“Quais são os seus medos?” disse uma voz.
“Medos?” eu disse. “Talvez seja do passado”
Eu estava em um lugar muito claro, lindo. Era como um quarto branco imenso, e de algum lugar uma voz falava. Alguns minutos depois, as paredes do quarto começaram a escurecer e exibir imagens. Havia um carro estacionado na rua, e dentro havia duas pessoas se beijando. Na outra parede uma imagem de uma garota de cabelos pretos olhava para mim e dizia: “Não pode mais fugir disso”. Eu estava tentando esquecer tudo aquilo, estava querendo seguir em frente.
“Não pode fugir do passado” disse a mesma voz novamente. “Ele define o destino”
...
“Nós vamos passar o natal em Perth e depois iremos ver a queima de fogos da Virada do Ano em Sidney” eu e a minha mãe estávamos em frente ao notebook, falando pelo skype com meu irmão.
“E como está o clima aí, querido?” perguntou minha mãe.
“Estava um pouco frio e nublado hoje á tarde...” disse João. “Mas agora esfriou demais”
“Amanhã você vai pra faculdade?” perguntei.
“Sim, mas daqui a dez minutos eu e mais três amigos vamos ficar na praia” ele disse.
“Estamos com muita saudade...” disse minha mãe.
“Eu também estou, onde está o pai?” perguntou.
“Ele viajou para Minas Gerais, para fazer aqueles exames por causa da sua avó, sabe?” disse ela.
“Sei” disse João.
Minha avó faleceu ainda quando eu tinha sete anos. Ela morreu de câncer, e para saber se meu pai não iria ter a mesma doença, os médicos preferiram estar fazendo exames como um acompanhamento. Porém, eles descobriram que as células do meu pai, reagem de um jeito diferente. Permitindo assim, combater a evolução da doença. Eu e meu irmão também tivemos que fazer alguns exames, e eles concluíram que por meu pai ser um caso privilegiado, nós não teria que nos preocupar.
Depois que meu irmão desligou o skype, eu fui direto para meu quarto. Eu peguei meu celular e vi a notificação. Nesta madrugada Jonas – o garoto que havia me ajudado a berrar para chamar o garçom na balada do Marcelo – mandou uma mensagem:
OLÁ! (leia como se eu estivesse gritando RS)
- Jonas
Eu não fazia idéia de como ele tinha conseguido meu número. Mas a única conclusão que cheguei foi: ele com certeza tinha pedido meu número para o Marcelo. Eu não tinha visualizado a mensagem ainda, pois eu havia acabado de ser acordado pela minha para ver o João pelo skype.
Seus berros foram muito úteis Rs.
- Lucas
Apertei para enviar e apareceu um visto de confirmação da entrega da mensagem. Depois de ter chegado da festa em casa, tomei um banho e deitei na minha cama. Depois de mais de seis horas minha mãe me acorda.
Sem minha ajuda, você não teria conseguido suas cervejas geladas.
- Jonas
Verdade... Onde conseguiu meu número?
- Lucas
A minha amiga que me levou para a festa ficou responsável de mandar mais convites para uma próxima festa. Então, o Marcelo passou todos os contatos dele para ela.
- Jonas
Entendi.
- Lucas
Você se importa?
- Jonas
Não, claro que não Rs.
- Lucas
Nessa semana infinita que parecia nunca terminar, eu tive tantas provas que mal consegui falar com Vitor, Bianca ou Cecília. Nós só conseguimos nos falar apenas pelo Whatsapp. Jonas e eu continuamos conversando, ele era uma pessoa muito legal e tinha muitos assuntos para falar. Era ótimo conversar com ele, pois pelo menos eu conseguia me distrair para começar várias horas de revisão para as provas.
Jonas morava no bairro de Higienópolis com a mãe e a irmã. Ele estava já no último semestre de Publicidade, o que tecnicamente ele iria terminar daqui algumas semanas. Ele era mais velho do que eu, tinha vinte e um anos e eu já havia acabado de fazer dezenove anos em setembro.
...
Finalmente o sábado havia chegado, minha tia de Florianópolis havia ido para a casa de outra tia minha e meu pai iria ficar mais dois dias em Minas Gerais. Eu e minha mãe ficamos a tarde inteira assistindo Sex and the City e depois ela decidiu ir para ao shopping.
Quando chegamos ao shopping, minha mãe começou a ficar encantada nas vitrines das lojas. Toda vez que ela saia para fazer compras, ela me levava. Era muito legal ir com ela e fazia com que ela também comprasse algo para mim.
“Como foram essas semanas de prova?” perguntou minha mãe sem tirar os olhos de uma vitrine de sapatos.
“Foi muito difícil... Mas tenho quase certeza que fui muito bem em todas” respondi.
“Sério? Isso é incrível... Gostei desse sapato, vamos entrar!” disse ela me guiando para dentro da loja.
“Posso ajudar?” disse a vendedora.
“Eu estava admirando aquele salto ali” disse minha mãe apontando para um sapato.
“Mãe! Eu vou naquela livraria ali, o.k.?” perguntei.
“Eu encontro você lá, não vou demorar... ele é lindo!” disse a minha mãe quando a vendedora trouxe o mesmo par de sapatos da vitrine.
“São os últimos pares...” disse a vendedora. Eu saí da loja e caminhei em direção a livraria.
Livros. Eu sempre amei ler, é a coisa mais terapêutica que existe. As pessoas vêem apenas você segurando um livro na mão, tudo muito normal. Mas, você sabe que não é simples assim. Eles são como uma porta para outro mundo é a forma que conseguimos ir além de nós mesmos.
Necessito ler esse, pensei comigo ao pegar o “O Sol é Para Todos” de Harper Lee. Quando coloquei o livro de volta a prateleira, senti o meu celular vibrar no bolso da minha calça.
Você está aonde?
- Jonas
No shopping com a minha mãe.
- Lucas
Preciso de ajuda para comprar um presente de aniversário para minha irmã.
- Jonas
Sério? Que dia ela vai fazer aniversário?
- Lucas
Daqui a dois dias.
- Jonas
Já tem ideia do que vai comprar?
- Lucas
Ainda não.
- Jonas
Jonas morava com a mãe e uma irmã de oito anos. Ele ainda não tinha entrado em detalhes sobre sua família, mas não chegou a contar nada sobre seu pai.
Eu guardei o celular no bolso e atravessei a livraria e esbarrei em alguém que estava com um livro na mão.
“Desculpe!” eu disse.
Quando abaixei para pegar o livro e entregar a pessoa, percebi que ele tinha feito de propósito. Era Jonas novamente. Na festa eu não consegui ver ele direito, mas ele era mais alto e tinha olhos verdes. Seus cabelos eram meio mel ou dourado. Ele parecia ser atleta ou praticar algum esporte pelo tamanho do seu corpo.
“Não acredito!” eu disse sorrindo.
“Eu vi você entrando aqui... E para saber se era você mesmo eu enviei uma mensagem” ele disse rindo.
“Você está me perseguindo?” perguntei sarcasticamente.
“Se estou... Acho que sou ótimo nisso” disse ele rindo.
“Poderia estar me espionando” nós rimos, mas alguém na livraria havia naquele momento feito “Psiu”.
“Desculpe!” ele disse.
“Melhor irmos lá para fora” eu disse.
“Sim” disse Jonas.
“Você não tem idéia mesmo do que dar pra ela?” eu perguntei.
“Na verdade... eu vi você e iria pedir a sua...” minha mãe estava vindo na minha direção.
“Lucas!” disse ela aproximando-se. “Vamos?”
“Sim...” minha mãe notou depois de algum segundo Jonas. “Mãe, esse é um amigo meu, Jonas”
“Olá! Fernanda” ela disse. “Prazer!”
“Jonas, o prazer é todo meu” disse ele a cumprimentado.
“Você vai querer ir agora, querido?” perguntou minha mãe.
“Eu iria, mas o Jonas disse que precisava de ajuda para escolher o presente de aniversario da irmã dele” eu disse.
“Vou deixar então o dinheiro do táxi com você, o.k.?” disse ela.
“Na verdade, eu posso levar ele” disse Jonas. “Estou de carro”
“È muita gentileza sua, mas...” eu disse.
“Eu insisto” ele disse.
“Mas só irei aceitar isso se você for lá a casa para tomar um café com a gente...” minha mãe disse. “Estamos sozinhos”
“Com certeza irei” disse ele.
Minha mãe sempre foi muito gentil com as pessoas. Mas, ás vezes sua gentileza me deixa até um pouco constrangido. Ela me abraçou e cumprimentou Jonas mais uma vez e foi em direção ao estacionamento.
“Sua mãe é muito legal” disse Jonas.
“Não pareceu que ela deu em cima de você?” perguntei.
“Não” disse ele rindo.
“Vamos comprar o presente então?” eu disse sorrindo. “Como sua irmã é?”
“Eu estava pensando em comprar algum brinquedo, mas sou péssimo para isso” ele disse.
“Você já entrou na HiHappy?” perguntei.
“Na verdade eu acabei de chegar... vamos lá?” nós dois subimos as escadas rolantes e andamos pelo andar procurando a loja.
“Eu sempre gostei muito de brinquedos” ele disse. “Mas justamente agora que vou dar um presente para minha irmã, veio um branco”
“Quando eu era pequeno, meu pai havia me dado um trenzinho... aqueles que você tem que montar, sabe?” eu disse.
“Sei” ele disse. “Meu pai me dava muitas pistas para carrinhos”
“Era a melhor fase” eu disse. Encontramos a loja da HiHappy e entramos em seguida.
A loja tinha várias opções, as prateleiras eram lotadas de brinquedos e havia tanta coisa. Nós fomos para a parte de brinquedos para meninas e ficamos olhando tudo.
“Ela gosta de bonecas?” perguntei.
“Sim, mas ela enjoa muito rápida” ele disse. “A única boneca que ela não enjoou, foi a que meu pai deu”
“Seu pai então sabe escolher” eu disse sorrindo.
“Sabia” ele disse.
“Ele...” não sabia mais o que dizer.
“Faz um ano e dois meses” ele disse.
“Meus pêsames” eu disse.
“Tudo bem... eu já superei” disse Jonas.
“Acho que ela vai gostar disso” eu disse segurando uma caixa de Jogo de Chá – A Bela e a Fera.
“Sim! Ela adora esses tipos de coisa” ele disse.
...
“Minha mãe me emprestou o carro dela... O meu está em manutenção” disse Jonas.
“Eu ainda não tenho dinheiro para ter um carro... mas ás vezes eu uso o da minha mãe” eu disse.
“É aqui?” perguntou ele olhando para um edifício.
“Sim!” eu disse.
Quando entramos no apartamento, percebi que minha mãe ainda não tinha chegado. Não havia ninguém em casa.
“Minha mãe deve ter passado em alguma loja” eu disse. “Vou ver se ela deixou alguma mensagem”
Vou passar em uma loja, talvez eu chegue mais tarde. Esperem-me.
- Mãe
“Se quiser eu posso ir embora” disse Jonas.
“Não... ela pediu para você esperar” eu disse.
“O.k.” ele disse.
“Quer uma água?” perguntei.
“Pode ser” ele disse sentando-se no sofá.
Eu fui à cozinha e peguei um copo com água. Jonas estava observando os porta-retratos com as minhas fotos e do meu irmão.
“Quem é aquele?” disse ele apontando.
“É o meu irmão, ele está em intercambio” eu disse.
“Você deve gostar muito dele” disse Jonas.
“Ele é muito legal” eu disse.
“Obrigado!” disse ele entregando o copo de volta. “Gostei muito da sua casa”
“È bem simples” eu disse. “Quer conhecer melhor?”
“Se eu não for incomodar” ele disse.
Eu levei Jonas para ver a cozinha e a varanda que dava vista para a rua. Depois ele conheceu o quarto do meu irmão e por fim estávamos no meu quarto.
“O seu quarto é muito legal” ele disse.
“Obrigado!” eu disse.
“O que é isso?” disse ele apontando para uma frase que estava escrito na parede.
Non impetro lost in tenebris lumen amittere te.
“È latim” eu disse. “Não se perca nas sombras, perca-se na luz”
“Isso é lindo” ele disse. Jonas olhou da frase para mim, seus olhos eram muito claros e a luz fazia ficar mais perceptível.
“Recebi de presente de aniversário da minha amiga Bianca” eu disse.
“Que dia você faz aniversário” ele perguntou.
“19 de setembro, e você?” eu disse.
“23 de março” ele respondeu.
“Acho melhor eu ir” disse ele. “minha mãe vai ficar preocupada”
“Tem certeza?” eu disse.
“Sim, já está quase anoitecendo” ele disse.
“Muito obrigado pela ajuda” nós estávamos na porta do apartamento, ele inclinou-se para frente e me abraçou. Eu senti os músculos do peito dele em mim. Seu perfume era doce e me deixou sem jeito.
“Até mais” eu disse me afastando.
Milhões de pensamentos ocorreram na minha cabeça. Calma, ele é só um amigo. Nós tecnicamente nos conhecemos hoje, e eu já deixei que ele entrasse na minha casa. Dessa vez eu tinha que me controlar e não podia deixar o passado decidir o presente.
Depois de tanto tempo eu não poderia abrir mão de tudo por causa de algo idiota que estou tentando esconder. Isso me destruiria. Jonas. Se ele não for apenas um amigo, então é um belo disfarce.