Sempre tao impulsivo, ele nao conseguiu se conter: sentou-se na cama de Carlos e o abraçou com toda a força, chorando e soluçando, emitindo balbucios incompreensiveis. O outro lançou-me um olhar significativo e retribuiu tambem o abraço, falando no ouvido de Fernando que tudo ia ficar bem, ele ia sarar e voltar. Era forte, era moço.
Antes de sentir irritaçao ou ciumes com aquela cena, senti tristeza. Era como se de subito ambos estivessem muito ligados um ao outro, irmaos na mesma doença, na mesma desgraça, e no final ninguem tinha culpa daquilo.
Fernando sussurrou no ouvido dele uma frase curta que nao ouvi mas compreendi, e como aquilo me doeu fundo! Percebi ele repetindo a frase e Carlos ficando constrangido e incomodado de repente. Afastou o meu rapaz devagar, esboçando um sorriso sem graça, tocando-o nos cabelos com carinho.
- Fique bem, certo? - falou baixinho.
Ao sairmos do palacete Fernando estava mais calmo, apesar de muito abatido e sorumbatico. Voltamos de onibus pois a longa caminhada cansava-o e os discos que ele ganhara de Carlos incomodavam ao serem transportados.
Em casa ele sentou-se ao sofa numa fadiga que o empalidecia, tossiu um pouco e ficou em silencio examinando as capas dos discos.
- Acho que tem algo a me dizer, nao? - falei, sentando em frente a ele.
Ouvi um longo suspiro de Fernando que, largando os discos na mesinha ao lado me encarou, num olhar melancolico.
- Justamente hoje voce faz questao... - disse numa voz cansada, desviando os olhos - Eu gosto dele tambem, Rei.
Ainda que tivesse certeza disso, ouvi-lo era pior, bem pior do que saber por mim mesmo.
- Tambem? - murmurei, cravando nele os olhos, sem me desviar.
- Tambem porque voce representa o meu maior amor, o unico que posso sentir numa dimensao tao infinita - ele disse, respirando fundo - Nos somos um do outro, e eu nunca duvidei disso, nunca. Mesmo que me deixe apos hoje, eu vou amar voce a minha vida inteira, e talvez alem dela, Rei.
Eu ouvia-o com o coraçao na boca e as maos frias, sem me mover, paralisado de angustia.
- Mas com o Carlos... - ele continuou, passando a mao na cabeça como que transtornado - Eu nao controlei, nao quis nada disso. Porem senti um desejo sexual agressivo por ele, assim que o vi. Depois, conhecendo-o mais vinha um deslumbramento por seu jeito, seu sorriso, a voz ...
Ele parou, vendo que eu sofria com aquele relato. Com um gesto impaciente, mandei que continuasse.
- Voce nao merecia isso de mim, Rei, e entao fui sufocando, negando, em conflito comigo, uma raiva feroz de mim...- ele sussurrou, exausto - Era estupidez, eu sei. E ainda mais por ele nao me querer, nao ter capacidade para retribuir... Eu teria, infelizmente, traido voce caso ele me quisesse.
Levantei-me numa sufocaçao de furia, esmurrando a parede com força, permanecendo nela encostado com o rosto apoiado nos braços cruzados. Se pudesse surraria Fernando. Sim, seria bem capaz disso. "Ele esta doente", pensei, me contendo com um suspiro profundo.
- E voce queria o que? Nos dois ao mesmo tempo? - exclamei, voltando a encara-lo.
- Eu nao sei - respondeu ele com a voz embargada, afundando a cabeça nas maos sobre os joelhos, aflito - Nao quero viver sem voce... e tambem nao queria que ele fosse embora. Era... um sentimento diferente um do outro...
- Era sem-vergonhice! - falei num tom cruel.
O rosto dele se contraiu feito sentisse dor. Ele começou a chorar, encostando-se ao sofa, abraçando os joelhos, tossindo baixo entre lagrimas.
- Pode me deixar se quiser - balbuciou, sem folego - Estou morrendo, mesmo. Tenho a mesma doença de Carlos. Foi tudo o que me restou dele.
Nao respondi. Observei Fernando por um momento e fui para o quarto, batendo a porta. Tudo dentro de mim desabava, num estrondo de magoa, como uma ponte arruinada caindo. Agachei-me encostado na porta fechada e cobri meu rosto com os braços sobre os joelhos, mergulhando em escuridao e dor.
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Pessoal, desculpem o capitulo curto, :(
Nem tenho como agradecer voces! Que bom que estao gostando.
Muitos beijos e ate o proximo!