Após anos à espreita, aguardando por uma única brecha, o feiticeiro Cen finalmente tomou Framon. O que antes era um reino vibrante e próspero, agora se curvava sob a sombra carmesim de sua magia sombria. Cen, contudo, não previra que seis jovens escapariam de suas garras — e muito menos que esses mesmos jovens viriam a mudar o destino de tudo.
A fumaça avermelhada cobria os céus como um véu de sangue. Romeu, Julius, Bartolomeu, Catherine, Clarissa e o príncipe Mitty assistiam de longe, impotentes, o massacre da cidade onde haviam nascido. Gritos ecoavam na distância, e o cheiro de destruição parecia persegui-los até ali. Nenhum deles falava — não havia palavras para o que sentiam.
Caminharam em silêncio, carregando nas costas o peso de suas perdas. O frio mordia suas peles, a fome corroía suas forças e o desespero rondava cada passo. Seguiam para o norte, rumo a uma cidade desconhecida, que poderia, ao menos por ora, oferecer algum abrigo.
No meio da trilha sombria, encontraram uma cabana abandonada. O local parecia desabitado há anos: escuro, úmido e desprovido de qualquer conforto. Mas era abrigo. Era tudo o que tinham.
Lá dentro, o silêncio se fez ainda mais pesado. Cada um afundou em seus próprios pensamentos, como se buscassem no passado um sinal de que aquilo tudo era apenas um pesadelo.
— Pessoal! — Julius quebrou o silêncio. — Precisamos fazer alguma coisa. — Disse ele, firme, colocando-se diante dos outros. O gesto abrupto fez com que um deles tropeçasse no outro. — Não podemos ficar chorando. Algo deve ser feito.
— Você viu os poderes daquela coisa? — Retrucou Bartolomeu, com os olhos arregalados. — Ele ergueu a mamãe e o papai como se fossem bonecos! Não podemos enfrentar aquilo...
— Então... as histórias eram verdadeiras? — Questionou Clarissa, ainda em choque. — Criaturas mágicas existem mesmo?
— Aqueles monstros pareciam bem reais. — Respondeu Romeu, sombrio. — Aposto que têm ligação com Cen.
— E vamos simplesmente deixar nossos pais morrerem? E os cidadãos de Framon? Isso é loucura! — Gritou Catherine, antes de desabar em lágrimas, as mãos escondendo o rosto.
Mitty permanecia calado. Mas dentro de si, a pressão crescia como uma tempestade, afinal, ele era o príncipe de Framon e precisaria encontrar uma solução.
— O que faremos...? — Sussurrou, mais para si do que para os outros. — Nós não temos nada de especial! Maldição! — Explodiu de repente, desferindo um soco na parede da cabana. O som seco assustou a todos.
Bartolomeu, percebendo o caos se formando, assumiu a liderança. Pediu calma. Pediu foco. Tentou lembrar que eles ainda estavam vivos — e isso era um começo.
Apontou qualidades nos amigos, como um verdadeiro comandante: Romeu e Julius eram excelentes esgrimistas e tinham enfrentado criaturas de Cen antes. Catherine e Clarissa sempre se destacaram nas ciências, com raciocínio rápido e engenhosidade. E quanto a Mitty, o herdeiro do trono, Bartolomeu apelou à sua honra: pediu resiliência e paciência — virtudes reais, literalmente.
A tensão começou a ceder. Foi então que Romeu ergueu o olhar.
— E o colar?
— O colar. — Repetiu Julius, tirando o objeto do bolso com cautela. Observou-o como se procurasse um segredo. — Mamãe falou algo sobre a força da natureza.
— A mãe natureza... o papai também falou disso! — Acrescentou Catherine, tentando imitar o pai, o que arrancou um sorriso tímido do grupo.
— Mas... e o que a gente faz com isso? — Perguntou Clarissa.
— Vamos lá fora. Talvez ajude. — Sugeriu Romeu, tocando o ombro de Mitty.
— Não encosta em mim! — A reação foi instantânea
— Qual o problema? — Romeu recuou, surpreso.
— Só não quero invertidos me tocando! — Gritou o príncipe, os olhos fervendo de ódio. — Eu odeio pessoas desviadas! — Completou, apontando para Romeu e Julius com desprezo.
Horrorizado, o grupo congelou. Romeu, tomado pela raiva, partiu para cima do príncipe e acertou-lhe um soco no rosto. Bartolomeu correu para apartar a briga, enquanto as garotas tentavam acalmar Romeu.
— Já temos problemas o suficiente! Vamos logo achar essa Mãe Natureza ou... sei lá! — Gritou Bartolomeu, arrastando o príncipe para fora da cabana.
— Babaca, beberrão... — Murmurou Julius, apertando o colar contra o peito. — Ainda bem que você bateu nele... porque... eu... eu...
— Ei, relaxa. — Disse Romeu, passando a mão com carinho no cabelo de Julius. — A opinião de um príncipe mimado não vale nada.
Lado a lado, ainda tensos pela briga, os seis jovens deixaram a cabana. O que fazer com o colar? Como encontrar a tal Mãe Natureza? Não havia respostas. Tentaram de tudo: jogaram o colar para o alto, fizeram orações em um latim duvidoso, invocaram o que conseguiam lembrar dos contos antigos.
Nada.
— Affz! — Bufou Julius, andando de um lado para o outro. — Mãe Natureza! Alô!!!
Bartolomeu levou a mão à boca, tentando conter o riso.
— O que é engraçado? — Perguntou Julius, sentindo-se ridicularizado.
— Nada... continua. — Incentivou o irmão, divertindo-se com o esforço atrapalhado de Julius.
— Oi? Sou eu, Julius, do reino de Framon. Será que a gente podia, não sei, conversar?
E, por um instante, o vento parou.
Ninguém conseguiu manter a seriedade ao ver Julius andando de um lado para o outro, quase saltitando, como uma criança entusiasmada, atrás da lendária Mãe Natureza. Romeu riu, balançando a cabeça em negação, mas no fundo, achou encantadora a reação do amigo.
No entanto, quando menos esperavam, o colar de Julius começou a brilhar intensamente. Uma luz azul cintilante pulsava com força, dificultando a visão de todos ao redor. Julius sentiu um calor subir por seu corpo, como se, por um breve instante, tivesse se tornado invencível. Então, do nada, uma figura feminina surgiu diante do grupo.
A princípio, era impossível distingui-la. Mas, aos poucos, a luz foi diminuindo, revelando uma mulher de formas exuberantes e longos cabelos negros. Ela caminhava com tanta leveza que seus pés pareciam não tocar o chão. Quando se aproximou, tocou gentilmente o rosto de Julius. Ele se assustou. A pele dela era de madeira, e os cabelos, agora visíveis de perto, eram raízes vivas, entrelaçadas como se tivessem nascido da própria terra. Apesar do susto, Julius não sentiu medo. Pelo contrário, havia nela algo reconfortante.
— Estou aqui. — Disse a mulher, com uma voz tão serena quanto um riacho ao entardecer.
O toque dela pareceu despertar algo em Julius, que sentiu uma estranha necessidade de se apresentar.
— Sou Julius Mazzaro, filho de Melody Mazzaro e Celdo Mazzaro. Meus pais me pediram para vir até você...
— Melody... — Sussurrou a mulher, com uma expressão triste. — Tantas luas sem ouvir esse nome. Como ela está?
— Não sabemos. Ela foi sequestrada por um feiticeiro chamado Cen. Você conhece? — Bartolomeu interveio, percebendo que Julius estava paralisado.
— Não pode ser... Melody e seu pai derrotaram Cen...
— Eles o quê? — Julius não conteve a surpresa. — Você conhece nossos pais?
— Eu sou... eu sou mãe de Melody — Revelou a mulher, com um brilho melancólico nos olhos. — Eu sou a Mãe Natureza.
— O quê?! — Exclamaram todos em uníssono, boquiabertos com a revelação.
— A avó de vocês é uma árvore gigante! — Soltou Mitty, gargalhando sem conseguir se conter.
Imediatamente, a Mãe Natureza lançou um olhar para uma árvore próxima a Mitty. Em resposta, os galhos da árvore chicotearam o príncipe, que caiu com um grito surpreso.
Ela então se afastou com graça de Julius e levantou os braços. No mesmo instante, imagens etéreas surgiram no ar — visões de Melody, ainda como uma ninfa, flutuavam diante dos jovens.
— Eu não tô acreditando... Alguém me belisca. — Pediu Julius, só para ser atendido por uma árvore próxima. — Ai! Tá bom, entendi. Vocês se movem mesmo. — murmurou ele, massageando o braço.
— Vov... digo, senhora... precisamos da sua ajuda. O Reino de Framon está em perigo. — Alertou Bartolomeu, e contou toda a história do ataque de Cen.
A Mãe Natureza ouviu com atenção. Em seguida, mostrou outra cena: uma batalha feroz entre os soldados de Framon e o feiticeiro. Falou, também, sobre como Melody quase perdera a vida ao derrotar Cen anos atrás, e como, por um milagre, conseguiu aprisioná-lo em um selo mágico.
Mas agora, Cen havia retornado. Ainda sem seus poderes completos, pretendia usar Melody como catalisadora. Sendo ela uma feiticeira branca, detinha uma energia vital poderosa — uma fonte praticamente inesgotável.
— Sua mãe viveu escondida por muitos anos, até encontrar o amor verdadeiro. Por ele, abriu mão dos poderes... e da imortalidade. — Revelou a Mãe Natureza com orgulho. — E os frutos dessa escolha estão bem diante de mim.
— Mas se ela abriu mão, como o Cen vai conseguir usar os poderes dela? — questionou Catherine, intrigada.
— O poder de sua mãe está apenas adormecido. Cen deve ter meios de despertá-lo. Vocês precisam correr contra o tempo.
— De acordo com a lenda, o castelo de Cen está em Kinopla, certo? — comentou Clarissa. — Se isso for verdade, é muito longe.
O grupo se entreolhou em silêncio tenso.
— E a essa altura ele já deve ter cheio o caminho de armadilhas. Eu posso sentir a força dele crescer. Logo, nada poderá detê-lo. — afirmou a Mãe Natureza com pesar.
— Por isso, vovó, precisamos da sua ajuda. — implorou Julius, arrancando um sorriso da entidade.
— Eu sabia que esse dia chegaria, crianças. Vocês enfrentarão uma batalha árdua... não apenas contra Cen, mas contra as sombras dentro de vocês mesmos. A união será o diferencial. — disse ela, tocando o rosto de Julius mais uma vez.
— Ei, Mãe Natureza — interrompeu Mitty, com um sorriso travesso. — Você sabia que seu netinho e esse outro aqui, — Apontou para Romeu — estão tendo um caso, né?
— Mitty! — Gritaram Bartolomeu e Catherine ao mesmo tempo.
— Sim, eu sabia. — Respondeu a Mãe Natureza, serena, cobrindo Julius com uma dança de borboletas e vagalumes. — Coragem e esperança operam juntos no coração dele. Esse amor será a chave da vitória.
Ela então caminhou em direção a Mitty, que tentou manter a postura, apesar do leve tremor nos joelhos.
— Assim como você, príncipe. Um jovem que busca seu lugar no mundo. — Aconselhou com ternura, antes de se voltar a Catherine. — Oh, minha doce Catherine. Tão independente. Inteligência é seu maior dom. Use-a com sabedoria.
Por fim, parou diante de Bartolomeu, que não sabia se reverenciava, se agradecia ou se escondia.
— Mantenha-se leal aos seus, Bartolomeu. Você ficou ao lado de Julius e de seus amigos. Que mais líderes como você surjam.
— Julius, Catherine e Romeu são meus melhores amigos. — Confessou Bartolomeu, com os olhos marejados. — Nunca vou deixar que os machuquem.
— Romeu. — A Mãe Natureza estendeu a mão, enviando uma luz azul que tocou o coração do rapaz. — Jovem decidido, capaz de mover céus e montanhas por amor. Lembre-se: não existe amor errado.
Ela virou-se para Clarissa, que ainda parecia inquieta.
— E você, Clarissa, minha querida. Sei que sente medo. Mas precisará reunir toda a coragem que tem. Você ainda vai voar alto.
Clarissa respirou fundo. Cen era poderoso, monstruoso, cercado por guardas e criaturas das trevas. E eles... eram apenas mortais. Mas havia algo ali, naquela clareira viva, que lhe dava forças. Talvez, afinal, ainda houvesse esperança
O chão tremeu de forma repentina e violenta, fazendo com que os jovens tropeçassem e buscassem apoio uns nos outros. Um som grave, como um rugido vindo das profundezas da terra, ecoou por entre as montanhas de Framon. Quando o tremor cessou, uma fenda se abriu no solo diante deles, revelando uma passagem escura envolta por musgo e runas luminosas gravadas nas pedras.
Assustados, mas curiosos, aproximaram-se da abertura. A vegetação ao redor murmurava em um sussurro antigo. Foi então que ela apareceu — envolta em luz verde e dourada, a Mãe Natureza, com seu manto de folhas e cabelos prateados ao vento, falou com voz serena e ancestral:
— Dentro desta caverna repousa um baú forjado pelos Deuses antigos. Armas sagradas aguardam aqueles destinados a carregar a chama da esperança.
Temerosos, mas guiados pela fé, os jovens adentraram a escuridão. Vagalumes surgiram ao redor, como estrelas flutuantes, iluminando o caminho por entre corredores de pedra e inscrições misteriosas. A temperatura era amena, mas o ar carregava o peso de algo milenar.
Ao final do túnel, um templo escavado na rocha se revelou. Colunas rachadas sustentavam o teto, e no centro, repousava um baú imenso cravejado de pedras brilhantes. Diante dele, novamente, a Mãe Natureza se manifestou.
— Romeu, Julius e Bartolomeu. — Disse, com ternura no olhar. — Vocês são os melhores guerreiros que este reino já viu. Cada um receberá uma espada que aumentará sua força cem vezes, e lhes concederá resistência e agilidade além do comum.
Julius foi o primeiro a se aproximar, tocando a lâmina com reverência.
— Obrigado, vovó. — Agradeceu com um sorriso tímido.
— Elas são lindas mesmo. — Afirmou Romeu, girando sua espada com destreza.
A deusa então voltou-se para as jovens.
— Catherine, sua sabedoria reflete o poder das ninfas. Este colar de safira lhe concederá magia, e com treino, esse poder poderá ser seu para sempre. Clarissa, a ti, o colar de topázio. Ele despertará em ti a velocidade e a leveza dos ventos. Nem o monstro mais veloz do Cen será capaz de te alcançar.
Por fim, seus olhos repousaram sobre o príncipe, que segurava um arco reluzente.
— Príncipe, vejo que ficou com o arco e flecha.
— Eu... não sei atirar... — Murmurou, constrangido.
— Não precisa. Os talismãs em seus pescoços trarão as habilidades naturalmente.
— Talismã? — Indagou Julius, levando a mão ao pescoço e percebendo um pingente vermelho que antes não estava ali.
— Jovens, não se esqueçam: a união é a chave da vitória. O caminho é longo, mas cada passo vale a pena. Vão em paz. — Alertou, antes de desaparecer em uma nuvem de luz, deixando para trás mais perguntas do que respostas.
Houve um silêncio pesado na caverna, interrompido por Julius, que se deixou cair sentado no chão de pedra.
— Isso é loucura. — Sussurrou. — Como vamos derrotar um exército maligno? Somos jovens. Tirando o Romeu e o Bartolomeu, ninguém aqui sabe lutar de verdade.
— E quem derrotou o esqueleto maluco? Você. — Respondeu Bartolomeu, estendendo a mão para ajudá-lo a se levantar. — Ainda temos tempo para treinar. Agora precisamos descansar. Amanhã cedo, partiremos para Kinopla.
A lua cheia iluminava os campos de Framon quando encontraram abrigo na velha cabana descoberta mais cedo. O sono, no entanto, não veio fácil. O encontro com a Mãe Natureza era uma lembrança vívida demais.
Bartolomeu, como líder do grupo, combinou turnos com Romeu para que os outros pudessem descansar. Na troca de vigia, encontrou Julius acordado, deitado no escuro.
— Não consegue dormir? — Perguntou.
— É muita coisa. A gente é neto de um ser místico... é surreal.
— A mamãe trocou de mundo para viver ao lado do nosso pai. — Comentou Julius, olhando para o teto da cabana.
— E você é igual a ela. Ia fugir para viver ao lado do Romeu. — Comentou Bartolomeu, com um suspiro.
— E eu vou. O papai me feriu demais.
— Ele só precisava de tempo... Ele te ama, Julius. — Tentou argumentar o irmão, na esperança de apaziguar o conflito.
A conversa caiu em silêncio, preenchido pelo som dos grilos e do vento noturno. Bartolomeu então chamou Romeu, permitindo que ele se deitasse ao lado de Julius.
— Oi. O Bartolomeu disse que vai ficar de guarda. Posso deitar com você?
— Pode. Pode sim. — Respondeu Julius, abrindo espaço.
Romeu encostou a cabeça em seu peito, ouvindo o coração acelerado do amado.
— Romeu... — Murmurou Julius, com a voz embargada.
— Oi? — respondeu o outro, sentindo as batidas fortes sob sua orelha.
As lágrimas de Julius vieram silenciosas. Romeu o abraçou com ternura, sem pressa. No calor daquele gesto, trocaram palavras de carinho, confissões e promessas sussurradas no escuro.
Naquele instante, em meio à incerteza e aos perigos que ainda viriam, o amor entre eles foi a única certeza possível.
Enquanto Romeu e Julius trocavam juras de amor sob o luar generoso da floresta, o destino não sorria da mesma forma para Celdo, Melody e Rei Nilo. Trancafiados na torre mais alta do castelo de Cen, o trio buscava desesperadamente uma saída para escapar das garras do feiticeiro.
A tentativa de invocar a Mãe Natureza havia falhado, e os feitiços básicos de Melody mostraram-se inúteis dentro do calabouço. A magia parecia enfraquecida, sugada por alguma força obscura que envolvia o castelo.
Como anfitrião da noite, Cen apareceu, trazendo o jantar dos prisioneiros: pão duro e água turva.
— Desgraçado. Qual é o plano dessa vez? — Esbravejou Celdo, furioso com o semblante calmo do inimigo.
— Querido... tudo no seu tempo. — Disse Cen com desdém. — Entretanto, soube que um certo grupo de jovens encontrou com Minerva. A Mãe Natureza despertou.
— Mamãe...? Eles conseguiram... — Sussurrou Melody, sentindo uma tênue centelha de esperança.
— Estou forte o suficiente para destruí-los, mas... quero me divertir. Espero que eles consigam atravessar ao menos o lago Talaka. Ah, Melody, Ninfa dos Infernos, temos tanto para conversar... meus instrumentos já estão preparados para você. — Cen passou as garras pelas grades com um rangido metálico e soltou uma risada que arrepiava até as sombras. — Tic-tac, tic-tac...
— Cretino! Eu vou acabar com você! Não ouse tocar na minha esposa! — Gritou Celdo, perdendo o controle.
Cen não se abalou. Com um gesto sutil, lançou Celdo contra a parede com sua telecinese.
— Você não é mais o rapaz valente de antes... a idade chegou. — Gargalhou. — E talvez seja melhor assim. Você não precisará assistir ao seu filho se apaixonando por outro homem.
— Limpe a boca para falar da minha família! — Retrucou Celdo, sangrando e cambaleando, amparado por Melody.
— Prometo que com ele será... divertido. Talvez eu o transforme no meu escravo pessoal. — Sibilou Cen, lambendo os lábios com nojo e desejo distorcido. — Vai ser... delicioso.
— INFELIZ! EU VOU TE MATAR!!!
— Com licença. Tenho monstros para criar. Aproveitem o jantar. — Desejou Cen, sumindo escada abaixo, cantarolando.
Celdo desabou, chorando de dor e desespero.
— Ele vai matar nossos filhos...
— Já vencemos o Cen antes. Eles também podem. Encontraram minha mãe. Devem ter recebido os talismãs. Vamos ter fé. — Aconselhou Melody, abraçando o marido com força.
— Eles são fortes, juntos... como nós fomos. Acredite, Celdo. — Reforçou o Rei Nilo, tocando o ombro do amigo.
Enquanto isso, no coração sombrio do castelo, o laboratório de Cen fervia. Rabo de rato. Olhos de morcego. Dentes de leão. Lágrimas de fadas. Ingredientes para sua nova criatura.
— Acho que você vai dar conta... — Comentou Cen, encarando um frasco com sua clássica risada maléfica.
Como diria o ditado: "Deus ajuda quem cedo madruga." Bartolomeu adorava levar esse dito ao pé da letra — ou, ao menos, gostava da ideia de parecer responsável. Ironia do destino, dormiu durante a guarda, mas nada de estranho aconteceu. Com certa preguiça e ainda esfregando os olhos, o jovem acordou o grupo.
Não havia muitos pertences para recolher. Depois de comerem algumas frutas que apareceram misteriosamente ao lado da trilha — um gesto que Julius reconheceu em silêncio como presente da avó —, prepararam-se e seguiram caminho. O clima estava ameno, os ânimos exaltados. Coragem, vontade e determinação impulsionavam seus passos, até que um obstáculo invisível fez todos pararem: a dúvida.
— Alguém sabe como chegar lá? — Perguntou Mitty, fazendo com que todos interrompessem a caminhada e se entreolhassem, alarmados.
— Boa pergunta. Uma ótima pergunta, na verdade. Julius? Romeu? — Bartolomeu olhou desesperado para os amigos.
— Você disse que sabia. — Respondeu Romeu, coçando a cabeça.
— Verdade. — Reforçou Julius.
— Eu não disse com essas palavras. — Retrucou Bartolomeu, soltando um riso amarelo.
— Você disse "Eu sei onde fica". — Julius imitou a voz do irmão com tom infantil.
— Saber onde fica não é o mesmo que saber como chegar. São duas coisas distintas. — Defendeu-se Bartolomeu, gaguejando mais do que gostaria.
— Posso tentar criar um feitiço de localização... só preciso aprender como. — Sugeriu Catherine, abrindo um antigo livro de feitiços com determinação.
— Perfeito. — Resmungou Mitty, cruzando os braços com dificuldade por causa do arco. — Vamos perder tempo e...
— Pronto. Já sei o caminho. — Anunciou Catherine, lançando um olhar de desdém para Mitty, que respondeu com uma careta engraçada.
Impressionados com a rapidez da nova feiticeira, o grupo decidiu testar seus próprios poderes. Clarissa foi a primeira. Respirou fundo, segurou seu colar e fechou os olhos, concentrando-se nas palavras dos amigos que a incentivavam a relaxar e pensar em coisas boas.
— Acho que não tá funcionando... não estou sentindo nada de diferente...
— Abra os olhos, Clarissa! — Exclamou Romeu, apontando para o alto.
— AAAAHHHH!!! — A grito foi inevitável quando ela percebeu que estava flutuando... antes de cair em cima de Bartolomeu.
— Você está bem? — Perguntou ele, com a voz choramingada.
— Sim. A queda foi macia. — Respondeu ela, com um sorriso divertido.
Enquanto isso, Romeu, Julius e Bartolomeu decidiram apostar uma corrida, usando uma rocha como ponto de chegada. O resultado? Um empate inusitado. Os três alcançaram o destino ao mesmo tempo, em uma velocidade fora do normal.
Mitty, é claro, não deixou barato. Mirou com destreza e acertou quatro maçãs com flechas rápidas, oferecendo-as com orgulho aos colegas.
Tudo parecia em perfeita harmonia. Clima agradável. Poderes testados. Paz — até demais. Porém, na clareira adiante, surgiram os esqueletos de Cen. Os jovens foram cercados por mortos-vivos de olhos vazios e intenções sombrias.
— O que vamos fazer? — Perguntou Julius, desembainhando a espada e assumindo posição de combate.
— Você não disse que é ótimo em improvisar? Poderia começar agora. — Rebateu Mitty com sarcasmo.
Os esqueletos avançavam lentamente. Catherine, pressionada, lançou bolas de energia contra eles. Não foi proposital, mas funcionou surpreendentemente bem.
— Que diabos foi isso? — Exclamou Mitty, afastando-se da feiticeira com espanto.
— Não sei... mas gostei. — Disse Catherine, sorrindo antes de repetir o gesto. Novas bolas de energia voaram, derrubando esqueletos com facilidade.
— Vamos lá! — Gritou Bartolomeu, correndo em direção ao inimigo. Com um golpe certeiro, fez alguns voarem contra uma árvore e se despedaçarem. — Nossa. Eles voaram. Isso é demais!
— Deixa eu experimentar. — Romeu entrou na dança, balançando a espada com estilo e derrubando os mortos-vivos. — Uau. Estou até me sentindo veloz.
Mitty, sempre exibido, atingia os inimigos de longe com precisão. Clarissa, por sua vez, levitou e passou a chutar as cabeças das criaturas com surpreendente agilidade — apesar do medo de altura que insistia em esconder.
Um a um, os esqueletos caíram. A euforia tomou conta do grupo. Decidiram que, após o combate, dedicariam tempo para estudar melhor seus dons — especialmente Clarissa, que agora ria nervosa com a sensação de voar.
Longe dali, através da fumaça de uma bola de cristal, Cen observava com desagrado. O feiticeiro maligno respirou fundo, pegou um novo frasco e despejou o líquido escuro em seu caldeirão borbulhante.
— Espero que treinem bastante... porque o próximo desafio será cabeludo. — Murmurou com desdém.
Dentre todas as suas criaturas, apenas uma lhe inspirava certo afeto: Klaudo, um sapo bípede de olhos grandes e curiosos. A criatura aproximou-se e, em voz suave, perguntou se poderia levar comida aos prisioneiros.
— NÃO!!! — Rugiu Cen, fazendo com que uma tempestade de raios atingisse as torres do castelo. Respirou fundo e, num tom mais contido, continuou: — Quer dizer... envie um banquete para eles. Mas coloque esta poção na comida de Melody. Ela vai me ajudar na expansão dos meus poderes.
E assim, o dia se armava com novos perigos. Enquanto os jovens comemoravam sua primeira vitória mágica, um novo plano já fervia no caldeirão do mal.