Três Formas de Amar – Capítulo 40
- Quero que você prometa que vai levar numa boa tudo o que eu vou te falar – ele parecia inquieto – É importante pra mim.
Rodrigo estava visivelmente preocupado e aguardava a minha resposta. Aquilo estava longe de parecer ser um bom sinal. Após um breve silêncio, respondi:
- Beleza, agora conta.
- Você ainda não prometeu – ele retrucou.
- Ok, eu prometo, fala logo! – estava nervoso.
Ele respirou fundo:
- Certo, vamos lá em cima. Assim que você olhar o primeiro apartamento, a gente para pra comer alguma coisa e eu converso com você, certo?
Aquela angústia dentro daquele carro fechado era ainda mais sufocante e estava me tirando do sério. “Que bela maneira de se mudar pra um novo lugar...”, pensei, assentindo com a cabeça para ele.
Rodrigo trancou o carro, atravessamos a rua e seguimos para a portaria de um edifício bem cuidado.
- Eu odeio segredos... – balbuciei um pouco irritado, para mim mesmo.
- Não é nenhum segredo Lu – ele escutou – é só uma conversa mesmo, relaxe.
Apresentamo-nos e abriram o portão. Rodrigo comunicou algo e a caminho do elevador, o porteiro nos chamou atenção:
- Seu Rodrigo, o seu amigo deixou outra chave aqui de um apartamento que vagou, pra você dar uma olhada também.
- Ah, certo. Obrigado.
Aguardávamos o elevador no mais absoluto silêncio. Estava começando a ficar constrangedor. Rodrigo apertou o botão para um dos últimos andares e permaneceu quieto.
- Amigo? – questionei tardiamente.
- Não entendi Lu.
- Um amigo veio deixar uma chave?
- Ah, sim. Um colega da empresa conversou com um corretor conhecido da família e resolveu dar uma força pra gente. Legal da parte deles né?
Respondi com a cabeça novamente, tirando um pouco do seu entusiasmo.
- Os apartamentos devem ser iguais. Você só precisa avaliar o estado deles – ele procurou mudar de assunto – Mas não se prenda a pequenos detalhes. Isso pode ser solucionado com o tempo.
Chegamos, Rodrigo olhou a numeração da chave e pareceu escolher de maneira aleatória.
- Vamos começar por este.
Entrei primeiro e segui. O apartamento estava praticamente oco. A cozinha tinha alguns armários, mas precisaria comprar uma geladeira e fogão se não quisesse morrer de fome. Tinha um espaço legal para uma provável mesa de jantar, que separava os ambientes da sala. Continuei pelo corredor. “Banheiro, ok”, checava tudo que podia, mas sempre procurando manter a expectativa baixa, afinal nada supera a nossa casa. Logo em frente, notei que havia dois cômodos.
- Dois quartos? – perguntei.
- É, só procurei com dois. Imaginei que sua mãe pudesse te visitar, passar uns dias, e você teria uma privacidade maior.
- Ficou traumatizado? – ri, me soltando mais.
Rodrigo sorriu. Um sorriso verdadeiro, desses de mostrar todos os dentes, pela primeira vez desde que saímos do carro.
- Eu não sei se posso pagar por um apartamento de dois quartos – retruquei.
- Está dentro do valor que você me passou. Quando você não tiver visitas, pode fazer de escritório.
Era uma boa ideia realmente, mas não quis dar o braço a torcer. O quarto principal era relativamente espaçoso, com outro banheiro, mas igualmente oco. E precisava de alguns reparos também.
- Se eu escolher esse preciso comprar uma cama imediatamente – ponderei.
- A gente faz isso agora se você preferir.
- Não tenho muita noção de espaço para entender quais móveis cabem nesse ambiente. Mas sinceramente eu gostei do apartamento, o tamanho me surpreendeu se a gente for comparar com o seu... – ele me olhava sério – Sem desmerecer o lugar que você mora, claro.
- Que bom. Ligo pro corretor então?
- Calma. Vamos olhar o outro primeiro.
- Beleza, é o vizinho desse aqui.
Rodrigo abriu a porta, enquanto eu olhava com calma a vizinhança pela janela da sala. Árvores na rua, pouco barulho de carro... Um pouco diferente do que esperaria de São Paulo.
- Vamos Lu! – Rodrigo me acordou.
Atravessamos o hall e ele destrancou a porta, abrindo para mim. Surpreendi-me com a mesma sala melhor equipada. Um sofá, poltronas, mesinha de centro, uma mesa para quatro pessoas logo atrás...
- Esse é mobiliado – escutei atrás de mim.
- E deve ser bem mais caro – concluí.
- Posso perguntar para ele o valor do acréscimo, mas ele me garantiu que tudo estaria de acordo com a estimativa que passei.
Continuei a caminhada e percebi que o dono inverteu os ambientes, utilizando o outro espaço adjacente para uma sala de televisão. “Outra solução inteligente”, pensei. Olhei as paredes rapidamente e tudo parecia em bom estado. Segui pelo corredor, notando o quarto de hóspedes vazio. No cômodo principal, uma cama espaçosa e um armário embutido me deram uma boa noção de como poderia utilizar o espaço do apartamento anterior. Sentei para sentir se era confortável, já com vontade de deitar e tirar um bom cochilo.
- Poderia assinar qualquer contrato agora só para ficar com essa cama.
Rodrigo sorriu novamente, de braços cruzados. Na parede oposta ao armário, algumas estantes mesclavam livros e fotos. Aproximei-me e passei os olhos rapidamente nos títulos, curioso com o estilo de quem morava ali. No primeiro porta-retratos, parei assustado.
- Mas... – olhei rapidamente para trás e Rodrigo continuava sorrindo.
Averiguei todas as outras imagens. Eram fotos da nossa primeira viagem, do jogo de vôlei com o time do Sesi, da nossa ida à Morro de São Paulo e algumas da França.
- Rodrigo, o que é isso?
- Sabe Lu... – ele se aproximou ainda compenetrado – Essas últimas semanas foram uma verdadeira loucura. Muita coisa aconteceu. E apesar de tudo conspirar contra, a gente ainda tá aqui, certo? Não sei você, mas isso pra mim tem que significar algo. Desde que você me avisou que a agência daqui tinha te chamado, eu não consigo parar de pensar em milhões de possibilidades e fiquei muito empolgado.
- Isso não quer dizer que...
- Espera – ele me interrompeu, pedindo silêncio – Eu te trouxe aqui, agora, porque eu precisava dizer que eu tenho planos. E acredite, eu levo os meus planos muito a sério. Mas quero deixar claro que todos eles incluem você. É meio irracional estar no mesmo lugar e continuar distante. Eu não conseguiria não te ver todos os dias, abraçar, beijar... Não ia ter graça.
Estava claramente envergonhado, e ao mesmo tempo muito impressionado.
- Talvez seja meio cedo para isso, e eu sei que acabou sendo uma surpresa, mas eu juro que essa é a última. Não, espera, a última desse ano.
Rimos juntos, enquanto ele abria a minha mão, impaciente:
- Gigante, quer morar comigo? – me entregou uma chave, ansioso.
Eu precisava responder alguma coisa, eu sei. Mas não conseguia. Simplesmente não conseguia. Puxei-o para um abraço apertado e demorado, ainda sem acreditar.
- Eu jamais imaginei que pudesse ter a sorte de encontrar alguém como você – sussurrei no seu ouvido.
Rodrigo afastou a cabeça e os seus olhos brilhavam, ameaçando lacrimejar.
- Eu te amo – prossegui abraçando a sua cintura – Desculpa se eu demorei pra dizer isso, mas sempre esperei uma ocasião especial para falar, e essa é perfeita. No fundo, eu nunca duvidei – encostei minha testa à dele – Você me apresentou uma vida nova, que qualquer pessoa desejaria ter. E me completa, me deixa sem jeito, me diverte, me excita... São tantas coisas. É difícil explicar o que se passa na minha mente, mas eu te amo demais, velho!
Nossos olhares se mantinham fixos um ao outro. Antes que ele ficasse emotivo demais, inclinei a minha cabeça e comecei um beijo lento e caloroso, sentindo o aconchego da barba acobreada que ele deixou crescer só pra mim. Se algo poderia superar aquele momento, eu realmente desconhecia.
...
A cama, enfim, já tinha sido utilizada pela primeira vez, e não foi para dormir. Estávamos abraçados, com as pernas entrelaçadas, e o ruivo não parava de sorrir.
- Porque você pegou a chave do apartamento do lado? – tentei reconstruir o plano dele na mente.
- Fiquei com medo de você sacar tudo antes da hora. Falei com um dos diretores que estava procurando um apartamento maior para morar com o meu companheiro e ele me deu a dica desse prédio. A empresa mantem dois apartamentos alugados porque é muito comum receber pessoas de outros estados para trabalhar lá. Quando eles me efetivaram no cargo, eu já estava morando aqui, por isso não me ofereceram. Expliquei a situação e foi o caminho mais fácil, já que eu só tinha cinco dias pra resolver tudo.
- Mas considerando que eu ainda não respondi à sua pergunta, saiba que eu só vou aceitar se a gente dividir os custos do aluguel e das contas.
- Claro que vamos Lu. Namorados fazem isso, e eu já gastei boa parte das minhas economias comprando os móveis – ele sorriu encabulado.
- Não precisava, vamos dividir tudo isso também. Menos a impressão das fotos, aquilo é um problema seu.
- Engraçadinho...
Ele ensaiou uma sessão de cócegas, fazendo eu me contorcer na cama.
- Foi uma loucura, mas deu tudo certo – prosseguiu - Dei um dinheiro extra para o porteiro por ter me ajudado com a mudança na hora da folga e ele entrou na brincadeira da surpresa a tiracolo.
- Sério, você tem problemas com surpresas – ri – Bastava uma simples conversa para eu ter aceitado.
- Eu perguntei e você negou pelo telefone. No fim das contas, foi bem mais legal assim. Gosto como você fica quando eu te surpreendo.
- Vai ter troco, pode esperar...
- Nem tente, gigante.
- E só por causa das fortes emoções, seu castigo vai ser descer e pegar as minhas malas no carro – frisei - E sem reclamar!
...
Passamos o fim de semana fazendo um reconhecimento minucioso e “inaugurando” todos os ambientes da nova moradia. Na segunda-feira, minha ansiedade foi dando espaço ao acolhimento dos novos colegas de criação da agência. O ritmo era muito louco e nos primeiros dias foi até complicado, mas me divertia com a companhia e as brincadeiras com o meu sotaque. Surpreendi-me bastante com a interação das pessoas. Adoro os paulistas, mas tinha a impressão que a grande maioria era mais fria que os baianos, talvez influenciados pela geografia e estilo de vida. Com o passar das semanas, fui me acostumando e me adaptei rapidamente.
O apartamento foi ganhando novas cores e se moldando ao nosso gosto. O quarto de hóspedes ganhou uma bicama e um pequeno armário, caso alguém da família aparecesse sem aviso prévio. Além disso, compramos uma mesa de escritório grande o suficiente para dois laptops, assim ambos teriam espaço para eventuais trabalhos.
Vez ou outra rolava um estresse com volume da televisão ou roupa suja espalhada pela casa, mas nada fora do normal. Na verdade, assistir Rodrigo levantar pelado todas as manhãs, exibindo aquela bundinha a caminho do banheiro, ou ser presenteado com jantares toda vez que ele chegava mais cedo, fazia tudo valer a pena. Com o tempo, entendemos as nossas individualidades e o respeito era mútuo.
Aos poucos, passamos a nos enturmar melhor com conhecidos do trabalho (não, sem mulheres psicóticas querendo transar), conhecemos um grupo que organizava partidas de vôlei no Ibirapuera e saíamos sempre que possível. Nada muito fora do habitual, já que ainda estávamos buscando uma maior estabilidade financeira. Era um novo cotidiano a dois que estava se saindo melhor do que a minha imaginação e fazia a nossa relação andar a passos largos.
...
Meses depois:
Malu abriu a porta apressada:
- Mãe, eles chegaram!
Dona Marta veio animada nos recepcionar:
- Ah, finalmente. Já estava achando que o avião tinha levado vocês para outro lugar!
Chegamos cedo ao aeroporto de Belo Horizonte, mas ficamos aguardando o voo de minha mãe para seguirmos juntos. Rodrigo, enfim, estava cumprindo a promessa de trazer a sogra para conhecer a sua família. Não bastasse a apreensão desse encontro, seria o nosso primeiro natal, com todos reunidos.
- Mãe, essa é a Catarina, a mãe do Luciano.
- Seja bem-vinda, desculpe a bagunça. Tô toda desarrumada aprontando o almoço e a ceia ao mesmo tempo.
- Desculpe eu o incômodo – elas se abraçaram – Acho melhor eu te ajudar – ela se prontificou.
Eu e Rodrigo trocávamos olhares, estudando as reações de ambas. As matriarcas seguiram conversando para a cozinha e não demoramos em escutar risadas vindas de lá. Malu também estava empolgada com a visita:
- Finalmente gente jovem na minha vida, eu já estava morrendo de tédio. Odeio férias de fim de ano!
Rimos os três e ficamos colocando diversos assuntos em dia.
- Quero só ver pra onde você vai me levar, cunhadinha – desafiei.
- Cunhadinho querido – ela entrou na brincadeira – Sinto lhe informar que nada vai superar um fim de semana em Morro de São Paulo, mas prometo que visitaremos lugares bem legais.
Arrumamos a mesa, enquanto Dona Marta levava minha mãe para conhecer a casa e o quarto intacto do Rodrigo, o seu maior troféu. Eu já conhecia aquela procissão, achei melhor não interferir. Arrumamos as bagagens – minha mãe ficaria com o quarto da minha cunhada, que dormiria alguns dias com a minha sogra, e eu e o ruivo ficaríamos no seu reduto adolescente – e sentamos para almoçar.
O papo estava descontraído. Minha mãe ficou contando sobre a sua vida no interior, atualizamos todos sobre a nossa rotina em São Paulo e Dona Marta, como sempre, ficava fazendo piadas de tudo, me fazendo lembrar quando a conheci. Movidos pelo cansaço, tiramos um bom cochilo pela tarde. Pensei em levar minha mãe para dar um passeio, mas sabia que os lugares estariam cheios com pessoas neuróticas comprando presentes e organizando coisas de última hora. Levantei mais cedo e aproveitei a soneca generalizada para colocar os meus presentes embaixo da árvore de natal que estava em um canto da sala. Fiquei assistindo um filme na televisão e não demorou muito para Malu se juntar a mim.
Quando anoiteceu, o cheiro do peru assando no forno já era evidente. Todos já estavam arrumados e animados com a ceia.
- Luciano, meu filho, nossa ceia aqui se adapta a quem vem jantar com a gente. Por isso nesse ano a entrada é especial pra você – a mãe de Rodrigo se aproximava – Você e sua mãe.
Recebi uma pequena cesta de pão de queijo, quentinha, me deixando com água na boca.
- Uau. Obrigado Dona Marta! O Guinho nunca fez isso por mim – fiz uma careta triste para ele, caçoando.
- Mas que desalmado! – ela bateu com o pano de prato na sua barriga - Não se anima muito não que ainda tem a sobremesa especial, com doce de leite caseiro – ela riu.
-Nossa, não faz isso comigo!
- Ela quis dizer para você ser educado e não devorar o pão de queijo todo – o ruivo bateu nos meus ombros, rebatendo.
Sentamos todos à mesa e começamos a comer, enquanto Rodrigo servia vinho nas taças organizadas cuidadosamente ao lado dos pratos.
- Bom – ele terminou o processo meticuloso – Queria aproveitar que todos já estão com os copos na mão e agradecer a visita da Dona Catarina e seu honrado filho para o nosso humilde Natal – ele sorriu – e dizer que foi muito importante ter reunido as pessoas mais importantes da minha vida aqui hoje. Então, à nossa família! Que ela cresça cada vez mais!
Brindamos juntos e minha mãe agradeceu o convite, dizendo que no ano seguinte eles seriam os convidados dela e não aceitaria nenhuma negativa. Tiramos fotos, nos esbaldamos e a noite prosseguia perfeita. Na hora da sobremesa, ainda saboreava outro copo de doce de leite, enquanto todos já se interessavam pelos presentes. Rodrigo evitava me olhar para não ficar relembrando outras ocasiões, me fazendo rir mais ainda, sem que ninguém entendesse ao certo o motivo.
- Olha só, tem até presente do cunhado – Malu gargalhava, caçando seu nome nas embalagens.
- É uma lembrancinha pra vocês. Espero que gostem.
Dona Catarina também voltou do quarto, cheia de pacotes na mão. Trocamos presentes cheios de discursos entusiasmados, nossas mães foram descansar e ficamos arrumando a cozinha, como havíamos prometido. Já de madrugada, me ajeitava no colchão ao lado da cama de Rodrigo, quando ele levantou o cobertor:
- Vem, dorme aqui comigo – me chamou para a cama.
- Não mesmo. Estamos na casa de sua mãe e é capaz dessa cama de criança desabar com a gente – ri.
- Não é cama de criança seu besta, e sua mãe já viu coisa muito pior. Vem logo!
Dei-me por vencido e me aninhei ao seu lado. Ele me abraçou e ficamos agarrados de conchinha - até porque era o máximo que aquele móvel permitia - sentindo um calor gostoso.
- Foi uma noite legal né? Acho que nossas mães se deram bem – cochichei.
- Foi lindo. Você já é o queridinho da minha velha. Isso vai ser um problema dos grandes.
- Não mais do que você da minha, tramando juntos planos mirabolantes – disse arrancando uma risada dele, para logo depois ficar em silêncio.
- Lu? – ele sussurrou.
- Hum – respondi balbuciando.
- Obrigado por fazer parte disso – disse me dando um beijo no ombro e me puxando para colar ainda mais os nossos corpos.
“É, acho que fui mesmo um bom menino esse ano...”, sorri em silêncio. Estávamos começando a criar as nossas próprias tradições.
...
Mais alguns meses depois:
- Então, resumindo, foi isso que aconteceu.
- Resumindo? Luciano, você poderia escrever um livro com essa história. Sorte a sua que essa visita é extraoficial. Sabe quanto tempo tem que você não para de falar? – Paula gargalhava.
Acompanhei a sua animação. Consegui, enfim, impressionar a minha psicóloga.
- Então vocês estão juntos até hoje...
- Estamos.
- Isso é maravilhoso. Estou muito orgulhosa. Claro que quando falei para você enfrentar os seus medos não quis dizer que precisava enfrentar situações de perigo para ser o herói da história. Mas mesmo assim, fico feliz que você tenha ido em frente. Significa que eu fiz a minha parte e você fez o dever de casa!
Fiquei envergonhado com o elogio, mas soube disfarçar bem.
- Acho que vou te dispensar rapazinho, mas ai de você que não venha me fazer uma visita de vez em quando. Te pedi quinze dias da última vez, e você só me aparece hoje, no meio de um feriado!
- Eu sei Paulinha, foi mal. Mas como você viu, era muita coisa acontecendo. Prometo que venho te ver mais vezes.
- Não, não prometa nada! Vá viver a sua vida, Luciano! Curta muito, namore muito e viva tudo o que a sua timidez não deixou. Isso é o que você tem que fazer.
- Eu sei – sorri encabulado – Obrigado por tudo.
- Vem cá me dar um abraço.
Levantei-me ao seu encontro e após um longo afago, me despedi da minha segunda mãe.
- É melhor eu ir, já deve ter horas que ele está aí fora me esperando.
- Ele está aqui? – ela se espantou.
- Tá, na recepção.
Paula abriu a porta curiosa, chamando a atenção de Rodrigo, que lia uma revista.
- Nossa, mas ele é muito alto.
- É sim – ri daquela situação.
Rodrigo se levantou para cumprimenta-la.
- É um prazer conhecer o outro lado dessa história aqui – apontou para mim.
- O prazer é meu – ele sorriu, ecoando aquela voz grossa pela sala.
- Meninos, cuidem-se e sejam felizes viu? Luciano mande um beijo para sua mãe e não me apareça com problemas menores do que os que você já viveu. Entendeu o recado né?
Rimos os três e segui para a saída.
- E aí, como foi? – o motivo da minha visita puxou assunto, enquanto já caminhávamos pela calçada.
- Foi legal, bem legal. Acho que eu recebi alta, se é possível falar isso.
- Olha só, todo seguro de si – ele brincou, abrindo a porta do carro.
Aproveitamos a calmaria pós-carnaval em Salvador na quarta-feira de cinzas para matar a saudade do pessoal, e participar de alguns eventos com eles. Saímos do consultório que funcionava na casa de Paula e fomos ao shopping almoçar. A cidade parecia um deserto, tamanho marasmo. Liguei para Antônio, para ele se juntar a nós, mas soube que ele estava de férias em Aracaju. Conversando rapidamente, ele me confidenciou que tinha terminado o namoro com Bruno e saiu da agência. Preferi não perguntar os motivos e lamentei, mas ele ficou feliz de escutar a minha voz e disse que marcaria algo em São Paulo com a gente.
Na praça de alimentação, era possível escutar o burburinho da folia, nas mesas cheias de turistas remanescentes na cidade. Escolhemos um restaurante japonês mais tranquilo para matar a fome e a caminho da mesa, empaquei assustado. Rodrigo parou logo atrás, sem entender. Era uma daquelas situações onde não dá para mudar o caminho ou fingir que não viu a pessoa. Respirei calmamente, e continuei a andar de encontro a ela, que vinha no sentido oposto:
- Oi Luiza! – estendi a mão.
- Luciano! – ela se surpreendeu ao perceber que a reconheci – Como você vai? – respondeu a cortesia, também acompanhada de outro homem.
- Tudo ótimo, e você?
- Muito bem, obrigada. Esse é o Sérgio, meu namorado – o rapaz simpático também nos cumprimentou – Sérgio, esse é o Luciano e o Rodrigo, meus amigos.
- Prazer – respondi – Estão aproveitando o feriado para passear?
- Estou morando em Maceió agora, Lu – ela se adiantou – Ele é de lá e resolvi traze-lo para conhecer o carnaval da cidade.
- Ah, que legal. Espero que tenha gostado – ele respondeu com um sorriso afirmativo, enquanto Rodrigo parecia sério – Bom, vamos sentar para não perder a mesa. Aproveitem a viagem!
- Vocês também – ela respondeu, seguindo o seu caminho.
Acenei brevemente e continuamos a andar. Sentei-me na cadeira ainda achando aquela situação um tanto bizarra, fria e estranha. Rodrigo permanecia me encarando, como se buscasse alguma reação. Assim que o garçom trouxe os cardápios, percebi que Luiza voltava à nossa mesa, sozinha:
- Desculpem a intromissão, e não precisam responder nada – ela parecia bastante envergonhada – Eu só queria dizer que espero que vocês estejam juntos, e torço muito por isso. Percebi que o que fiz foi errado depois de muito tempo e sei que isso não tem perdão. Mas ainda assim, peço desculpas. Por toda aquela confusão, por todo o mal que eu causei. Eu não sou assim...
- Luiza, já passou. Esquece isso – interrompi.
- Eu sei, eu sei. Eu nunca imaginei que fosse ver você, vocês – ela corrigiu – novamente, e sempre ensaiei na minha cabeça dizer isso algum dia. Então entendi que era uma oportunidade única.
- Tudo bem, acho que todos nós aprendemos muito com isso – olhei de relance para Rodrigo, que mantinha uma feição sisuda.
- Aprendemos sim. Eu aprendi muito. Tô muito feliz hoje, em um novo lugar, com uma nova pessoa... Espero que também estejam, de verdade – ela parecia emocionada - É isso, não quero mais atrapalhar o almoço de vocês.
Levantei-me e dei um abraço nela, sorrindo. Como se sentindo uma intrusa, ela se despediu rapidamente e seguiu apressada ao encontro do namorado, que esperava na entrada do restaurante. Voltei a sentar e respirei fundo.
- Você tá bem? – Rodrigo me fitou.
- Acho que sim, tô me sentindo como se tivesse me livrado de um grande peso, sabe? Como se tivesse virado de vez essa página.
- Isso é bom. Perdoar é bom – ele disse cauteloso.
- Calma Zé Sarda! Não vou convidar eles para jantarem com a gente, relaxe.
- Não mesmo – ele riu – E ainda bem que ela tá morando em outro estado, bem longe daqui. Fiquei preocupado de você acabar falando que estava trabalhando em São Paulo. Aí sim você ia me ver zangado.
- Não, jamais faria isso. Aprendi a não abrir a minha vida para quem não interessa – ponderei.
- Mas só por prevenção, comprarei um pouco de sal grosso para deixar na entrada de casa.
O humor negro imperou no recinto e não escondi o riso, enquanto ele voltava a olhar para o cardápio.
...
No sábado, chegamos cedo à igreja para o batizado de Pedro, o filho de Sílvia e Beto. Só conhecia o meu afilhado por fotos, e passei boa parte da manhã enchendo-o de mimos e paparicos.
- Fala a verdade, ele não é a minha cara? – Beto estava cheio de si.
- Não, graças a Deus ele é a cara da mãe – Rodrigo não perdeu a oportunidade, também encantado com aquele pedacinho de gente.
A cerimônia foi bem tranquila. Uma prima de Sílvia seria a madrinha e em nenhum momento Pedro ficou chorando, nem quando molharam a sua cabeça, estava bem sossegado. No fim da missa, seguimos para um almoço na casa dos dois, onde a turma do vôlei estava toda reunida. Ricardo me contou que ficamos com o terceiro lugar nas regionais, o que me animou muito. Era impossível não relembrar algumas partidas clássicas e combinamos de juntar todo o time oficial para matar a saudade das quadras na manhã do domingo seguinte.
A tarde avançava e o salão de festas começou a esvaziar aos poucos. Sílvia estava cansada, entre amamentar, averiguar se tudo estava organizado e conversar com os convidados restantes. Ajudei no que podia e não perdia a oportunidade de segurar Pedro no colo, mesmo que estivesse dormindo. Rodrigo estava se despedindo de Luís e logo veio se juntar a mim na mesa.
- Seu braço não fica dormente? – ele se mostrou preocupado.
- Não, ele é levinho. Dá até pra segurar com um braço só.
Ele ficou me olhando, admirado, percebendo o sono pesado da criança.
- Já pensou como vai ser quando a gente tiver um guri também?
Olhei espantado para ele.
- Relaxe aí que ainda vai demorar – ri – Deixe o gurizão que eu tenho em casa crescer mais que a gente pensa a respeito.
Ele riu desajeitado, completando:
- Quem sabe um dia. Vai que a gente adota um ruivinho?
- Ou uma ruivinha, nunca se sabe.
Por um breve instante, me peguei imaginando Rodrigo já fazendo planos para ser pai, e resolvi colocar outro assunto na conversa:
- Digo, aproveitando que estamos a sós... Pega um negócio aqui no bolso da minha camisa que está me incomodando pra caramba.
Rodrigo se aproximou cheio de dedos, preocupado em não acordar o bebê, e puxou um envelope.
- O que é isso? – ele não escondia a curiosidade.
- Eu não te falei? Foi mal, olha aí.
Rodrigo abriu e retirou um papel, lendo tudo atentamente. Era uma confirmação de viagem para Florença, na Itália, e ingressos para as três últimas rodadas da Liga Mundial de Vôlei.
- Você tá de brincadeira... – ele colocou a mão na boca, espantado – É sério isso?
- Eu te falei que ia ter volta – sorri sarcasticamente – Nada contra levar o namorado para assistir jogos regionais, mas convenhamos, isso é coisa de amador.
- Achei que tínhamos feito uma promessa sobre surpresas – ele gargalhava – Ok, por essa eu não esperava. Obrigado, Lu.
- Achei que tinha dito para você não me desafiar, Senhor Esperteza. Ia te dar daqui a algumas semanas, mas preferi adiantar o presente de namoro.
- É, parece que alguém colocou as peças de volta ao tabuleiro.
- E sem pedir a ajuda da mãe – pisquei para ele, vitorioso.
- Tudo bem Luciano, tudo bem... Agora me responda uma coisa – ele também colocou a mão no bolso da camisa, me olhando seriamente – Você por acaso já ouviu falar em contra-ataque imediato?
E segurou uma aliança com a ponta dos dedos, apontando na minha direção, com aquele sorriso contagiante que enchia os meus dias de vermelho.
(Fim)
...
Sobre o conto e a história:
E aqui estamos. Pra falar a verdade, jamais imaginaria escrever quarenta capítulos. Sério. Quando comecei, minha ideia era fluir mais a escrita e utilizar uma ferramenta do meu cotidiano como um passatempo. De repente me vi planejando capítulos, construindo um esqueleto para a história que queria contar, vendo o que funcionava e o que não fazia sentido. Sei que tenho muito a melhorar, mas não pretendia exercer requintes na linguagem ou rigor gramatical. Confesso que me diverti pra caramba, e vocês tem uma boa parcela de culpa nisso. Acabei levando mais tempo do que imaginava, é verdade, mas consegui.
Sobre o título da história, uma dúvida recorrente nos comentários, admito que ele passou a ser dúbio à medida que a trama avançava. Tive a ideia depois de assistir o filme “Três Formas de Amar”, como alguém deixou registrado por aqui (não lembro o nome, mas vou pesquisar o usuário). Nele, uma garota era obrigada a dividir o quarto na universidade com outros dois homens por causa de um engano no registro da matrícula. Curiosamente, um deles era gay, formando um triângulo amoroso diferente. A imagem do cara que era afim da menina que era afim do cara, que por sua vez era afim do outro cara (ufa!) me remeteu imediatamente à minha história. Conforme escrevia, porém, achei que o título perdeu um pouco o sentido. Mas agora prefiro acreditar que se tratava de outras distinções: o amor que se descobre, e se abre para o novo; o amor doentio, que machuca e passa por cima de tudo para se alimentar do seu egoísmo; e o amor que enfrenta qualquer adversidade, que cai e levanta para vencer (enfim, as três formas).
Aproveitando, por mais clichê que possa parecer (e é um pouco mesmo), sou do time dos românticos e acredito muito mesmo no ato de amar. Por sorte (sorte de principiante, veja só!), até hoje amo a primeira pessoa que realmente me apaixonei e isso é um dos maiores presentes que a vida me deu.
No mais, posso dizer que 90% da história é real, por mais surreal que ela possa parecer. Sim, dormia com uma colega de trabalho, que também dormia com um cara que conheci posteriormente e acabamos participando de um ménage meio acidental. Sim, ela surtou, nos ameaçou e foi tudo essa grande loucura. Depois do encontro no shopping em Salvador, nunca mais tive nenhuma notícia dela. Boa parte dos nomes foi modificada, por uma óbvia questão de privacidade. Algumas pessoas também alardearam que as coisas aconteceram muito depressa, mas precisava dar um ritmo ficcional à história. É claro que não me apaixonei em uma semana, ou fui demitido em três dias. Tudo transcorreu ao longo de anos e chegamos a ser chantageados durante meses, mas não dava pra ficar enrolando e citando passagens de tempo a todo o momento, creio que ficaria maçante demais. No fim, como vocês viram, deu tudo certo. Ah, e só para confirmar, o ruivo tem mesmo problema com surpresas, meu deus do céu! Para todos aqueles que se preocuparam, estamos bem sim, obrigado. E não, ainda não nos casamos, apesar da aliança no dedo e do bom tempo que já moramos juntos. Quer dizer, acho que isso já é praticamente um matrimônio, né?
...
Pessoal, eu queria muito, muito mesmo, agradecer a todos que comentaram, em especial a Docinho, Irish, Isabela^^, MarceloVeloz (ri demais lendo o seu comentário do capítulo 39), B Vic Vitorini, Talys, KaduNascimento, Drica Telles, Geomateus, Wyllia Paes, Marcos Roger, Ru/Ruanito, Joseph67, Stylo, Smashing Girl, Guido RJ (vê se aparece cara!), Layla55, Indeciso, Mistick, Plutão, Anjo Apaixonado, Adess, Guigo1, Karlinha Angel, The Vinny, Danadinha Boua, Gato PEBR, O Autor K, Favo, Beufort, Frãn*-*, Juninho Play, €$, Alfonsotico, Enailil, Pablo Rick, Mr Luc e Guininho, que participaram ativamente ou sempre que possível, opinaram e elogiaram ao longo dessa jornada. Foi uma experiência única, e me empolgou demais, de verdade. Confesso que já engatilhei três outras sinopses e já estou escrevendo uma delas para publicar aqui (todas 100% ficcionais dessa vez), mas divulgarei quando tiver uma frente de capítulos maior, para não deixar ninguém na mão, certo? É isso, compartilhei uma parte diferente da minha vida e recebi os olhos atentos de vocês em troca. Valeu! Até a próxima!