– Tem uma bicha nova na cidade – a voz de Maicon ecoava várias vezes dentro da sua cabeça. Uma bicha nova na cidade. Quanto ódio havia naquela voz. Falava de Júlio. Falava daquele moleque, não vestia nada por baixo do samba-canção? André o virando de costas contra a pia e abaixando o samba-canção para conferir, não vestia nada por baixo, peladinho agora, a bunda branca, lisa, linda, deu um tapa nela, Júlio gemeu olhando para trás, para ele "Me come..." a voz ecoou junto a voz de Maicon que ainda ecoava. Tem uma bicha nova na cidade. Me come. Meu namorado vai chegar no domingo, mãe. Meu namorado. Gay. Bicha nova na cidade. Me come, André. Não quer essa bunda pra você? Me come...
Acordou suando, sobressaltado, sentou-se na cama. Nove da manhã ainda, havia dormido por no máximo três horas, mas nem ligou para isso, pior seria se tentasse dormir outra vez e sonhasse o mesmo sonho que estava sonhando há pouco. Ao retirar o lençol de cima do seu corpo, notou o quanto estava duro seu pau, André que sempre dormia nu, não gostou de ver a cabeça rosada para fora do prepúcio, babando. Por um homem? Por causa do sonho que ele estava assim? Preferiu pensar que não passava de uma ereção matinal normal, vestiu uma bermuda, e saiu do quarto na direção do banheiro.
Sob a ducha gelada sua ereção se foi, ele se apoiou com um dos braços na parede e abaixou a cabeça deixando que a água caísse precisamente na sua nuca. André assim sem roupa deixava claro porque Mariana era tão ciumenta, um homem realmente bonito, o surfe exigia dele força o bastante nas pernas para longos nados caso sua prancha quebrasse, e suas coxas apesar de esguias por ser um homem alto, eram grossas e firmes, com marcas delimitando bem cada músculo sob a pele, e a grande diferença desses músculos no momento em que chegavam à altura dos joelhos, para depois crescerem de novo nas panturrilhas. A marca de sunga ao redor da bunda, das coxas, da virilha, marca do surfe, as garotas sentiam tesão nisso, Mariana sentia. Seu peitoral era esculpido pela água do mar, peitoral suave, os mamilos vermelho escurecidos, pequenas sardas pretas sobre os ombros, braços fortes, seu cabelo encharcado despencava ao redor do rosto e ele ouvia do lado de fora do banheiro o resto da família conversando na mesa do café-da-manhã. A voz de Júlio era a mais nítida, falava com segurança e intimidade com os outros, faziam piadas, riam, ele era um cara muito confiante de si, muito simpático, difícil alguém não gostar dele a primeira vista. André sabia disso, lembrava de ter sentido uma simpatia instantânea por aquele cara assim que se falaram naquela cozinha, mesmo que não quisesse nem um pouco ser simpático com ele. Apressado, desligou o chuveiro e enrolou-se na toalha, quando sentiu que seu pau queria endurecer outra vez. Já saiu do banheiro vestido com a roupa da academia, passou pela cozinha.
– Vai tomar café, filho? – sua mãe, dona Lívia, perguntou.
A única cadeira vazia era a do lado de Júlio, que olhava para ele com a mesma cumplicidade que olhara horas antes, como se fossem amigos de longa data.
– Vou malhar – disse, seguindo em direção da sala de estar.
– Espera, eu vou com você – Daniel falou, terminando de enfiar goela abaixo metade de um pão francês enquanto levantava-se.
– Você vai? – Júlio perguntou.
– Você não vai – André complementou, ao mesmo tempo que o outro, eles se entreolharam. – Não é só chegar lá e começar a malhar, precisa fazer inscrição, levar documentos, relatório medico.
– Todas as coisas que eu fiz ontem à noite, você quer dizer – retrucou cortando-o. Antes de sair de vez da mesa, beijou rapidamente Júlio, um selinho que a mãe dos dois acompanhou, mas tanto André quanto seu pai preferiam desviar o rosto, um levemente desconfortável, o outro brutalmente enfurecido. Agora se dirigindo ao seu namorado: – Eu vou sim, man. Preciso entrar em forma antes que a faculdade recomece, depois não dá tempo nem de soletrar supino – falava como se estivesse obeso e sedentário, como se não fosse um cara muito bonito e com tudo no lugar graças as corridas no finzinho da madrugada que praticava religiosamente todos os dias.
Os pais dos garotos continuaram na mesa conversando com Júlio como se fossem compadres enquanto que os dois irmãos saíam juntos de casa. Passados os primeiros minutos de silêncio, Daniel foi o primeiro a falar:
– Ainda está com a Mariana?
– Tô – respondeu secamente.
– Eu lembro que quando estudei com ela a garota vivia me enchendo o saco para que eu a apresentasse a você. Acho que ela conseguiu se apresentar por conta própria afinal de contas...
– Escuta – estendeu o braço contra o peito de Daniel, fazendo-o parar, se pôs na sua frente. – O que que tu tá pensando? Que pode trazer um viado pra dentro da casa e a gente continua sendo irmãozinho como se não tivesse acontecendo nada? Como se você não tivesse dando a bunda pra ele no quarto ao lado? sua bicha. Não fica tentando falar comigo, quando a gente chegar na academia, finge que não me conhece, beleza?
Iria dar as costas e continuar seu caminho quando Daniel o puxou pelo ombro.
– Agora, escuta você – Quando queria, Daniel inflava feito um galo de briga, seu cabelo cortado curto, seus olhos azuis um pouco mais claros que os do irmão, assim como a pele era um pouco mais clara, e quando ficava assim nervoso nem parecia mais novo ou menor, de igual pra igual, na época da adolescência brigavam de igual pra igual, por qualquer motivo, a ponto de tirar a sangue um do outro, depois faziam as pazes e conversavam até altas horas antes de dormir, como se nada tivesse acontecido. – Eu lembro bem de como você era André, eu lembro bem de o quanto você odiava caras gays, e de o quanto eu tive medo de me assumir antes, por sua causa, porque eu não queria perder tua amizade, mas eu decidi fazer isso independente a você, André. Porque eu percebi que você não tem que se preocupar com a minha vida, não é da tua conta nem da conta de ninguém o que eu faço com o meu namorado dentro do meu quarto, se eu dou a bunda, se eu como a bunda dele, você não tem porque se meter. Se não quer falar com a gente, beleza, não precisa falar. Mas me respeite. Você me conhece o bastante pra saber que eu mereço esse respeito. Que eu tive a coragem que você não teve, eu tive a coragem de me assumir e ir embora, e você, já esta trabalhando, já está ganhando mais que o nosso pai e continua morando aqui, ou você acha que alguém acredita que você está levando a sério essa construção da sua casa em Florianópolis, quatro anos construindo uma casa, não tá um pouco demais não? É você que é o covarde aqui, você e seus amiguinhos, por isso tanto ódio, porque caras como eu tiveram coragem de seguir a vida sozinhos, você não consegue isso. Você é que não merece o meu respeito.
André ameaçou dar um soco no seu rosto, mas Daniel não deu para trás, continuou encarando-o. Visto assim, pareciam mesmo irmãos. A mão abaixou, os olhos arregalados como o de cães raivosos loucos para serem soltos e morderem o inimigo.
– Só fica longe da minha reta – limitou-se a dizer.
– Fica você longe da minha. Você e seus amiguinhos, não tentem se meter nem comigo nem com ele, entendeu?
– Ou você vai fazer o quê?
– Muito mais do que uma cicatriz.
Outra rajada de silêncio. Um trio de pássaros miúdos cortou o céu amarelo sobre a cabeça daqueles dois e desapareceu em meio a mata.
André voltou a andar na direção da academia, Daniel atravessou a rua e foi pelo outro lado. Chegando lá, seguiram para aparelhos diferentes, o mais distante possível um do outro. André olhava a todo momento na direção de Daniel, droga, gostaria de não estar brigado com ele, mas estava; gostaria de poder conversar com ele como era antes do caçula ter se assumido, dizer como iam as coisas aqui na cidade, dizer que estava subindo no ranking de surfe, dizer que provavelmente no verão seguinte viajaria para o Havaí, essas coisas todas que ele adorava contar para o irmão, mas não podia mais, porque estavam brigados. Já Daniel nem olhava para ele, os dois eram orgulhosos demais para dar o braço a torcer puxar a primeira trégua, foram criados assim, para nunca voltar atrás quando tinham certeza de que estavam com a razão, e esse era justamente o problema, os dois tinham plena convicção de que estavam certos.
Daniel foi para os fundos da academia que é onde ficavam as esteiras, e enquanto André terminava uma série de peito, entraram na academia rindo de alguma piada suja qualquer, Maicon e dois dos seus amiguinhos, Geovani e Hugo. Os três vestiam camisas sem manga para mostrar os braços, bermudas curtas para exibirem as coxas, uma toalha de rosto sobre os ombros. Ao verem André, foram até ele rindo debochadamente. Maicon foi quem falou primeiro:
– Pensei que tu não viria hoje, André. Não tá em lua-de-mel?
Continuou o exercício, olhando sempre em frente, ignorando os três que já o cercavam.
– Ficou ofendido, André?
– Não vai defender tua mulherzinha?
O ritmo dos exercícios acelerou, ele estava suando por aumentar a força.
– Se você não falar nada, nós vamos começar a achar que é verdade, heim Andrézinho... Que você está traindo a Mariana com a motoqueira fantasma...
Antes da frase acabar, Maicon notou a presença de Daniel ali no fundo. Os três rapazes o fitaram por algum tempo, em silêncio. Eles conheciam Daniel, mas da época em que ele ainda era mais novo, estudava no Ensino Médio e era um garoto muito tímido. Estava diferente agora, mais maduro, mais seguro.
– O teu irmão também voltou... Espera aí... o teu irmão...? – o rosto de Maicon se iluminou como se estivesse debaixo de uma epifania. – Eu sempre desconfiei que o teu irmão tivesse um jeitinho meio... é isso, não é? Aquele cara veio pra cá por causa do teu irmão...
Na mesma hora, André largou o aparelho, seu braço inchado pelo exercício recém-praticado, as veias saltadas, parecia ainda mais forte, ficou frente a frente com Maicon.
– Não se meta com o meu irmão.
Mesmo brigados, mesmo a ponto de se atracarem numa briga a qualquer momento, André simplesmente não permitiria que aqueles caras tentassem fazer com seu irmão que faziam com os outros. Lembrava da última vez em que um cara assumidamente gay comprou uma casa nas redondezas e decidiu morar aqui, isso há uns dois anos atrás, a noticia saiu nos jornais locais, felizmente não se espalhou para o resto do país, mas mesmo assim ninguém esquecia, muito menos Maicon devia esquecer, uma vez que pelo que fizera ficara atrás das grades por um ano e meio e só conseguiu sair porque seu pai era amigo do delegado. André lembrava do momento: estava correndo e por um instante olhou para trás e viu o cara jogado no meio de um matagal, sangrando, o rosto inchado e deformado de tantos golpes que levara. Sorte alguém tê-lo encontrado e chamado uma ambulância, caso contrário Maicon ainda estaria na cadeia, todos eles acabariam lá pelo que fizeram. Daniel não merecia isso. Júlio não merecia isso. Ninguém merecia.
– Hum... vai defender o casal apaixonado, é? – Maicom aproximou o corpo do dele, tentando intimidá-lo, André não cedeu – Você, Hugo, vai lá e traz o irmãozinho dele para fazer parte da conversa...
Ao primeiro passo de Hugo, André o barrou segurando-o pela mão, mas Maicon, por sua vez, tirou a mão de André do caminho, eram três contra um ali, Hugo continuou andando. Geovani ria no meio da situação, sempre estava do lado de Maicon e obedecia tudo o que o líder do bando dizia. Maicon murmurava que não acreditava que justo ele, justo André havia deixado que o seu irmão seguisse por esse caminho, agora entendia porque os dois viviam fora da cidade, vergonha, com certeza. Mas no meio do discurso abobalhado dele, Geovani se sobressaltou:
– Maicon, olha aquilo, cara!
Os três se voltaram na direção das esteiras e viam o momento em que Hugo tentava puxar Daniel pelo braço, mas não conseguia de forma alguma, tentou também o imobilizar pelas costas, mas como resposta viu o momento em que Daniel foi mais forte e girou o corpo todo, ficando frente a frente com ele e lhe deferindo um soco bem no olho, apenas um, mas daqueles que usam todo o peso do corpo e derrubou assim Hugo no chão, que gritou um "Porra!" na mesma hora e Maicon ia até lá para ajudar seu colega, mas também recebeu um soco, dessa vez na boca, mas ele, que era maior que todos os seus amigos, não caiu, só girou a cabeça com o impacto, e quando voltou também bateu em André, o osso acima da bochecha parecia que ia se quebrar de tanta dor, Geovani correu dali, foi embora da academia.
Quando Hugo se levantou do chão e ele e o irmão caçula de André se engalfinharam de vez, trombando nos equipamentos enquanto se batiam numa briga quase de igual para igual, Daniel era um pouco mais forte e entendia mais de luta pelo curso de defesa pessoal que fizera no último ano em que vivera aqui na cidade do Céu Amarelo, no último ano antes de assumir que era gay, e fez esse curso a pedido do próprio irmão, que dizia sempre que ele precisava aprender a se defender. Mas mesmo assim os golpes que Hugo lhe acertava certamente deixariam marcas nos próximos dias. Ainda assim, quando Hugo recebeu um chute nas costelas, caiu no chão gritando de dor e já não fazia mais menção de se levantar, só xingava o outro, Daniel foi na direção do irmão porque Maicon estava ganhando aquela luta e estava acima de André, que estava caído no chão, e lhe acertava uma longa seqüência de socos que se continuasse quebraria os dentes do irmão de Daniel, e depois lhe deixaria inconsciente, mas não continuou, não continuou porque Daniel puxou Maicon para cima pelos grandes ombros e o jogou para longe, fazendo-o tropeçar no equipamento que a pouco André estava praticando, e depois indo para cima dele, seu braço esquerdo no pescoço de Maicon e o direito pronto para lhe acertar mais um daqueles grandes socos. André olhou a situação e por um segundo sentiu uma pontada de orgulho do irmão, lutava feito homem, era até melhor que o próprio André. Levantou-se.
– Você não parece tão corajoso agora – Daniel disse para Maicon. – Não é tão machão quando está sozinho, não é?
– Eu vou acabar com a tua raça, seu viado de merda. Família de viados.
André tocou no ombro do irmão – Vem, vamos embora; deixa esse lixo aí.
Daniel soltou Maicon com brutalidade, fazendo-o cair no chão. E enquanto recuperava o ar o grandalhão viu os dois irmãos indo embora daquela academia. Rangia os dentes de tanta raiva, viado nenhum tinha o direito de tocar nele, muito menos de bater como aquele cara ali tinha feito. Ia acabar com a raça de Daniel, com ele e com o irmão dele, repetiu dentro da própria cabeça, ia acabar com a raça deles, era uma promessa.
***
Na rua a caminho de casa, pensavam em modos de explicar em casa porque estavam chegando assim, completamente machucados. De certa forma aquela briga toda serviu para algo muito bom entre os dois irmãos, não que tivessem esquecido de tudo, André agora se dava super bem com o fato de Daniel ser gay e ter trazido o namorado para conhecer a família, do mesmo jeito que Daniel também não havia esquecido todas as humilhações, falta de aceitação a rejeição da parte do outro, não, nada disso. Porém, em algum acordo sem palavras, decidiram não tocar mais nesse assunto, André provou que tinha coragem, enfrentou seus amigos. Daniel provou que não era uma bichinha fresca e afeminada, venceu Maicon no braço.
– Não vai ter jeito, André, vamos ter que contar o que aconteceu, se não vão pensar que nós brigamos um com o outro, vai ser pior.
– Você pode contar pros nossos pais com quem nós brigamos e como foi, mas não os motivos. Se eles souberem que nós nos metemos nisso porque você é gay não vão gostar que eu continue andando com os meus amigos, e é isso que eu quero evitar.
Por um segundo Daniel ficou em silêncio, analisando o que seu irmão acabara de dizer.
– Primeiro, nós não brigamos porque eu sou gay, brigamos porque seus amiguinhos são uns homofóbicos do caralho. Segundo, você acha que eles vão querer continuar andando com você depois disso tudo? Aliás, você quer continuar andando com eles depois disso tudo?
– Cara, não é nada disso. Você sabe que o pai do Maicon é o prefeito desse lugar, o pai do Hugo é policial. Só não meta nossos pais numa briga com a família deles, beleza? Diga que nós brigamos por uma bobagem, não precisa dar tantos detalhes. Nem pra eles nem pro...
– Pro...?
– Pro seu... – André tinha uma dificuldade imensa em usar as palavras, se fosse deixar o habito falar mais alto, diria "seu viadinho" ou "a bicha que vive com você", mas já não cabia isso, de um dia para o outro e ele foi jogado do outro lado da maré do que acreditava, podia não estar pronto para ficar a favor de um relacionamento assim, mas precisava concordar que era algo mais respeitável do que o que Maicon fizera há pouco. Impaciente, pediu ajuda: – Como eu chamo ele, porra?
Daniel riu – Chama ele de meu namorado, não precisa pensar muito, é tudo igual, só que no masculino. E é claro que eu vou contar pro meu namorado, você quer que eu deixe ele andando por aí sem saber que tem um bando de justiceiros-da-moral-imoral nessa cidade?
– Tem certeza que ele não vai pirar e querer ir embora quando souber?
Por que estava preocupado com isso?, o pensamento passou rasante pela sua cabeça, feito um quero-quero no céu. O que lhe importava afinal se Júlio decidisse ir embora? Queria que os dois ficassem? Queria que Júlio ficasse?
– Mais provável ele querer tirar satisfação com esses caras.
Em frente ao portão respiraram fundo, tomando coragem, antes de entrarem e ouvirem todo aquele discurso dramático da sua mãe que falaria sobre a violência, perguntaria o que havia acontecido, trataria dos ferimentos com remédios que ardiam até a alma, tudo aquilo que já previam e que realmente aconteceu. O que não previam foi que, quando Daniel contou para Júlio toda a história já os dois sozinhos no quarto, a única coisa que ele fez foi sair dali, atravessar o corredor da casa e bater forte na porta de André. Quando ele abriu, quase foi atropelado pelo touro selvagem das palavras que o visitante esbravejou na sua cara:
– Então esses são os teus amigos? Essa é a porra de amizade que você conseguiu? – entrou no quarto sem ser convidado, deixando André, que estava vestido só de cueca, ainda estupefato na porta. – Tu deixou o teu irmão apanhar porque os caras não gostam de gays, você é desses também, você fica por aí batendo em gays como se fizesse parte de uma raça superior e se visse no direito?
Mesmo vermelho de raiva, Júlio tinha aquele tipo de beleza que faz quem olha para ele querer abraçá-lo, querer respirar direto do seu pescoço. André não falava nada porque não queria correr o risco de dizer o que não devia.
– Fala alguma coisa!
– Ele não apanhou, ele bateu nos caras – se limitou a responder.
Aquilo silenciou o quarto no minuto seguinte, foi só então que Júlio percebeu que o rosto de André estava muito mais machucado que o do seu irmão, por ter lutado com Maicon que era mais forte, os inchaços não estavam vermelhos, mas sim roxos e o lábio tinha um corte vertical que parecia ter parado de sangrar há pouco. A propósito, era a primeira que via o rosto dele. Os olhos azuis eram a herança dos pais que ficavam mais sombrios no rosto de André. Enquanto que Daniel sempre deixava claro o que queria, qual sua personalidade e isso tornava sua fisionomia mais clara e tranqüila, em André nunca se sabia se ele era alguém que gostava de rock pesado e se vestia de preto durante a noite para tentar manifestar sua raiva contra o mundo enquanto não entendia que essa raiva toda era na verdade contra si mesmo, ou então se ele era um cara tranqüilo que gostava de reague e camisas da Jamaica só querendo curtir a vida. Seu rosto nunca transparecia, era preciso ir mais fundo para entendê-lo, tão fundo que talvez já não conseguisse voltar.
– Agora, pode sair do meu quarto, ou tem mais uma bronca pra me dar? – abaixou um pouco o olhar, como se tivesse mesmo acatado aquele esporro, mas só dessa vez.
Júlio iria soltar um "Me desculpe" naquele momento, mas por pouco ainda conseguiu se segurar, e saiu em silêncio do quarto, passando a poucos centímetros de André. A porta ficou aberta, os olhos do surfista acompanharam atentamente enquanto Júlio andava.
O que tinha aquele garoto que mexia tanto com a sua cabeça? Será que era porque ele pertencia ao seu irmão e isso despertava uma ponta de inveja da época de infância? Mas não fazia sentido, quando estava perto de Júlio nem pensava em Daniel, melhor, nem pensava em nada, aquele cara bloqueava todo e qualquer pensamento da sua cabeça. O fato de saber que ele era gay, que não negaria um beijo de outro cara, o abraço de outro cara, a mão de outra cara contra seu corpo, o pau de outro cara; isso despertava seu corpo todo como se cada órgão gritasse para o cérebro "Ei, você pode ser esse cara que ele quer. Vai lá, beija ele, agarra ele, come ele.". O que que estava acontencendo dentro da cabeça de André, afinal de contas? Ou pior, o que que estava acontecendo dentro da sua cueca? Como um homem podia deixá-lo tão excitado. Vontade de bater uma punheta pensando naquela bunda, no cheiro dele que se impregnava em todos os lugares da casa por onde ele passava, agora estava no seu quarto, juntinho ao cheiro de André, como se os corpos dos dois também tivessem ficado juntos, como se tivessem transado naquele quarto. Quando Júlio gritou "ME COME!" no quarto de Daniel de manhã cedo André percebeu que nunca havia causado uma reação assim em nenhunma mulher, em ninguém; ninguém implorou pelo seu pau, ninguém o desejou tanto como aquele cara desejou seu irmão. Como seria transar com alguém que o desejasse tanto? Como seria transar com Júlio, e mais, como seria poder dizer para Júlio "Você é meu namorado" e estar com ele sempre que quiser, e poder ficar zangado quando alguém olhasse para sua bunda na rua, ou viesse puxar papo com ele, poder estar num compromisso desse tipo. Como seria?
Evitou se olhar no espelho quando passou por ele em direção a sua cama, devia estar horrível. Deitou-se com o rosto no forro da cama. A porta fechada. Sua mão coçou de leve o pau por cima da bermuda fina que usava para malhar. Tinha medo das coisas que estavam se passando pela sua cabeça. Não era gay. Seu irmão que era. Seu irmão que era uma vergonha. Ele não podia ser também, não podia desejar um homem. De jeito nenhum.
Mandou uma mensagem para Mariana perguntando se podia ir pra casa dela. A garota respondeu que estava ocupada, mas que se ele quisesse ir a tarde não tinha problema. André fechou os olhos sem nem perceber e caiu num sono profundo.
Acordou não sabia quanto tempo depois, pensou que seria acordado pelo celular tocando com a Mariana ligando para dizer que ele já podia ir na casa dela, mas se enganou, acordou foi com batidas fortes na porta, seus pais não batiam assim na sua porta, só podia ser seu irmão.
– Que que você quer, Daniel? – perguntou enquanto se levantava, notou que estava completamente nu, havia tirado a cueca no meio do sono, ela estava deixando seu pau desconfortável, havia ficado duro com o sonho que vinha tendo. Pegou-a no canto da cama e ia vestindo.
– Abre aqui.
Quando André abriu a porta, viu o rosto mais-que-preocupado do irmão, quando este lhe disse:
– O Júlio saiu enquanto eu dormia, e não voltou ainda, cara. Eu não to conseguindo ligar para ele. Não to conseguindo encontrar... – falava depressa, atropelando as palavras.
A cabeça de André soltou um palavrão ao pensar o pior, o que que se passava pela cabeça desse cara, ouviu o que aconteceu com os dois irmãos e mesmo assim saiu da casa? Mas não adiantava falar isso para Daniel agora, nunca tinha visto o irmão assim tão desesperado, ele gostava tanto assim de Júlio? Ele amava o namorado a esse ponto? A única coisa que André pensou em dizer foi:
– Eu vou procurá-lo. Acho que sei onde ele pode estar.