Cap.2
NARRADO POR GABRIEL
1963, Belo Horizonte
- Mas o que é isso ? - meu pai dizia, olhando minha camisa cortada na lateral.
- Eu cortei !- falava, desenhando num caderno
- Porquê ? Você sabe o quanto custou essa camisa ?
- Eu não sei, mas com certeza você deve saber né pai. Aliás, é a única coisa que você sabe, preço, dinheiro, é a unica coisa que você liga !- de repente, sinto meu rosto arder com um tapa que ele me dá.
- Baixa o seu tom de voz pra falar comigo, moleque ! Eu sou seu pai !
- Só quando lhe convém. Me diz, quando foi que você ligou pra mim, nesses últimos anos. Passa meses lá na Europa, não liga nem pra dizer oi, pra perguntar como esta seu filho, se ele sente saudades de você- falei chorando- e sempre foi assim. Você se preocupa com aquelas suas amantes parisienses, que tem mais amor seu do que eu, que sou seu filho ! Só liga pra dinheiro e mulher, e pra quem deveria ligar, você não liga ! Me deixou aqui, encostado, servindo de estorvo pra meus tios. Você não é meu pai ! Você só serviu pra comer a minha mãe, mas quando eu precisei de carinho, você não estava aqui !
- Chega, chega !!!!- ele falou, aos berros- eu não vim aqui pra ouvir besteiras, do meu próprio filho ! Eu fico lá na Europa, pra conseguir pagar essa roupinha que você usa, esse seu cabelo de viado, e todos os seus caprichos garoto ! Sua tia já me contou o que você andou aprontando. E é por isso que eu decidi ! Você vai pra um internato, em Sorocaba, vai ficar bem longe desses seus "amigos"- falou, com ironia. Me levantei, e falei.
- Eu, te odeio !- ele arregalou os olhos, e saiu, batendo a porta. As lágrimas não paravam de cair, eu me sentia cada vez mais só. Minha vontade era de morrer ! Olhei no espelho, pra ver se estava com uma marca muito grande o tapa que ele havia desferido em mim. Meu nome é Gabriel, tenho 16 anos, quase 17. Sou alto, branco, costumo malhar bastante então tenho um corpo bem definido. Meus cabelos eram pretos, e eu costumo usar uma franja nele, fica melhor assim. Tinha olhos castanhos claros, boca fina, e um nariz bem afilado. Sempre me achei bonito. Mas beleza nunca chamou atenção do meu pai, Francisco Marinho. Ele tem uma empresa na França, e nunca me deu atenção. Eu nasci de um deslize. Meu pai gostava de pagar prostitutas, e minha mãe era uma. Acabei nascendo assim. Fiquei com minha mãe por uns 6 anos, sem ao menos saber quem era ele, enquanto minha mãe ralava aqui, pra me dar um vida razoável. Até que, ela morreu, num acidente de trânsito. Fiquei muito abatido. Até descobrir que tinha que ficar com meu pai a partir de então. Fiquei super animado, não sabia o que esperar dele. O primeiro dia que eu o vi foi um dos mais alegres que eu tive. Minha vida melhorou bastante, e meu pai me parecia um pai exemplar nos primeiros dias. Até ter que voltar pra Europa. Me deixou com uns tios que eu nem conhecia, mas que aprendi a amar. A partir dali minha relação com ele foi conturbada. Passei a ver ele 1, no máximo duas vezes por ano. Sempre senti muita falta dele, sentia muita falta da minha mãe também. Acabei crescendo sem muito amor. Morria de tristeza, e quanto mais a adolescência foi chegando, mais rebelde eu fui ficando. Cabulava as aulas, bebia. Era um típico rebelde. Até chegar esse dia. E ele dizer que eu teria que ir pra um colégio interno. Seria até melhor, quem sabe lá eu não faça alguma amizade, me sinta menos sozinho. Arrumei minhas coisas, e no dia seguinte, pegamos o avião pra São Paulo. Mas um tempo de carro, em silêncio, e chegamos na tal cidade. Parecia um ovo de tão pequena. Passamos por um portão, e logo vimos um grande casarão. Ele nem entrou comigo. Não deu nem tchau. Só chegou, deixou minhas malas, me deu um bloco de dinheiro pra emergência, entrou no carro e partiu. Que pai é esse ! Entrei, totalmente desorientado naquele lugar aonde muitas pessoas andavam, pra todos os lados. Pedi informação na recepção, para saber aonde ficaria.
- Olá- falei
- Oi- uma moça bem vestida e nova falou- sou Cátia, a diretora deste colégio, como é seu nome.
- Gabriel Marinho- ela procurou em alguns cadernos, até achar.
- Ah sim. Você faz 1° Ano, tá atrasado ein ? Olha, agora eu não posso te levar pra conhecer a escola, você pode conhecer sozinho, se quiser.
- Ok- nossa, acho que em vez de açúcar, minha mãe passou sal em mim, nem a diretora tem tempo pra me mostrar.
- Você vai para o 552, 2° andar, lado direito. Já tem um garoto lá, ele vai estudar na mesma sala que você, e eu já expliquei como funciona as coisas aqui, peça pra ele te explicar. Pode subir, é por ali- falou ela, apontando uma escada
- Sim senhora !- sai, em busca do meu quarto. Subi dois andares de escada, andei mais um pouquinho, até chegar ao tal 552. Ainda bati, só pra ter certeza- aqui é o 552 ?
- É, é pra falar do encontro ?- um garoto alto e loiro, mexendo na sua mala, falou de lá.
- Não, é que eu vou ficar aqui, me chamo Gabriel- o garoto virou-se, e me cumprimentou. Ao ver seu olhar, tive uma sensação estranha, diferente de tudo o que eu já tinha sentido.
- Muito prazer- ele falou, me olhando- meu nome é Leandro, parceiro de quarto !- ele falou rindo.
- Será se a gente vai se dar bem aqui nesse cubículo.
- Se depender de mim, sim
- Você não ronca não, né ?
- Não. E você, dorme pelado por acaso ?
- Não- ri, daquela pergunta.
- Mas eu sim. Mas não tem problema, vou dormir de roupa esse ano- ri de novo.
- A diretora disse que é pra você me explicar como funciona as coisas aqui.
- Ela me disse que sempre se acorda as 7h, e as luzes tem que estar apagadas até as 23h. É pra tomar banho no banheiro no fim do corredor, e tem esse vaso aí pra qualquer coisa. Tem que manter o quarto sempre arrumado. Faltas tem que ser sempre justificadas, e fuga resultará em expulsão, assim como mal comportamento.
- Ah sim- comecei a arrumar as minhas coisas no meu armário, assim como ele fazia- de que encontro você falou quando entrei aqui ?
- É que os garotos vão se reunir na sala de TV a noite, pra se conhecer e conversar. Você vai ?
- Você me mostra onde fica ?- ele sorriu
- Claro- falou, me dando um sorriso, que eu retribui. Terminamos de arrumar nossas coisas, e ele saiu, pra me mostrar a escola, ou a parte que ele já conhecia. Me mostrou uma boa parte, mas não podemos ver tudo, pois tinha que se arrumar pra o almoço. Voltamos pro quarto, nos arrumamos, fomos para o refeitório, e cada aluno tinha o seu lugar marcado. O meu era duas mesas a frente da de meu novo colega. O cardápio era variado, e até que a comida não era ruim. Acabei conhecendo outros garotos na nova mesa. Não tive vontade de comer a sobremesa e voltei mais cedo pro meu quarto. Tudo ainda era muito estranho pra mim naquele lugar. Peguei meu caderno e tentei desenhar, mas a discussão que tinha tido com meu pai não me saia da cabeça. Acabei lagrimando um pouco, como sempre fazia quando lembrava dele. De repente a porta abro, tento limpar os olhos, mas já era tarde.
- Você tava chorando ?- Leandro falou, da porta
- Não.
- Seus olhos estão vermelhos, não mente !
- Tá, eu tava.
- Porquê ?- então contei toda a história pra ele, o que me rendeu mais algumas lágrimas- nossa, então você é bem sozinho né ?- balancei a cabeça- olha só, prometo que não vou te deixar sozinho aqui dentro- sorri
Continua
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