Carlos nos lançou um olhar inquieto, ofegante, a boca entreaberta onde se viam pequenas manchas de sangue nos dentes. Recobrando dolorosamente o folego, enfiou o lenço sujo de qualquer jeito no bolso, levantou-se num impulso e saiu de nossa casa numa rapidez de fugitivo.
Alarmado, Fernando tentou ir atras dele, mas nao pode dete-lo. Vimos o sujeito montar na lambreta debaixo de chuva e sair com toda pressa pela rua.
- Ele nao pode sair assim - disse Fernando, voltando para dentro, visivelmente agoniado, olhando para mim com preocupaçao - Voce viu aquilo?
- Esse desgraçado esta tuberculoso - respondi, olhando bem para ele.
A principio ele negou com a cabeça, como que para si mesmo, num certo olhar de desespero que me lançou. Nesse olhar eu via, por uma fraçao de segundo, o quanto Carlos era importante para ele.
- Nao pode ser...- falou baixinho.
- Esqueceu que a minha mae morreu disso? - falei - No dia da morte ela vomitou tanto sangue que o tapete ficou encharcado, pesado e retinto. Quantas vezes nao lhe contei isso?
- Mas era em outro tempo, nao haviam recursos, nem remedios...- disse ele indo à janela para olhar a chuva - Hoje em dia ha cura...Ele vai ficar curado, nao vai?
" Melhor seria se ele morresse" ,pensei numa raiva crescente, mas logo me arrependi da crueldade desse pensamento. Levantei-me e abracei Fernando por tras, conservando meu queixo apoiado ao ombro dele. Ficamos olhando aquela chuva fina por longo tempo, ate que a tarde começasse precocemente a escurecer.
- Para alguem rico e jovem como ele seria mais facil se curar, caso se empenhasse nisso - murmurei ao meu loiro, cheirando seu pescoço quente - Mas acho que ele precisa se cuidar mais. Porque veio tomando chuva ate aqui, nessas condiçoes? Nao tem juizo nenhum.
- Porem agora precisa ter - disse ele convicto - Vou falar com Carlos a respeito.
O calor do corpo dele me transmitia uma segurança, uma tranquilidade que nenhum ser humano jamais me proporcionou. Aquele medo de estar perdendo-o, entretanto, ameaçava rondar outra vez meus pensamentos, como um morcego maligno pronto a me atacar.
- Voce gosta tanto dele assim? - murmurei, apertando-o mais forte numa pontada de desespero.
Ele observava a chuva em silencio. Deu um suspiro profundo.
- Tenho um afeto grande por ele. Nada alem disso - respondeu devagar.
"Meu Deus, que ele esteja falando a verdade", pensei comigo.
- Porque voce e eu sabemos que ele nao gosta de homens - eu disse, cautelosamente - E nao gosta de voce como eu gosto.
Senti seu corpo enrijecer, apertado contra o meu, em silencio nos dois por longo tempo. Tao perto do rosto dele, mas sem conseguir ver seus olhos. Porem, à claridade cinzenta da tarde chuvosa que caia, vi uma lagrima brilhante oscilando no queixo dele, caindo afinal e deixando um ponto escuro na gola da camisa azul clara sob o blusao. Houve outra gota que ele secou antes de cair, desvencilhando-se dos meus braços e saindo com pressa para o quarto, sem me olhar na cara.
Continuei olhando a chuva, as sombras crepusculares descendo devagar. Faltavam cinco minutos para as seis horas. Odiava aquela horario.
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Agradeço novamente por estarem me aguentando ate aqui.
Gosto cada vez mais de escrever pra voces, das suas opinioes e comentarios.
Esta valendo muito a pena! Adoro voces!! :)
Ate a proxima!