O dia estava clareando. Acordei com o canto animado dos passarinhos que viviam no vão do telhado sobre a janela do meu quarto.
Apesar do meu mau humor comum ao despertar, naquele dia eu sorri. Era a manhã do dia da minha formatura. Eu estava muito feliz. Não apenas pelo fato de estar me formando com louvor em um curso que eu amava, mas também por haver conseguido uma bolsa para realizar a minha pós graduação já a nível de mestrado, uma façanha que poucos conseguiram. Como bônus eu ainda teria a grande vantagem de poder continuar a trabalhar ao lado de Leonardo, o grande amor da minha vida. Aliás a principal razão do meu sorriso na quela manhã, era saber que ele estaria lá com meus outros amigos e minha família para me prestigiar.
Eu estava sentado no terraço navegando com o meu Ipad quando o telefone tocou.
Era Durval. O mordomo dos meus pais. Devia estar ligando para informar o horário da chegada deles.
-Sr. Tomás?
-Diga Durval. A que horas eles chegam.
-Lamento ser eu a lhe dar esta notícia Sr. Tomás. disse Durval em seu habitual modo dramático de dizer coisas simples. O que mesmo eu sabendo ser teatro, sempre me deixava nervoso.
-Diga logo Durval.
-Bom, o Sr e a Senhora Levy não vão poder comparecer a sua formatura hoje, porque eles foram convidados ao casamento de um conhecido.
Esta foi a gota d'água em um mar de decepção de toda uma vida em relação ao meu pai e sua esposa. Será que eles não poderiam ao menos fingir que se importavam comigo?
-E o meu pai não poderia ao menos ter tido a consideração de dizer que a formatura de seu único filho é menos importante que o casamento de um conhecido qualquer?
-Lamento Sr. Tomás. Permita me congratular lhe pela ocasião. O senhor tem todo o meu respeito e apreço.
- obrigada Durval dizendo isso desliguei o telefone.
Apertei o número de chamada para o meu pai.Nada. Fora de área.
Resolvi então, pela primeira vez na vida usar o número que eu tinha daquela cadela.
-Alô! Atendeu a voz irritante da minha madrasta.
-Por que vocês não me informaram antes que não viriam. Será que meu pai acha tão insignificante assim ter o seu único filho se formando com louvor na Universidade mais importante do país?
-Ah! é você. Pare de agir com cobranças infantis Tomás. O mundo não gira ao redor do seu umbigo repazinho insolente.
-E quer saber de uma coisa Tomás? Você tem razão. Ser formado em uma grande instituição deve valer algo. Então a partir de hoje Estamos suspendendo todo e qualquer apoio financeiro para você. Considere isso um extímulo e incentivo para a sua independência. Um verdadeiro presente de formatura, não é mesmo?
-Dizendo isso ela desligou o telefone.
Quando eu acreditava não haver nada mais que pudesse me chocar da parte dos meus pais eles me surpreendiam novamente.
-Eu os odiava por isso. - Lágrimas de raiva inundaram o meu rosto. Raiva por passar toda uma vida buscando a aprovação desses dois.
Tudo bem. Se era isso o que eles queriam. Era isso que eles iriam ter. A partir daquele minuto o meu pai e à minha madrasta estavam ambos mortos para mim.
Eu era jovem, com saúde, inteligente e com um diploma universitário que estaria em poucas horas na minha mão.
Eles não sabiam da bolsa do mestrado, mas era boa o bastante para me sustentar por mais três anos. Embora eu teria que começar com algumas economias. A primeira delas seria trocar a caminhonete por um carro mais econômico.
Decisão tomada comecei a me aprontar para a cerimônia de formatura. Não seriam esses dois miseráveis que iriam ofuscar o meu dia.
A cerimônia transcorreu muito bem. Não pude deixar de sorrir quando ao receber o meu diploma ouvi a voz de meus amigos e principalmente a de Leonardo, gritando em comemoração. Ele estava lindo de pé no meio de todos em suas calça e camisa social pretas. Virei para ele e acenei com meu canudo. Ele retribuiu com seu sorriso lindo mostrando covinhas. Meu estômago se encheu com borboletas voando.
Na saida da cerimônia eu fui procurar por ele. Mas cheguei apenas a tempo de ver Benedito saindo de dentro do estacionamento em frente ao centro de convenções.
Não consegui disfarçar toda a minha decepção.
Eu estava tão esperançoso que hoje pudesse acontecer algo a mais. Algum tipo de aproximação.
Eu chutava pedrinhas no chão tentando conter as minhas lágrimas que teimavam em querer cair.
Por trás senti uma mão apertando o meu ombro enquanto me puxava para um abraço.
- Ele não vai demorar muito mais para ceder. Tenha um pouco mais de paciência meu amigo.
Daniel falou em meu ouvido beijando a ponta da minha orelha.
Um calafrio agradável percorreu todo o meu corpo.
Eu amava o cheiro daquele homem.
- Parabéns meu amigo! Eu não poderia deixar de vir lhe dar o meu abraço.
Nos braçamos novamente.
-Eu te amo Dani! Vou sentir sua falta.
-Eu também te amo Tomás!
Dizendo isto ele me deu um demorado beijo que eu retribuí com a mesma paixão. Eu tenho que ir Tomás. Tenho que correr para o check in.
Nos separamos com sensação enorme de perda. Ele virou em direção ao carro que o guardava dizendo:
- A gente vai se falando.
Entrou no carro e partiu.
Alice e Bilóca, que observavam tudo de um lugar próximo, se uniram a mim em acenos de despedida.
Elas me abraçavam me dando os seus cumprimentos quando um senhor grisalho de voz grave que eu reconheci da minha infância se aproximou estendendo a mão e dizendo:
-Senhor Tomás, meus parabéns por sua formatura. O senhor não imagina com quanta ansiedade eu aguardava por este dia e finalmente pelo nosso reencontro.
-Senhor Sebastião! Que surpresa.
Quase não contive o riso quando Bilóca apertou o meu braço em uma solicitação silenciosa para que eu lhe apresentasse ao senhor elegante que estava de pé diante de nós.
-Deixe que eu apresente ao senhor estas duas lindas senhoritas. Eu disse com proposital cerimonia.
Após a troca de algumas palavras agradáveis onde o senhor Sebastião deixou claro o seu apreço pelas damas.
Ele solicitou uma conversa particular comigo no estacionamento.
Chegando lá ele me estendeu a pasta negra que trazia na mão esquerda dizendo:
-O seu avô, antes de morrer, pediu que eu lhe entregasse esta pasta no dia em que você se formasse na faculdade, logo após a cerimônia de formatura. E como o senhor pode ver eu estou aqui cumprindo, em uma missão oficial, o último desejo de seu avô. Leia todo o conteúdo do que há nesta pasta com atenção e entre em contato comigo assim que houver concluído.
Você verá que temos muito a tratar.
Neste momento o meu telefone deu um aviso de que havia uma mensagem. Pedi licença para o senhor Sebastião, abrir o aparelho e li o que estava escrito:
"Dizem que quando você repete uma coisa na mesma data e hora no ano seguinte é por que já virou uma tradição. Vamos criar a nossa hoje? Porque eu não sei se vou conseguir ficar nem mais um minuto deste maudito ano sem o meu amor."
Quando a compreensão do significado da mensagem me atingiu eu me despedi apressadamente do senhor Sebastião e saí correndo em direçao ao meu carro. Dei partida e dirigi o mais rápido possível para o mesmo lugar onde neste mesmo minuto há um ano atrás estávamos eu e Leonardo.
***
Após nosso reencontro onde eu e Leonardo fizemos muito amor e celebrarmos a nossa união em um cerimônia de casamento muito... "íntima".
Eu finalmente abri a pasta negra.
Não encontro palavras para dizer o tamanho da minha surpresa.
Eu sabia que meu avô era bem de vida, mas rico? Aliás pelos valores no balanço final do obtuário, rico ou milionário não eram os adjetivos mais adequados e sim bilionário.
Apesar de ser o único neto do meu avô eu nunca questionei a existência de uma herança. Conclui que se ela existisse já deveriam haver me informado.
E meu pai? Porque será que ele nunca mencionou nada? Será que ele não sabia?
- Quero ver a cara da piranha da sua madrasta quando ela descobrir isso.
Leonardo falou me olhando com um sorriso perverso no rosto.
A ideia de poder jogar na cara de Marli que eu tinha mais dinheiro do que ela jamais sonhou em poder possuir na vida, me encheu com um prazer tão perverso, quanto o sorriso de Leonardo. Eu e meu marido estavamos nos tornando meninos muito maus.
Havia uma carta com lacre.
Era do meu avô para mim.
aproximando as velas abri e comecei a ler.
"Meu querido e único neto, Tomás.
Se você acabou de receber esta carta, é porque hoje é o dia da sua formatura na faculdade e com certeza eu já não estou mais por aqui.
Gostaria de ter ficado vivo para poder estar aí com você neste momento que me traz tanto orgulho e ver você ser o primeiro Schneider em três gerações a conquistar um diploma universitário. Você nos honra e se torna digno de receber o nosso nome e a fortuna que construímos a partir de muito sacrifício de membros da nossa família que já não estão entre nós.
Você sempre provou ser uma criança determinada generosa e de inteligência superior a todas as outras. Nunca tive a menor dúvida de que você seria uma grande fonte de orgulho para nós.
Sua avó, se ainda estiver viva, se irgulhará de você também. Assim como sua mãe, com toda a certeza.
A razão pela qual resolvi escrever esta carta é para esclarecer um fato muito importante da sua vida. Ele diz respeito às condições que circundaram o seu nascimento.
Sua mãe na estupidez que só possuem as garotas quando estão na adolescência.
Teve uma relação amorosa com um homem casado, amigo da família e membro importánte da nossa comunidade, chamado Tiago Weiss. E como se isso não bastasse fez a tolice de engravidar deste homem. Para evitar o que seria um escândalo maior em meio ao nosso círculo social, cometi a estupidez, que só um pai desesperado seria capaz. Convenci Elias Levy, que como você agora sabe não é o seu pai biológico, a assumir a sua paternidade em troca de um casamento vantajoso com a sua mãe, ele passaria de um funcionário sem muita importância, ao presidente de faixada de uma das empresas da família, recebendo em troca por sua descrição uma renda vitalícia bastante satisfatória e o usufruto de determinados bens da família que estariam à disposição do casal.
Ele foi escolhido por sua pouca inteligência e capacidade limitada para compreender o quão desvantajoso seria este acordo para ele. Já que ele pode ser quebrado a qualquer momento.
Meu querido neto. Eu tenho plena consciência de que dinheiro não é tudo, mas não vamos nos enganar dizendo que ele não compense algumas coisas não é mesmo?
Você é um homem adulto agora. Saberá com certeza tomar decisões sobre o que fazer, ou não fazer a respeito dessas informações novas.
Me perdoe se no decorrer da sua vida, em alguns momentos ficou provado que as minhas decisões não foram as que mais te favoreceram.
Sem mais
Seu orgulhoso avô,
Samuel Schneider"
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CONTINUA
Resposta aos comentarios do capítulo anterior:
isabela^^ Obrigado pelo elogio e delicadeza das palvras!Você é mais que bem vinda!
Blacksheep Obrigado pelas palavras tão gentis!Eu também gosto muito dos contos do Mysterion. São todos ótimos e muito bem escritos.(Sempre gatos gostosos na terra da barbolândia rsss.) Um dia passo por lá e peço pra ele dar uma olhadinha no meu.
M(a)rcelo A tua idéia de o Tomás estar agora com outra pessoa é bastante interessante. Ia dar mais um frio daqueles no estômago. Só nem quero imaginar como é que eu ia desencaroçar este angú. ;-) Que bom que você gostou do desenrolar da história. Moral, moral não vaiter não. É só mesmo um questionamento que as vezes eu me faço e estou colocando aqui através do conto.
Amon ❤️
Rapaz. .. E não é que parece que eles estão pensando mesmo igual a você? rssss!
Lipe*-*
Apesar de ser autor do conto e estar pondo em questionamento o assunto, eu também tenho a mesma dificuldade que você quando a coisa acontece na vida real. Mas não deixo de me questionar se ñ passa de uma valorização romântica de algo que talvez não tenha exatamente o peso que damos.
cintiacenteno
Obrigado por estar sempre presente e fiel escudeira. Valeu linda!
Guininho
Brigadão lindo!
Sheilinh@
Legal o seu ponto de vista! Gostei da sua frase:" As vezes nos prendemos demais nos conceitos aceitáveis da sociedade ao invés de nos a termos ao que ou quem realmente nos faz feliz " Obrigado pela gentileza!
Aos demais leitores faço um apelo.Saiam do armário do anonimato!Eu vou adorar saber o que vocês estão achando.Mas se preferirem não dar opinião, tranquilo. Basta colocar três pontinhos (...) nos comentários e dêem sua nota. Ou vice e versa. Já será bastante eloquente.
Obrigado a todos!
Beijos!
Amanhã tem mais.
