O terraço do sótão era o nosso lugar favorito.
Mas tinhamos um refúgio secreto. Um lugar para onde fugíamos nas noites em que queríamos fazer um sexo mais barulhento e selvagem. A cobertura do centro de pesquisas.
Era um lugar amplo, aberto, com uma pequena área coberta, onde ninguém ia nunca nem de dia e muito menos de noite.
Em um canto escondido deixamos uma caixa baú com um tapete, duas almofadas, uma coberta, frasco de lubrificante, e mais algumas miudezas.
A noite podia se ver o céu estrelado, devido a distância de outras construções e suas iluminações.
Aquela noite ia ser especial porquê haviamos recebido o resultado dos nossos exames de sangue pela manhã e estávamos loucos para tranzar pela primeira vez sem camisinha.
Pareciamos dois moleques bobos. Chegamos a tirar a sorte para ver quem iria comer o cú de quem primeiro. Eu sortudo ganhei!
O relacionamento entre mim e Leo já não se resumia apenas a sexo. Nossa amizade e cumplicidade estava cada vez maior
E o marco desta mudança foi uma conversa que tivemos certa noite, quando estávamos deitados juntos na mesma espreguiçadeira. Eu fazia cafuné em sua cabeça quando notei um discreto relevo comprido, mais ou menou três centímetro para trás da orelha direita.
-Que cicatriz é esta, bebê?
- Isso é para eu me lembrar que nem todo mundo que se diz seu amigo, é de confiança.
-Um amigo te fez isso?
-Não, mas é como se tivesse feito.
-Como assim?
Ele ficou em silêncio e então como se não encontrasse as palavras certas para contar. Fez um gesto no ar como se assim viessem as palavras e então começou a falar
-Minha mãe engravidou de mim quando tinha apenas 15 anos.
Era uma noite fria quando seu pai, um fazendeiro linha dura, descobriu.
Sem uma única palavra abriu a porta da casa e a colocou para fora.
Ela usava apenas um pijama e pantufas. Caminhou por muito tempo, até que chegou a uma auto estrada.
Um caminhoneiros parou e ofereceu carona e comida à ela.
Sem ter o que comer, ou para onde ir e também com muito frio, ela entrou no caminhão.
O caminhoneiro manteve ela por vários meses, até que chegou o dia do parto. Ele lhe deu algum dinheiro para que recomessasse a vida e a deixou sozinha na porta da maternidade. Ela nunca contou a ninguém de onde era. A assistente social teve que arrumar a papelada para que eu fosse registrado.
A esposa do capelão do hospital, uma mulher muito caridosa, nos encaminhou à uma casa de amparo à mãe solteira, onde ficamos até quando minha mãe chegou a maioridade. Lá, minha mãe aprendeu a profissão de ajudante de cozinha. E graças a isso nunca me faltou nada. Pelo menos até o dia em que ela morreu por uma estupidez.
Leo estremeceu ao dizer a última centença. Eu apertei meu abraço e beijei sua cabeça.
-Esta tudo bem bebê. Não precisa dizer mais se esta história te tráz sofrimento.
-Não! Tudo bem! É que eu nunca contei isso a ninguém. Eu quero contar. É como se eu finalmente pudesse tirar este peso do peito, sabe?
Então ele continuou.
-O nome deste amigo era Jonas. Tinha a mesma idade que eu, dez anos. Era meu vizinho. Brincávamos juntos todos os dias desde pequenos. Mas fazia umas duas semanas que ele tinha começado a andar com os garotos maiores da rua de baixo.
Todo mundo sabia que dali não saía nada que valesse a pena, mas Jonas estava fascinado. Só falava neles.
Toda manhã minha mãe me acordava, ajudava a me arrumar, me servia o café e só estão ela se vestia. Enquanto isso, eu aguardava ao lado do portão para que ela se preparasse para me deixar na escola a caminho do trabalho.
Na quela manhã, Jonas me chamou para a rua enquanto eu esperava.
Mesmo sabendo que minha mãe ficaria zangada por eu esperar por ela do lado de fora, eu fui.
Enquanto Jonas me distraía, dois dos meninos da rua de baixo passaram correndo e pegaram minha mochila. Jonas gargalhava ao ver minha cara de espanto.
Na rua havia uma árvore gigantesca que ficava na beira de um barranco onde jogavam restos de entulhos. Abrindo minha mochila os dois meninos pegaram um dos meus livros, arremessando para o alto. O livro ficou preso em um dos galhos que pendia sobre o barranco.
Alcancei eles gritando que minha mãe já estava vindo e iria pegar a todos.
Eles arremeçaram a mochila nos entulhos e sairam correndo gritando que eu era um mariquinha da mamãe.
Desci o barranco resgatando minha mochila. Foi nessa ora que eu tropecei, caí e raspei a nuca em um vergalhão.
Não sei se foi medo da minha mãe me pegar ou efeito da adrenalina, mas só bem depois eu percebi que estava sangrando.
Após subir o barranco, eu precisava subir na árvore para resgatar o livro antes que minha mãe saisse e visse que eu desobedeci suas ordens.
Se eu subisse na árvore e deixasse a mochila, eles poderiam voltar e terminar de espalhar os meus livros. Por outro lado, se eu voltasse para guardar a mochila em casa antes de subir na árvore eu perderia um tempo presioso. Então eu tive uma idéia que me pareceu brilhante, mas na prática não podia ter sido mais desastrosa. Coloquei a mochila nas costas e escalei a árvore em direção ao galho onde estava o livro. Quando eu estava quase alcançando o livro, o volume pesado da mochila me fez perder o equilibrio e escorregar do galho que eu estava. Por sorte a mochila ficou presa no galho de baixo. E eu fiquei pendurado como em um paraquedas na beira do barranco.
Apavorado e com medo de cair eu gritava desesperado pela minha mãe e por ajuda.
Minha mãe ouviu os gritos e saiu correndo de casa na direção da árvore.
É engraçado, mas a única coisa que eu pensava naquele momento era "Hoje eu vou levar a maior surra da minha vida."
Eu nunca vou esquecer da cara de espanto e incompreensão da minha mãe quando me encontrou pendurado daquele jeito. Mas ela não brigou comigo. Primeiro ela perguntou:
- Como é que você foi parar aí?
E sem esperar por uma resposta ordenou:
-Não se mexa, se não você cai no barranco. -Espera que eu vou te tirar daí.
Dizendo isso, ela que cresceu na roça, e ainda era bem esbelta e habilidosa, subiu sem muita dificuldade pelo tronco principal e me alcançou.
Puxando pela moxila me desprendeu do galho e me arremessou para a calçada com um sorriso de vitória.
Então em num movimento continuo o galho se rompeu derrubando minha mãe que na queda bateu a cabeça nos entulhos.
-Tudo tão rapido!
Nesse momento Leonardo tinha a respiração ofegante
-Eu desci e chamava por ela, mas ela não respondia.
As poucas pessoas que vieram assistir ela me resgatar da árvore chamaram os bombeiros, mas quando eles chegaram disseram que ela provavalmente morreu na hora do impacto da queda.
Eu sô fazia chorar desesperado dizendo:
-Por favor acorda ela! Ela não tá morta não moço! Acorda ela moço! -Todos me olhavam sem saber o que dizer. Eu continuava gritando desesperado.
-Acorda mãezinha eu juro nunca mais te desobedeço! Por favor! Eu imploro! Eu faço qualquer coisa! Por favor!
Um dos bombeiros colocou a mão no meu ombro e disse:
-Lamento filho! Não tem mais nada que a gente possa fazer. -Eu fiquei desesperado e sem chão.
-A culpa é minha! Eu matei ela! Eu matei minha mãe! Por favor mãezinha me perdoa! Me perdoa! ...
Neste ponto da narração, Leonardo chorava nos meus braços e eu chorava junto. Eu chorava por ele e pelo menininho que ele foi.
Lonardo chorou e chorou, pondo para fora toda angustia de quem finalmente se permitia reviver um sofrimento tão grande e que fora sufocado por tanto tempo.
Passaram se alguns minutos, então mais calmo Leonardo prosseguiu.
-Dona Sara, uma vizinha muito boa cuidou de mim até que o conselho tutelar viesse me buscar.
Antes de eu ir embora ela me disse que a minha mãe era uma heroína, pois morreu para salvar a minha vida. E que isso era o que as mães faziam. Ela me disse também que minha mãe fez isso porque acreditava em mim e que para ela, a minha vida era tão preciosa que valia a pena correr o risco de perder a própria.
Por isso eu tinha o dever moral de honrar o sacrifício da minha mãe, me transformando em um homem digno, honrado e melhor em tudo que eu fizesse.
Aquelas palavras ficaram cravadas em mim.
E assim eu tenho feito desde aquele dia.
No orfanato eu sempre me esforçava para ser o melhor aluno, pedia sempre livros no lugar de brinquedos e não saía da biblioteca.
-E foi assim que você se transformou na pessoa incrível que você é hoje. - eu disse beijando a ponta do seu nariz e secando suas lagrimas com meu polegar.
-E quem diria que dois caras com histórias tão diferentes terminariam juntos? Não é mesmo?
Assim que Leonardo completou a frase eu soltei uma risada seca.
-Hah! Você não poderia estar mais equivocado, Leo.
Leonardo sentou de frente para mim e com olhar de incompreensão disse:
-Como assim equivocado? Eu pensei que você fosse o rico filhinho de um empresário de sucesso.... Mas eu podia jurar que estava conseguindo dar o golpe do baú direitinho!?!
Agora a minha risada era mais descontraida. Isso era o que eu mais apreciava em Leo, a sua capacidade de rir mesmo no meio de uma conversa mais tensa.
Não é bem assim Leo. A Marli não é minha mãe. Ela era funcionária de uma empresa que prestava serviço para a a empresa do meu pai. A minha verdadeira mãe, assim como a sua morreu. Ela morreu de leucemia quando eu era criança. Eu tinha só sete anos.
Meu pai em poucos meses casou com a Marli. Certa vez eu ouvi uma empregada de casa dizer que eles já eram amantes bem antes de minha mãe morrer. Foi ela quem convenceu meu pai a me mandar para um colégio interno dizendo que seria melhor para minha educação. E ele, como até hoje faz, atendeu o que ela pediu.
O colégio só aceitava para o sistema de internato alunos a partir de doze anos. Mas como dinheiro compra tudo. Uma doação financeira feita pelo meu pai resolveu o problema.
Quando eu cheguei lá eu era o único garotinho pequeno. Eu estava tão assustado! Lembro que agarrei as calças do meu pai chorando implorando que não me deixasse lá sozinho no meio daqueles meninos grandes.
Ele quase que voltou atrás, mas Marli que fez questão de ir junto, disse para meu pai que aquilo era manha e que assim que eles virassem as costas eu me juntaria aos outros meninos nas brincadeira e que logo nem me lembraria mais deles.
Ela não podia estar mais enganada!
Assim que eles viraram as costas a minha vida virou um inferno. Os outros meninos me apelidaram de chorão e se apropriaram de todas as coisas legais que eu havia trazido. Me puseram pra dormir em um quartinho de material de limpeza que ficava sob a escada, com apenas um cobertor. E ameaçaram me bater se eu contasse qualquer coisa para alguém.
A partir daquela noite o meu ódio pela minha madrasta era oficial. Mas o meu pai... ele eu jamais vou perdoar.
Eu disse deixando todo o meu rancor vir a tona.
Leonardo me olhava com os olhos ao mesmo tempo marejados e cheio de espanto. Pôs as mãos no meu rosto beijando meus lábios e disse:
-Meu Deus bebê! ...
-Como eles puderam!
Bom! -Eu falei forçando um sorriso - E você pensando que histórias tristes eram um monopólio apenas seu.
Sabe de uma coisa? - Eu disse levantando e tentando mudar o astral. -Porque você não escolhe uma comédia pra a gente ver, enquanto eu coloco uma pipoca para estourar no micro ondas?
E assim passamos o resto da noite. Na cama em meio a risos e pipocas e uma transa bem gostosa.
Depois desta noite algo mudou em nossa relação. Eramos mais cúmplices, foi como se o passado de orfãos solitários nos unisse e finalmente passassemos a nos pertencer de uma forma mais completa e sem reservas.
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Obrigado a todos que acompanham o meu conto lendo.
Gostaria de agradecer em especial a:Geomateus , cintiacenteno , Gus*--* , Lipe*-* . Que acompanham votam e fazem cometários adoráveis e pertinentes. O capítulo de hoje eu dedico especialmente para vocês.
Amanha tem mais.
Já adianto um pequeno spoiller: Haverá uma reviravolta.
Bjs!