Ei pessoal, obrigado a todos os que leram e valeu pelos comentários, gostei bastante da recepção de vocês. Agora vamos ao conto:
Depois de acordar meio assustado com aquela lembrança/sonho, decidi descer daquela árvore e ver se as armadilhas pegaram meu café da manhã, afinal, a Starbucks não anda com um serviço eficiente. Quem diria que fazer parte dos escoteiros ia servir para alguma coisa no fim das contas rsrs.
Percorri todas elas e infelizmente não tive sorte, estavam todas vazias. Também, fazia quase um mês que eu estava naquele buraco que um dia foi uma cidadezinha sem importância no interior do país. Não passava de uma vila, mas parece que todos foram evacuados antes do fim, então o lugar estava tranquilo. Acho que dei cabo de apenas uns dez deles enquanto estive hospedado na região. Mas parece que chegou a hora de enfrentar a estrada novamente, sem suprimentos não dá para viver. Comi um pouco de carne seca que havia restado do outro dia e parti rumo ao desconhecido.
Quando levantei acampamento, e por acampamento quero dizer juntar tudo na minha mochila cheia de materiais necessários à sobrevivência e minha espada, eram mais ou menos sete e meia da manhã. Agora eram meio dia e o sol estava rachando a minha cabeça, já tinha comido tudo o que eu tinha comigo e estava com fome novamente. Resolvi parar próximo à estrada para descansar um pouco e sair daquele sol. Não era uma decisão muito inteligente, as estradas estavam cheias de mortos vivos que se infectaram tentando escapar das cidades, mas precisava economizar energia, não sabia quando seria a minha próxima refeição.
Caramba, eu daria a minha vida por um refrigerante. Essa era a pior parte de viver no mundo de agora, saber como as coisas eram antes. Tudo era tão fácil, se você queria comer bastava ir ao supermercado e comprar qualquer coisa que quisesse, nós não precisávamos matar a vaca para conseguir carne, a Friboi fazia todo o serviço sujo. Mas isso agora é só uma lembrança, os tempos mudaram, e infelizmente para pior.
Eu estava sentando encostado numa árvore, pensando na vida, quando ouvi um som que há muito não ouvia, tiros. No inicio pensei que fosse o calor que estava me fazendo ouvir coisas, mas quando ouvi mais dois disparos seguidos, percebi que realmente tinha alguém atirando em algum lugar da estrada. Sai de onde estava e notei a uns 500 metros, duas pessoas em um carro com um bando de infectados os cercando. Eles estavam no teto do veículo e estavam tentando matar as coisas atirando em seus cérebros. Minha experiência dizia para eu deixar aqueles dois lá e seguir meu caminho, não dava mais para confiar em ninguém. Porém, já fazia dois anos desde que eu vi alguém vivo e querendo ou não, humanos são uma espécie em extinção e meu espirito de solidariedade resolveu falar mais alto, então decidi ir ajudar aqueles dois chegarem ao dia seguinte.
Eles estavam atirando para todos os lados, mas parecia que as balas não seriam suficientes, a manada era bem grande, deviam ter mais de trinta deles em volta do carro. Quando eu me aproximei, eles sentiram o meu cheiro e alguns começaram a vir até mim. Às duas pessoas em cima do carro, agora dava para perceber que se tratava de um homem e uma mulher, miraram suas armas em minha direção, como eu disse, não dava para confiar em ninguém hoje em dia. Eu levantei uma das mãos, sinalizando que estava do lado deles e me dirigi ao zumbi mais próximo.
Como alguns haviam se afastado do casal e estavam vindo em minha direção eu resolvi começar por eles enquanto os dois despejavam os últimos cartuchos na cabeça dos monstros. O primeiro golpe da minha espada atingiu uma deles no meio da barriga, abrindo um buraco em seu abdômen e deixando a mostra seus intestinos pretos e gosmentos. Obviamente ele continuou vindo em minha direção, com as entranhas caindo no meio das pernas, enquanto isso outros dois estavam se aproximando, e eu percebi que estava ficando encurralado. Tratei de dar um fim ao qual já tinha desferido um golpe e parti para os outros dois.
- Caralho, essas coisas estão caindo aos pedaços, devem ter se transformado a bastante tempo. Disse o homem que estava no carro para a garota, que já descia do veículo para se lançar num corpo a corpo com os mortos vivos armada com um machado a tira colo.
- Cala boca, Jonas e faz alguma coisa, senão a gente vai morrer aqui! Respondeu a garota num tom irritado.
Os zumbis se afastaram do carro com a minha chegada, eles não estavam mais em volta do carro, mas se espalhando pela pista.
Atingi um deles na cabeça, num golpe certeiro, quando o outro monstro que estava próximo agarrou o meu braço, tentando me morder. Instintivamente tentei afasta-lo e desferi o cabo da espada no lugar que um dia havia abrigado o olho de uma pessoa. O crânio não quebrou de primeira, mas o globo ocular estourou, espalhando aquela gosma preta em mim. Isso foi o suficiente para fazê-lo cambalear e soltar o meu braço, me dando tempo de cravar a espada em sua cabeça.
A garota já tinha dado cabo de uns cinco infectados e estava toda salpicada de restos de zumbi, mas o cerco estava se fechando em volta dela e o seu companheiro estava um pouco afastado, atacando os zumbis com o que parecia ser um pedaço de aço cheio de pregos nas pontas, adaptado para dar fim aos mortos vivos. Segui na direção da mulher enquanto atingia zumbis a esmo. Ao chegar onde ela estava, comecei a desferir golpes contra os monstros, decepando suas cabeças, que percorriam a pista como bolas de futebol macabras.
Após mais ou menos dez minutos de carnificina, conseguimos derrotar a manada. O chão estava cheio de gosma e com pedaços de zumbis espalhados, o cara chegou a tropeçar em um braço, enquanto se dirigia para onde eu estava com a garota. Eu estava bem cansado, fazia um tempo que eu não lutava com tantos monstros assim, e como eu estava sem comer e essa porcaria de sol estava fritando meus neurônios a sensação de cansaço estava bem pior.
- Nossa, de onde você saiu, espadachim? Me perguntou o garoto.
- Caramba cara, onde você aprendeu a usar a essa coisa? Questionou a garota.
- Eu praticava esgrima. Respondi simplesmente.
- Você tá vindo de onde? Perguntou-me a garota.
- De lugar nenhum. Disse e dei de ombros.
- Hum. Fizeram os dois.
Eles estavam desconfortáveis, pareciam não saber o que fazer em seguida. Não era comum achar pessoas saudáveis hoje em dia e sabe-se lá o que esses dois já enfrentaram. Na tentativa de deixar a situação um pouco menos estranha, resolvi me apresentar.
- Eu me chamo Felipe e vocês?
- Eu sou o Jonas e essa é a Barbie. Respondeu o garoto.
- Barbie?! Eu disse meio espantado.
Na verdade ela lembrava mesmo a boneca, era magra, tinha cabelos e olhos claros e uma pele, que se não estivesse bronzeada pela exposição ao sol, seria branca como leite. Na verdade, seu rosto não me era estranho. O garoto, Jonas, era bem alto e cheio de músculos, tinha cabelos pretos e olhos castanhos, um rosto quadrado que dava um ar imponente em suas feições e por todos os deuses do Olimpo, era muito gostoso. Ambos pareciam ainda estar na casa dos vinte anos.
- É só um apelido, meu nome é Julia. Ela disse, dando um sorriso discreto.
- Ah sim. Respondi.
- Ei, já ia me esquecendo, obrigada pela ajuda. Nosso pneu furou e quando estávamos trocando essas coisas apareceram do nada. Explicou Julia.
- Não foi nada. Mas como vocês conseguiram arranjar gasolina para fazer o carro funcionar? Perguntei intrigado.
- Ele é elétrico, a Julia fez umas modificações para ele usar energia solar e funcionar. Tá vendo o painel preto lá em cima? É de lá que vem a energia. Respondeu Jonas.
- Nossa você deve ser superinteligente para conseguir fazer uma coisa dessas assim do nada. Eu disse.
- Os psicólogos nunca conseguiram calcular meu QI. Disse ela em um tom de brincadeira.
- Sempre humilde hein Barbie?! Falou Jonas debochando dela.
- Eu não tenho culpa de ter um supercérebro kkkkkkkk.
E então os dois começaram a rir do que parecia ser uma piada interna. Percebi com isso, que eles não eram apenas duas pessoas fazendo uma viajem, mas sim um casal. Fiquei um pouco envergonhado de presenciar aquilo, afinal parecia ser um momento de intimidade e eu claramente estava sobrando.
Eles devem ter percebido minha estranheza, porque pararam as brincadeiras e adquiriram expressões mais sérias.
- É... bem, você está indo para algum lugar especifico? Perguntou Jonas.
- Na verdade não. Eu sou o que podemos de chamar de andarilho rsrs.
- Como você nos ajudou nessa encrenca aqui acho que estamos te devendo uma. Quer vir com a gente? Temos um acampamento com mais pessoas a alguns quilômetros daqui. Disse Julia.
Fiquei meio intrigado, fazia muito tempo desde a última vez que fiz parte de um acampamento. Na verdade só andei em grupo no começo da crise. A maioria das pessoas naquela época não era o que podemos chamar de sobreviventes, elas eram alvos fáceis para os mortos vivos, e os grupos pelos quais já tinha passado não eram muito adeptos da democracia. Por isso preferi seguir meu caminho sozinho, não queria ter que me despedir de mais ninguém nessa vida ou fazer parte de um bando de mercenários que estupram pessoas e roubam qualquer um que veem pela frente.
Mas esses dois parecem bem adaptados à nova realidade e pelos sacos dentro do carro e essa carretinha abarrotada de coisas eles devem ter bastante comida. Minha nossa, estou caindo de fome! Além disso, ter uma mulher livre atualmente é um gesto de civilidade que não se pode desprezar.
- Muito obrigado pela oferta, acho que vou aceitar, já faz um tempo que não encontro um grupo de pessoas.
- Fechado. Disse a garota – Vamos trocar logo esse pneu e dar o fora daqui.
- Vocês teriam algo para comer? Perguntei.
- Claro, temos carne seca e alguns legumes. Vou pegar para você. Disse Julia.
- Valeu
Depois de comer, ajudei o Jonas a trocar o pneu e seguimos viajem para o lugar onde eles viviam. Nós não conversamos muito durante o percurso, na verdade eu só fiz umas perguntas de como era o lugar em que eles viviam e obtive como resposta que se tratava de um lugar meio barra pesada, mas que ainda mantinha alguma ordem na medida do possível.
Não gostei muito dessa parte, mas qualquer coisa eu poderia ir embora, afinal eles não poderiam me manter em um lugar contra a minha vontade.
De repente me dei conta que estava em um carro movido a eletricidade e onde tem eletricidade pode haver música, foi então que perguntei:
- Ei, por acaso vocês tem música aqui?
- Cara, ninguém se preocupou em pegar o iPod enquanto o mundo acabava. Falou Jonas com uma cara que dizia que eu era um sem noção por perguntar tal coisa.
Nessa momento, a Julia deu um soco em seu braço, que ficou resmungando.
- Desculpa esse idiota ai, faz tempo que ele não pratica boas maneiras.
- E foi isso que ajudou a gente a se manter vivo. Sua doida, quase me fez perder o controle da direção.
- Calma pessoal, não fiquei ofendido, só queria saber.
- Tranquilo cara, foi mals ae. Disse Jonas tentando se desculpar.
- É que eu guardei meu celular, e eu tenho um carregador aqui, será que dá para conectar e carregar no carro?
- CARALHO, VOCÊ GUARDOU UM CELULAR? QUAIS MÚSICAS TÊM NESSA COISA?
Eu me assustei quando a Julia gritou, parecia até que eu tinha comigo a cura para o vírus. É verdade, entre tantas coisas para levar comigo eu mantive um telefone, mas porra, era minha única lembrança de casa, de um tempo em que minha maior preocupação era com as provas escolares. Além disso, se desse para carrega-lo eu ia conseguir ver as fotos da minha família.
Vale lembrar que como eu nunca mais voltei em casa, o carregador foi presente de um infectado recém-transformado que eu tive que matar enquanto ainda estava em São Paulo, naquela época eu ainda consegui carrega-lo algumas vezes, antes da energia ser cortada de vez.
- Tem um monte, eu gostava de dormir ouvindo música. Eu disse com uma voz meio envergonhada pela maneira como ela reagiu.
- Não se preocupe vou dar um jeito nisso. A garota parecia que estava possuída, começou a arrancar partes do painel frontal do carro e a mexer em uns fios que ela logo tratou de grudar na ponta do carregador e pluga-lo no telefone.
Não achei que isso fosse funcionar, afinal, o bicho não era ligado a anos. Mas depois de um tempo, para a nossa alegria, ele deu sinal de vida. Quase gritei ao ver o símbolo da bateria carregando. A Julia o ligou e começou a procurar pelas músicas. A garota quase teve um infarto ao ver que na minha playlist tinha um álbum do Imagine Dragons.
- Nossa, eu adorava essa banda. Ela disse.
- Liga logo, já faz tanto tempo que acho que nem lembro mais como é ouvir música. Apressou Jonas.
- É seu engraçadinho, agora você quer ouvir música, né?! Brincou Julia.
- Fica quieta e faz logo o seu trabalho. Ele respondeu sorrindo.
Quando ela apertou o play foi como se nós três houvéssemos voltado no tempo, foi maravilhoso ouvir aquelas melodias de novo, ainda me lembrava da letra, mas ouvir a voz dos cantores foi indescritível.
Seguimos viagem, até que Jonas virou em uma estrada de chão que levava a uma fazenda. A estrada estava até bem conservada, levando em conta que ninguém devia fazer a manutenção a algum tempo. Logo eu avistei o que parecia ser um cercado com mais de um metro e meio de altura, feito com arame farpado e estacas na base que cercava uma área de mais ou menos uns duzentos metros. Jonas começou a buzinar para que abrissem o portão da entrada a fim de que pudéssemos passar.
Depois de entrarmos, quando eu sai do carro, todos os que foram nos receber me olharam com estranheza, afinal, eu era um pacote inesperado. Enquanto eu tentava analisar melhor as expressões nos rostos daquele grupo, foi que me deparei com o seu olhar.