CAPÍTULO 10: TULIPAS E AMEAÇAS.
A água era escura, então, mesmo com os olhos abertos eu não conseguia ver nada à menos de um metro de distância.
Do nada uma enorme boca apareceu à minha frente e veio em minha direção. Com o susto nem pude pensar direito e apenas estendi as mãos na frente do rosto e uma parede de gelo se formou, fazendo com que a coisa, ao invés de me engolir me arremessou para fora do lago. Eu caí com violência contra as raízes de uma árvore e ao tentar me levantar, uma serpente gigantesca saiu da água, espirrando a mesma para todos os lados.
Era a coisa mais feia que eu já havia visto em toda a minha vida. Ela tinha uma pele negra gosmenta e sua boca era maior que a cabeça, com milhares de dentes, um por cima do outro. Quando ela me encarou, soltei um grito alto e agudo, que a fez rugir junto, más não me atacou.
Ela ficava balançando de um lado para o outro com metade do corpo para fora da água. Então, me levantei lentamente e quando ia correr, ela gruniu fazendo um som estranho, e eu paralisei.
- Hizel!!!- Enzo apareceu um pouco mais acima do rio e logo os outros também. Imediatamente a criatura virou-se para eles e rugiu novamente, indo em sua direção com aquele buraco cheio de dentes, pronto para o ataque.
Corri na mesma direção o mais rápido possível, e quando ela ia alcança-los, saltei dando um soco com todas as minhas forças ao lado de sua cabeça. No local que atingi, minha mão entrou levemente no couro da criatura e sangue jorrou em meu rosto; em seguida ela foi jogada com violência contra as árvores que rodeavam o local, derrubando as atingidas.
O impulso que tomei foi tão forte que nem cair de pé eu consegui. Rolei pelo chão e parei próximo à um ramo de capim. Bloondie correu rápido até mim e me virou de peito para cima.
- Hizel, você está bem?- Perguntou preocupada e logo os outros vieram também.
- Foi legal.- Respondi com os olhos fechados.
- Ah, idiota!- Ouvi Erin reclamar um pouco atrás.
Então me levantei e olhei para Enzo. Ele sorriu e foi em direção a serpente.
- Será que ela morreu?- Disse ele pegando um galho seco no chão.
- Será? Você viu o soco que ela levou?! Se ainda estiver viva é um milagre!- Christopher continuou.
- Nem usei tanta força...- Brinquei examinando o buraco no pescoço do animal. Cobra tem pescoço?
- Nem usou tanta força? Dá um soco aqui com toda a sua força.- Christopher apontou para seu peito.- Vamos ver quantos quilômetros eu voo!- Todos rimos e Enzo cutucou o animal.- Fala sério, essa coisa tem umas cinquenta vezes o seu tamanho e você deu apenas um soco nela e ela morreu... Eu é que não tiro mais graça com você!- Falou apertando minhas bochechas e esticando de um lado para o outro.
- Éca! Olha as suas mãos!- Erin se aproximou com cara de nojo.
Levantei as mãos, ambas e parte do meu tórax estavam cobertos de sangue.
- Vai tomar banho, seu porquinho!- Bloondie também esbravejou.
- Está bem... Só não aqui nesse lago.- Falei me afastando da borda e logo todos fizeram o mesmo.
Retirei uma grande bolha de água do rio e fui até um lugar afastado dá floresta para me limpar. Assim que terminei, montamos nos cavalos e seguimos estrada à fora.
Durante o trajeto de cinco horas que fizemos, passamos por vários lugares, como: campos floridos, campos sem flores, florestas, pântanos, rios, até uma pequena área como um deserto se enfiou em nosso caminho.
- Quando vamos parar?- Perguntou Bloondie fazendo manha.
- Não sei, más ainda não.- Ian respondeu de imediato.
- Porque não? Eu estou cansada...
- Não sei, más ainda não.- Repetiu.
- Se disser de novo isso, eu acabo com a sua raça!- Ameaçou com os olhos serrados.
- Não sei, más ainda não.- Disse fazendo a garota dar um ataque em cima do cavalo.
- Bloondie, calma... Logo, logo, iremos chegar... Bom, iremos chegar à algum lugar.- Falei me atrapalhando nas palavras.
- E porquê não paramos agora?- Questionou.
- Não sei, más ainda não.- Imitei Ian, fazendo todos rirem, menos ela.
- Aaah!!! Eu não dou mais um passo adiante!- Falou pulando do cavalo e cruzando os braços.
- Bloondie...- Tentei argumentar más ela virou o rosto me ignorando.
- Vejam!- Erin disse nos fazendo olhar ao longo da estrada. Quase no fim do caminho, podíamos avistar a entrada do que parecia ser uma cidade.
- Vamos.- Ordenou Enzo fazendo seu cavalo andar novamente.
- Esperem!- Ian, como sempre, descordou.- Não sabemos o que há lá. Não podemos simplesmente ir entrando, não estamos mais em Hounturan.
- O que você quer dizer com isso?
- As pessoas que não moram nas grandes cidades não confiam em estranhos. Você seria idiota o bastante para entrar em um território que nem conhece, assim?- Enzo não respondeu, apenas olhou sério para Ian.- Nem como líder você serve, deveria estar brincando de bonecas ao invés de tentar liderar alguém!- Disse com a voz alterada.
- Ei! Não grita com ele!- Me deu a louca e me meti entre os dois.
- Por que? Por acaso ele é tão bom líder assim para você?
- Sim. Melhor que você!- Respondi levantando uma sobrancelha.
- É? Então porquê o seu líder exemplar não conta aos seguidores, o que vocês dois fazem sozinhos no meio mato?!- Minhas mãos tremeram.
Aquela não era a hora nem oportunidade certa para falar nesse assunto. Para mim, usar segredos como arma de discussão era a coisa mais baixa e egoísta que alguém poderia fazer. Agora ambos estávamos tomados pela raiva, e quando isso acontece, é realmente difícil segurar a língua.
- Está com inveja?- Foi a única coisa que saiu da minha boca, até inconscientemente. Quase todos ali já sabiam de mim e Enzo, ou eu Enzo e Ian... Menos o furacão Erin, que estava com previsão de destruição em massa daqui à alguns segundos.
- Do namoro de vocês?- Ele não usou essa como arma, foi mais uma indireta para Erin do que para mim... E ela entendeu.
- O QUE?!!- Gritou e eu apenas fechei os olhos.- Enzo, o que ele está dizendo?!- Senti ela passando atrás de mim e indo até seu irmão, que estava no outro lado.
- É isso mesmo, Erin, eles são namorados. Ontem antes do jantar eu os peguei se beijando na floresta!- Atirou outra. Meus olhos se abriram e um ódio imenso me dominou por dentro, e eu lancei um tapa em seu rosto. Não usei tanta força, más ele voou do cavalo e caiu na beirada da estrada.
Desci do meu cavalo também e fui em sua direção, já pronto para terminar o que comecei.
- Hizel, não!- Senti Bloondie segurar meu braço direito e me puxar para trás.- Não piora as coisas, por favor...
- Foi ele quem começou! Agora me solta, e culpa não é minha se ele não sobreviver.- Disse dando mais alguns passos, más a voz de Erin me parou.
- Responde, Enzo! O que ele disse é verdade?!!- Ele apenas olhou em seus olhos juntando as sobrancelhas e respondeu:
- É.- Vi o rosto dela se deformar de raiva e ela desceu de seu cavalo vindo em minha direção. Ela simplesmente chegou perto e me deu um tapa na cara.- Erin, não!- A olhei sem acreditar no que havia acabado de acontecer.
Arregalei os olhos e enrigeci o rosto.
- Você sabe que se eu devover esse tapa, você morre...- Disse sem alterar o tom.
- Então vem!- Assim fiz. Fechei os punhos e quando ia acertar seu rosto, a raiva passou.
- O que aconteceu?- Perguntou ela com cara de grogue.
- Eu não sei...- Abaixei o braço e olhei em volta.
- Gente! Foram elas...- Disse Bloondie nos chamando a atenção. Ela estava parada à frente de várias flores de cor lilás, e todas estavam cortadas ao chão.- São tulipas de Odália. Elas soltam um perfume que faz as pessoas ficarem irritadas e até mesmo brigarem; no caso de vocês, contarem segredos que não deviam...- Ela balançou a cabeça na direção de Ian, que estava sentado no chão com as mãos na cabeça.
- O que eu fiz?- Perguntou confuso. Erin arregalou os olhos e se virou para mim.
- Eu... Vocês... Ai meu deus!- Ela apontava frenéticamente para mim e Enzo.- Ele... Ele disse que vocês namoravam!- Gritou pondo as mãos na frente da boca.
- É verdade.- Enzo falou vindo até mim e segurou em minha mão direita.- Eu e Hizel somos namorados.- Falou sorrindo e eu retribui
- Ai que lindo!- Bloondie veio e nos abraçou.
- Se você quiser, a gente também pode ser um casal, gata!- Christopher fez uma cara engraçada.
- Não sonha!- Devolveu levantando uma sobrancelha. Ele olhou para Erin e ela jogou os cabelos pelos ombros.
- Me erra!- E saiu andando até seu cavalo.
- Espera ai, você não ficou brava?- Enzo perguntou surpreso.
- Porquê ficaria? Você não matou, não roubou e além do mais, mesmo que eu dissesse que não, você não ligaria!- Ele sorriu e me abraçou.- Más acho acho você conseguiria coisa melhor!- Apesar do insulto, ignorei e todos, menos Ian, rimos.
Bom, ela não pirou, então, dessa vez eu ia deixar ela me zoar. Afinal, melhor não mexer em time que está ganhando.
- Viu só? Apesar de amedrontadora, a verdade foi melhor...- Disse ele me ajudando a subir no cavalo.
- É... Não foi a melhor forma de contar, más valeu à pena.- Ambos sorrimos e ele foi para o seu.
Seguimos em frente até pararmos na entrada da pequena cidade. Parecia um lugar aconchegante, só que não tinha ninguém nas ruas, estava totalmente deserta; conseguiamos até ouvir o barulho do vento.
- Coloquem as capas.- Disse Ian. Antes de sairmos do acampamento, ele entregou uma capa para cada um de nós.- Se houver alguém aqui dentro, não podemos correr o risco de descobrirem que vocês são os guardiões, se isso acontecer, com toda certeza irão nos denunciar para o rei em troca de dinheiro.- Continuou enquanto colocamos as capas que possuíam um capuz e iam até os pés.
- Ah, claro! Porque ninguém vai perceber seis criaturas estranhas vestidas de preto passeando pelas ruas!- Disse Erin com sua incrível habilidade de ser contra tudo.
- É melhor do que sair mostrando a cara. Ao menos eles não vão vir até você, levantar o capuz e perguntar "quem é você?"- Christopher continuou nos fazendo rir. Pelo menos ele sempre estava de bom humor.
Descemos dos cavalos e os puxamos até depois da pequena entrada.
Andamos alguns metros pela estreita rua de terra e não havia sinal algum de que o pequeno vilarejo, sim, vilarejo. Pois, agora que entramos, dava para perceber o quão pequeno era o lugar.
- Será que não tem ninguém aqui?- Disse Enzo se aproximando devagar de uma das casas e espiando pela fresta da janela.
- Acho que não.- Completei.
- Esperem!- Disse Bloondie nos fazendo parar.
- O que foi?- Perguntei sem entender.
- Shiii...- Ela pôs o dedo indicador na frente dos lábios, nos mandando fazer silêncio.- Ali!- Ela apontou para uma das casas à esquerda e todos nos juntamos ao meio da rua, fazendo um círculo.
Coloquei o lado direito de minhas luvas e olhei atento para o local.
"Seja lá o que for, se se aproximar demais vai morrer!"- Pensei franzindo o cenho.
- Quem são vocês?- Uma voz rouca saiu da pequena casa nos fazendo assustar.
- So-somos viajantes... Só estamos de passagem, não queremos incomodar.- Disse Ian aparentemente nervoso.
- Mostrem seus rostos.- Falou o ser escondido nas sombras.
- Claro...- Ele abaixou seu capuz e fez sinal para que tirássemos os nossos também, e assim fizemos.
- Vocês foram mandados por Abrahon?
- Não. Somos de Hounturan...- Ian trasparecia insegurança e medo. Logo ele, o filho nobre e destemido da rainha com medo? Essa é nova...
- Então não são inimigos?- A voz ficou um pouco menos grave.
- Não...- Então como se fosse uma infestação, milhares de pessoas saíram das casas nos encarando. Aquilo foi assustador! Pareciam formigas quando saem do ninho.
- Então sejam bem vindos.- Uma senhora saiu da casa, revelando ser a dona da misteriosa voz. Ela era bem baixa, cabelos tão brancos quanto os meus e usava vestes que ultrapassavam seu tamanho.- É um prazer receber amigos de Hounturan.- Disse ela e todos começaram a gritar.
- Gostei deles.- Erin sorriu jogando os cabelos e acenando.
- Porquê será?- Disse irônico e ela me ignorou. Atenção é a única coisa que Erin gosta mais do que de encher o meu saco; e ali era o paraíso para ela.
- Como se chamam?- Disse uma bela mulher vindo até mim, apertando minhas bochechas e me sacudindo de um lado e para o outro como se eu fosse um boneco.
- Eu sou Erin.- Falou de imediato passando à frente dos outros.- Esses são: Enzo, Bloondie, Ian, Christopher e es criatura aqui se chama Hizel. Más pode chamar de resto de nada!- Falou pondo uma das mãos na cintura e sacudindo a outra no ar.
- Own... A sua inveja é tão grande que transborda sem você perceber, Erin. Inclusive pelo nariz; se eu fosse você iria limpar esse pedaço de meleca que está pendurado no meio da sua cara agora mesmo, querida...- Falei apontando para o seu nariz, mentindo que estava sujo. Ela deu um ataque e se escondeu esfregando um lenço pelo rosto.
- Vocês são em seis...- A pequena senhora disse coçando o queixo e nos olhando desconfiada.- E cinco aparentam ser da mesma idade... Lhes apresento os guardiões de Elementary!!!- Gritou ela se virando para a multidão que se formara na rua.
Nos olhamos perplexos por a velha ter nos denunciado antes mesmo de podermos dizer algo a respeito. As pessoas começaram a berrar feito animais, uma mulher até desmaiou nos pés de Ian e um homem se jogou do telhado de uma casa, caindo de cara no chão... Sinistro!
- E lá se vai o pequeno experimento!- Bloondie resmungou atrás.
- Qual é, pessoal? Passamos a maior parte das nossas vidas treinando por sermos guardiões, está na hora de aproveitarmos o mérito e já que estamos aqui, vamos fazer a festa!- Disse Christopher animado.
- É... Pensando assim, não vai fazer mal algum.- Enzo passou o braço direito pelo meu ombro e deu um beijo no topo da minha cabeça.
- Faremos um enorme banquete para celebrarmos a chegada dos guardiões à Dagowhorn!!!- Gritou a senhora erguendo os braços e todos saíram correndo para dentro das casas. De repente, janelas e portas foram abertas de todos os lados mostrando pequenas vendas com frutas e verduras em fartura. As pessoas começaram a carregar as coisas rua acima até desaparecerem na pequena ladeira que ia ao centro da cidade.- Venham, eu vou acomoda-los em um de nossos melhores dormitórios.- Ela sorria de um jeito estranho. Poderia ser apenas frescura ou coisa da minha cabeça, más, eu jurara que aquele sorriso e suas palavras soaram malíciosos.
- Não estou gostando disso...- Sussurei próximo ao ouvido de Enzo quando segurei em sua mão ao começarmos a andar.
- Fique tranquilo, Hizel. Eles só estão tentando ser gentis.- Falou se aproximando mais.
- Hum... Está bem.- Respondi ainda desconfiado.
"Vou ficar de olhos bem abertos..."- Pensei observando a pequena anciã.
- Aqui está.- Disse ela ao pararmos à frente de uma das maiores casas do local. Era todo feito de uma madeira brilhante, muito bonita.- Podem entrar e escolherem os quartos à vontade. Se quiserem, temos uma fonte termal alguns metros adiante...- Ela apontou para o lado direito, seguindo a rua.- Descansssem. Logo mais à noite faremos uma grande festa em homenagem a visita de vocês. Até logo.- A velha se curvou e saiu logo depois.
Entramos no dormitório e cada um escolheu um quarto. Como de costume, preferi o último à direita do corredor e me deitei na cama, pegando no sono incrivelmente rápido.
Continua...