Achei que tivesse acordado já na manhã do dia seguinte, mas ao levantar a cabeça para o relógio de cabeceira descobri que não passava das duas e meia da madrugada. Estava desorientado pelo sono, tornando a acomodar-me na cama. Até tinha me esquecido que alguém dividia a cama comigo, mas quando voltei à posição que estava - de lado,virado para a parede - senti um braço me envolvendo e levando-me para junto de um corpo quente, o qual dividia a cama comigo.
Lá fora, a chuva ainda descia ininterrupta, o que provavelmente deixaria marcas na cidade: lagoas transbordando, acúmulo de água nas ruas, surgimento de crateras e pequenos deslizamentos de encostas - só esperava que nossa república estivesse a salvo.
O único cobertor que nos cobria era grosso, apesar de não ter tanto de comprimento. Eu estava realmente estático, acordado, sentindo um braço envolver meu corpo e minhas costas coladas no abdômen do garoto. A respiração de Nando era forte, mas eu não sabia dizer se ele estava dormindo ou acordado, assim como eu. Aquela situação estava despertando algo em mim, algo que eu não sabia dizer exatamente o que era... Era o mesmo que acontecia todas as vezes que Nando me embalava em seus braços, era a mesma que eu sentia quando pensava nele. Seria... Ah, não. Será mesmo que...
Um tocar macio em minha nuca interrompeu meus pensamentos. Um hálito quente era expelido ali, e a sensação de que um tremor de terra tinha o epicentro em meu coração era inevitável. Arrepiei-me por inteiro quando o beijo em minha nuca tornou-se mais forte e o braço que me agarrava apertou-me com mais força. Algo rijo apontava em minhas costas, sendo pressionado contra mim. Aquele era o contato mais íntimo que eu tivera com algum garoto. E o pior: eu estava gostando.
Senti Nando remexer-se na cama, aproximando sua cabeça de minha orelha.
— Sei que está gostando — sussurrou. Meu mundo girou. Tudo parecia estar duplicado, a sensação que antes tomava conta de meu coração espalhara-se para o corpo inteiro. Ele sabia? Eu havia demonstrado aquilo? Não, eu não haiva... Mas... Mas...
Virei-me para ele, vendo suas íris penetrantes cravarem-se nas minhas. Um sorriso desabrochava em seus lábios. Estávamos tão próximos que eu podia escutar seus batimentos cardíacos, os quais estavam bem acelerados. Num movimento único, selamos o momento com um beijo calmo, ritmamente lento. A língua de Nando tentava explorar minha boca, mas eu estava travado demais para dar espaço para ela. Nando se afastou.
— Você não quer? — perguntou numa voz nitidamente cheia de confusão. Olhei-o por longos três segundos até puxá-lo para mim, tomando a iniciativa. Daquela vez nossas línguas se entrelaçaram, compassadas. Nando beijava bem, mas mesmo que não beijasse, putz, era ele. Eu queria estar naquele momento para sempre.
Afastei-me daquela vez, abrindo os olhos e emitindo um sorriso, vendo que o garoto também já o fazia.
— Você não tinha repúdio dos gays? — perguntei.
— Só até conhecer você.
— E isso quer dizer que...
— Que nas últimas semanas eu me vi cercado por um sentimento que eu não conseguia controlar. Um sentimento que mudou o meu modo de ver o mundo, Miguel. Eu estou apaixonado por você — interrompeu-me ele.
Não respondi. Apenas tornei a beijá-lo, passando meus braços por seu corpo. Em instantes eu estava rijo como ele, ainda que não soubesse se era a hora.
— Está animadinho? — Perguntou ele cutucando meu pênis com a coxa. Ousei pôr a mão no seu, rindo-me de sua "hipocrisia".
— Não só eu.
Virei-me, olhando para o teto. Nando ainda estava deitado de lado, me encarando. Mordi o interior da bochecha e virei a cabeça de lado, olhando novamente em seus olhos. Tudo estava perfeito, eu estava beijando, tinhamos um ao outro nos braços, declaramos amor com gestos e palavras, mas estávamos chegando ao limite da barreira de segurança entre pegação e sexo. Eu... Eu estava inseguro, não sabia se era a hora. Pensar nisso fez minha libido descer mais. Brochei.
— Eu não... Se importa se não fizermos isso hoje? — perguntei desconfortavelmente.
— Isso...? Ahn, ah, sim, quero dizer... Sem pressa.
O garoto havia corado, assim como eu também senti meu rosto esquentar. Ele era virgem também?
Para quebrarmos aquele clima, Nando novamente me envolveu, ficando na mesma posição. Deitados de conchinha... Só então percebemos que a chuva já haviadado uma trégua, não havia mais o que Nando temer.
— Os trovões pararam, vai para o sei quarto? — perguntei.
Fernando deu uma risadinha.
— Eu não tenho medo de trovão.
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Acordei ainda envolvido pelos braços fortes do garoto. Voltara a chover enquanto dormíamos, de forma que pela manhã novamente fazia frio.
Desenrosquei-me de seus braços e calcei meus chinelos, indo ao banheiro para fazer a minha higiene. Voltei ao quarto e vi Nando sobre a cama, ainda dormindo, enroscado nos lençóis.
Desci para a cozinha.
Manu estava coando um café especialmente para aquela manhã chuvosa. Usava uma calça de motetom e uma camisa também de moletom, ambas de malha grossa, obviamente maiores que ela. Pareciam ser do Edu.
— Bom dia, Manu. — Disse ao entrar na cozinha.
— Bom dia, Miguel — respondeu. Eu deveria estar com uma expressão de felicidade (talvez fosse o meu sorriso exagerado), porque ela perguntou-me: — Aconteceu algo de bom?
— Dá para notar? — indaguei, encostando-me na pia. — Digamos que eu e o Nando nos acertamos permanentemente.
— Mas vocês não... Oh, meu Deus. É o que eu estou pensando? — Perguntou ela dando pequenos espasmos de felicidade.
— Não, sua mente suja. Mas ele foi dormir no meu quarto ontem porque tem medo de trovões e... Que boca. — Terminei a frase com um sussurro.
Ainda assim, Manu dava risinhos e debochava, dizia que suspeitava desde o começo e que, com certeza, aquilo evoluiria mais. "Tanta briga significava isso", dizia ela.
Passei a ajudá-la a colocar a mesa do café e contar em detalhes o que havia acontecido. Manu sempre fazia comentários a cada frase, deixando-me por vezes envergonhado. Não contei da parte em que brochei.
Assim que havíamos acabado de montar a mesa eu subi para o quarto. Assim que entrei, vi Nando enrolado numa toalha, molhado daquela água fria. Vasculhava minha gaveta procurando algo para vestir, algo como uma de minhas cuecas. Ele não me viu nos primeiros momentos, mas fiquei ali admirando-o. E pensar que tudo aquilo gostava de mim... Mas e eu? Gostava realmente dele, ou era apenas uma forte impressão?