalmente, pois ainda estava sob o efeito do álcool e por isso a dor foi intensificada. Enquanto Igor se deitava involuntariamente ao chão, levando suas duas mãos a nuca, Melissa acordou e viu o irmão ao pé da cama, mas não conseguiu raciocinar sobre os recentes acontecimentos.

- Pedro?

Melissa ergueu um pouco o tronco e se encostou na cabeceira da cama. Pedro a olhava com muita fúria, enquanto Igor, fora do alcance da visão de Melissa, estava deitado no chão, aos pés de Pedro.

- O que você está fazendo aqui com ele?

- Ele quem?

- Ele, ele, ele... Quem mais? – berrou furiosamente.

Enquanto berrava, pegou mais uma vez o calcanhar de Igor e o ergueu. Melissa despertou rapidamente e saiu da cama em disparada para socorrer o amigo.

- Igor, como você foi parar ai?

Melissa se agachou para acolhê-lo, quando Pedro a puxou pelo braço, levantou-a e a empurrou em direção a outra cama. Melissa se sentou no colchão e gritou.

- Ai, ta louco? O que te deu?

- O que me deu? O que te deu? Você e Igor juntos? O Igor, Melissa? O Igor?

- O que tem o Igor?

- Como o que tem o Igor? Você sabe...

- Hã? Você acha que eu e o Igor... Que a gente? Não!

- Como não, Melissa?

- Não, a gente só bebeu e dormiu.

- E precisavam dormir agarrados desse jeito?

- Para, Pedro, que saco. Ajuda o menino a se levantar.

- Ele que se levante sozinho.

Melissa não aguentou o peso de seu tronco e acabou despencando em cima da cama. Já Igor continuou ao chão, encolhido em forma de concha, com a mão na nuca e sofrendo as dores da forte pancada. Pedro, por sua vez, não se arrependeu de ter cometido o engano, tanto que voltou ao seu estado normal em pouco tempo. Olhou para Igor ali aos seus pés e não teve coragem de se desculpar, mesmo com apenas gestos: ajudá-lo a se levantar.

Achou, então, que fazer um café ajudaria como um pedido de perdão. Apagou a luz do quarto, desceu as escadas e esperou que a cafeteira fizesse o resto. Veio à mente, então, o que ele faria se Igor e Melissa tivessem mesmo transado. Acabariam ali todas as agressões? “Eu matava o Igor. Ah, matava sim!”. Melissa era a sua irmã, seria, portanto uma grande traição da parte de Igor. Eram os dois inimigos. Como aceitar que o inimigo se deitasse com seu irmão ou irmã? Ainda mais Igor que era gay. “Que absurdo seria. Eu diria pra todo mundo que ele é viado...”.

Voltou para o quarto com duas xícaras de café e acendeu a luz. Melissa dormia profundamente na cama do irmão, que se aproximou dela, ajudou a se levantar um pouco, mas em vão, pois ela logo caía. Foi quando um som rompeu suavemente o tímpano de Pedro. Igor estava chorando quase que em silêncio. Ao se voltar para o garoto, percebeu que ele ainda estava no chão e que ainda segurava a nuca. O coração pulsou com tanta força, que provocou um novo susto, além do já sentido pelo choro abafado do menino. Sem demora, pôs as xícaras em cima da cômoda e foi acudir a Igor.

Ajoelhou-se ao chão e tentou puxar com delicadeza a sua nuca para apoiá-la em sua coxa. Foi quando Pedro se desesperou e se arrependeu, finalmente, de sua atitude impensada. Igor não havia sofrido nenhum corte ou coisa grave, mas era uma dor tão aguda que lhe fazia sentir os ossos do crânio. A cabeça de Igor pousou sobre a coxa de Pedro, que pode ver aqueles olhos castanhos espremidos e encharcados de lágrimas. Era uma criança de seis anos que ele tinha em seu colo e toda vez que Igor tentava respirar, pulsava o coração de Pedro. O moleque estava ali estirado no chão, apenas vestindo um pequeno short. Ele então começou a cobrir seus olhos com as mãos, numa tentativa de enxugar as lágrimas e se esconder da vergonha de estar bêbado.

- Igor, dói muito?

- Dói!

- Dói aqui na nuca? – pondo a mão.

- Dói!

- Espera, deixa eu te deitar na cama...

- Não!

- É a cama, Igor, a cama é melhor que o chão.

- Não, não, não, não...

- Igor...

- Não...

E enquanto esbravejava embriagado, sacolejou as pernas e despencou da coxa de Pedro, caindo de nuca no chão, provocando um barulho oco. Tum! Confundiu-se aquele barulho com a pulsação do coração de Pedro. Tum! Pedro tentou pegar Igor nos braços, mas o menino continuou chorando e esperneando, agora com muito mais dor em sua cabeça. Melissa acordou.

- O que é isso?

- Me ajuda com o Igor.

- Mas o que aconteceu?

Melissa se aproximou, agachou-se e ajudou a Igor se levantar. Foi só quando ela chegou, que ele se acalmou e juntos, os dois bêbados, deitaram na cama, mais uma vez um agarrado ao outro. Pedro assistiu toda a cena e não conseguia acreditar que Igor ainda chorava e reclamava de sua nuca. Ele se deitou de lado e se encolheu, Melissa por sua vez se encaixou em seu corpo e o massageou na cabeça. Continuaram assim por muitos minutos, enquanto Pedro pegou uma das xícaras em cima da cômoda, tomou o café, apagou a luz e foi se deitar. Sem culpa.

Na manhã seguinte, Pedro foi o primeiro a acordar. Abriu seus olhos, rememorou o que havia acontecido na noite anterior e continuou deitado por alguns minutos. Pensou na tragédia que seria se Igor e sua irmã tivessem mesmo transado. O que causaria em ambas as famílias? Obviamente era um exagero de Pedro, pois mesmo que tivessem transado, a probabilidade de Igor e Melissa se sentirem desconfortáveis com o fato era mínima. Aparentemente mínima!

Girou sua cabeça sem mover um músculo do resto de seu corpo e viu os dois ainda dormindo e abraçados um ao outro. Observando com cautela, pareciam dois irmãos. Igor parecia muito mais afetuoso em apenas um dia para com Melissa que Pedro em anos de sua existência. O fato de Igor ser gay dissolvia toda a tensão de horas atrás na cabeça de Pedro. Para ele, os dois ali abraçados de maneira tão íntima não configuravam nada mais que dois grandes amigos. Mesmo que nunca tivessem sido amigos antes. Para Pedro, nada mais poderia ser que a estereotipada amizade de uma garota moderna com uma bichinha.

Levantou-se e desceu para a cozinha, passando pelo salão principal que sempre estava encoberto de poeira e barro avermelhado. Muitas vigas de madeira no chão encostadas na parede sinalizavam o caminho para a cozinha, que, ao contrário do cômodo anterior, estava limpa, com todas as peças guardadas e agora abastecida com mais comida. Pedro não notou isso, nem mesmo que o prato, a panela, o garfo e o copo que sujou e não lavou antes de ir a João Pessoa já não se encontravam na pia. Pegou então a cafeteira e começou a preparar a refeição da manhã. Abriu a porta lateral de acesso a cozinha pelo jardim do casarão e deixou que a luz matinal entrasse.

Nesse meio tempo, Igor despertou. Sua cabeça ainda doía, mas já não chorava, afinal não estava mais embriagado. Ao tentar se levantar, acordou Melissa sem querer.

- Nossa, que dor nas minhas costas... Que horas são?

- Não sei. Estou descendo pra tomar café. Você vem?

- Não, vou aproveitar sua cama mais um pouquinho.

- Fique a vontade.

Igor desceu da cama, procurou por debaixo dela seu par de sandálias e pegou em sua mala uma camisa. Melissa o assistiu deitada e perguntou.

- Se lembra de ontem?

- Muito pouco. – mentiu.

Na verdade, Igor se lembrava de tudo, inclusive o motivo de sua incrível dor de cabeça. Já Melissa apenas se lembrava do momento posterior a queda de Igor e, os acontecimentos seguintes, eram só pequenos flashes em sua memória. Igor lhe sorriu e desceu as escadas. Na cozinha, Pedro já se preparava para pôr o café numa xícara, quando Igor chegou por trás e lhe tomou rapidamente a xícara de suas mãos.

- Ei, o que é isso?

- Isso é a minha xícara!

- Não há xícaras marcadas aqui, idiota!

- Sim, há sim. Veja, essa é minha, trouxe da minha casa, é a xícara que eu uso para tomar o meu café.

- Dane-se, enfie no cu.

- Enfiarei, mas não agora. – pondo a xícara em cima da mesa – Agora, só direi uma coisa, Pedro: estou sendo muito bondoso com você e isso vai acabar!

Pedro começaria a rir daquela ousadia, pois, em sua memória não havia nada que ele devesse a Igor e poderia viver muito bem sem a sua solidariedade. Até que se lembrou de um motivo bastante forte para temê-lo. Sua fisionomia mudou completamente em segundos, pôs a cafeteira em cima da pia e partiu para cima de seu inimigo. Agarrou-o pela gola e o arrastou pela cozinha. Como se a dor de cabeça de Igor provocada por Pedro não fosse o bastante, este o pressionou contra a parede e o fez chocar a cabeça, mais uma vez.

- Você está pedindo para morrer, não é Igor? – sussurrou.

- Pedindo não estou, mas se quiser, faça. Faça agora!

- Não me provoque! – pressionando-o ainda mais contra a parede.

- Se eu quisesse contar, já teria contado.

- E eu já teria te matado de porrada.

- Você acha mesmo que eu tenho medo de você. Acha? E outra, eu também saio perdendo se contar. Com você eu pouco me importo, aliás, nada me importo. Mas eu me importo comigo e não ganharia nada se alguém soubesse. Agora me largue seu imundo!

- Olhe bem, escute bem, viadinho. No dia em que alguém descobrir qualquer coisa... Nem quero saber se a culpa é sua. Você ta morto!

Pedro finalmente o largou e se afastou. Pegou a cafeteira e procurou por outra xícara no armário superior, acima da pia. Olhou para Igor mais uma vez e voltou-se para o seu café. Percebeu depois que não havia mais xícaras no armário; abriu outras portas e nada.

- Onde estão as outras xícaras?

- Não sei. Procure!

- Igor, eu não estou brincando...

- Rá, e eu estou, por acaso? Dane-se!

- Você escondeu as xícaras?

- Escondi. Estão todas no meu cu, onde eu vou enfiar essa também.

- Não, me dá sua xícara e deixa que eu mesmo enfio!

- Você deveria subir e buscar as duas xícaras de café que você mesmo levou para lá.

Pedro então se lembrou que havia apenas três xícaras no casarão: duas delas (as que estavam no quarto) tinham sido levadas pelo seu pai e a que estava com Igor pertencia a ele mesmo. Sua irritação não poderia ser maior naquele momento. Quis matar Igor enforcado no chão daquela cozinha, até que sua irmã apareceu com as duas xícaras enquanto bocejava.

- Hum, fizeram café? Pedro, põe pra mim, por favor.

Puxou um dos bancos e se sentou a mesa enquanto seu irmão pegou as xícaras, lavou-as e pôs café. Ao retornar a mesa, Igor foi a geladeira e buscou uma caixa de suco industrializado.

- Eu ainda estou um pouco de ressaca... Não diz ao papai que eu tomei suas cervejas, hein? Nem diga que dormi aqui.

- Ele não sabia que você ia dormir aqui?

- Claro que não. Ele achou que eu fosse dormir na casa da Maíra.

- E você acha bonito mentir, não é?

- Ah, Pedro, pra cima de mim?

- Mas eu sou homem.

- E daí? E eu sou mulher, empatou! Mas conta pra gente, como é que o Igor foi parar no chão?

Igor se sentou ao lado de Melissa, em frente ao Pedro na mesa.

- É, Pedro, conta! – fingiu curiosidade.

- Não sei, quando cheguei, ele já estava no chão.

- Você não se lembra mesmo de nada, Igor?

- Lembro de ter tido um pesadelo, mas só isso.

- Então está decidido: você é o meu mais novo companheiro de bebedeira.

- Eu? Mas não deveria ser o contrário? Se eu nem vou conseguir cuidar de mim, quiçá de você!

- E quem disse que eu quero que alguém cuide mim? Quero alguém não lembre e não me chantageie com as coisas que eu fizer enquanto eu estou bêbada, sacou?

- Saquei!

Alguns pedreiros chegaram ao casarão, chamaram na entrada e Pedro foi atendê-los.

- Escuta, suas aulas já começaram?

- Não, essa é a semana dos calouros.

- Ah, pra mim também é. Mas eu não fui ontem.

- Por que não?

- Tive médico de meninas.

- Ah, sei...

- Vai pra minha casa na sexta?

- Vou, mas vou ficar só durante a tarde. A noite o pessoal vai fazer uma festa pra fechar a semana dos calouros.

- Sério? Meu curso nem vai fazer...

- Ah, vem comigo, então. Te apresento o povo...

- Fechado. Mas agora eu preciso ir, porque meu pai não pode me pegar aqui.

- Eu acho que seu pai nem vem hoje, mas é bom não arriscar. Corra!

- Eu vou. Beijo, até sexta.

- Até.

As reformas no lado externo esquerdo do casarão estavam quase concluídas. Algumas paredes ainda precisavam de reboco e algumas janelas ainda receberiam as esquadrias, mas seria questão de dias até que ficasse pronto para receber a tinta. Só não seria pintada naquele momento porque esperariam para pintar o casarão quando estivesse tudo pronto do lado de fora. Nisso, os operários estavam se apressando para finalizar o lado esquerdo e partir para o direito. Pedro, que já tinha experiência tanto no curso como em estágios e projetos acadêmicos, se entreteve nesse processo de finalização e nem se lembrou da existência de Igor.

Já o menino, que nada poderia fazer naquela confusão de berros e cimentos, apressou-se para tomar banho, vestir-se e sair dali o mais rápido possível. Almoçaria na universidade e faria de tudo para voltar o mais tarde possível ao casarão. Enquanto vestia sua camisa pólo, teve uma ideia.

- Alô, Rafa?

- Oi.

- Rafa, você já almoçou?

- Claro que não, ainda são onze horas.

- É que eu não vou almoçar em casa hoje. Topa almoçar comigo em qualquer lugar?

- Super topo!

- Ta, então como a gente faz?

- Passa aqui em casa. É o tempo de eu tomar banho e me arrumar.

- E como eu chego aí?

Após todas as instruções dadas, Igor não pensou duas vezes. Arrumou todas as suas coisas no quarto, vestiu sua camisa e trancou a porta. O plano seria abafar o som do secador, que ninguém sabia que ele tinha levado na mala. Ligou o aparelho de som numa altura média e começou a se pentear, formando um pequeno topete na frente. Estava pronto para sair. Desceu as escadas correndo, procurou Pedro entre os pedreiros e o viu muito ocupado. Bom para Igor, que saiu tranquilamente pelo portão, chegando à rua, e caminhou até o ponto de ônibus mais próximo.

Ao meio dia e meia, Pedro já sentia o cheiro das marmitas dos operários e sentiu fome. Enquanto assistia ao último pedreiro trabalhando, olhou para o relógio e constatou que era hora do almoço. Atravessou os sacos de cimento, deu a volta no casarão pelos fundos, passando pelo galpão, uma espécie de dispensa da obra e entrou na cozinha pela porta de acesso ao jardim. Estranhou que não sentiu nenhum cheiro de comida quando entrou. O chão da cozinha estava imundo mais uma vez, diferente daquela mesma manhã. As xícaras que ele e sua irmã haviam usado ainda estavam na pia. Deu a volta na mesa para alcançar o fogão e viu que não havia panela alguma em cima.

- Mas onde está o almoço?

Pedro, até aquele dia, nunca tinha se perguntado quem era o ser mágico que cozinhava e limpava para ele.

Durante um pouco menos de um minuto, Pedro ficou parado, estático, em frente ao fogão. Enquanto franzia a testa, se questionava sobre o motivo de não haver panelas ali. Pôs as duas mãos na cintura e se perguntou “Mas quem cozinha...é o Igor?”. Quem mais poderia ser? Quando não era uma refeição pronta, como as trazidas da rua pelo seu pai, a comida estava ali pronta em cima do fogão. Geralmente era um macarrão ao alho e óleo, uma outra panela com molho, as vezes feijão e arroz, que poderia ser apenas branco ou refogado e ainda tinha a carne, que geralmente era um frango de padaria que o próprio Igor saía para comprar, sem que pedisse e sem que o vissem. À noite, geralmente Igor fazia fubá ou comprava um bolo simples.

Naquele dia não havia nada para comer, nada pronto, nada que poderia ser feito, exceto o comum macarrão instantâneo. Pedro deu a volta na mesa para alcançar o armário e tirou de lá um pacote, pós uma panela para ferver água e se encostou na pia enquanto esperava que os três minutos de cozimento do macarrão passassem. Foi o tempo de parar e pensar nos motivos de não haver comida. “Igor já comeu? Aliás, cadê ele?”. Era um tipo de raiva que Pedro sabia que não deveria sentir e ficava mais irado justamente por isso. Ele sabia que Igor tinha todo o direito de não cozinhar, aliás, sabia que Igor não tinha nenhuma obrigação naquele casarão, exceto a de zelar pela segurança do mesmo. Afinal, foi por isso que eles foram intimados a serem os primeiros hóspedes desse futuro hotel.

Os três minutos se passaram e Pedro tratou de comer o macarrão na própria panela. Era o mesmo gosto de nada, como sempre, e com a fome que costumava ter, apenas um pacote não era o bastante. Pôs a panela para ferver água novamente e cozinhou outro macarrão instantâneo. Comeu e tomou um copo de refrigerante. Depois dali não foi mais possível se concentrar na obra como antes. Se bem que, concentrado ou não, a reforma continuaria: o arquiteto e os pedreiros estavam lá e eram os únicos que conseguiam interferir e fazer algo. Às dezoito horas, quando o casarão já estava vazio, ligou para Rebeca.

- Posso passar na sua casa?

- Hoje? Que horas?

- Agora.

- Ai...

- Posso ou não?

- Pode, mas eu vou demorar pra me arrumar.

- Não precisa se arrumar. – disse irritado.

- Como não?

- Ok, tchau!

- Espera, Pedro.

- Passo daqui a vinte minutos. Tchau.

Tomou um banho rápido e fechou o casarão. Em sua mente, isso não passava de uma distração, aquilo que todo homem heterossexual, independente (ou quase) e solteiro (às vezes não) fazia para se divertir. Era normal, não tinha nada de errado nisso. E Rebeca era divertida, bonita e muito decidida. Foram ao motel e fizeram o de sempre.

- Vamos dormir por aqui mesmo?

Pedro estava imerso em pensamentos desconexos. Ele estava deitado, com os braços abertos e as mãos apoiando sua nuca, olhava para o espelho no teto, mas não prestava muita atenção na imagem refletida. Rebeca, por sua vez, estava nua deitada em cima do peito do companheiro.

- Pedro?

- Oi.

- Achei que já estivesse dormindo.

- Não.

- Vamos dormir por aqui mesmo?

- Não sei...

- É que eu nem disse a minha mãe que dormiria fora e nem é fim de semana. Acho que não posso dormir fora hoje, entende?

- Sim.

- Então que horas vamos?

- Você quer ir agora?

- Não, só quero saber que horas nós vamos.

- Não sei, quando você quiser ir, me chame.

- Ei, mocinho, mas não é pra dormir não.

Pedro não poderia recusar o pedido de uma fêmea. Não seria macho se o fizesse. E não o fez. Continuaram namorando, enquanto ele se concentrava no ato de satisfazê-la. Mas a sua satisfação pessoal foi totalmente esquecida pelo simples fato de que ele nem se enxergava naquele quarto avermelhado e escuro. Houve muitos beijos e apertos em regiões erógenas, arranhões e tudo mais que Pedro sabia que Rebeca adorava. Era como uma receita pronta de algo que ele já sabia bem, bastava executar. Era um exercício de pôr em prática e só. Só!

Igor voltou para o casarão com algumas sacolas na mão e não pensava em outra coisa senão desembrulhar suas compras. Naquele inicio de noite, morria de fome e não comeu na rua. Passou pelo salão principal e partiu para a cozinha. Quando chegou, não a reconheceu. Na verdade, reconheceu sim, era a mesma sujeira que sempre encontrava quando retornava. Mas olhou bem para tudo aquilo e se sentiu mais aliviado, pois sabia que não limparia. Pisou com cuidado para não escorregar ou sujar seus tênis e pôs as compras em cima da mesa. De uma das sacolas tirou duas panelas, fundas e uma frigideira, todas de tamanho médio. Ainda havia pratos, colheres, garfos e facas, todos em pares e um copo de plástico resistente.

Pôs a frigideira no fogão e a aqueceu. Enquanto isso, pegou margarina e começou a fritar um ovo; por cima pôs uma fatia de presunto, depois uma de queijo. Apagou o fogo logo em seguida, enquanto o queijo derretia. Cortou uma rodela de tomate, pegou uma folha de alface e partiu um pão ao meio. Estava feito o seu jantar! Pôs refrigerante no copo novo e se alimentou de pé, pois não quis sentar nos bancos e correr o risco de se sujar. Após matar a fome, lavou tudo o que usou, enxugou e devolveu às sacolas. Subiu com suas compras para o quarto e as guardou em sua mala, a que estava mais vazia. Deu uma boa olhada no quarto e deu de ombros pela ausência de Pedro. Por fim, foi tomar banho.

A van adentrava o casarão nesse instante. Pedro olhou a luz do quarto acesa e supôs que seu inimigo já tinha voltado da faculdade. Não havia motivo para ficar zangado por isso, afinal, tinha acabado de ter um bom inicio de noite – restava perguntar para quem tinha sido bom. Abriu a porta e subiu as escadas. Ao chegar no quarto, começou a se despir e a esperar que Igor saísse do banheiro. O que não demorou, pois quando já tirava a bermuda, a porta se abriu e de lá saiu o seu companheiro de quarto, vestindo um short pequeno e uma camiseta enquanto enxugava o cabelo com uma toalha. Olharam-se por um segundo e seguiram seus rumos. Pedro entrou no banheiro, que estava impregnado pelo cheiro do sabonete de Igor, e tirou a cueca, jogando-a em cima da tampa do vaso sanitário. Inconscientemente, enquanto se lavava, fazia de tudo para tirar de seu corpo toda a sujeira que Rebeca poderia ter lhe deixado. Esfregou-se com força e passou mais de oito minutos embaixo d’água.

Mas quando terminou, nem mesmo se enxugou. Pegou sua toalha, amarrou-a na cintura e saiu pingando e molhando tudo. Ao sair, Igor estava sentado em cima de sua cama, com as pernas cruzadas, uma por cima da outra. Pedro não acreditou no que viu: o menino estava enxugando o cabelo com um secador. Parou por um minuto diante daquela cena e se irritou mais ainda. Era inacreditável para Pedro o quanto que Igor conseguia ser gay, mesmo que as pessoas não notassem. Igor por sua vez não deu a mínima atenção e continuou a se secar, enquanto Pedro, naquele momento, arrancou a toalha do seu corpo e começou a se enxugar com agilidade. Abriu a gaveta, puxou uma cueca e a vestiu rapidamente.

Era curioso como aqueles dois poderiam se ver como estranhos, se odiavam por completo e mesmo assim conseguiam ter uma rotina tão íntima. Pedro se despia e se vestia sem nenhum pudor, enquanto Igor fazia em sua frente aquilo que ele nunca fez na frente de outra pessoa, que era secar o seu cabelo com um secador. Igor tinha verdadeiro pavor de imaginar que alguém pudesse um dia vê-lo fazendo isso, mas de Pedro ele não tinha nenhum medo e o ignorava.

- Seu pai sabe que você tem um secador? – perguntou enquanto se sentava na cama.

Mas Igor não respondeu, nem mesmo o olhou ou mexeu algum de seus músculos para lhe prestar atenção.

- Se seu pai soubesse o filho que tem... Coitado!

Mas foi ignorado mais uma vez.

- Olha, eu quero dormir, dá pra desligar essa porra?

Igor então jogou levemente os cabelos para trás com uma das mãos, olhou para o inimigo e desligou o aparelho. Não o fez por ele, é claro, fez porque realmente já tinha terminado de se secar. Arrumou as mechas com os dedos e se levantou para guardar o secador na mala. Voltou para a cama com o computador, abriu-o e se sentou na mesma posição.

- Ah, agora você vai ficar fazendo barulho com as teclas do notebook? Perfeito!

Igor continuou a ignorar e se entreteve na internet, conversando com novos e velhos amigos e lendo uma coisa ou outra. Pedro se deitou na cama, espalhando o corpo e ligou a televisão; procurou algum canal que prestasse e não achou nenhum. Respirou fundo e observou como Igor conseguia ter paciência com toda aquela nova rotina forçada que havia sido instalada entre eles. Não restou muito o que fazer, levantou-se da cama e apagou a luz, na tentativa de incomodar seu inimigo.

Mas Igor já esperava por isso, um momento ou outro Pedro faria isso. Então rapidamente levou o computador para a varanda, voltou para o quarto e pegou o travesseiro e o lençol. Fechou a porta da varanda e pôs o travesseiro em cima da cadeira de metal para o seu melhor conforto. Continuou suas atividades e mais uma vez conseguiu se ver livre do mau humor de Pedro. Este por sua vez se irritava pelo fato de Igor conseguir viver naquela nova realidade, aparentemente o menino se encaixava com aquilo, mas ele não.

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Comentários

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Deve ser difícil para Pedro aceitar e descobrir que o amor que senti é para outro homem. Muito incrível tudo isso.

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