Decisões precipitadas são as piores que o ser humano pode tomar. Eu conversei com o Marcos na noite anterior e aquilo realmente me animou mas na manhã seguinte...
Eu realmente queria ter acordado com a mesma animação e determinação da noite anterior mas o sentimento que eu tinha era que minha execução na guilhotina estava cada vez mais próxima. Lá vou eu lembrar de Maria Antonieta mais uma vez. Só não tinha tanta certeza se eu conseguiria ser firme até o último momento como ela foi.
Na quarta-feira o Kaio me ligou avisando que já tinha chegado de viagem mas que ainda estava ocupado e que só poderia me encontrar na faculdade. Durante aquele dia eu fiquei tentando pôr o assunto da faculdade em dia. Afinal, eu havia perdido muita coisa durante a viagem pro Rio que demorou mais do que o esperado não por motivos bons.
Fiquei lendo coisas na varanda até que a tarde acabou e começou a escurecer. Eu me apressei em tomar um banho super rápido e ir pra faculdade. Ao chegar na garagem percebi que a moto tinha pouca gasolina. Tinha que ir à pé aquela noite. Cheguei atrasado e corri pra sala pegando a aula que já havia começado há uns 20 minutos.
- Boa noite. Você está com uma cara péssima. – Fernanda cochichou assim que me sentei.
A aula se passou arrastada... Ou era só falta de paciência minha mesmo. Eu estava alí mas ao mesmo tempo não estava. Quando algo me preocupa a primeira coisa impactada são meus estudos. Que droga! Palavras soltas rolavam na minha cabeça sobre a aula e sobre as coisas dos últimos dias.
“Tráfico de drogas... Rio de Janeiro... Crime hediondo... Passagens canceladas... Jantar... Dor na garganta... Marcos... Viagem... Cristo... Próximo artigo... Pena de x a x anos... Circunstâncias agravantes... Amor Fati... Vocês não estão fazendo nada de errado!”
- Igor!
Eu olhei pra Fernanda perdido.
- A aula acabou? – eu perguntei.
- Acabou mas pelo visto olhar pro quadro tá divertido pra você, né? Vamo lá pra fora, eu tô morrendo de frio desse ar condicionado.
Levantamos e saímos no corredor.
- Eu vou pro pátio guardar um banco pra gente. – eu disse.
- Vai que eu vou comprar algo pra comer. Não quer nada?
- Não...
Fui pro pátio e peguei um dos vários banquinhos espalhados por lá. Sentei na parte de cima, no encosto do banco e pus os pés no assento. Saquei o celular e fiquei vendo meu email. Haviam mensagens do pessoal da Casa há mais de dois dias e eu não havia respondido nenhuma. Comecei a responder algumas timidamente, eu realmente não estava bem com aquilo tudo.
Kaio chegou por trás de mim e puxou meu ombro quase me derrubando. Ele me segurou antes que eu gritasse. Mas foi um susto terrível! Eu agarrei a camiseta e o braço dele.
- Isso é pra você aprender a sentar direito no banco. - ele disse rindo.
- Quer me matar do coração? – eu disse me arrumando.
- Senta direito então.
Eu desci e me sentei no local correto.
- Igor eu tô exausto. Pensando quase em ir embora...
- Mas a gente já perdeu aula semana passada e você perdeu ontem. Viajou com seu pai porque quis. Não pode ficar faltando assim.
- Eu sei... A viagem com meu pai foi legal, obrigado pro perguntar. – ele disse abrindo um potinho de sorvete minúsculo com uma pazinha. Ele me olhou e ofereceu. Eu recusei.
- Ooooi! – Fernanda chegou sorrindo pro Kaio.
- Oi! – ele respondeu rindo.
Fernanda me olhou e piscou o olho. Eu fiquei esperando o que ela ia fazer. Kaio estava concentrado no pote de sorvete.
- E então gente... Quando vocês viajam?
- Quinta-feira! – Kaio disse rápido. – E possivelmente iremos ficar até domingo lá!
- Nossa, que bom então, né? – ela me olhou me pressionando a dizer algo mas eu não estava entendendo aquilo.
- É... É sim... – eu falei e devolvi uma cara de quem não estava entendendo nada. Ela piscou mais uma vez o olho.
- É... Então... Kaio, se prepara, viu? Encarar a mãe do Igor não é fácil não. Ela é médica e sabe examinar bem as pessoas, se é que me entende. E o pai dele é bem durão também!
- Não tenho medo disso não. – ele falava terminando de tomar o sorvete – Mas vocês deveriam ensaiar mais vezes. – Ele saiu rindo indo pra lixeira.
Acho que meu rosto virou aquele emoticon de tristeza no WhatsApp.
- Eu tentei amigo... – ela disse.
- Deixa pra lá... Eu vou levar ele mesmo.
- Já falou com sua mãe?
- Sim. Ela quer que eu o leve.
- Então boa sorte. Vai precisar muito.
- Ô se vou...
Chegou uma mensagem no celular da Fernanda e ela ficou um bom tempo lendo. De repente Kaio voltou alguns minutos depois com um caderno rosa, um Vade Mecum todo decorado com strass e um estojo na mão. Aquele era o material da Fernanda? Ele veio em nossa direção e nos ombros ele tinha as mochilas dele e minha.
- Vamos embora. Isso foi um comunicado. – ele disse sério.
- Mas a gente ainda tem aula. Algum professor seu faltou?
- Não. Mas não tem nada de mais. Vem Fernanda. – ele entregou o material dela.
- Kaio são oito horas e você faltou ontem!
- Bom, eu estou com seu material. Se você conseguir assistir aula sem uma caneta sequer então pode ficar... – ele falou ainda sério e saiu.
Ele sabe que só assisto aula fazendo anotação!
- Cala a boca Igor! Vamos! – Fernanda disse e já saiu correndo pra catraca.
Eu segui aqueles dois e ao chegar no carro do Kaio, Fernanda já estava no banco de trás. Kaio ligou o carro e ficou esperando eu entrar. Eu sentei e passei o cinto.
- Pra onde a gente vai?
- Pra algum lugar que faça você abrir um sorriso antes que eu me irrite de vez.
Aquele era um sinal que eu estava tão pra baixo que com certeza logo iríamos brigar. Agora é a parte em que o Kaio apela pra todos os artifícios possíveis pra me ver de bom humor.
No carro ele pegou na minha mão rapidinho e perguntou:
- Pro nosso restaurante de sempre?
Eu acenei que sim. Saímos pro restaurante que fomos juntos pela primeira vez nos primeiros episódios do conto. É um ótimo lugar. No carro, “Youth” da Foxes tocava, e ele sabe o quanto eu gosto dessa música. Logo eu já estava cantando enquanto a gente ia pro restaurante e a Fernanda atrás com um sorriso de orelha a orelha olhando pro tempo.
- Mas gente eu pensei que a gente fosse comer hamburger! Sério que a gente vai parar aqui? Porque eu tô de All Star!
A gente riu.
- Nada a ver Fernanda... Relaxa.
Entramos no lugar e escolhemos – acho que não coincidentemente – a mesa de sempre. Sentamos e pedimos umas besteiras pra comer e beber. A Fernanda começou a contar histórias super engraçadas fazendo a gente rir tanto que as pessoas das mesas ao redor nos olhavam. Quando ela ia pra casa dos pais dela voltava com as histórias mais engraçadas do mundo.
Logo o clima pesado passou e eu já ria solto. Minha frustação estava fazendo não só mal a mim como também a todo mundo a minha volta. Aproveitei umas pausas e respondi alguns e-mails dos leitores já bem mais comunicativo e simpático. No fim da noite eu estava cansado de tanto rir e Fernanda tinha um arsenal de situações cômicas pra contar que pareciam não acabar.
Eu e Kaio pagamos a conta e ela não precisou pagar nada. No fim das contas já passavam das 23h e fomos deixar Fernanda em casa. Saímos em direção à minha casa então. Ficamos um pouco em silêncio.
- Essa menina é doida... – Kaio comentou rindo.
- É sim. Foi a minha primeira amiga na faculdade ainda no primeiro bloco. No começo eu não gostava tanto dela porque ela era como um carrapato mas depois eu também me apeguei.
- Tá melhor?
- Sim. Obrigado e desculpe... É que essa coisa de viagem está me fazendo pirar.
- Tudo bem. Só quero que você se acalme. Pensa Igor... Ok, você tá levando um cara que é sim seu namorado. Mas você também poderia estar levando um cara que é só seu amigo, um cara qualquer da tua turma, que seria sim de fato teu amigo. Eu não entendo o porquê de você se preocupar tanto.
- Porque se eu tivesse levando um cara qualquer ele seria sim só meu amigo e meus pais não iriam notar nada.
- Quem disse que eles vão notar algo entre nós?
- Claro que vão! Kaio minha mãe me conhece melhor que qualquer pessoa, melhor que você! – meus olhos marejaram de imediato ao lembrar daquele sonho maluco do Kaio preso dentro do guarda roupas da minha mãe.
- Vamos ser discretos, eu já disse.
Ele me levou pra casa e foi embora. Aquela semana o Kaio passou trabalhando com o pai dele. Eu só o via à noite na faculdade e ele sempre estava cansado querendo voltar pra casa assim que a aula acabava. A falta da companhia dele durante o resto da semana ajudava ainda mais a me deixar apreensivo. Porque sem o Kaio pra me manter focado minha cabeça rodava por muitas situações que poderiam acontecer nessa viagem. Nenhuma delas boa.
Na sexta-feira eu recebi um email do seu Antônio. Pedia que eu formatasse e devolve-se uma declaração de algo. Eu levei um pouco de tempo em frente ao computador mas por fim produzi e a devolvi. Só que diferente dos demais e-mails que ele sempre me mandava requisitando algo aquele não era o endereço da empresa. Era o email pessoal do pai do Kaio. A conversa se desenvolveu meio assim depois que respondi com o documento.
“Grande Igor!
Como sempre, prestativo. Kaio nos contou sobre viajar pra conhecer seus pais. É um grande passo. Fico orgulhoso de vocês. Seria um prazer conhece-los também. Podemos marcar um jantar aqui em casa. Abraço.
Dr. Antônio Azevedo.”
Mais nem que uma vaca tussa e voe ao mesmo tempo! Já não bastava o Kaio, agora o pai dele também? Não, definitivamente não!
“Claro. Seria um prazer. Assim que os dois estiverem ao mesmo tempo livres, o que é bem difícil de acontecer, – eu enfatizei – eu aviso. Abraço.”
Ler esse email só me deixou ainda mais histérico. Seu Antônio não poderia querer levar aquilo pra frente!
Ainda na sexta a noite eu tentei parecer normal pro Kaio não se chatear. A verdade é que eu não pensava em mais nada, estava ansioso, paranoico e quase explodindo de preocupação com a viagem da semana que vem. Eu estava tão preocupado que estava esquecendo de coisas... Coisas tipo Kaio notando que eu pouco falava, que esquecia de beijá-lo ao se despedir, que esquecia – sim, eu lia e simplesmente esquecia – de responder suas mensagens.
Sábado finalmente após mais um dia ocupado com o pai Kaio pôde vir matar a vontade de vir dormir aqui em casa.
- Eita que eu tava que não me aguentava mais de vontade de vir pra cá! – ele disse me agarrando no sofá.
Naquela noite finalmente nosso sexo rolou. Ajudou muito a relaxar. Tirou boa parte da minha tensão mas ainda assim não foi o suficiente. Sério, eu tava surtando de ansiedade mas eu já estava convencido de que aquilo só iria passar depois que voltássemos de viagem.
No domingo Kaio pegou uns filmes emprestados com os amigos e trouxe pra gente ver. Eu não ia estudar mesmo nem se quisesse. Outra coisa que me aliviou foi tê-lo alí perto durante todo o dia de domingo conversando, me mantendo ocupado, sorrindo, falando besteira, cozinhando comigo e enfim... Assistimos os filmes durante o dia com intervalos de algumas horas entre um e outro.
- Kaio... – eu falei mexendo no cabelo dele enquanto os créditos de um filme passavam. Já era tarde da noite. Kaio estava sem camisa deitado entre minhas pernas.
- Hum?
- Tem uma bermuda e acho que duas camisetas tuas no meu guarda roupas.
- Que tem? Deixa pra quando eu vir dormir aqui.
- Que tem que você poderia dormir aqui hoje, né?
- Mas hoje é domingo. Você só me deixa dormir aqui aos sábados.
- Não acredito que você vai esfregar isso na minha cara...
- Pra você saber como é ruim querer dormir aqui e não poder!
- É sério. Fica. Amanhã você levanta cedo e vai trabalhar com seu pai.
- Amanhã eu só preciso encontrar com meu pai às 10h. Dá de dormir um pouco mais. – ele disse e bocejou se aconchegando.
- Melhor então.
- Ei! Eu ainda não disse que ia dormir aqui. Tem que me convencer...
- O que você quer?
- Massagem.
- Só podia...
- Pra começar!
Dormi ainda melhor aquela noite. Na segunda-feira o despertador do celular do Kaio havia nos acordado e ele estava no banheiro fazendo sua higiene. Como eu não consigo dormir com alguém perambulando pelo quarto eu preferi acordar pra fazer algo rápido pra ele comer antes de sair e então eu poder voltar pro meu eterno sono até quando a fome me impedisse de continuar dormindo.
9:30 meu celular tocou. Era minha mãe. Minha mãe estava me ligando com muita frequência nos últimos dias. Não dava tempo nem de senti falta dela. Falava que meu pai estava preparando mil e um coisas pra minha vinda, que os parentes estavam confirmando visitas para a semana que vem e tudo mais.
- Você deveria vir logo amanhã. Pega qualquer ônibus aí... – ela disse.
- Não dá mãe... Tenho aula normal até quarta-feira.
- Igor, nó dois sabemos que a faculdade vai ficar deserta até quarta.
- Mas eu quero ir até quarta mãe... Além disso eu já havia lhe dito que eu e o meu amigo vamos na quinta.
- Amor, a pasta de dente acabou. – Kaio disse da porta do banheiro com a escova na boca.
Eu levantei num pulo com a voz dele.
- Quem a aí? – Minha mãe perguntou do outro lado da linha.
- Ninguém! Foi a TV. – eu fui procurar um creme dental novo e entreguei pro Kaio.
- Hum... E vocês vão vir no carro dele?
- É sim.
- Então mostre sua carteira de habilitação pra ele. Assim se ele cansar de dirigir pode passar o volante pra você.
- Tá ok.
- Esse menino é filho de quem? Eu acho que conheço esse sobrenome.
- Não. Impressão sua... – eu saí do quarto pra outra cena dessa não acontecer.
- Vejam se não demoram sair na quinta pra chegarem aqui pro almoço. Quero todos na mesa. Sem falta!
- Pode deixar.
- Por falar em comida, esse menino tem alguma frescura? Porque eu não vou pro fogão numa folguinha boa dessa não. Contratei uma menina só pra cozinhar durante esses dias.
- Mãe... Pro Kaio arroz, feijão e carne bastam.
Minha mãe começou a contar um monte de coisas que eu não estava nem um pouco interessado em saber. Ela tagarelou um bom tempo. Tempo suficiente pro Kaio se arrumar. Por fim nos despedimos e desliguei.
- O que ela disse? – Kaio perguntou.
- Quer que a gente chegue cedo.
- Que bom então! – ele disse sorridente. – Você não vai tomar banho pra tirar essa cara de ontem?
- Não. Agora não. Eu vou dormir e dormir mais...
- Então eu já vou.
Ele saiu e eu voltei pra cama. Passei o dia morgando preguiça e a noite nos encontramos na faculdade. Completamente vazia por sinal.
Como já era de se esperar nossa aula terminou mais cedo e fomos pra casa. Ninguém havia ido mesmo e olha que ainda era segunda-feira! Pelo visto o pessoal queria prolongar o feriado.
Na terça pela manhã eu acordei com o interfone tocando... tocando... tocando... Olhei no celular e eram 8h da manhã. Como ele dormiu no modo avião justamente pra ninguém me perturbar de manhã cedo eu imaginei que a pessoa que talvez tivesse me procurado pelo celular agora havia decidido vir na minha casa.
Levantei todo desarrumado e fui olhar pela varanda do prédio quem seria. No mínimo o Kaio vindo dizer que ia viajar de novo com o pai pra não sei aonde... Fui aborrecido até a varanda e me debrucei coçando os olhos. Eu quase caio quando vi quem estava lá embaixo.
- MÃE??? – eu soltei um grito pra lá de histérico. Tão alto que ela escutou e olhou pra cima.
- Abre isso aqui! Agora!
____________________________________________________
Desculpem a demora galera... Tô viajando.
M/A: Sim, um ótimo cunhado sim! Não poderia ter acertado melhor.
LiloBH: Muito sério. Compromisso com ele é coisa séria. Até se você marcar de tomar um café num certo horário! Eu adoro isso.
kaduNascimento: Pois é... É muito complicado. Mas sim, eu concordo que é o certo a fazer.
ale.blm: Próximos capítulos não falaram de outra coisa a não ser esse encontro.
Takahashi: Desculpe. Realmente é comum a Fernanda fazer esse tipo de brincadeira por isso acabei citando. Não foi minha intenção e acredito que muito menos a dela ofender. São brincadeiras que só rolam entre a gente.
Drica Telles(VCMEDS): Ah... Se eu falar algo acho que conto o que está por vir. É melhor você acompanhar.
prireis822: Eu acho que mesmo que eu escreva e escreva eu jamais vou conseguir transmitir o quanto eu estava tenso nesses dias em que tudo isso se passou. Foi terrível! Eu nunca fiquei tão ansioso, nervoso, tenso e tudo mais ao mesmo tempo.
Disconhecido: Já cuidei de tudo. O capítulo realmente estava dando erro, mas já consegui ajeitar.
Geomateus, kelly24, Ru/Ruanito, negamalandra, esperança, Agatha(1986)/Agatha28, LUCKASs : Obrigadão pelos comentários.
Vou tentar voltar amanhã. Desculpem minha super desanimação nos comentários hoje, é que eu estou viajando, super pra baixo, longe do Kaio... Mas acho que vai dar certo pra postar amanhã.
Abraço a todos e obrigado pelos comentários e emails. São muito adoráveis e alguns até cômicos. rs
kazevedocdc@gmail.com