Fazia tempo que eu não escrevia aqui, mas acabei sentindo vontade de recomeçar, então fiz esse textinho e decidi compartilhar. Boa leitura :*
O quarto estava escuro. Não um escuro ruim, como aquele que assusta as crianças menores ou até mesmo alguns adultos. Estava um escuro reconfortante. A perfeita combinação de luminosidade que era suficiente para se enxergar o que se queria ver. E eu o via perfeitamente. O rosto dele duramente concentrado na tarefa árdua que exercia. Estava jogando videogame, uma fase que já durava uns bons quarenta minutos. Às vezes ele soltava pequenos xingamentos contra a tela, ou então batia de leve no controle em suas mãos. Então eu dava um pequeno tapa em sua boca, como que dando uma bronca por tal comportamento. Ele parava, olhava para mim, meio irritado, e sorria. E de repente o quarto não estava mais tão escuro.
Sentia seu peito subir e descer a cada respiração, e se prestasse bastante atenção eu conseguiria sentir seu coração batendo contra o meu. Estranhamente sincronizado. O calor de seu corpo irradiava para o meu, me mantendo aquecido mesmo naquele domingo chuvoso e frio. Não que eu não goste de chuva, afinal, aprecio a beleza das pequenas coisas, das demonstrações de poder da mãe-natureza. O céu agora não estava mais claro, o Sol já se deitava no horizonte, tingindo-o com uma coloração levemente alaranjada. Mas ele não percebia isso pois ainda estava concentrado no jogo. “Agora é questão de honra”, ele sussurrava ameaçadoramente. E eu sentia vontade de rir, tamanha a sua criancice. Mas contentava-me em sorrir, escondendo meu rosto no seu peito. “Consigo ver seu sorriso daqui! Pare de me zoar”, respondia ele sorrindo de forma jocosa. Eu o mandava então calar a boca. Ele sorria mais ainda.
A Lua já ia alta no céu, agora escuro. Algumas estrelas apareciam aqui e ali. Ele me abraçava tão forte que algumas vezes pensava que iria ficar sem ar.
- Você está com fome? – sussurrou no meu ouvido. A voz dele, mesmo depois de tanto tempo, ainda me fazia arrepiar.
- Eu sempre estou com fome – disse, rindo
Ele levantou e fiquei observando-o cruzar o quarto, vestindo somente uma bermuda e meias, indo em direção à cozinha. Segui-o com os olhos até o momento em que ele cruzou a porta, desaparecendo no corredor, e só então percebi como aquela cama parecia vazia e sem sentido sem ele deitado ao meu lado. Fria. Como concreto. Minha vida seria fria e dura como concreto sem ele. Minha garganta apertou, como se existe uma forquilha ao seu redor e meus olhos começaram a arder. Foi nesse momento, nesses simples minutos em que ele foi buscar algo pra comer, que percebi o quanto eu o amava. Amava-o mais do que a mim mesmo. Com toda a intensidade que me era possível ter. Ele voltou segurando uma bandeja de pipoca tão grande que pensei que iríamos receber visitas em sua casa. Duas pessoas não seriam capazes de comer tudo aquilo! Deixou a pipoca ao pé da cama e voltou pra cozinha, dessa vez retornando em apenas alguns segundos e segurando dois copos em uma mão e uma garrafa de Coca-Cola em outra. Ele sentou na cama e me puxou para seu colo. “Hora do bebê comer alguma coisa.”, disse naquela voz meio idiota que as pessoas usam para falar com crianças e animais fofos. Eu o mandei calar a boca novamente. “Eu sei que você ama minha voz.”, ele respondia. E ele tinha razão. Não havia nada que eu não amasse nele. Sua pele branca, os cabelos meio loiros, os olhos, tão escuros. A leve barba que insistia em crescer e que ele insistia em tirar, mesmo com todos os meus protestos. A sua altura, um pouco maior que a minha. A sua boca perfeitamente delineada, quase feminina. As sobrancelhas fortes e inquisidoras, dando um charme a mais aos olhos. Até mesmo seu cheiro. Tudo nele me atraía. E eu disse aquelas três palavras que nunca haviam saído da minha boca, não sinceramente pelo menos. Eu o apertei forte, como se ele pudesse fugir de mim, como se tudo aquilo fosse um sonho. Ele deitou e se encolheu como uma criança, encaixando seu corpo no meu. Escondeu seu rosto no meu pescoço e ficamos assim por décadas. Ele já estava quase dormindo, e eu acariciava de leve seu rosto, percebendo as linhas dos lábios... olhos... orelhas... nariz... sentia sua respiração ficar mais lenta. Ele respirou fundo, moveu um pouco a cabeça e agora ele olhava diretamente para mim.
- Eu também amo você.
E eu sabia que aquilo era verdade. Eu senti a verdade naquelas palavras. Estávamos juntos naquele quarto escuro e naquele domingo chuvoso. E nos amávamos.