Acampamento – anoitecer – 4º dia
“Maldito, maldito, mil vezes maldito” – Era o fim da tarde do penúltimo dia de acampamento. O camping estava agitado, os jovens aproveitavam os últimos momentos para se divertir. A viagem de retorno à cidade seria na tarde do dia seguinte.
“Como não me dei conta do quanto era desprezível” – Derick arrumava as malas em meio a resmungos baixinhos, indignado com a atitude de Kaio. Estava sozinho no dormitório e não queria deixar tudo para cima da hora. Quando a buzina soasse era apenas jogar a mochila nas costas e pé na estrada.
Ele ajeitava algumas roupas quando em meio às toalhas jogadas acima da cama encontrou um envelopinho azul, uma cartinha. Mas, o que estaria fazendo junto às suas coisas? Ele refletiu por alguns instantes segurando o objeto, e então deduziu. Aquela cartinha provavelmente seria de Kaio para Tatiane, ele deve ter deixado cair de cima do beliche (Kaio dormia na parte superior e Derick na inferior) e assim acabara se misturando às roupas sujas do garoto.
Derick continuou a pensar. Se Kaio tinha escrito aquelas cartinhas para Tatiane, porque estaria ficando com outra garota? Porque agiria de forma tão idiota?. Ele abaixou-se para apanhar um par de calçados que alguém chutara para debaixo do beliche vizinho, ao levantar-se reparou nas bagunças de Lucas jogadas sobre a cama. Seria Kaio cabeça dura igual a Derick? Isto é, teria ele ficado com aquela garota apenas para esquecer Tatiane, tal como ele mesmo fizera com Lucas?. Provavelmente a resposta seria sim, ainda mais diante do orgulho ferido.
Derick abaixou-se e precisou deitar no chão para alcançar uma meia que deixou cair no cantinho da cama e então ouviu a porta do quarto sendo aberta.
- Fazendo as malas? – Alguém perguntou. Derick alcançou a meia e com um pouco de dificuldade levantou-se. Acabou por esbarrar em Ian que estava logo atrás.
- Ah. É você. – Ignorou e continuou com a arrumação. Acelerou o ritmo. Estava começando a escurecer e não queria se deparar com os outros dois companheiros.
- O que aconteceu lá na quadra? – Ian sentara-se na parte superior do beliche e também iniciava a arrumação de sua bagunça.
- Não interessa – Derick foi ríspido, talvez por medo de o garoto ter ligação com a história das drogas ou então por não conseguir fazer o coração parar de palpitar forte toda vez que estavam juntos. Derick tremia.
- Calma ai Jack Chan – Ian sorriu e jogou uma toalha molhada em Derick. Calmamente Derick a retirou de sobre si e lançou de volta. Ao pegá-la, Ian reparou que o garoto disfarçava um sorrisinho que insistia em aparecer. “Um bom começo” pensou tornando a remexer a mochila. Não conseguiu conter um também sorriso tímido de contentamento.
Derick terminara de arrumar suas bagunças. Agora desceria e ficaria com Lizi o resto da noite, segurando vela, isto é, se encontrasse a amiga, do contrário procuraria Tatiane que continuaria a ignorá-lo. Aqueles últimos dias estavam uma chatice, o garoto não via a hora de ir embora. Enquanto pensava futricava o celular.
- O que está fazendo? – Ian pulou do beliche e sentou-se ao seu lado. Derick olhava fotos de quando eram um trio perfeito.
- Recordações – respondeu. Por um instante pensou em desligar o aparelho e retirar-se do quarto, alias, nem sabia o porquê de ainda está ali. Lembrou-se de como Ian o protegera de Kaio, precisava ser mais amigável, pelo menos por hora.
Resolveu ficar mais um pouco. Foi passando as fotos e contando sobre o momento em que tiraram cada uma. Lizi e Tati estavam tão sorridentes, tão unidas.
- Onde foi essa aqui? – Ian apontou para a imagem. Era a foto que tiraram no início do ano, no parque de diversões. A iluminada roda gigante estava lá no fundo.
Derick contava-lhe sobre o passeio com as amigas (claro que omitindo a parte sobre Lucas), então a porta tornou a ser aberta. Kaio entrou. Não deu confiança para os dois, apenas pegou uma chuteira e tornou a sair. Derick ficou a observá-lo e Ian reparou.
- Não liga pra esse idiota – falou como se soubesse dos antigos sentimentos de Derick.
- Cuide... – Derick ia dar uma má resposta no garoto, mas perdeu a voz quando virou-se e os olhos de ambos se encontraram. Eles ficaram se encarando por uma fração de segundos. O olhar de Ian o atraia como um favo de mel atrai uma abelha.
Ian abriu um sorriso tímido e então desviou o olhar para o visor do celular. – E essa aqui, porque a Lizi tá emburrada? – Ele perguntou.
- Foi por que... por que... – Derick perdeu-se no assunto. “o que há comigo” – pensou –preciso ir – Dirigiu-se rapidamente para a porta, mas sentiu o braço ser puxado.
- Ei, deixou cair isto – Ian o entregou a cartinha azul que Derick se esqueceu de guardar para devolver a Kaio. Ele olhou o objeto por alguns segundos e então prosseguiu,
- É bobagem. Pode jogar fora. – Derick sai e Ian permanece parado com o envelope em mãos. Seu semblante decai, e com todo o cuidado ele guarda o pedacinho de papel dentro da mochila.
Acampamento – Jantar – 4º dia
O tilintar dos talheres preenchia o ambiente barulhento. Derick estava sentado ao lado de Lizi e juntos comiam a galinhada servida naquela noite fria. Ela conversava com o garoto e tinha uma nova “energia”, mesmo entristecida com Tatiane.
Aquela era uma das alterações feitas pelo “Amor”, razão de tanta agitação. Se Lizi tagarelava antes de namorar, imagine agora. “O Mickey gosta disso..., O Mickey pensa assim..., O Mickey... O Mickey...” por um instante Derick sentiu-se na Disney, embora de vez em quando se perdesse em seus pensamentos.
- Derick você está ai? – Lizi para de tagarelar e interrompe os pensamentos do garoto.
- Oi?!! – Ele tenta se situar.
- Em que planeta você estava? – Lizi sorri enquanto leva um pedaço de frango a boca.
- No planeta confusão minha amiga, “no planeta confusão” – Ele apóia os cotovelos sobre a mesa, abaixa a cabeça e fica a remexer o resto da refeição com o garfo. – Você viu a Tati? – pergunta ainda com os pensamentos distantes.
- Está igual a você. Só vai no quarto quando não tem ninguém. – Lizi olha ao longe e sorri quando Michael joga-lhe uma piscadela. Derick levanta a cabeça a vê a cena, achou aquilo bastante fofo, mas, e Lucas? Onde estaria? O garoto sempre sentava junto à turminha de Michael.
- Você reparou que o Lucas machucou a boca? – Derick pergunta afastando o prato para a outra borda da mesa.
- Não – Lizi permanece enfeitiçada olhando para Michael. O grupinho fazia uma guerrinha de comida. – Não tenho o visto – começa a sorrir das molecagens enquanto fala com Derick.
Alguns minutos de silêncio. Derick muda de assunto.
- Estava pensando. E se o Kaio estiver ficando com essa garota só para fazer ciúmes na Tati, ou sei lá, tentar esquecê-la?
- Ann?!! – Lizi não prestara atenção à pergunta.
- Eu disse que... – ele olha para a cara apaixonada da amiga – quer saber – levanta-se – Acho que vou dar uma volta.
Quando se afasta da mesa Lizi levanta e com passinhos apressados o acompanha.
- Ei, espera, eu vou com você – Corre com o mesmo sorrisinho abobalhado no rosto. Não conseguia tirar Michael da cabeça.
Lá fora a lua continuava esplendorosa. O vento soprava, mas não tão forte. Os dois seguiram para a borda da piscina, ninguém banhava, mas havia vários grupinhos conversando por ali. Nem sinal de Tatiane.
- O que você acha do Ian? – A pergunta escapa enquanto caminham pelo gramado.
- Ah. Ele é um fofo. Você e a Tati deveriam conversar mais com ele – Lizi dá alguns pulinhos pela grama. Se Derick não soubesse que aquilo era o “amor” diria que a amiga fumara maconha.
- Eu conversei com ele hoje (e ontem, aliás, ele dormiu comigo). – Derick fala, mas completa em pensamento. Os segredos recomeçariam?!! – Estive pensando (como sempre), acho que ele não pode ser o traficante.
- Eu também não acredito. Mas afinal, porque você achou que era ele? - Com a confusão da noite anterior Derick não esclarecera os motivos.
Eles caminharam pelo gramado de braços dados, o garoto contou-lhe toda a história detalhadamente.
- Puxa magrelo – Lizi solta uma gargalhada, ainda era engraçado saber que os amigos pensaram que ela estivesse se drogando. – Só porque você viu o garoto tomando um comprimido não quer dizer que é um drogado.
Derick dá um sorrisinho sem graça e os dois sentam-se. Permaneceram ali por alguns minutos. Ficaram com raiva ao ver Kaio com a garota da quadra, falaram mal da guria até a língua cansar. Algumas horas depois repararam Ian conversando com vários amigos, dançando hip-hop e por um instante Derick teve a impressão de que o garoto jogou uma piscadela para ele. Não podia continuar na dúvida sobre o garoto, precisava esclarecer isso agora mesmo. Neste instante Michael já estava novamente agarrado com Lizi, Derick era vela já fazia alguns minutos.
Ele levantou-se e retornou ao quarto. Antes de entrar certificou-se de que Lucas não estaria por ali. Sabia do paradeiro de Ian e Kaio, mas quanto a Lucas, como sempre continuava sumido. Abriu a porta, fechou a janela e com um pouco de medo subiu a escadinha do beliche. Com cautela começou a remexer os bolsos da mochila de Ian para encontrar o tal frasco alaranjado que vira na noite anterior.
- Ei, o que está fazendo? – A porta foi aberta bruscamente e Ian entrou irritado ao ver Derick retirando objetos de sua mochila. Tudo leva a crer que o garoto o seguiu e ficou observando pelo buraco da fechadura.
- Eu só estava, só estava... – Derick desce do beliche gaguejando.
- Só estava o que? – Ian ajunta a bagunça e coloca novamente no lugar.
- É que eu, eu... – Derick temeu, não sabia o que falar ou fazer. Ian estava no meio do corredor entre as camas, não tinha como correr.
- O que você estava procurando em? em? – Ian estava visivelmente nervoso.
- Nada Ian. Eu só queria... – Derick estava encurralado.
- Só queria saber se eu era um drogado – Ian completa e Derick não sabe onde enfiar a cara. Agora certamente morreria, pensou. – Você acha que eu não sei de tudo? Acha que não o vi me espionando na noite passada? – Derick gelou. Estaria Ian falando sobre a venda de drogas no escuro perto do cocho dos cavalos?
Derick tenta escapar, mas Ian o puxa de volta ao lugar de onde tentara sair.
- O que você queria achar Derick? O gato comeu sua língua? – o clima estava tenso. Ian puxa outra mochila e retira o mesmo frasquinho que Derick viu noite anterior. – Era isso aqui o motivo do seu medo de mim? – Derick ficou sem graça ao ver o frasco – Você esta com medo de um cara que tem o coração doente?
Um nó sufocou o garoto. Como assim “coração doente”? Seria algo grave?
- Eu, eu... – Derick observa os olhos de Ian – Eu não sabia – Completou muito envergonhado.
- Agora sabe. – Ian completou e em seguida voltou ao beliche para guardar o frasco. Derick aproveitou e saiu às pressas.
Ele seguiu pelo corredor cheio de portas, temia que Ian estivesse ao seu encalço. Quando chegou próximo a escada, olhou para trás, mas não vinha ninguém e ao tornar para frente se esbarrou em cheio com um encapuzado.
- Ai – a pessoa resmungou.
- Desculpa – Só então notou que era a colega escondida pelo capuz da blusa de frio – Tati? – Ele perguntou, mas ela tentou se esquivar para o dormitório feminino.
- Ei, espera ai – Derick a puxou pelo braço e o capuz caiu. A amiga só estava emburrada. – Você está bem?
- Melhor que nunca – Uma coisa que não podemos negar é que quando Tatiane ficava emburrada, não tinha quem fizesse cair-lhe a aparência carrancuda.
- Precisamos terminar a conversa de ontem, eu... – Não deu tempo de terminar, a garota tornou a colocar o capuz e seguiu as pressas para o quarto. É melhor deixar isso para amanhã, Derick pensou e desceu as escadas indo em direção ao seu acampamento particular. Chega de tanta confusão por hoje, ainda bem que amanhã vamos embora – Estava aliviado.
Acampamento – Fim da noite – 4º dia
Derick já estava embalado em seus cobertores e mexia no celular sentindo o vento tocar-lhe o rosto. As árvores balançavam e a noite seria novamente fria, desta vez, tinha dois cobertores para se aquecer. De repente um barulho de passos ecoou dentro da mata e a luminosidade de lanterna clareou o local. O garoto sentou-se e tentou identificar quem se aproximava.
A silhueta sentou junto ao garoto. Estava com uma blusa de frio pesada e touca. Era Ian.
- Porque você tem que ser tão curioso? – Ian perguntou. Parecia não ter levado a briga anterior a sério.
- Me desculpe... – Derick tentou explicar-se mais Ian o interrompeu.
- Não importa. Eu entendo. Quando soube das drogas, também fiquei paranoico – ele sorri.
- Eu não sabia que você estava doente – Derick falou oferecendo-lhe uma parte do cobertor.
- Eu nasci com um probleminha no coração. Desde então tomo remédios – Ian não parecia preocupado com a saúde, já Derick, ao contrário, não conseguia esquecer-se da revelação e só de ouvir a palavra coração, sentia-se emocionado.
- Sabe, eu até acho você legalzinho – tenta mudar de assunto – Tipo, odiei quando roubou meu lugar na sala...
- Os lugares não têm dono – Ian o interrompe e vira-se inesperadamente. Os dois encaram-se por uma fração de minutos até que Ian abre um sorriso iluminado pela lanterna.
- Mas aquele lugar sempre foi MEU – Derick faz vozinha de garoto mimado e em seguida, sem graça, desvia o olhar. – Já agradeci pelo que fez lá na quadra? – procurou um novo assunto. Ambos permaneciam sentados e aquecidos pelos cobertores.
- Ainda não – Ian sorri olhando para além das árvores.
- Então muito obrigado – Derick abre um novo sorriso e estende a mão para cumprimentá-lo.
- Por nada – Ian vira-se lentamente e aperta-lhe a mão. Os dois tornam a se encarar e abrem sorrisinhos tímidos.
- Nossa. Sua mão está congelando – Derick faz a observação – Olha a minha – diz e sem pensar leva uma das mãos ao rosto do garoto, tocando-lhe a bochecha e sentindo uma mecha negra de cabelos encaracolados que caiam por sobre a testa.
Ambos se encaram mais um instante, clareados pela lanterna. Ian levanta a mão e encobre a de Derick, - Realmente, está muito fria – Ele diz. Sem graça os dois se afastam e permanecem em silencio olhando para direções opostas. É possível ouvir o vento nas árvores e o sibilar dos grilos.
- Essa noite vai ser muito fria – Derick exclama.
- Eu tenho café, você quer? – Ian pergunta.
- Com certeza – Derick sorri e se inclina para apanhar a garrafa. Acaba por se embolar nos cobertores, tropeçar sobre os joelhos e cair sobre Ian. Uma gargalhada conjunta enche o local, ela cessa ao perceberem a proximidade entre os rostos e a respiração ofegante e quente que sai pela boca.
- Tudo bem? – Derick torna a abrir um sorrisinho enquanto os olhos de ambos parecem dançar tamanha a proximidade.
- Estou e você? – Ian sente a voz falhar.
A bateria da lanterna fica fraca, pisca rapidamente e em alguns segundos tudo fica escuro.
- Um pouco enrolado – Derick sorri timidamente e então sente o roçar dos narizes. Em meio ao nervosismo afastasse bruscamente, voltando a ficar sentado sobre os joelhos – Desculpe – ele gagueja.
- Eu que peço desculpas – Ian também se senta.
- Mas fui eu quem cai em cima de você – Derick sorri.
- Mas não é por isso – Ian respira fundo.
- Então pelo que? – A conversa já não tinha nexo.
- Por isso - Ian aproxima-se, passa a mão por detrás da cabeça de Derick e o puxa carinhosamente em direção a um beijo quente e aconchegante.
As línguas se enlaçam, ambos estão ofegantes. Derick enfia carinhosamente sua mão pela lateral da touca de Ian, sentindo sua orelha perfeita e afagando seus cachinhos por entre os dedos. Ao tocar no cabelo do garoto um fogo sai de seu coração e o incendeia por completo. Aquele era seu fetiche oculto, os cabelos de anjo do garoto, desde que o conhecera.
Ian o abraça mais forte e os dois deitam-se por sobre a grama coberta. Já não conseguiam reprimir o desejo escondido. A paixão eminente. O clima é quebrado por um sussurro de medo e barulho de passos apressados em direção a eles,
- Derick – A voz ressoa por entre as árvores e os passos pisam fortemente a grama, esbarra-se na garrafa de café, embolasse nos cobertores e então a silhueta cai sobre os dois.
- Tati? – Os garotos se surpreendem quando ligam a lanterna e deparam-se com a garota encapuzada embolada a eles.
- Me viram – ela gagueja nervosa.