"Este homem disse 'é horrivel
Que alguém tão bonito deva se preocupar com isso' ". This Charming Man (The Smiths)
1992
A casa de meu amigo Quin, uma mansao imensa no famoso bairro do Morumbi, receberia naquela tarde alguns amigos para um lanche à beira da piscina. Mesmo com os ares frios de Julho, esse divertimento aquatico parecia indispensavel, mais como um elo de animaçao e companheirismo do que qualquer outra coisa.
- Ainda nao desceu, Nathan? _ falou meu amigo entrando no quarto e observando que eu ainda estava vestido, olhando para o terreno extenso e verdejante pela janela_ Logo os meninos chegam.
- Jà vou _ fiz um gesto impaciente.
Da suite ouvimos a voz arrastada do Oliver, o namorado americano do Quin.
- Minha sunga vermelha, porra! _ gritou, puxando o R de maneira comica, como um paulista acaipirado _ Voce escondeu?
- Veja se tenho tempo para brincar de esconder suas porcarias! _ esbravejou o Quin indo atras dele no quarto _ Estao organizadas numa gaveta à parte, mas como sempre voce, nao enxerga!
No terreno amplo, de gramado esmeraldino, passeavam preguiçosamente os pavões que o Quin criava num viveiro aos fundos da mansao, junto de cardinais, faisaos e um punhado de outras aves. O mais belo deles, o branco, arrastava a imensa cauda como uma noiva entrando na igreja, altivo e consciente de sua beleza. Intenso, o sol da tarde tornava-o de um branco fulgurante.
Passei a procurar minha sunga azul na gaveta, pensando se Mauricio viria, e se traria o namoradinho. Nao, era provavel que nao. Estava me evitando e claro que sabia que agora eu morava temporariamente na casa do Quin, enquanto reformavam meu pequeno apartamento na Mooca. Eu estava ali fazia uma semana, morando com ele e Oliver, jà que meu amigo querido, como eu, era orfao; porem, ao contrario de mim, herdeiro unico de uma volumosa fortuna, da rede de editoras Modelo e do jornal A Hora, pertencentes aos pais que morreram num desastre aereo ha cinco anos.
A sunga apertava, mas nao achei que tivesse engordado. No espelho barroco meu corpo magro, palido e medio dizia que estava tudo em ordem. Vinte e dois anos, o auge da juventude de um homem. Ajeitei bem meus cabelos pretos, de cachos grandes à grega, sorrindo desanimadamente. De que adiantava tudo isso se Mauricio preferira outro?
- Prontinho? _ disse Quin pondo a cabeça na fresta da porta _ Vamos là. O Oliver ja desceu.
- E quem vem? _ perguntei.
- Fabinho, Luan, um casal que quero apresentar a voce e... mais ninguem, eu acho..._ disse ele me olhando _ Ele nao vem, Nathan.
- Eu sei _ resmunguei, apanhando a toalha e afinal descendo.
Oliver já aproveitava a piscina, indo e vindo com maestria dentro d' agua, um vulto bronzeado metido na sunga vermelha. Depois de alguns minutos saiu, sorridente, enxugando-se na toalha grossa. Era um belo homem de quase trinta anos, louro, de ombros largos e um generoso volume frontal oculto por aquele pedacinho de pano vermelho. Quin trouxera-o de San Francisco durante uma viagem de final de ano em 1989, tirando-o dum emprego infeliz como stripper numa boate gay degradada, e mais ainda, o afastando da terrivel epidemia de AIDS que varria o bairro do Castro sem piedade. Estavam juntos desde entao, o Oliver levando a vida que pediu a Deus, ocupando o inutil cargo de "secretario" numa das editoras Modelo, ganhando bem, indo trabalhar às dez e saindo às tres da tarde, gastando seus dias no shopping, na piscina e na cama.
Ele sorriu para o namorado que tomava um drinque de curaçao blue, estendido na espreguiçadeira, e num pulo de menino travesso avançou sobre ele, sentando em seu colo e rindo, quase fazendo o Quin derramar a bebida.
- Seu cachorro fodido... _ começou a dizer meu amigo numa onda de irritaçao, sendo calado pela boca nervosa do Oliver que o devorou num beijo longo e sem folego.
Oliver murmurou algo em ingles ao ouvido dele, que nao entendi, e o abraçou naquele seu jeito de garoto carente.
- Esta me molhando todo! _ reclamou Quin, exasperado _ Meu Deus, tenho uma verdadeira criança dentro de casa...
Nesse momento o Audi prateado do Luan parou em frente ao portao de ferro vazado da mansao, buzinando insistentemente. Corri para abrir o portao, notando que ele e Fabinho ouviam Donna Summer num volume alto dentro do carro. Incrivel como o gosto musical do Luan parou nos anos 70, apesar de ele ter apenas vinte e cinco anos.
- Daqui enxergo aqueles dois devassos se amassando! _ disse ele saindo do carro, vindo me abraçar na sua expansividade espalhafatosa _ Esta cheirosa, querida.
- Agua de flor de laranjeira _ falei, sorrindo.
- Jesus! Depois eu que sou o fresco, nao?
Fabinho desceu, disfarçando mal o constrangimento. Estava sem ve-lo desde o ultimo domingo, e nao pude tambem deixar de sentir vergonha, como num ato reflexo. Tocados à cerveja, olhando os livros na biblioteca do Quin, tinhamos trocado uns beijos, muito mais por iniciativa dele do que minha. Foi estranho pois sempre o considerei como amigo, o xodozinho da nossa turma, o "caçulinha gay", como dizia Luan. Nao escondia de ninguem, talvez com certo orgulho, sua virgindade; muito doce e meigo, baixinho, alourado de olhos verdes, um verdadeiro lolito ingenuo. Tinha dezessete anos e era primo do Luan, ambos ricos, mas com serios conflitos familiares referentes à sua sexualidade.
- Oi _ falei, abraçando o garoto rapidamente.
- Oi _ respondeu ele, olhando dentro de meus olhos e corando muito; achei que logo Luan ia perceber aquele "clima" entre nos dois.
Recolheram o carro para dentro da propriedade e eu jà fechava o portao, de repente parando com a mao na grade quente, transido de espanto e incredulidade: era o Monza preto do Mauricio chegando, e no apice da desfaçatez, trazendo o namorado junto.
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Oi, gente :)
Saudades de vcs! Espero que gostem dessa nova historia. Vou tentar faze -la curta, ok?
Opinem a vontade! Beijao!