Bom dia, nossa que sono, dez horas da manhã e eu sem vontade alguma de acordar, mas fazer o que, um travesseiro tem poucas finalidades e a mais importante está relacionada com o sono... sobre o sono, o reino de Morfeu, imponente e eterno reino da fantasia, sempre me cativou bastante, se bem me lembro, Hugo sempre gostou de ler histórias mitológicas antes de dormir e me fascinei desde o primeiro instante com todas as aventuras dos pequenos seres... ouvir que animais falavam, rios tinham vontade, objetos davam conselho, me fazia sentir mais humano e menos sozinho nesse mundo.
Sou assim, cheio de clichês e empanturrado de frases feitas, mas não contesto o porquê do bicho homem ser feito com cinco dedos em cada mão, ou com ouvidos tão pequenos para um corpo tão grande... Não me critiquem e não critico ninguém, sou assim, um travesseiro embolorado, ressabido e até um pouco mal educado.
Infeliz gota de chuva que teima em pingar em mim, se Hugo estivesse aqui, me tiraria de sua cruel mira com toda certeza. Vil goteira que me deixa todo molhado, a ponto de ficar resfriado. Já vi que amanhã ficarei estendido ao sol, ao menos paquero uma nuvem ou outra, imagina só eu com toda aquela pompa, voando pelo céu azul, todo fofinho, sem risco de me molhar.
Enquanto estou aqui divagando, nos labirintos da fantasia, Hugo levantou cedo e foi se enredar em selvas da realidade no salão de costura. Todo dia sem erro, ele se arrastava debaixo das cobertas azuis marinho, meio sonolento, o cabelo despenteado, com a franja desalinhada, e a velha “espreguiçada” antes de enfim abrir os olhos para o novo dia, ao descer para o chão tocava uma vez com a pontas dos dedos dos pés o chão e recuava devido ao frio para só então achar os chinelos e sentar-se na beirada da cama a esperar a coragem lhe dar incentivo para prosseguir. Meu menino aventureiro, sempre foi aquele menino, e acredito, nunca o veria de outra forma passasse o tempo que fosse.
Ao sentar-se na velha cadeira de rangido estridente em frente à máquina empoeirada de costura, o menino vestia uma máscara invisível de seriedade e compromisso, uma personalidade adulta para um trabalho adulto, mas havia uma coisa que nem toda personalidade criada no mundo esconderia: a sua imaginação. Pelo brilho daquele par de olhos verdes, mundos e mais mundos se escondiam, uma infinidade de vidas revelava o sentimento do menino pela velha máquina empoeirada se sua mãe.
Meu dia-a-dia se resumia a ficar no quarto de Hugo a espera-lo de volta com toda minha fofura para tirar seu estresse, mesmo a divagar por horas e horas nas entrelinhas de seu pensamento, Hugo não conseguia evitar o baque que a pesada rotina lhe dava ao final do dia, o que eu poderia oferecer era uma boa noite de descanso, um lugar para pôr a cabeça e descansar, e chorar quando a intensidade de seus sonhos superasse a máscara da realidade.
Alguns dos momentos mais fantásticos que já presenciei em minha curta existência aconteceram enquanto meu menino chorava, não porque eu gostasse de vê-lo chorar, mas porque sentia prazer em consolá-lo. Cada soluço, cada fungada, me fazia abraça-lo ainda mais, o que me fazia sentir mais perto de me tornar nuvem eram suas lágrimas, carrega-las era como carregar as gotas de chuva, as gotas de chuva mais preciosas do mundo, não gotas doces, mas uma chuva salgada, temperada ao sabor de seus sentimentos.