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Ela me deu aquele "Tchau" de costa para mim num tom tão árduo que eu me perguntei se tinha feito alguma coisa de errado, realmente eu falo besteira, mas com ela eu estava de parabéns. De dez palavras que troquei com ela, onze minha boca não conteve o que se passava pela minha cabeça.
Fiz o caminho de volta para o banquinho perto da igreja onde dormia. O percurso inteiro não parava de pensar em Sofia, e me questionar porque não conseguia parar de pensar nela. Era tão complicado, que nem eu queria entender minha cabeça. Dormi literalmente que nem aquela música de Bruno e Marrone, " Dormi na praça pensando nela". Acordei, com o rosto sendo banhado pelo sol. Dona Lucia que já a declarava como minha Santa Protetora, onde no banheiro dos funcionários lavei meu rosto, escovei meus dentes e voltei para as ruas catar tudo o que encontrava pela frente, para no final do dia ter pelo menos alguns trocados a dar para a Dona Lucia em troca da sua bondade.
Próximo das cinco da tarde um senhor que aparentava já ter quase cinquenta anos, mas com a pele muito manchada e desgastada, veio em minha direção. O senhor começou a me perguntar porque todo dia eu catava lixo naquela praça e também percebeu que eu morava praticamente lá. Comecei a explicar a ele o que se passou comigo, o senhor educadamente se apresentou com o nome de Ribamar e me ofereceu a oportunidade de vender água de coco no shopping em dois dias na semana. Ele me explicou que por questões de saúde já não conseguia mais vender todos os dias e que empurrar e montar a barraca dava muito trabalho, além das dores de coluna que lhe causava. Eu aceitei, porque pior do que já estava não podia ficar quando se tratava de mim. Acertamos que iria trabalhar nas terças e sábados o qual era o dia de maior movimento. Os dias se passaram e o sábado havia chegado. O "Riba" apelido de Ribamar, ele tinha me emprestado algumas roupas em estado melhor do que as que eu possuía.
Trabalhei muito no sábado, vendi muitos copos de água de coco, quando deu dez horas da noite, e o shopping começava a fechar, desmontei a barraca e fui empurrando o carrinho até o deposito externo do shopping.
Andei inúmeras quadras do Shopping Salvador até a Castro Alves. Era quase meia noite quando me sentava exausta naquele banco de madeira duro e me peguei pensando em Sofia, se ela iria aparecer ou já tinha aparecido por lá naquela noite, até que adormeci sentada. Poucos minutos depois sinto cutucadas em meu ombro, mas pareciam pertencer ao sonho que estava tendo, então sinto um tapa mais forte em minha face.
- Ai, Cacete! Abri os olhos de uma vez, com expressão de susto e dor. Quando me dei conta era a Sofia.
- O que você faz dormindo aqui. Questionou-me, enquanto eu passava a mão pelo meu rosto tentando aliviar a dor.
- Eu acabei caindo no sono, foi isso. Afirmei, olhando para aqueles olhos que me fuzilavam por algum motivo.
- Mentira! Eu vi você saindo do shopping e te segui, tinha quase certeza que você viria para cá, mas nunca imaginei que não tivesse onde dormir.
Meu Deus! Aquela menina de besta não tinha nada. Não sabia como reverter ou arrumar alguma desculpa para aquela situação, só me restou admitir.
- Não vou mentir pra ti, Sophia. É verdade sim, não tenho onde ficar, por isso durmo e vivo nas ruas. Tomo banho e faço minha higiene na pensão da Dona Lucia e cato todos os tipos de lixo para conseguir algum dinheiro. A barraquinha de água de coco que você viu é de um Senhor que pediu minha ajuda para vender por ele. É isso que tenho para ti dizer.
Ela me observava com uma cara pasma, mas sem aquela expressão séria de antes.
- Desculpe por fazer mau julgamento de ti, mas Juno, você dorme aqui faz quanto tempo?
- Bem, amanhã vai completar um mês que durmo aqui. Não tenho dinheiro para dormir lugar algum, quem dirá alugar cômodo.
Ela estava sentada ao meu lado, quando se levantou.
- Vem comigo e não me faça perguntas. - Disse sem hesitar.
Concordei com a cabeça com um sinal de afirmação e a segui por ruelas que já não eram estranhas para mim. Algumas direitas e esquerdas depois percebi que estávamos fazendo o caminho da casa dela, mas não perguntei nada, já praticamente ela havia me mandado "calar a boca".
- Bem, eu vou entrar se quiser dormir tem um colchonete na casinha do quintal, acho que é mais confortável que aquele banco.
- Obrigada, eu aceito. Lhe disse em tom de agradecimento.
- Só tem um, porém. No início do amanhecer Juno, tem que ir embora. Meus pais não podem te ver. Afirmou.
- Tudo bem, no primeiro raiar de sol eu saio em silencio. Obrigada mais uma vez.
Ela balançou o rosto num sinal de afirmação, como aceitando minha estadia em sua casa.
Entrei na casa em direção aos fundos sorrateiramente enquanto Sofia abria o portão da cozinha para entrar discretamente. Encontrei o colchonete que a menina havia me falado, o puxei dei algumas batidas para tirar um pouco do pó e me deitei. Tinha até esquecido qual era a sensação do macio. Aquele colchonete parecia a mais confortável cama Queen Size do mundo. Não demorei muito a pegar no sono, quanto a Sofia, não sei.
Dormi o melhor dos sonos desde que cheguei naquele lugar, sono que foi suficiente para acordar com o dia amanhecendo e as nuvens se formando como ondas no céu claro. Me pus de pé, espreguicei meus braços, estralei os dedos e passei as mãos em meus cabelos curtos de cor castanha claro. Escovei meus dentes com uma escova que havia no banheiro dos fundos, mesmo sem saber de quem era e há quanto tempo estava ali, mas precisava mesmo era de um banho, coisa que não podia fazer ali por causa do barulho, então resolvi ir embora logo antes que os pais da menina percebessem a minha presença.
No momento em que fui me aproximando do muro ouço uma espécie de murmuro, como alguém querendo minha atenção, fiquei pálida instantaneamente, mas logo que me virei vi Sofia segurando uma xícara de café com um pão em suas mãos. Dei meia volta em direção àquela menina de cabelos loiros, vestida em uma camisola azul escuro que contrastava com sua pele clara e ao mesmo tempo combinava com seus olhos. Tomei a xícara de uma das suas mãos e da outro o pão que segurava.
- Obrigada, muita gentileza e preocupação de sua parte. Lhe disse em tom de agradecimento.
- Melhor não se preocupar com agradecimento e sim com meus pais. Seria melhor se comesse isso logo. Falou enquanto olhava para dentro da cozinha, apreensiva com que seus pais acordassem em qualquer momento.
Tomava aquele café, mas meus olhos encaravam os dela, secava sua boca. Quanto mais ela mostrava indiferença mais eu sentia uma coisa por ela que não conseguia explicar. O que era aquilo? O que era aquele sentimento que saia de mim como se fosse uma essência que eu exalava? Me sentia com movimentos involuntários na maioria das vezes que ficava perto dela, um sorriso brotava em meu rosto independente se eu quisesse ou não. Não encontrava uma explicação clara para aqueles meus sintomas.
Terminei de comer e lhe entreguei a xícara, olhei mais uma vez em seus olhos.
- Obrigada. Falei, sutilmente.
Ela permaneceu calada, entendi o recado e andei mais uma vez em direção ao muro. Na metade do caminho entre ela e o muro me dei conta, ou melhor, encontrei o nome da que causava a confusão dos meus sentimentos... chamava-se Sofia.