Capítulo 3: O melhor de mim.
Fiquei ali no chão, parado, sem entender sua reação. Tudo bem, aquilo poderia acontecer caso ele não quisesse que eu o beijasse, mas ele retribuiu, o que prova que ele também queria.
Encostei minhas costas no balcão e fiquei pensando por alguns minutos, até cansar e ir para o quarto.
No dia seguinte, acordei tarde pois o frio na barriga da noite anterior quase não me deixou pegar no sono. Levantei já pensativo, uma certa angústia me cercava. Todos sabem como é ruim ser dispensado por alguém que se está afim, ainda mais depois de um beijo daqueles.
Era uma sensação ruim, tinha vontade de chorar e de bater nele ao mesmo tempo.
Levei os dedos até os lábios e os acariciei, sentindo o gosto do beijo.
- Glean? Você está acordado?- Ouvi a voz de minha tia ao bater suavemente na porta.
- Estou sim, pode entrar...- Ela adentrou aquele que agora era meu quarto e encostou a porta devagar.
- Bom dia, querido.
- Bom dia...- Disse sem ânimo. Reparei que seus longos e lisos cabelos dourados estavam jogados por entre os ombros, a deixando ainda mais linda. Era uma mulher por volta dos trinta e tantos, mas sua pele era tão brilhante e cheia de vida quanto a de uma adolescente.
- Só vim avisar que o café já está na mesa, aliás, o Daniel está te esperando para irem para a escola.- Droga. Eu havia esquecido completamente que hoje eu começaria na nova escola, na escola do Daniel. Como se ainda não bastasse isso, teria que ir e vir todos os dias com ele.
Como eu havia imaginado, sua cara de poucos amigos foi a minha recepção ao sentar na mesa. Ele nem sequer olhou para mim. Bom dia então? Nem se fala. Era como se eu realmente não existisse ali. Não para ele...
Já no horário de irmos para a escola, ambos entramos no carro sem trocar uma só palavra, e foi assim durante exatamente 45 dias. Mais de um mês se passou e nenhum de nós dirigia a palavra um ao outro. Não importava a ocasião ele sempre me ignorava, sempre me olhava de cara feia e eu passei a retribuir.
Meu único amigo ali era o Mino, o cachorro do Daniel. Uma coisa que me entrigava muito naquele cachorro era o seu tamanho altamente exagerado. Ele pertencia a raça Malamute do Alaska e apesar de ser uma raça de grande porte, ele conseguia ultrapassar essa marca. Apesar disso era um cão muito bonito, parecia muito com um lobo branco, só que bem mais peludo. Outra coisa que me chamava a atenção era o jeito que ele reagia as coisas que eu falava, era como se ele entendesse absolutamente tudo.
Onde eu ia ele me seguia, inclusive passou até a dormir no meu quarto. Toda essa atenção, havia apenas uma pessoa a quem eu queria que aquilo se aplicasse. Daniel. Eu queria que ele me desse ao menos um terço da atenção e carinho que aquele animal me dava. Tudo bem, são atenções totalmente diferentes, mas eu queria que ele ao menos me olhasse sem aquela cara de quem comeu- no caso "beijou"- e não gostou.
Era em uma terça-feira e estávamos na escola. Eu sentara perto de uma árvore, no lado de fora da escola. Era o intervalo e vários jovens passavam apressados de um lados para o outro, gritavam, chingavam, corriam. Era uma loucura.
Entre todos aqueles que ali estavam, apenas um me chamava a atenção... Daniel. Ele estava na minha direção, no outro lado do imenso pátio, e uma garota chegou e o abraçou de repente. Era uma garota muito bonita, possuía os cabelos escuros e um corpo de dar inveja.
"É puta, de certo."- Disse a mim mesmo tentando não olhar, mas minha visão se recusava a mudar de direção. Foi ai então que alguém me forçou a olhar para cima. Um garoto de cabelos loiros se posicionara bem à minha frente.
- Oi, posso falar com você?- Ele se abaixou levemente ao meu encontro e estendeu a mão esquerda para um aperto. Ele era forte e extremamente bonito. Meus olhos logo pousaram nos seus, que possuíam um azul intenso.
- Pois não?- Disse com a voz falha.
- Você é o Glean, certo?
- Sim, sou eu mesmo...- Dei um sorriso tímido e ele sentou-se ao meu lado.
- Então... Eu andei observando você durante esse mês inteiro...- Ele começou a sorrir envergonhado. Confesso que nunca havia nem o visto antes; um garoto bonito daqueles eu jamais deixaria de reparar.- E... E eu queria saber se você não quer dar uma volta, sei lá, sair, ir ao cinema... Você aceita?
Fiquei um pouco pensativo e quando ia responder alguém me puxa pelo braço e praticamente me arrasta dali. Quem seria? Daniel é claro!
O garoto ficou sem entender nada, e muito menos eu.
- Daniel, o que você está fazendo?!- Tentei me soltar, mas foi inútil. Ele segurava forte em meu pulso e me puxava rápido para fora do pátio.- Daniel!!!- Gritei fazendo com que ele parasse.- Qual é o seu problema?! Eu estava conversando, você não viu?!
- Vi. Mas não estou nem aí!- Disse ele me soltando.
- O quê?! Você realmente deve ser maluco, só pode!
- Se eu sou maluco você é uma bicha!- Essas palavras me fizeram recuar. Fiquei surpreso, não pelas palavras, mas pelo jeito que ele as disse. Ele me olhou de uma forma que parecia sentir nojo de mim.
- Sou... Sou mesmo uma bicha! Mas só posso ser uma bicha muito diota ao ponto de ter te beijado!!!
- Fala baixo...- Ele disse em sussurro.
- Falar baixo, por quê? Está com medo de que alguém ouça que eu te beijei? Ou que eu te beijei e você gostou..?- Falei erguendo uma sobrancelha.
- Eu não gostei, acontece que você me pegou de surpresa e eu não pude reagir...
- Ah, claro! Então quer dizer que eu te forcei?!
- É... Você me forçou. Eu nunca te beijaria... Porque eu não sou viado.- Nesse momento uma dor tão forte atingiu meu coração. Passamos nossas vidas todas, praticamente sem nos falar, e quando ele finalmente me dirige a palavra é para me dizer uma coisa dessas.
Juntei todas as minhas forças e lhe dei um tapa. O impacto foi tão forte que todos ouviram e olharam diretamente para nós.
Saí dali o mais rápido possível, ele ficou imóvel com o rosto virado; ao passar pelo portão, avistei o garoto de poucos minutos atrás e parei à sua frente.
- Sim. Eu quero sair com você, me pega as sete.- Segui adiante sem deixar espaço para que ele falasse nada e fui para casa.
Fiquei toda aquela tarde chorando sem parar. Eu não o vi mais depois de nossa discussão na escola e nem queria ver. Naquele momento a única coisa que eu queria era distância dele.
"Se já não fosse "errado" o suficiente me apaixonar por outro homem, esse homem ainda tinha que ser meu primo?!"
Foi a pergunta que rondou minha mente durante o resto daquele dia frio.
Às sete em ponto, já estava pronto. Eu não estava realmente afim de sair com aquele carinha que eu acabara de conhecer, mas se pensar bem, é melhor sair com alguém que quer a minha companhia do que ficar em casa, chorando por quem me ignora.
Desci as escadas apressado e ao chegar na sala, encontro meus tios sentados no sofá assistindo tv.
- Oi... Tio, eu marquei de sair com uma pessoa hoje, você deixa?- Perguntei com um pouco de medo da resposta. Ninguém além do Daniel sabia sobre minha sexualidade; e se dependesse de mim, ninguém saberia tão cedo.
- Mas é claro que pode. Fico feliz que já tenha encontrado alguém em tão pouco tempo.
- É querido, divirta-se.- Disse minha tia logo depois dele.
- Só não passe das 23:00, aqui é muito perigoso após esse horário.
- Tudo bem, tio. Eu chegarei cedo, prometo.- Dei um sorriso tímido e me dirigi à porta.
Quando ia me aproximando, ouço o Daniel descer correndo as escadas. Quando vi que ele vinha em minha direção, me apressei e tentei sair antes que ele me alcançasse, mas foi em vão. Ele me puxou para dentro e bateu a porta, ficando à minha frente.
- Daniel!!!- Aquela situação já estava me deixando maluco. Quando ia dizer outra coisa, percebi que ele estava estranho. Ele fitava o nada, pensativo, parecia querer ouvir algo do lado de fora.
- Pai... Eles estão aqui.- Disse ele levantando os olhos ao encontro de seus pais no sofá.
- Tem certeza?!- Ambos levantaram assustados e meu tio veio até mim e me afastou da porta.
- Más eu achei que ainda iria demorar alguns meses até eles o encontrarem.- Caroline também veio até nós aflita.
- Parece que estávamos errados. Aconteceu bem mais rápido do que temiamos... E agora?- Daniel ainda se encontrava à frente da porta. Seus olhos percorriam todo o lugar à procura de algo.
Eu apenas os observava e tentava entender do que falavam. Aquilo parecia diálogo de filmes de zumbi. Eles falavam como se a qualquer hora algo fosse atravessar aquela porta, e pelo que deduzi, o alvo seria eu.
- O que está acontecendo?- Perguntei entrando à frente de meu tio Arthur.
- Silêncio...- Disse Daniel pondo o dedo indicador sobre os lábios.- Pai, o que faremos? Se ficarmos aqui eles entrarão e destruírão a casa, más, se saírmos eles o pegarão.
Um breve silêncio se fez no recinto. Ninguém se atreveu a abrir a boca por um bom tempo. Ficamos todos olhando uns para os outros com cara de idiotas.
- Vocês vão ter que fugir.- Disse meu tio estufando o peito.
- Mas se eles forem, eles vão os alcançar facilmente.- Minha tia tomou as rédias da situação.
- A não ser... Que o Mino o leve e eu dê cobertura.- Daniel parecia firme em suas palavras. Pela primeira vez desde que havia vindo morar com eles, Daniel realmente pareceu se importar comigo.
- Quantos são?- Arthur foi até a janela e procurou algo do lado de foraestá na esquerda, próximo a casa dos Donner, e o outro a direita, embaixo das árvores.- Meu tio seguiu atentamente a descrição de Daniel e balançou a cabeça em sinal de positivo.
- Ok. Como você pretende acabar com eles?
- O quê?!- Disse minha tia, ao questionar Arthur.- Isso é loucura, eles vão morrer!
- Não, mãe. Eu consigo... Eu preciso afastá-los daqui, ou então eles destruírão a casa e todos nós. Temos que levá-los para longe daqui o máximo possível. Se o pegarem, não seremos os únicos à morrer, milhares de vidas estão em jogo agora. E eu vou protegê-lo com a minha se for preciso...
Continua....