Ficamos em silêncio por um instante. Ele se afastou para atender o celular, e eu fiquei o admirando. Não sei o que deu em mim, mas havia algo naquele cara magro, mas com expressões fortes, que mexia comigo.
Eu só podia estar ficando louco! Meu Deus, Guilherme! O cara é bandido, tá com uma arma na mão... Prestes a te matar, e você atraído por ele? – Não, eu só podia está mesmo louco.
- Só pra avisar que eu peguei um carinha que não mora no morro. É isso aí, mano. O cara tava no baile e saiu correndo de lá. Eu também acho! Vai que ele possa ser um informante dos cara.
Ele falava ao telefone com outro comparsa, e eu fiquei olhando para ele, completamente estarrecido com a comparação. Veja lá se eu tenho cara de informante?
- Você pretende me manter preso aqui até quando? Eu preciso saber notícias dos meus amigos.
- Até quando eu quiser. Eu mandei tu calar a porra da boca. Ahhh... Quê dizer que tu tá acompanhado de amigos...
- Escuta aqui! Primeiro, eu não sou informante de ninguém! Segundo, eu só vim para este lugar, porque eu tenho dois amigos idiotas que me convenceram a isso! E terceiro, eu já perdi a minha paciência. Me tira logo daqui! Eu na sou bandido como você. Pode ficar tranquilo. – eu esbravejei com raiva e não sei de onde tirei tanta coragem. No fundo, eu estava morrendo de medo.
- Você é bem nervosinho hein? Pelo que eu to vendo, tu deve ser filhinho de papai... Usando roupa de marca, tênis maneiro...
- Quer? Eu arranco tudo do meu corpo e te dou. É só me tirar daqui! O dia já está amanhecendo e a minha mãe tá preocupada. Você não tem mãe não?
- Escuta aqui filho da puta! – ele me prensou na parede e apertou o meu pescoço. – Não se atreva a falar da minha mãe. Já passou da hora de eu estourar os seus miolos.
Eu percebi que tocar no assunto “mãe”, o deixava espumando de raiva. Um lado meu, ficou com vontade de chorar e implorar por socorro, mas outro lado, me deixava excitado, querendo fazer mil loucuras com aquele cara que, por sinal, eu nem sabia qual era o seu nome.
- Desculpa. Eu não quis te ofender. Me perdoa... – ele foi me soltando aos poucos, e de repente, seus olhos estavam fixados aos meus. Ele tinha a barba grande e pele queimada do sol, mas seus olhos verdes vibravam. Tinha pele morena clara, e cabelos curtos. Seu porte eu magro, de um cara apenas atlético, mas que chamava atenção em qualquer lugar. Seus lábios grossos dava vontade de beijar e sentir a temperatura... Eu estava tarado nele.
- Eu peguei pesado. Será que você pode ficar quieto? Eu não quero te machucar. E se você quer mesmo saber a verdade... Eu estava salvando você de uma bala perdida.
- Como assim? – eu perguntei com a voz branda e o encarando.
- Quando os cara invade aqui; é tiro pra todo lado. E os moradores se fecham em suas casas pra não acontecer uma tragédia. Eu moro aqui no morro do Borel e fui informado da invasão dos cara. Quando eu ia subir pro baile e ajudar meus amigos, eu te vi correndo e saquei de cara que você não era daqui. Por isso que te puxei pra essa casa velha... Quando a poeira baixar, eu te libero e tu vai embora.
Eu fiquei bege com o que ele disse. Se eu já estava tarado por ele, agora que descubro, que ele foi um fofo comigo, aí é que me senti ainda mais maluco por ele. Sua linguagem informal, meio chula, era de certa forma atraente.
- Mas e os meus amigos? Eu preciso saber como eles estão? E se aconteceu alguma coisa com eles?
- Calma... Eu falei com o Zé, um brother meu, e ele tava com seus amigos. Aqui, nós só matamos os inimigos ou x-9. Entendeu?
- Pelo visto os tiroteios acabaram. Será que eu posso ir agora? Eu preciso da minha casa, de um banho, tirar esse cheiro de álcool do corpo.
- Você sempre foi desafiador e marrento?
- Porque a pergunta? – seus olhos verdes me fitavam.
- Porque eu te achei corajoso demais. Se fosse outro cara, já tinha perdido a paciência contigo e metido bala na tua cabeça.
- Todos nós vamos morrer um dia. E se é pra morrer, querido! Ao menos que seja com bravura.
- Você é viado né? – eu fui pego de surpresa pela pergunta dele.
- Este não é o nome correto. Sim, eu sou GAY! Algum problema?
- Cada um faz o que quiser da sua vida. Eu não tenho preconceito com nada não. Mas deu pra sacar que você...
- Eu vou virar assunto agora?- cruzei o braço furioso.
- Tá nervosinho? Se tu fosse mulher, até que... Essa tua bunda...
- Quê isso? Assédio sexual? Pois eu não sou mulher! Sou homem!E você não me pegava, porque eu jamais me envolveria com um ogro como você. Aliás, quando um homem vem com esse papinho, é porque ele não só curte, como também pega vários caras por aí.
Foi a minha vez de deixá-lo em saia justa e sem graça.
- Iiiiii... Qual é cara? Tá me estranhando? Sai pra lá!
- Ficou nervosinho por quê? Será que no fundo, o que eu falei não é verdade?
- Tá na hora de tu ir embora. Vaza daqui e não aparece mais. Da próxima vez, não vai ter tanta sorte assim.
Eu percebi que o deixei incomodado com o assunto. Tava na cara que ele curtia uma sacanagem com alguém do mesmo sexo, o que me deixou feliz.
- Antes de ir embora, você ao me disse o seu nome?
- Pra quê tu quer saber? Ficou gamado em mim foi?
- Você é muito convencido! Eu só queria saber mesmo, por educação e agradecer de forma mais educada, por sua ajuda. Mas deixa pra lá!
- Enzo. Meu nome é Enzo. – eu me virei, e nossos olhares se encontraram novamente.
- Prazer Enzo. Me chamo Guilherme. Obrigado por sua ajuda. Valeu mesmo. Tchau! – eu sorri e ele retribuiu.
Peguei um ônibus que me deixava perto de casa, e depois peguei um táxi. Aquela noite não sairia mais da minha cabeça. Cheguei em casa por volta de 7:30 da manhã, e pro meu azar, meus pais estavam acordados, tomando café.
- Posso saber onde o senhor esteve?
- Por aí! Estava me divertindo com os meus amigos.
- Com aquela desocupada e o seu amiguinho bicha? – ele pegou pesado.
- Sim pai! Com os meus amigos! Algum problema?
- E depois você não quer que eu fique do lado do seu irmão. Olha a diferença entre vocês dois? Você não me dá gosto em nada na vida!
- Antônio! Não fala assim com nosso filho.
- Pode deixar mãe. Eu já estou tão acostumado, que nem me importo mais. Estou indo para o meu quarto. – me retirei dali. Meu pai me tirava do sério, e a sua raiva em ter um filho homossexual, fazia com que as perseguições só aumentassem sobre mim. Eu só não saí de casa, porque infelizmente não terei como me sustentar. Mas um dia eu iria surpreendê-lo.
Mas o dia não era para ficar pensando no meu pai. Liguei para Vivi e o Victor, e graças a Deus eles estavam bem. Contei a minha aventura, e os dois nem acreditaram. Ahhhh... A vida é mesmo engraçada. Bom, caí no banho e fui comer alguma coisa. Meu estômago estava roncando de tanta fome. Por várias vezes, eu me via lembrando do Enzo. Nossa, que nome lindo ele tinha! Enzo, Enzo, Enzo... Eu repetia várias vezes. Que vontade louca de ter beijado a sua boca, seu corpo... Só saí daquele êxtase, com o barulho do telefone.
- Alô! Oi Arthur. Não, nossos pais não estão em casa.
- Eu estava mesmo querendo falar com você. Eu sou seu irmão mais velho, e vou ser bem sincero... Abra o teu olho, porque se você irritar nossos pais, principalmente em relação aos seus amiguinhos viados... Eu vou te cobrir na porrada! Ouviu bem?
- Hã? Hhahahhahahaha... Pois nasça de novo querido. Vá se fuder e me deixe em paz seu idiota! - eu bati o telefone. Era só o que me faltava! O babaca do meu irmão, tirando uma de machão agressor. Que ódio!
Minha família mais uma vez, conseguiu me tirar do sério. Aproveitei o sábado, e dei uma estudada na matéria de administração, depois fui dá uma olhada no meu facebook. Procurei meu celular por toda a casa, e não encontrava de jeito nenhum.
- Ah meu Deus! Claro Guilherme! Eu deixei cair lá no morro. Puta merda! Agora fiquei sem aparelho e sem a minha agenda telefônica.
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- Oi. Tudo bem? Cadê seu telefone?
- Bom dia pra você também Gui! Pra quê você quer o meu aparelho?
- Para ligar para o meu. Eu perdi ontem naquela droga de favela! Se quem eu estou pensando, tiver encontrado ele, vai me devolver.
- Hã, você acredita mesmo nisso? Acorda viado! Estamos falando de um Smartphone caríssimo, encontrado por um morador de favela, e você acha que vai recuperar seu telefone?
- Victor, eu posso ao menos tentar? Anda, para de conversa e me dá logo o seu telefone.
Eu disquei meu número e chamava, mas ninguém atendia. Tentei outra vez e bingo!
- Oi. Alô! Quem tá falando? – eu disse rapidamente.
- Você gostaria de falar com quem?
- Este aparelho que você está usando... Ele me pertence. – do outro lado da linha, eu pude ouvir uma breve confusão, e alguém dizendo: - me devolve isso aqui! De repente, já não era a mesma voz quem falava comigo.
- Oi. Desculpa. É o Guilherme que está falando?
- Sim! Sou eu mesmo. Olha, eu te pago quanto você quiser, mas por favor, pode me devolver meu telefone?
- Não precisa pagar nada, vamos marcar e eu te devolvo seu aparelho.
Pera aí! Aquela voz era a do... Enzo. Eu não acreditava que o viria novamente.
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CONTINUA...