Voltei pra casa ao lado do JP no carro, mas a impressão que eu tinha era a de que estava completamente sozinho, não trocamos nenhuma palavra durante todo o percurso mesmo tendo sido uma noite muito agradável, algo tinha acontecido, ou não né, ele poderia muito bem ter se dado conta, de que se não tivesse ninguém por perto ele poderia voltar a me tratar com indiferença como sempre, o objetivo dele era o de vender a imagem de casal feliz para as outras pessoas, como o Murillo era a pessoa mais próxima dele, ele seria o primeiro, é claro que naquele momento eu não via as coisas com clareza como eu vejo hoje, naquela época tudo não passava de um esboço na minha cabeça. Mas fazia muita lógica, era a resposta mais obvia, tão obvia que meu peito até doida, eu não sei se é normal, mais enquanto estávamos no carro naquele silêncio, eu mesmo triste pela vida que vivia e pelo futuro que ela desenhava, um sorriso tímido saia do meu rosto, pois sabia que teria a companhia de novas pessoas, e novas possibilidades.
As semanas se seguiram, a rotina ainda era a mesma na minha casa, o que me salvou foram as aulas, meu marido até então ai me via como uma pintura naquela casa, a meses não transávamos, quando eu o beijava eu não tinha mais ereção, nenhum de nós tinha pra ser sincero, prestei vestibular para CST Design de Moda, e logicamente passei, ate mesmo porque a universidade é particular, meio difícil não conseguir entrar, era uma questão de espera para iniciar as aulas, como uma medida preventiva, eu deixei os dois primeiros semestres pagos, caso eu ficasse solteiro, ao menos continuaria estudando, e sim é muito frustrante o fato de todo gasto seu, ser pago por outra pessoa, o mais chato é você gastar e ela não se dar o trabalho de saber o que o foi, como se não se importasse, naquela época quando eu me olhava no espelho eu já começava a enxergar uma nova pessoa, um novo Felipe, mais bonito, mais confiante, mais promissor.
Quando as aulas começaram eu conheci uma pessoa incrível uma professora que ministrava a cadeira de Criatividade, ele me bombardeava com perguntas relacionadas a moda, a semana de moda, nome de designer, passagens do mundo fashion, não só a mim obviamente, mas eu me sentia instigado a saber cada vez mais sobre o assunto, para poder ter com o que conversar com ela, é fato que a vida universitária pode começar a moldar a personalidade de uma pessoa no caso das que ainda não se descobriram e definir a personalidade daquelas que já pensavam ser alguma coisa, sempre que eu saia para Faculdade o JP ainda não tinha chegado do trabalho, então quase não nos víamos, pois eu tinha mais afazeres, naquela época eu fazia inglês e faculdade, mais ou menos depois de um mês de aula quando já estava mais enturmado, e já tinha amigos, por assim dizer. Comecei também a malhar com uma colega de sala e foi justamente essa atitude que desencadeou um furacão na minha casa.
–A fatura do seu cartão chegou e tem um débito registrado para academia Fórmula, você por algum acaso esta pensando em começar a malhar?
–Pensando em começar não! Eu já estou frequentando a academia todos os dias a quase um mesmo, estou indo com uma colega de sala, mais pensei que isso não fosse um problema, achei que concordasse com as atitudes que estou tomando para melhorar minha saude.
–Clinicas e tratamentos de pele são uma coisa, agora você todo dia em uma academia rodeado de marmanjo isso já é demais, você quase não fica mais em casa, eu sequer o vejo por aqui durante o dia.
–Porque a preocupação JP, você não vem comer em casa, não passa aqui a tarde, o que tem demais em eu estar fora a tarde toda, não estou fazendo nada errado, se o seu problema e preocupação são minha fidelidade, pode ficar tranquilo, eu não estou te traindo.
–Mas se você está pensando em me deixar Felipe, pode tirar o cavalinho da chuva eu já te disse que iria me casar com alguém que eu fosse passar o resto da vida junto, tudo bem que você não faz sua parte, mas eu ainda estou aqui, e pra gente separar só se um dos dois morrer, e eu não pretendo morrer.
–Prefiro fingir que isso não foi uma ameaça, sabe porque? Por que eu ainda gosto de você, insisto nesse relacionamento porque eu acredito muito que podemos funcionar como casal de novo, eu sei que em algum lugar ai, você também deve gostar de mim, eu sei disso.
Ele nada respondeu, apenas saiu da sala me deixando ali sozinho, fiquei pensando no que poderia acontecer, eu já não tinha mais a certeza se ele poderia me fazer mal ou não. Afinal de contas eu não conhecia mais o meu parceiro tão bem quanto conhecia a cinco anos atrás, o cara que ia a minha casa de madrugada com pote de sorvete para assistirmos filme abraçados, o cara que me mandava fotos fazendo careta só pra alegrar meu dia, o cara que no nosso primeiro dia dos namorados usou uma fantasia de jack sparrow, só porque eu gostava de piratas do caribe e ele queria me agradar. Onde estava aquele cara? Os ternos pretos que ele usava todos os dias não poderiam ter tirado toda a cor que ele tinha, eu não conseguia aceitar isso. Quando me dei conta eu já estava chorando como criança ali sozinho, tendo meu rosto lavado de lágrimas refletivo pelo vidro da porta da sacada, era sufocante.
O passado que por muitas vezes é nossa única fonte de sorrisos estava sendo muito cruel comigo, me massacrando a cada vez que me pegava olhando uma foto ou ouvindo alguma música que havia sido importante pra gente, na minha sala tinha um rapaz chamado Joe, uma das pessoas mais “Fervidas” que já conheci, moda era sua segunda faculdade, ele já era formado em Relações internacionais, era o único homem da minha sala que conversava comigo, os outros tinham seu próprio grupinho, fora ele eu tinha as meninas como amigas, todas muito legais também, mas com o Joe nós tínhamos uma conexão legal, ele é um rapaz moreno de mais ou menos 1,80 de barba cheia, cabelo curto, meio gordinho, daqueles fofinhos que quando ri os olhos fecham. Sorriso capaz de iluminar uma cidade, voz grossa, e dono de todo o vocabulário gay do mundo, nunca vi ninguém pra conhecer tantas gírias.
Eu?! Branco, 1,83 de altura, 80kg, olhos verdes escuros, quase mel, cabelo preto, poucos pelos, tenho uma aparência discreta, na época eu não usava barba, mas hoje uso e adoro. Sou do tipo de cara que passa por “discreto” não tenho trejeitos e nem nada, mas não é por esconder ou coisa do tipo, eu apenas não tenho mesmo. Nunca gostei muito que me tratassem no feminino e nem nada disso, mas o Joe desde o primeiro dia de aula me chamou de senhora, e sinceramente? Achei muito engraçado, o sotaque dele é uma graça, e como ele é um amigo eu deixava, apesar do pouco tempo de convivência eu sabia que poderia confiar nele, e queria muito ele no meu ciclo de amizades que tinha poucas pessoas, a primeira vez que o pessoal foi a minha casa para um trabalho foi bem interessante, pra dizer o mínimo, eu antes conversei com o JP sobre a visita.
–João Paulo, no próximo sábado pela manha o pessoal da faculdade vira aqui pra casa para agilizarmos um projeto da universidade, se quiser pode ficar aqui no quarto, já que prefere manter o nosso relacionamento discreto.
–Esqueça isso Felipe eu não quis dizer isso, como podemos manter o nosso casamento discreto, nós moramos juntos, eu só fui infeliz na escolha de palavras, eu sou seu marido e não tenho vergonha de você e nem do que temos.
–Enfim, esta avisado, sábado teremos visita.
–Beleza eu vou ficar em casa pra me apresentar, o que pretende fazer pra eles, tem que servir alguma coisa para os convidados.
–Ainda não sei, eu pensei em fazermos o projeto e sairmos pra comer, mas seria deselegante, daria a impressão de uma falsa hospitalidade, to pensando ainda, acho que comprarei algumas coisas.
–Ok, amanha a tarde eu não irei ao escritório e iremos ao supermercado juntos para fazer umas compras, para o pessoal.
Ele falou exatamente assim, eu ficava tão confuso com isso, ele tinha um problema muito sério de personalidade, tudo que envolvia terceiros e visitas deixavam ele empolgado, era como se todos os nossos problemas, hostilidade e alfinetadas, sumissem e no lugar um sentimento novo tomasse lugar, comecei a notar que talvez o problema do nosso relacionamento não fosse eu e sim meu marido, mas enfim, na sexta-feira a tarde eu fui pra academia com a tatá (amiga da faculdade e parceira de academia) na saída eu a deixei em seu prédio e fui pra minha casa, entrei e enquanto tomava meu banho o JP chegou em casa, pouco depois ele entrou no box do banheiro comigo, eu estava de costas e assim fiquei, ele colou o corpo ao meu e disse ao meu ouvido que se sentia mal, por me fazer pensar que tinha alguma coisa errada comigo, que sentia muito por não se dedicar tanto ao nosso relacionamento quanto deveria.
Me virei de frente pra ele com a intenção de olhar em seus olhos, para poder ver se conseguiria enxergar verdade naquilo que ele falava, ele é um pouco mais alto que eu, peludo, barbudo, tenho que admitir, ele é um homem muito bonito, o que era um problema, pois nas brigas quando eu olhava ele nos olhos sempre acaba cedendo a pressão do olhar dele, e quando me dava conta já estava igual a um cão dócil de novo. Mas naquela hora em que olhei ele nos olhos eu consegui realmente sentir verdade no que ele falava, claro grande parte disso era por conta da carência, ele já não tinha mais a minha atenção toda pra ele, precisava me dividir com mais pessoas, com mais afazeres, e isso fazia ele sentir minha falta, por fim minha dica para todo namoro é: Deixe seu parceiro sentir sua falta, saudade faz o amor aumentar. Mas naquele momento eu não sabia se o que aumentou era o amor dele por mim, ou o sentimento de posse, ele poderia estar jogando verde para ver se eu cairia. Trocamos alguns beijos no banheiro e sim, transamos e muito, e foi ótimo, como era no começo do relacionamento, sou um romântico incorrigível, pequenos momentos assim me fazem recuperar a fé.
Fomos juntos as compras, e tudo tinha aquela sensação gostosa de nostalgia, passamos uma tarde agradável, ele de bermudão e chinelo como era no começo, simples e sem pretensão, fui pra faculdade, quando voltei eu fui preparar uma torta salgada, e algumas sobremesas para o pessoal comer no sábado de manhã, ele foi pra cozinha me ajudar, e enquanto fazíamos as coisas, comíamos queijo e abrimos um bom vinho, prefiro chocolate com vinho, mas ele gosta de queijos então fomos de queijo, tudo estava bom demais pra ser verdade, o que restava era esperar o sábado de manhã pra ver como seria o comportamento dele com meus amigos.