O susto inicial por ver meu irmão Augusto Cesar em minha sala deu lugar ao meu instinto de preservação. Ele assim que me viu, sorriu e disse:
_ Olá irmão? Algum problema eu ter vindo aqui? E olhou para Jonas que havia sentado no sofá e nos olhava cheio de curiosidade.
_ Não meu irmão. Como você está? E o puxei para um abraço, mesmo não sentindo o calor que um dia existiu ali...
_ Eu vou levando. Marcamos a missa do sétimo dia para a próxima quarta-feira, às 19:40 h. A Igreja será a mesma do casamento dos dois e nossos batizados. Tudo bem pra você?
_ Claro meu irmão. Senta um pouco enquanto eu vou guardar minhas coisas no quarto.
_ Não será necessário. Não quero atrapalhar você e seu amigo.
_ Augusto, nós não precisamos disso... Você sabe que não me atrapalhou e nunca vai me atrapalhar em nada.
_ Tudo bem Guto. Já que tô aqui devo dizer que papai vai nos chamar depois da missa para a leitura do Testamento.
_ Leitura do Testamento? Mamãe tinha um Testamento feito? Jamais pensei que isso fizesse parte de seus planos...
_ Meu irmão não é novidade que você sempre foi um ausente da sua família. Mamãe tinha muitas posses e adquiriu tantas outras após o casamento. Somos herdeiros meu querido Guto.
Não gostei nada do tom de voz e da quase alegria de Augusto Cesar em falar sobre um assunto tão banal. Ignorei e disse:
_ Então avisa ao papai que vou a missa e estarei em casa após ela terminar para essa leitura do tal Testamento. Pedro Augusto e a esposa já foram avisados?
_ Sim já foram e com certeza comparecerão. A nossa cunhada vai ficar espantada com a quantidade de bens que seu maridinho vai herdar.
_ Você falando assim Augusto Cesar, com esse descaso, diria até mesmo deboche, me surpreende. Ele também tem direitos a sua herança.
_ Pois é meu irmão. Fazer o quê, né?
Ele então olhou para Jonas e se despediu, em seguida me deu um abraço, abriu a porta e saiu...
Fechei a porta e Jonas já vinha em minha direção. Seu abraço foi um bálsamo. Que bom era poder sentir seu corpo bem junto ao meu. Ele me beijou e notou que eu não estava bem...
_ Grandão, o que tá pegando? Aconteceu alguma coisa na Delegacia? Foi por causa da visita do seu irmão? E se afastou de mim pra poder me olhar nos olhos.
_ Não sei de devo envolver você mais ainda nisso tudo. Amanhã certas coisas serão colocadas em prática. O Detetive Almeida me mostrou uma infeliz coincidência, desculpa, me mostrou provas que ligam Boca a alguém bem próxima a mim.
_ Eu sabia. Esse seu irmão não me desceu, Grandão. Você acredita que ele me olhou dos pés a cabeça umas mil vezes? Me senti numa tomografia computadorizada.
_ Ele te falou ou perguntou alguma coisa?
_ Não, acho que só coisas banais... Meu nome, o que fazia aqui, a quanto tempo conheço você, o que eu fazia da vida... Aí você chegou.
Guto abraçou novamente seu Meninão e tê-lo em seus braços lhe deu paz.
_ Tô com medo do que possa acontecer com minha família. Com você. Comigo mesmo. Eu gostaria muito de entender o porquê de tudo isso.
_ Então a gente vai fazer assim. Vamos tomar um bom banho quente. quando a gente terminar vamos pedir uma excelente comida e depois assistir um bom filme na TV, que tal?
_ Tá vendo rapazinho por que sou louco por você?
Jonas trancou a porta e quando já ia saindo da sala com Guto, o telefone fixo começou a tocar...
_ Quem será meu Deus? Falou Guto já indo em direção ao aparelho... Alô, Guto falando.
_ Olá rapaz... Alvaro Fernandes, seu sogro... Sua risada era contagiante. Sorri junto e disse:
_ Boa noite sogrão... Como está você e D. Isaura?
_ Estamos bem.
_ Você quer falar com o Meninão?
_ Na verdade eu quero falar com vocês dois. Tem como vir aqui em casa? É importante...
_ No máximo em uma hora a gente tá chegando aí...
Desliguei e disse que os planos tinham acabado de mudar, menos é claro o lance do banho quente, eu tava morto de cansado e queria muito um bom banho.
Chegamos na casa do sogrão quase duas horas depois que nos falamos pelo telefone... Estacionei o carro em frente ao Condomínio. Jonas falou com porteiro e nós dois tomamos o elevador. Os dois pareciam viver em cima daquele sofá porque quando entramos em sua casa, meus sogros estavam sentados nele...
_ Aposto que atrasaram por conta do trânsito, acertei?
_ Na mosca D. Isaura... Tudo bem com a senhora?
_ Claro Guto... Como esta sua família, meu querido? E esse rapazinho aí tá te dando muito trabalho? Eu quase não te vejo mais, filho. Jonas foi até onde a mãe estava e a beijou.
_ Mãe eu já ia ficar com o Guto lá na casa dele por conta dessa semana horrível que ele passou. Não precisa ficar com ciumes.
_ Não adianta rapaz, sua mãe é assim e vai ser assim pra sempre...
Jonas falou com o pai. Terminada a acolhida, Alvaro olhou pra mim e disse...
_ Guto meu rapaz, você sabe que andei fazendo uma investigações por conta própria e devo dizer que você atá correndo um sério risco. Senta aqui rapaz e presta atenção nessa louca história.
Ele me falou do histórico de João Carlos desde sua primeira prisão ocorrida aos 20 anos de idade e de sua extensa vida criminosa. O curioso é que nenhum crime de morte fazia parte da lista de crimes do meu ex-amigo. Tráfico de drogas e armas eram os carros chefes de suas ações. A quadrilha que ele passou a chefiar tinha o braço negro, a foice, como eles chamam, isso quer dizer que eles tinham o pessoal pra matar quem eles queriam e aonde queriam. A morte de um político influente aqui no Estado que era irmão de um Delegado Federal foi o estopim para que Boca fosse finalmente preso. Claro que a ele foi imputado tal crime por conta de ser o líder da quadrilha. Só que há pouco mais de duas semanas o verdadeiro assassino foi descoberto através de uma transcrição feita de uma ligação de um determinado aparelho celular cujos números a polícia já tem acesso.
_ O senhor viu esses números, sogrão?
_ Não rapaz porque ainda esta em segredo de justiça. E antes que você associe essa ligação transcrita com o que ainda vou te contar, devo dizer que são coisas distintas... Só sei que o cara é um tremendo bandido, só que nunca mandou matar ninguém.
_ E a policia já sabe quem são as pessoas que falam na tal gravação?
_ Sim, já sabem. Acredito que por esse crime o cara poderá até ser colocado em liberdade. Os crimes de tráfico imputados a ele, mesmo a gente sabendo que são de sua autoria, não há provas que possam fazer com que ele fique preso, entende?
O pai de Jonas levantou e foi buscar a sua cerveja como sempre fazia e assim que voltou, abriu a lata, tomou uma bola golada e continuou:
_ Quando conhecemos você e soubemos da sua relação com nosso filho, não nego que fiquei muito preocupado com as ameaças que o tal Boca havia feito a você e a quem estivesse a seu lado... E a morte do seu amigo, Marcelo Novaes, me deixou realmente de orelha em pé. Desde aquela ocasião que tô infernizando a vida do pessoal do reservado pra obter alguma informação sobre as ações da quadrilha do Boca e juro pra você que nada foi descoberto. Só que um dia antes de sua mãe ser assassinada, uma ligação foi feita de dentro do presídio para um certo numero aqui fora e a morte foi autorizada. Boca nada teve a ver com isso, segundo testemunhas já ouvidas no Presídio que asseguraram que ele jamais autorizou tal crime... O numero aqui de fora costumava ligar para o presídio pelo menos uma vez por dia nos últimos seis meses. A transcrição da ligação que encomenda a morte de sua mãe foi feita e uma comparação de voz foi feita com uma outra ligação que autorizava a morte de Marcelo Novaes, seu amigo Advogado. As duas pessoas nas duas gravações são as mesmas. E sabe o que é pior? A pessoa daqui de fora é bastante influente, e como pagamento provê de tudo a família do mandante e do executor que são irmãos. O cara dentro do presídio é um tal de Chinês, o irmão aqui fora que mata a mando dele que se faz passar pelo Boca é um tal de Asiático... Os filhos da puta só podem ser do Oriente, né?
Minha cabeça estava a mil. João Carlos nada tinha a ver com as mortes...
_ Sogrão, o Boca, quer dizer, meu amigo João Carlos me assegurou que tinha sido ele a mandar matar o Marcelo. Como que essas gravações provam o contrário se ouvi de sua própria boca essa confissão?
_ Filho, só ele poderá dizer o porquê disso. A pessoa que autorizou a morte do Marcelo e infelizmente a morte de sua Mãe, agiu em nome dele e a pessoa aqui fora que provavelmente é sua cúmplices, são os reais responsáveis por tudo isso. A polícia já sabe que no Presídio o telefonista é o tal Chinês, aqui fora não me disseram quem era.
Quando Jonas olhou pra mim eu estava pálido e suava muito. Eu não queria aceitar a verdade que já se formara em minha mente... Augusto Cesar, meu irmão, aquele que mais parecia com nossa mãe, ele era um monstro.
Devo ter apagado em algum momento porque quando dei por mim estava deitado na cama do meu Meninão, sem camisa e com ele a me olhar...
_ Ei meu Grandão, o que houve? E sua mão me acariciou o rosto.
_ Eu não sei, amor...
_ Você de repente desmaiou e papai te trouxe aqui pro meu quarto. Quer falar alguma coisa, Grandão?
_ Não, tô bem. Vamos pra casa, por favor...
Apesar dos protestos dos sogros fomos embora do mesmo jeito. Jonas mais uma vez disse que eu precisava dele a meu lado e D. Isaura teve que se conformar.
Dirigi o percurso de volta quase que totalmente em silêncio. Olhei o relógio e já passava das 23:00 h e assim que cheguei em casa mandei um E-mail para minha secretária avisando que o expediente de amanhã eu daria de casa e só pela parte da manhã. Só tomei essa atitude por ter uma excelente equipe.
_ Grandão, agora somos só eu e você. Me diz como posso te ajudar... Eu detesto te ver assim...
_ Não posso, Meninão. pelo menos por enquanto...
Fomos dormir após tomar um caldo feito por Jonas com bastante legumes e ovos.
NO PRESÍDIO...
Boca estava em sua cela. A única coisa que importava pra ele eram as notícias sobre seu garoto que Graças a Deus ele recebia regularmente. Passou a se isolar mais ainda e na última semana deu pra pensar e repensar toda a sua vida nos últimos oito anos e constatou que nada de bom tinha feito com ela ou por ela. De muita coisa começou a se arrepender e de tantas outras procurou esquecer o mais rapidamente possível.
Ele deixou bem claro que estava saindo da Organização Criminosa e Gigante tomou seu lugar no Comando do Presídio. La fora a notícia apegou todo mundo de surpresa. A guerra interna pelo controle do Morro do Bigode foi feita até de forma pacífica e aos poucos e de maneira sutil, ele foi se distanciando dos comparsas. Alguns presidiários ainda tinham o mesmo respeito e temor por ele. E os dias foram passando...
A morte da mãe de seu ex-amigo Otávio Augusto foi um verdadeiro divisor de águas em sua conturbada e descontrolada vida. O amor que começou a sentir pelo seu garoto lindo, Bill, lhe fez querer mudar. Vê-lo naquela maca desacordado e totalmente vulnerável foi demais pra ele. Sua mente ficou confusa e de tanto pensar chegou a conclusão de que Otávio Augusto, o seu Guto, foi algo bom em sua adolescência. Bill era como ele. Era sua vida atual e vê-lo naquela maca quase morto porque lhe amava foi a prova que ele precisava ter de que não era um monstro...
Numa tarde quente ele estava na cela após um dia de trabalho na oficina quando um agente prisional veio lhe chamar...
_ Ligação pra você, Boca.
Ele colocou as algemas, e seguiu o guarda até a sala onde os presos recebiam as chamadas...
_ Boca falando... Que é?
_ João, é você mesmo?
_ Sim sou eu...
_ Não lembra mais de mim, meu amor?
Ele travou na mesma hora em que reconheceu a voz do seu garoto...
_ Bill??... Amor... Meu Bill... É você mesmo, garoto lindo? Oh, meu Deus... Obrigado... Obrigado Deus... Bill eu te amo, viu??? Onde você está? Como você esta?...
_ Ei, calma João Carlos... Fica calmo tá?... Estou bem, meu amor... Para de chorar senão eu não vou conseguir falar com você...
_ Tá certo meu garoto...
_ Tô no hospital da Polícia. Fiz cirurgia e já estou bem apesar de sentir dores ainda. Eu tô ligando do celular da minha mãe que esta aqui comigo. Ela me trouxe hoje a notícia de que não voltarei mais para o presídio pois finalmente a justiça foi feita.
_ Mais isso é maravilhoso meu garoto...
_ Prometo que vou te visitar assim que puder e quero que você saiba que eu te amo muito... Aguenta aí, tá certo?
_ Tudo o que você quiser meu garoto... Amo você também.
Assim que a ligação foi encerrada, Boca foi chamado na sala do Diretor do Presídio...
_ O senhor quer falar comigo, Diretor?
_ Pode estar certo disso, Boca. Senta e me ouve em silêncio...
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Meus queridos infelizmente o desfecho se aproxima... Saibam que serei eternamente grato a cada um de vocês por toda essa acolhida.
Aproveito para lhes dizer que se há uma superação de minha parte, como cada um de vocês me diz, confesso que tê-los como referências é o que torna tudo isso possível.
Um grande e carinhoso abraço a cada um de vocês, meu eterno e querido Povo do Lado Esquerdo. Nando Mota.