Cap.3
Ergui o olhar e me assustei com o que vi. Aquele garoto não era fofo. Pelo contrário, estava com olheiras, marcas na pele, dentes amarelados, e com um cheiro de cigarro quase que inaceitável. Olhei de cima a baixo, e fiquei me perguntando aonde tinha ido parar toda aquela belezura que um dia me fez gostar dele.
- Cuidado, já pensou se esquecesse isso aqui- pelo menos sua voz continuava a mesma de antes, aveludada e fofa. Ele não tinha crescido muito. Continuava baixinho, e seu corpo continuava bacana.
- Marcos, embala logo isso aqui e para de atazanar o cliente- a caixa que havia acabado de me atender ordenou.
- Sim- ele se levantou rapidamente e foi colocar tudo na sacola. Fiquei olhando para seus cabelos e seu rosto, e me lembrei daqueles acontecimentos antigos. Da primeira vez que o vi, de como ele era amistoso, bonito, encantador e simpático. Me lembrei de cada noite que suspirei por ele, e de cada vez que eu vinha pra aula apenas pra ve-lo, mesmo sabendo que ele nem me notaria. Lembrei também da vez que vi ele beijando aquela garota, e da humilhação que ele me fez passar naquele banheiro. "Você é patético !" veio na minha cabeça várias vezes em poucos segundos- ei, já está tudo aqui- ele sorria levemente.
- Ah sim, obrigado- apesar disso, aquelas lembranças não me abateram. Havia aprendido a lidar com elas, e imagino que se aquilo não tivesse acontecido, eu não seria quem sou hoje.
- Você é novo por aqui né, nunca te vi- íamos em direção ao carro, enquanto ele falava.
- É, antes eu estava morando em São Paulo, mas decidi voltar pra cá, gosto mais daqui- ele soltou uma risada.
- Cara, eu queria estar no seu lugar, lá em São Paulo, pois não voltaria de lá nunca. Deve ter muita mulher bonita lá- pelo visto ele não me reconheceu.
- Tinha, mas eu não estava interessado nelas- falei, abrindo a porta.
- Como assim ? Você é gay por acaso ?
- É por aí- entrei no carro
- Não acredito, um homem como você, gay- ele me olhou com um olhar de reprovação. Dei uma ré e abaixei o vidro.
- Pois eu tenho muito orgulho de mim mesmo, pois mesmo sendo gay, o errado, estou em situação melhor que a sua, o certo- ele estava com uma cara bem fechada. Sai andando, rindo. Bem, eu não tinha em mente uma vingança, mas nada me impedia de irritar ele de vez em quando.
MAIS TARDE
- Ai, você não sabe a saudade que eu tava dessa orla- dizia eu, andando com a Juh pela orla.
- E eu com saudade de vir com você aqui- ela abraçou meu braço- não tinha ninguém pra opinar comigo sobre os boys que passam por aqui- de repente passou um homem bem grande, forte, que não podemos deixar de olhar.
- Nossa, mais que homem bonito- eu dizia, vendo ele correr entre a multidão.
- Rum, e isso anda tão em falta aqui em Macapá. Continuamos andando até que decidimos sentar. Fiquei olhando o movimento, enquanto ela tinha ido comprar um refrigerante. Olhei ao redor, e foi quando prestei atenção numa pessoa. Era um garoto. Parecia ser mais novo que eu. Estava lendo um livro. Usava uma franja em seu cabelo liso que balançava com a ventania e um óculos de grau. Ele olhou pra mim, e pude perceber o quanto ele era bonito. Portava um lindo par de olhos verdes claros, bem puxadinhos, sua boca era pequena, ele parecia ser asiático, ou descendente de algum. Por alguns segundos, ele ficou me olhando, até que se levantou e sai andando. Fiquei observando ele desaparecer entre as pessoas- o que você está olhando, bobão ?- falou ela, encostando o refrigerante na minha nuca. Porque garotos fofos sempre me chamam atenção ?
No dia seguinte, recebi a chave do meu novo apartamento. Fiz uma faxina geral, e arrumei todas as coisas aquele dia. Terminei lá pelas 14hrs. Ele não era grande, era o normal, digamos, pra um solteiro. Olhei ao redor, e estava perfeito. Voltei pra casa da Juh pra pegar as minhas coisas.
- Nossa, amigo, você está suado.
- É ? Foi pesada a arrumação lá, mas pelo menos já está tudo organizado. Vim pegar as minhas coisas.
- Poxa, gostei tanto desse tempo que você ficou aqui.
- Eu também, mas a gente sabia que era temporário. Além do mais, eu moro duas ruas pra baixo, quando quiser me ver é só ir lá.
- Ok amigo, eu vou te visitar sempre.
Peguei tudo o que era meu e levei pro apartamento. Foi esquisito o primeiro dia ali, sozinho, mas aos poucos me acostumei. Procurei alguns empregos, e acabei achando um de caixa numa loja, que pagava um valor que eu considero bom. Me candidatei, e acabei sendo aceito. Pronto. Tinha uma rotina. Estudava pela manhã, malhava em seguida até as três, e depois trabalhava até as 22h. O bom é que a loja ficava no centro, bem próximo do meu apart. Tudo estava se ajeitando no meu novo lugar. Era hora de iniciar as aulas. Acordei cedo, 6hrs estava de pé. Como havia feito as compras no dia anterior, tinha coisas saudáveis pra comer. Tomei um bom café, vesti meu uniforme, que detestava, por ser uma mistura de cinza e vermelho, o que acho muito cafona. Vesti uma calça verde, e um sapato adidas. Peguei minha coisas, e sai andando. Chegando próximo, vi alguns rostos que eu conhecia, mas que não me reconheceram. Apesar disso, me olharam com desejo. Estava adorando me sentir desejado. Fui me aproximando do colégio, e logo vi Luana.
- Lucaaaaaassss- ela dava aquele grito característico. A abracei e logo fui entrando. Muitos olhares foram direcionados em minha direção. Novos rostos, velhos rostos, e ele, Marcos. Nenhum deles me reconheceu. Fui comprar Halls, e quando me aproximei, ouvi uma voz.
- Por favor, devolve- não era amapaense, pois tinha um sotaque de outro lugar. Olhei ao redor, foi quando vi dois garotos perturbando um outro. Prestei atenção melhor, e percebi que se tratava do mesmo que tinha visto na orla aquele dia.
- Você quer esse livro ? Vai ter que pegar ele lá fora- corri em direção aos garotos, e puxei o livro.
- Ei, vocês, deixem o garoto em paz, ele não fez nada pra vocês- os dois se entre olharam.
- Quer dizer que tem mais um novato ? Será se ele é viado como o outro ?- eles sorriam feito dois sádicos.
- E se eu for, qual o problema ? Querer experimentar por acaso- questionar a masculinidade de um hetero geralmente os desarmavam.
- Não, eu ein.
- Então saiam, e deixem ele em paz- o mais alto olhou feio pra mim- eu não tenho medo de careta.
- Quem você pensa que é pra falar assim com gente, ein novato ?
- Me chamo Lucas, tenho 18 anos, e sou aluno como vocês, e posso dedurar vocês para a direção- ele se assustaram, e saíram em seguida.
- Isso ainda não acabou novato !- ele gritou, seguindo o seu caminho. Como disse, ninguém mais pisaria em mim, eu havia mudado. Olhei para o garoto, que estava todo encolhido no canto da parede.
- Pega, é seu- estiquei meu braço, e em seguida ele pegou o livro e o abraçou. Seus óculos estavam tortos. Me aproximei, ele fechou os olhos, ajeitei, ele abriu, não deixei de ver seus lindos olhos verdes. Ele parecia não acreditar no que tinha acabado de acontecer.
- Vo-você não vai me machucar ?- ele parecia assustado.
- Claro que não, porque eu faria isso.
- Porque sempre os garotos atléticos do colégio ficam me incomodando, me xingam de gay, e de japonesinho viado- eu ria do seu sotaque.
- Sinceramente, não acho que sejamos muito diferentes, pelo contrário, temos coisas em comum- ele ergueu o olhar.
- É ?
- Humrum- respirou
- Desde que cheguei do Japão, nunca tive um minuto de paz nesse colégio. Nem um amigo que seja, você é a primeira pessoa que demonstra amizade por mim- botei a mão na boca.
- Então você é japonês mesmo ? Nossa, você fala tão bem o português, sempre quis conhecer um japonês.
- É que meu pai sempre me incentivou a aprender, já que ele é brasileiro- ele se aproximou de mim, e pude ver os seus lindos olhos verdes.
- Não sei como alguém pode achar você estranho, é tão bonito- era pra ser pensamento, mas acabei falando isso, e vi ele corar- enfim, me chamo Lucas, qual o seu nome ?
- Ryu, Ryu Usami- achei seu nome lindo.
- Prazer
Continua
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