Não sabia exatamente o que eu sentia, se era confusão, raiva ou ódio puro. O que diabos aquele idiota estava fazendo ali? Argh, havia sido ódio ao primeiro esbarrão.
— Ah, você de novo? — Dizia ele, revirando os olhos. — Acho que vim no lugar errado, Vanessa deve ter confundido o número da casa.
Fiquei completamente tentado a dizer que sim, mas sabia que ele entraria em contato com ela. Além disso, as contas atrasadas pairavam na minha mente, lembrando-me do quanto precisávamos de um novo hóspede ali.
— Escuta, ô... garoto. Se veio procurar a vaga na república, é aqui. — Disse, retesando o maxilar.
— Ah, não. Eu não estou mais interessado, não divido teto com loucos. — Falava-me, olhando em meus olhos. De repente, baixou o olhar para minha toalha, e novamente usou de seu sarcasmo, olhando novamente em meus olhos. — Nunca te ensinaram a usar roupas quando falar com alguém?
— Nunca te ensinaram a ter educação o suficiente para admitir um erro e desculpar-se por isso? — Rebati, no mesmo tom.
— Eu não errei para pedir desculpas. E vou embora, não deveria ter perdido meu tempo aqui.
O garoto saiu de frente da porta, virando-se de costas e andando pesadamente. Em dado momento, enquanto eu ainda olhava-o sabe Deus por que, hesitou, virando-se para mim.
— Onde fica a parada de ônibus? — Indagou, parecendo perdido.
— No quinto dos infernos! — Bradei, batendo a porta com força, deixando o garoto novamente com cara de tacho. Era pouco para as grosserias que ouvi.
Subi para meu quarto e vesti as roupas as quais havia separado: bermuda vermelha, folgada, e camisa regata de uma cor branca. Eram roupas de ficar em casa, obviamente, então não precisavam ser tão chiques.
Sequei meu cabelo e o penteei metodicamente para o lado, olhando o meu reflexo no espelho. Meus olhos cor de mel pareciam ressaltados, e embora não me achasse bonito, gostava daquela aparência.
Não demorava muito e já pensava naquele infeliz com quem briguei duas vezes. Ou eu era muito azarado, ou um filho da puta havia rogado uma macumba forte em mim. Acreditava mais na segunda hipótese.
Como tinha uma meta para aquela tarde, a qual era terminar meu trabalho de conclusão de semestre, peguei meu notebook e o liguei, sentando com ele na cama e logo digitando palavra após palavra. "E nota-se que o caju tem marcas fortes do expressionismo...", escrevi, e parei.
Reli a frase, dando um tapa na minha testa pela troca idiota da palavra "pintura" pela palavra "caju", tendo em mente o acontecido de mais cedo. Aquele garoto não me deixaria em paz nem em pensamento?
Decidi fechar o meu note, sabendo que estava sem a menor concentração para aquilo. Peguei meu celular e pluguei os fones de ouvido, deitando-me na cama e deixando The Climb, de Miley Cyrus, tocar levemente.
Pensava nele, ainda. Não notara tanto durante as brigas, mas sua aparência estava marcada em minha mente. O garoto tinha a pele clarinha, quase como os tons do amanhecer; suas sobrancelhas e cabelos tinham uma coloração acobreada, e seus olhos eram de um intenso castanho-claro. Seu rosto tinha um formato mais quadrangular, típico rosto de homem forte, e seu maxilar era bem marcado. O corpo, por sua vez, era aparentemente definido, embora eu tenha apenas sentido o impacto do seu corpo contra o meu.
Por que eu pensava nele? Era estranho estar ali, escutando aquela música, pensando naquele garoto. Mas... pensava em como seria ter ele ali, morando na nossa república. Seria um verdadeiro inferno, pois em menos de doze horas havíamos brigado duas vezes, e não havia sinal nenhum de uma futura simpatia por nenhuma das partes. Ainda bem que ele havia desistido.
Enquanto divagava em meus pensamentos, senti minhas pálpebras pesarem. Calmamente, sem nem sequer almoçar, fechei os olhos para dormir, e esperava não sonhar com ele também.
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Meu quarto estava escuro quando despertei. Olhava ao redor, ouvindo uma voz doce me chamar. À porta estava Nessa.
— Miguelito? — Chamava bem baixo. Eu estava desnorteado, não fazia a menor ideia de que horas eram. — Acorda, precisamos conversar. Todos nós.
Forcei-me a manter-me acordado, sentando na cama. A garota saiu de meu quarto, indo para baixo novamente. Nessa já havia voltado? E como "todos" ela se referia a quem?
Acendi a luz do meu quarto e fui para o banheiro, molhando o rosto para que despertasse mais. Enxuguei-o e voltei ao quarto, peguei meu celular, pondo-o no bolso.
Desci ruidosamente as escadas. Meu chinelo arrastava contra o chão, movido por minha preguiça. Finalmente cheguei à cozinha.
Sentados na mesa de seis lugares, onde agora apenas dois lugares vazios estavam, todos pareciam silenciosos. Nessa sentava à cabeceira, Edu e Manu um de frente para o outro ao lado de Nessa, e ao lado da ruiva... ele, sim. O garoto do suco de caju.
— Mas o que... — comecei, mas Nessa me interrompeu, num tom seguro.
— Miguel, silêncio. Senta. — Fiz o que ela disse a contragosto, mas ainda assim fazendo-o. Sem muitas alternativas, sentei-me à frente do garoto, olhando fundo em seus olhos castanhos. Sérios, ouvimos as palavras de Nessa.
— Bem, estamos todos aqui para chegarmos civilizadamente a um acordo. Todos da república sabem bem o quanto precisamos de um novo morador, pois o dinheiro do aluguel vai dar uma enorme ajuda nas contas daqui... O Fernando chegou hoje mesmo de Touros e não tem para onde ir, por isso voltou, e deixar ele pagar um hotel por aqui seria uma puta sacanagem, sabem bem os preços. — Fez uma pausa calma, olhando calmamente todos nós. Então o nome dele era Fernando... Charmoso, no mínimo. Novamente, ela continua: — Miguel, Fernando, vocês decidem o que fazer. Miguel, se não quiser, não vamos forçar a entrada do Fernando aqui, mas saiba que a culpa da nossa não escapatória para essas contas atrasadas serão suas; Fernando, não vamos te forçar a nada que não queira, mas fique sabendo que não encontrará nenhuma república como a nossa por esse preço, e que os valores dos hotéis e pousadas por aqui são extremamente absurdos.
Todos estavam olhando-se, enquanto eu martelava o quanto me atormentariam se eu não o aceitasse. De frente para Fernando, mirava em seus olhos, tentando distinguir seus pensamentos; inconscientemente, olhei para sua boca, e em seguida desviei o olhar. Devia ter corado.
— Então, o que dizem? — Indagou Nessa.
Olhei para ele e mordi o interior do lábio, pensativo.
— Bem... Se ele concordar em ser civilizado e querer, eu fico. Mas porque sei que não duraria uma semana aqui se fosse para algum hotel, não porque ele tem razão. — Falou Fernando primeiro que eu.
— Miguel? — Perguntou Manu, até então calada. Sua feição parecia suplicar para que eu concordasse, mas ela nada dizia verbalmente. Eu, porém, conhecia muito dela para que não compreendesse seu olhar.
Bufei, olhando para todos ali. Pigarreei e me retesei, olhando fixamente para ele em seguida.
— Tudo bem. Não há problemas. — Falei, calmo. — Mas... ele vai ter que pagar o livro que estragou, e me pedir desculpas.
O garoto bufou como fez quando brigamos pela primeira vez, e apoiou os cotovelos na mesa de madeira.
— Não. — Disse, irredutível.
— Meu Deus! — Gritou Edu. — Miguel, deixa de cu doce. Sabe que estava desatento, e que a culpa também foi sua.
— E Fernando, convenhamos, com o nível de grosseria com que falou com ele, pedir desculpas é o mínimo. — Disse Manu, arrancando uma concordância do garoto.
— Ambos peçam desculpas, é o mínimo que poderão fazer. Quanto ao bendito livro, vão rachar pela metade o valor, pois a culpa foi dos dois. Entendidos? — Falamos "sim" em uníssono. — Ótimo, agora as desculpas.
— Me desculpe. — Falei, contorcendo a boca.
— Me desculpe. — Falou, cruzando os braços. Curiosamente, achei atraente a forma como contraía seu maxilar.
— Isso se encerra aqui. Fernando, seja muito bem-vindo à nossa república. Eu vou te mostrar onde é o quarto, venha.
Todos levantaram-se, espalhando-se pelo imóvel. Du e Manu deitaram-se no sofá, estranhamente juntos, para assistirem um filme. Eu fui para a geldeira, buscando algo para comer. A fome me atacava por não ter almoçado, e o relógio já apontava sete horas da noite.
Pensava nos acontecimentos das últimas horas. Em como deveria ter sido o trabalho de Manu. Em como Du havia reagido àquilo e onde estava quando cheguei. Em como Nessa parecia uma advogada, e não uma futura nutricionista (aquela garota havia feito o curso errado, só podia). E, por fim, em como nosso novo colega de república havia causado tanta algazarra para um dia só, principalmente em minha mente.
Com algumas fatias de pizza num prato, subi novamente para o quarto. Assim que passei em frente ao banheiro social, vi Fernando com uma toalha no ombro, seu peito desnudo mostrando músculos bem definidos. Em seu rosto um sorriso, de sua boca palavras saíam.
— Não acabou. — Proferiu ele, fechando a porta do banheiro e, daquela vez, eu quem ficara com a cara de tacho.
___________________________________
Olá, de novo. Mais um capítulo postado, espero que estejam gostando. Vitinho, Gabriel_ss e geomateus, obrigado pelos comentários, foram realmente animadores (só eles comentaram até então, por isso os citei, apenas ;-;). Leitores, preparem-se, agora que começam as partes boas. Ou seriam as partes melhores? xD Boa leitura, e comentem, please. Bjs, Miguel. :)