Decorreu um mes desde aquele episodio com Carlos e ainda nao tinhamos noticias dele. Na olaria onde Fernando trabalhava ouvia-se falar vagamente "que o filho do patrao estava com pneumonia". Era estupido e infelizmente comum que a tuberculose fosse escondida de todos, disfarçada e negada como se fosse uma grande vergonha admitir que alguem da familia padecesse de um mal tao carregado de preconceito.
Afinal, numa manha de domingo, chegou um recado em nossa casa, trazido por um empregado da familia de Carlos: o almofadinha queria nos ver aquela tarde.
O meu Fernando que passou aquele mes inteiro bem desanimado, apesar de mais proximo e apaixonado do que andava sendo ultimamente, nao escondeu um largo sorriso de contentamento ante aquele convite.
- Ele deve estar melhor de saude, do contrario nao nos chamaria - disse ele remexendo nas suas roupas na comoda, escolhendo uma camiseta branca riscada de vermelho, nova e bonita - Nao acha, Rei?
Poderia ser, na verdade, que Carlos nos chamasse porque estava morrendo e queria se despedir. Mas claro que nao era aquilo e meus pensamentos crueis mais uma vez me causaram arrependimento. Suspirando, comecei a me vestir para aquele encontro, desejando inutilmente que aquele sujeito se esquecesse de nos dois para sempre.
Inutil dizer que a casa de Carlos era de um luxo gritante, isso era obvio, dada sua posiçao social. Um palacete antigo cor de trigo, situado numa grande area verde de jardim impecavel, quadra de tenis e uma piscina imensa, porem vazia. Nao tinham cachorro, mas muitos patos e pavoes andavam soltos pelo terreno. Mais ao fundo ouviam-se gritos agudos de araras.
Sendo anunciados, entramos, nos deparando com uma sala moderna, reluzente de tao limpa. A mae dele nos recebeu com simpatia, apesar do seu ar reservado. Mandou uma criada nos acompanhar e subimos ao quarto dele.
Deitado numa ampla cama abundante de coberta branca, Carlos sorriu para nos quando entramos. Parecia mais magro, um pouco palido, vestido naquele pijama azul claro. Levantou-se e nos deu um abraço quente, com vago cheiro de cha de erva-doce e loçao de barbear.
Fiquei pensando que por tras daquele evidente desprezo que ele sentia por nossa relaçao havia sim um bocado de afeto por nos. Talvez odiasse nossa vida afetiva e sexual, mas gostasse de todo o resto, de quem eramos acima disso. Nao era a primeira vez que ele me dava essa impressao.
Os olhos de Fernando faiscavam observando-o, com um sorriso leve que nao lhe saia dos labios. Puxou um banco estofado que estava ali por perto e sentou-se à cabeceira de Carlos que tornara a se deitar. Perguntou tudo dele, como passava, se estava se tratando direito, qual era o prognostico.
- Estou melhorando com a estreptomicina - respondeu Carlos , dando um sorriso cansado - Repouso e dieta tambem ajudam.Faz uma semana que nao tusso sangue e hoje completam quatro dias sem febre.
- Que bom! - exclamou Fernando, segurando a mao dele e a apertando.
- Estou louco para sair dessa cama - continuou o outro- Acho que logo talvez possa. Quero rever o centro da cidade, passear de lambreta entre os carros, tomar uma cerveja...
- Espere mais um pouco. Com saude nao se brinca - disse Fernando cruzando os dedos dele nos seus.
Carlos observava aquela proximidade, olhando para ele de um jeito esquisito, como que intrigado. Em pe perto deles, eu me sentia como que longe dali, cada vez mais longe e mais angustiado. Minhas maos suavam de nervosismo, o peito tao oprimido feito tivesse um torques a aperta-lo. Pedi licença e entrei no banheiro contiguo ao quarto, onde bebi um gole de agua e molhei meu rosto para me refazer.
A porta do banheiro era de frente à cama do doente. Abria-a devagar, numa subita intuiçao amarga, como quem abre a porta do seu inferno pessoal sabendo o que ha atras dela. Espiei pela fresta Fernando falando baixinho a Carlos.
- Senti muito a sua falta.
O outro olhava-o com a mesma expressao desconfiada de a pouco. Nao repeliu o toque vagaroso da mao do meu loiro em seu rosto, testa e cabelos. Fitava-o fixamente, o semblante serio. E eu engoli em seco, gelado e morto por dentro, vendo Fernando se levantar um pouco do banco e beijar Carlos levemente sobre os labios.
*
*
*
May Lee, minha querida, quero lhe dedicar este. Talvez nao represente nada, mas eh de coraçao! Obrigada, sempre!
Valeu gente, voces sao demais! Queria sugerir o filme " A Portrait of James Dean :Joshua Tree, 1951 Feature ", um tipo de biografia sobre o James Dean onde ele eh apresentado como bissexual. Esta em ingles e tem no youtube.
Ate mais!