O ogro que mudou o meu destino
Meu cacete entrava e saía da vagina dela mecanicamente, como uma máquina que é ligada, exerce sua função, e se desliga depois de concluída a tarefa. Ela gemia embaixo de mim, ou por prazer, ou para tentar obtê-lo, erguendo sua pelve de encontro ao meu pau, procurando cravá-lo no fundo da vagina. Meus pensamentos fluíam, estavam longe dali, enquanto eu mantinha o vaivém cadenciado que depois de um tempo, traria o alívio para toda aquela tensão acumulada, na forma de um gozo, que jamais foi de prazer, mas que de certa forma apaziguava as tensões. Nossos corpos nunca se uniram, de fato, nesses momentos. Cada um estava ali individualmente procurando um alento e uma forma de continuar existindo como um par pelas próximas três ou quatro semanas; quando nova conjunção aconteceria nos mesmos moldes. Sempre caíamos no mesmo longo silêncio, mergulhados em nós mesmos, como se não tivéssemos o que nos dizer.
Havia pouco mais de um ano que isso se repetia, de forma oficial, sob a formalização legal de um casamento. No qual nossas mães se empenharam com muito mais afinco do que nós mesmos. Ambas se realizaram mais que os próprios noivos. Eu me sentia como se estivesse brincando de casinha com uma amiga. Estranho constatar isso agora, depois de decorrido mais de um ano, com essa clareza que me faltou àquela época.
Mariana e eu nos conhecemos durante o período em que estudamos na universidade Johns Hopkins em Baltimore. Eu cursava o terceiro ano de medicina quando aquela garota simpática, de longos cabelos levemente ondulados, rosto angelical e feições de boneca começou a frequentar o laboratório de anatomia, onde eu exercia a função de monitor, a fim de fazer uma grana extra. Ela cursava a faculdade de saúde pública, e como única estudante brasileira além de mim, durante aquele ano letivo, nós logo encontramos maneiras de frequentarmos os mesmos lugares. Mas, foi apenas depois de alguns meses que essa amizade se fortaleceu. O pai dela sofrera um infarto. A distância, a falta de notícias precisas em tempo real, a gravidade do caso e a impotência diante dos fatos, a atingiu durante os gelados meses de inverno. O desamparo a tornara ainda mais sensível e carente, e eu a tomei em meus braços numa tarde chuvosa, quando ela veio ao apartamento que eu dividia com outro estudante, após ter recebido as últimas e preocupantes notícias vindas do Brasil. Ela se apegou a mim como a um bote salva-vidas e, mergulhados ambos naquela ausência de afeto, acabamos por encontrar um pouco de segurança no aconchego debaixo dos lençóis. Enquanto ela dormia aconchegada a mim, eu pensava em como havia deixado as coisas tomarem aquele rumo. O que eu havia me proposto a conceder, em solidariedade ao sofrimento pelo qual ela passava, fora muito além do que o que acabara de acontecer naquela cama. Qual custo teria que ser pago por essa imprudência? Mas, me faltou coragem para dizer isso ela num momento tão crucial e de tanta fragilidade dela. Com a progressiva melhora do pai, a presença dela ao meu lado se intensificou e, mesmo sem termos conversado a respeito, algo parecido com um namoro se estabeleceu. Depois de concluirmos nossos estudos e regressado ao Brasil, nossas famílias se encarregaram da progressão desse relacionamento.
Ela era a caçula de uma família abonada, cujo patrimônio fora construído com uma ampla rede de comércio varejista. Eu o segundo filho de um empresário cujos ramos comerciais se diversificavam entre indústrias e o agronegócio. Meus irmãos e eu figurávamos entre os mais cobiçados e charmosos solteiros da cidade. O casamento cercado de toda pompa deu visibilidade e prestígio às famílias. O luxuoso apartamento decorado por um renomado arquiteto, presente do pai dela, começou a receber os amigos em jantares que se estendiam noite adentro, e nos isolava naquela aura de compromissos e festividades. Á medida que o tempo passava as diferenças iam se acentuado, aquelas que deixamos de perceber lá atrás, e que agora respondiam por essa individualidade crescente que cada um buscava à sua maneira. Ela como presidente de uma ONG internacional, e eu participando de campeonatos de downhill, quando não estava clinicando.
Três meses do ano eu dedicava ao meu esporte favorito. Fazia uma longa viagem e procurava pelos campeonatos mundo afora. Numa destas competições, um participante que acabou virando um amigo, comentou acerca das paisagens idílicas da Nova Zelândia. Fascinado com a possibilidade de conhecer um país tão longínquo, e cercado por regiões e climas muito diversificados, comecei a procurar por um destino para uma temporada de pouco mais de um mês. Um roteiro que começava na montanha Aoraki, uma das mais altas dos Alpes meridionais, e seguia até a costa do pacífico, na cidadezinha de Oamaru, na ilha do sul, me pareceu um bom começo. De lá seria possível encontrar outros destinos para os quais eu consultaria um agente de turismo local.
Passei os primeiros quinze dias envolvido com os preparativos e, o trajeto propriamente dito, além de conhecer algumas regiões próximas. Um agente de turismo sugeriu uma visita à ilha do norte, mais precisamente a região de East Cape, me indicando um serviço de taxi aéreo que me levaria até lá. Procurei pelo transporte no aeroporto de Oamaru. A visão que tive de dentro do utilitário que havia alugado quase me fez desistir. O aeroporto não passava de uma pista de pouso asfaltada com uma construção que abrigava os parcos instrumentos da torre de controle e dois galpões que abrigavam aeronaves um tanto quanto obsoletas.
- Por favor, senhorita! Onde posso encontrar o senhor Owen Cane? – perguntei, depois de esperar por uns cinco minutos até que a moça que conversava com um sujeito na sala contígua se dignasse a me atender.
- O senhor Cane deve estar em casa ou no Last Post. – respondeu, com sua voz esganiçada e lançando-me um olhar provocativo.
- Bem! E a senhorita poderia me dizer onde ficam a casa do senhor Cane e o Last Post? – continuei, uma vez que ela continuava com o olhar petrificado, me analisando como se eu fosse uma obra prima de galeria de arte.
- O Last Post fica no número 12 da Thames, e a casa fica na Awamoa Road. Não sei o número, mas é fácil localizar, é a única que fica ao lado de um grande descampado, à esquerda. – respondeu, com um sorriso malicioso nos lábios exageradamente vermelhos, como se essa lembrança a fizesse relembrar de momentos agradáveis.
- E onde a senhorita sugeriria que iniciasse minha busca? – indaguei.
- Há essas horas eu diria no Last Post. – respondeu, depois de dar uma rápida desviada de olhar em direção à parede onde um relógio marcava onze horas.
A construção secular, que originalmente deveria abrigar o posto dos correios, se situa bem no início da alameda arborizada. O salão de piso de tabuas corridas do bar estava quase vazio. A exceção de uma mesa junto à lareira, onde dois casais riam ao redor de umas doze garrafas de cerveja vazias, e dois sujeitos na mesa próxima à janela e ao balcão do bar. Não havia ninguém atrás do balcão. Resolvi abordar os sujeitos da mesa junto à janela, pois calculava que um deles poderia ser quem eu procurava. Ambos eram caras enormes e musculosos. Destes que aparecem nas revistas de fisiculturismo, embora não parecessem ser do tipo que pratica o esporte. Um deles, o discretamente menor que o outro, era um maori. A longa cabeleira amarrada no alto da cabeça, os olhos levemente puxados, a pele bronzeada e a tatuagem rebuscada que descia por um dos lados do pescoço e se perdia na gola da camiseta reforçava sua origem tribal. O que me estudava com seu olhar aquilino, pescoço grosso e uma mão enorme, com dedos incrivelmente grossos, pousada sobre a mesa era um Pakeha, como dizem os locais ao se referirem aos estrangeiros. Provavelmente quem eu procurava.
- Bom dia! Por favor, os senhores conhecem Owen Cane, o piloto? – perguntei, sob o olhar desconfiado dos dois.
- Quem quer saber? – respondeu, o mais atarracado deles. Enquanto o outro abriu um sorriso e grunhiu um sonoro ‘Kia Ora’.
- Estou procurando pelos serviços de taxi aéreo dele. – devolvi, já identificando naquele sujeito a pessoa que procurava. – É o senhor Owen? – emendei, reconhecendo-o.
- Sim! Para onde quer ir? – perguntou.
- A East Cape na ilha do norte. – respondi.
- Quando? – retrucou, dando um gole generoso no gargalo da garrafa de tinha a sua frente.
- Amanhã, se possível.
- Só à tarde! O Junkie Boy precisa de uns reparos. – sentenciou.
- E quanto custa o voo até lá? – já não tinha certeza se continuar com essa conversa seria a coisa mais sensata a fazer.
- Depende! – o olhar dele percorria um único trajeto, do gargalo da garrafa de cerveja, ao meu rosto embasbacado, e vice-versa.
- Como assim, depende? – começava a sentir uma aversão por aquele sujeito petulante.
- É possível que você tenha companhia, mais dois turistas que também estão querendo ir para lá, mas não confirmaram até o momento. Se eles forem, a conta fica mais barata. – disse.
- E quando vamos saber disso? – inquiri, enquanto pensava com meus botões, não é a toa que eles não confirmaram, devem ter raciocinado e abandonado a ideia de seguir para onde quer que fosse com esse camarada.
- Amanhã à tarde! – respondeu, lacônico.
- Bem! Já que tudo fica para amanhã à tarde, talvez seja melhor eu procurar o que fazer até lá. – disse, me conformando com a situação.
- Sente-se, tome uma cerveja! – sentenciou, enquanto procurava com o olhar pelo atendente do bar que ainda não regressara.
- Não obrigado, não costumo beber a essa hora da manhã. – respondi. Arrependendo-me em seguida das minhas palavras, que soaram mais como uma censura do que uma simples recusa.
- E onde posso encontra-lo? – perguntou, sem o menor interesse.
- Estou no Pen-y-bryn Lodge.
- E seu nome? – desta vez ele nem ergueu o olhar
- Thomas. Thomas Alkenberg!
- Eu entro em contato. – rosnou, com os lábios ao redor da garrafa gelada.
Embora o restaurante do Last Post começasse a encher, especialmente na varanda coberta por um grande gazebo de vidro, e os pratos estarem com uma cara ótima, resolvi procurar outro lugar para almoçar, contando que fosse longe das vistas daquele sujeito. Passei o restante da tarde circulando pela cidade me distraindo com qualquer coisa que chamasse minha atenção. O sol brilhava forte e o vento que soprava do Pacífico Sul tinha um cheiro leve e salgado. Cheguei ao hotel por volta das 20:00 horas. Não havia nenhum recado na recepção. Me desfiz das roupas suadas e mergulhei na banheira por mais de uma hora. Devo ter cochilado, pois repentinamente senti que estava imerso numa água gelada. A brisa que entrava pelas portas de correr da varanda continuava morna, só que agora predominava um cheiro de flores exóticas, provavelmente as dos jardins que cercavam o hotel. Era cedo para sair, mas a noite estrelada e o calor convidavam para uma caminhada. Saí a pé, sem rumo, e quando dei por mim estava na Thames Street, ao lado do imponente par de casarões neoclássicos que abrigavam o banco de Nova Gales do Sul e o National Bank. Na calçada em frente estava o Last Post, com uma clientela jovem chegando em pequenos grupos. O salão do bar agora estava lotado, todas as mesas tinham mais pessoas do que o programado. Eram basicamente todos jovens como eu, na faixa dos vinte e tantos anos. As garçonetes circulavam apressadas, carregando enormes bandejas onde predominavam as garrafas de cerveja. Uma delas me indicou o gazebo.
- Talvez você encontre uma mesa lá. – disse, afobada, sem interromper seu percurso até uma mesa repleta de rapazes, ávidos pelo pedido.
O ar sob o gazebo estava mais fresco e respirável, só que a única mesa disponível, acabava de ser ocupada por um casal. No telão que ocupava boa parte da parede dos fundos, rolava uma partida de rugby com os All Blacks vencendo o jogo. Percorri rapidamente com o olhar todo o recinto e, antes que pudesse evitar, um par de braços femininos se agitava no ar me indicando um lugar na mesa. Era a garota do aeroporto. Com ela estavam mais duas garotas, o sujeito com o qual ela conversava esta manhã, quando fui procurar pelo piloto, e mais um homem um pouco mais maduro.
- Conseguiu falar com o Owen? – disse, assim que me aproximei da mesa e cumprimentei com um meneio de cabeça o restante do grupo.
- Sim, consegui. – respondi, um tanto tímido.
- E quando vocês partem para East Coast? – continuou curiosa. Percebi que seu decote era ainda mais ousado do que o que ela usava esta manhã. A maquiagem também estava muito mais carregada, ou seriam as cervejas que estavam deixando seu rosto emoldurado pela cabeleira loira, muito mais rubro?
- Ele ficou de me ligar. Parece que a aeronave está em manutenção, e só poderemos partir amanhã à tarde. Além do que, outras pessoas também o requisitaram para o mesmo destino. Ficaram apenas de confirmar. – esclareci, diante de um riso contido dos demais ocupantes da mesa. Tive a impressão de ter dito alguma bobagem.
- O Junkie Boy sempre está em manutenção, e durante a manhã quem está em manutenção é o Owen. – disse um dos rapazes. Seguindo-se um riso coletivo.
Fiquei sem graça. Não sabia o que dizer. Mas, pude constatar que eles conheciam muito bem o tal do Owen. E, algo me dizia que minhas impressões sobre o sujeito estavam certas.
- Falando no diabo! – sentenciou o cara mais maduro, erguendo a garrafa de cerveja em direção ao Owen que acabara de entrar, segurando uma garota pela cintura.
Ele esboçou um sorriso econômico, e se juntou a uma mesa mais ao fundo onde foram recebidos com certo alarido e tapinhas nas costas. Não sem antes, lançar um olhar de espanto na minha direção, provavelmente se questionando sobre o fato de eu estar sentado com aquele pessoal.
- Aquela baranga já está dando em cima dele de novo! – exclamou a loira da nossa mesa, num arremedo de hostilidade.
- Conforme-se! Você teve a sua chance. – zombou um dos rapazes, o que a fez cravar suas unhas vermelhas em seu braço.
- Vejo que vocês são muito amigos do senhor Owen. – comentei.
- Não sei se podemos chama-lo de amigo, mas ele é um sujeito bem extrovertido, e um tanto quanto intempestivo. – disse o mais maduro.
- Ele é um encrenqueiro, isso sim! – vociferou a loira, agora movida pelo ciúme. – Desde que ele apareceu por estas bandas já arrumou muita confusão. Deveria ter ficado nos Estados Unidos e usado suas habilidades para se meter em encrenca nos tribunais, junto com sua família endinheirada de advogados. – emendou, movida pelo álcool que lhe subia à cabeça.
Diante da interrogação que minha expressão deve ter assumido, um dos rapazes começou a contar o que sabia a respeito do piloto. A família é dona de um dos mais renomados escritórios de advocacia de Boston. Ele é o segundo de quatro irmãos, todos advogados como o pai e o avô que fundou a empresa. Parece que sempre foi um tanto quanto desajustado, especialmente com a vinda dos irmãos menores. Formou-se em Yale e tinha uma carreira brilhante pela frente quando resolveu abandonar tudo e vir para a Nova Zelândia há seis anos. Parece que o estopim foi a agressão a um juiz em pleno tribunal, quando foi afrontado numa questão com o cliente que estava defendendo. O pai não o apoiou e eles se desentenderam. Comprou o Junkie Boy de um piloto aposentado e desde então está tentando fazer a empresa de taxi aéreo decolar. Mas, o fato é que ele está com a cabeça mais no ar do que no chão. E, seu gênio indomável aliado à propensão ao autoritarismo, não o estão levando a lugar algum. No fundo é um bom sujeito, talvez ainda precise levar mais algumas cabeçadas.
Enquanto ele falava, eu não conseguia tirar os olhos daquele homem. Ficava imaginando como seria vê-lo usando um terno caro e sisudo perfeitamente talhado para aqueles ombros largos e quase dois metros de altura, os cabelos cortados num corte comportado, a barba bem feita revelando o rosto anguloso e másculo, os gestos calculados expressando autocontrole; ao invés daquelas roupas amassadas, barba cerrada por fazer, a mão boba que, volta e meia, ia ajeitar aquela protuberância que o fazia andar com as pernas abertas, num jeito desengonçado e aviltante. Por mais esforço que fizesse não conseguia montar uma imagem que me satisfizesse, não com o que eu via na minha frente. Um ogro se fazendo o centro das atenções com um mulherão pendurado à tira colo, esvaziando uma garrafa de cerveja atrás da outra, na véspera de um voo de mil e quatrocentos quilômetros. De vez em quando ele lançava um olhar em direção à nossa mesa, mais precisamente para mim. Embora ele viesse acompanhado de um estreitamento dos lábios como um sorriso tosco, algo nele me provocava calafrios.
Passava um pouco da meia noite quando eu voltei caminhando até o hotel. As pessoas se aglomeravam na porta do Last Post, e grupos conversavam sobre os capôs dos carros estacionados em frente. Deixei a loira da minha mesa já bastante alta, e disposta a tirar satisfações com a morena que permanecia o tempo todo pendurada no Owen. Antes que servir de espectador de uma cena de ciúme, resolvi deixar o grupo e seus relacionamentos complicados.
Acordei no dia seguinte com uma forte dor de cabeça, embora não tivesse tomado mais do que duas latinhas de cerveja acompanhando o saboroso filé de salmão ao molho wasabi, arroz de coco e coentro e vegetais no vapor. Já passava das onze e os feixes de luz passavam pelas persianas de madeira desenhando um teclado na parede do quarto. Liguei para a recepção para saber se alguém havia me ligado e, ante a negativa gentil da voz feminina que me desejava um bom dia, entrei na ducha. Enquanto a água caía sobre meu corpo e o vapor tépido me envolvia como uma nuvem de serenidade, escutei que alguém esmurrava a porta da suíte. Apressei-me a jogar o roupão felpudo com o emblema do hotel sobre os ombros e fui abrir a porta. Ocupando quase todo o umbral da porta, com um dos braços estendido segurando o batente, um Owen mais amassado e com cara de sono abriu um sorriso e entrou no quarto.
- Bom dia! Está pronto? Partimos às 15:00 horas. – falou, tão alto que até um surdo o ouviria. As palavras reverberaram na minha cabeça como um martelo.
- Bom ... dia! Não precisava se dar ao trabalho de vir até aqui, um telefonema seria o suficiente. – disse, apertando o roupão ao redor do corpo molhado e sentindo os pingos de água que caíam dos meus cabelos escorrendo pelo rosto.
- Você já tomou café? – perguntou, enquanto examinava a suíte pormenorizadamente.
- Não. Na verdade estou com um pouco de dor de cabeça e pretendia fazer uma refeição leve como almoço. – respondi, incomodado com a presença daquele intruso no meu quarto. – Você pode me dizer quanto vai custar a viagem até East Cape? - acrescentei
- Eu te acompanho! – disse ele, ignorando a inoportunidade do convite. – Não vai ficar caro. Teremos mais dois passageiros. Dá um total de NZD 1.200 para cada um.
- Bem! Eu não pretendia descer tão cedo. E, uma vez que só partimos mais tarde, tenho alguns telefonemas para dar e terminar de arrumar minhas coisas. Quanto ao valor, para mim está OK. Nos encontramos no aeroporto, está bem? – retruquei, indignado com aquela falta de educação.
- OK! Não se atrase! – ordenou, antes de deixar o quarto visivelmente contrariado.
Terminei de me enxugar assim que fechei a porta nas costas dele. Fiz dois ou três contatos com o Brasil e terminei de arrumar minhas mochilas. Tudo arrumado, desci para o brunch que estava sendo servido numa das varandas que dava para os amplos jardins que cercavam o hotel. Depois fui devolver a picape alugada e passei rapidamente num supermercado para comprar itens de higiene pessoal e algumas coisinhas para beliscar. Ás 14:00 horas estava pronto e peguei um taxi até o aeroporto. Fui o primeiro a chegar. Na construção que abrigava a torre de controle só estavam a loira e o rapaz que jantara comigo na noite anterior, e que me fez o breve resumo da vida do Owen. Na pista nem sinal de avião, muito menos de que um deles partiria dali a uma hora.
- Olá! – cumprimentou a loira, com cara de ressaca e noite mal dormida escondida sob a maquiagem.
- Olá! Pelo visto fui o primeiro a chegar. – observei em retribuição.
- Sim. Mas logo o Owen deve estar chegando. Quer um café? – confirmou, já me estendendo a xícara que acabara de preparar para si própria na máquina de espresso sobre um balcão lateral.
- Obrigado! Devo fazer o pagamento aqui ou diretamente ao senhor Owen? – perguntei, sorvendo um gole do café.
- Diretamente com ele. – respondeu, no instante em que dois homens na faixa dos trinta anos entravam no único salão que servia como saguão de espera, check-in, balcão de atendimento e tudo mais que se referia aquilo se parecia com tudo, menos com um aeroporto.
- Estes são os outros passageiros! – confirmou a garota com seu sorriso, agora mais animada com a agitação que viera quebrar sua rotina monótona.
Cumprimentei-os rapidamente, e fiquei sabendo que eram turistas canadenses. Conversávamos informalmente quando o som de um avião fazendo uma rasante sobre o telhado da construção fez estremecer toda a estrutura. Olhei pelas vidraças e vi uma mancha prateada descrevendo uma curva e embicando na extremidade mais longínqua da pista, voltando em nossa direção e tomando a forma de um avião, um bimotor Beechcraft modelo 18 do final da década de 60. Dele saltaram o Owen, usando uma jaqueta de couro marrom e jeans, e o maori trajando uma calça de camuflagem e uma camiseta branca colada nos músculos enormes.
- Todos prontos? – indagou o Owen, ao entrar no saguão.
Acenamos positivamente em sua direção e saímos em direção ao avião carregando nossas bagagens sob um sol tórrido de meio de tarde. O calor emanado da pista distorcia a imagem do avião a apenas algumas centenas de passos.
- Aonde você pensa que vai com toda essa tranqueira? – vociferou o Owen, quando me viu jogando uma das pesadas mochilas sobre o ombro e quase arrastando a outra atrás de mim. – É impossível levar toda essa carga. – sentenciou.
- Você não mencionou nenhuma restrição de bagagem. Além do que, estes são todos meus pertences de viagem, depois de East Cape embarco com eles em Auckland de volta para casa. – protestei.
- Não mencionei nada sobre bagagens, pois imaginava que todos estariam com um volume normal, e não uma casa sobre os ombros. – continuou, como se coubesse a ele decidir quanta bagagem alguém podia transportar.
- Pois eu vou levar tudo o que tenho aqui, o que não é muito mais do que está na bagagem dos outros. – sentenciei, não me deixando intimidar. – Imagine se a essa altura eu vou me dar ao trabalho de despachar parte dessa bagagem via cargo? – emendei indignado.
- Temos um impasse! – gritou ele. – Não decolamos levando toda essa bagagem!
- Bem que me alertaram que você é um sujeito petulante e encrenqueiro! – disse, elevando a voz, e procurando não demonstrar a raiva que estava sentindo.
- Fizeram bem. Mas parece que você não levou a recomendação a sério! – disse irônico.
- É que não costumo me intimidar com qualquer um. – respondi secamente.
- Venha comigo! – grunhiu, pegando uma das minhas mochilas e rumando em direção à picape que estava estacionada ao lado da construção da torre de controle.
- Onde você está levando minha bagagem. Volte aqui! – estava ficando difícil me controlar.
- Elaine, diga ao Paul que vamos ter um pequeno atraso. E tire os outros passageiros desse sol. – ordenou, à loira que assistia a cena sem se manifestar, assim como os demais.
- Entre logo nessa picape! – rosnou, antes de sair cantando os pneus.
Ele tomou o rumo da cidade, por uns instantes pensei que ia me deixar no hotel, e já me preparava para enfrenta-lo com mais firmeza. Mas, percebi que ele virou uma esquina onde se lia Awamoa Road numa placa junto à calçada. Ele estava me levando para sua casa. Tal como a Elaine havia me descrito, não teria sido difícil encontrar a casa dele, ao lado de um amplo terreno descampado. Era uma casa térrea com um interessante jogo de telhados, afastada da rua onde crescia um capinzal entre o que outrora fora um jardim. Ele estacionou em frente ao portão da garagem. Um enorme sabujo preto e marrom levantou-se do capacho em frente à porta principal sob o avarandado que cercava a casa, e veio contente saudar a volta do dono. Me deixando arrastar as bagagens sozinho para dentro de casa, o Owen seguiu na minha frente abrindo caminho. O cão farejou minhas mochilas e, em seguida, atirou-se sobre mim como se fossemos velhos conhecidos, tentando lamber meu rosto; somente depois de ter recebido o quinhão de carícias que julgou lhe caberem me deixou prosseguir.
A sala na qual entramos havia muito que não sabia o que era uma boa faxina. Latas de cerveja e dois pratos estavam sobre a mesa entre os sofás, pelos quais havia roupas e uma manta, pendurados. As cortinas estavam parcialmente fechadas, o que mergulhava o ambiente numa penumbra. A amplidão parecia favorecer a desarrumação na qual a casa estava imersa.
- Veja o que é mais essencial e arrume tudo numa das mochilas, a outra deixe aí, eu a despacho para onde você quiser, é só me deixar o endereço. O frete é cortesia! – sentenciou arrogante.
- Isso é um absurdo! Os outros dois têm tanta bagagem quanto eu. Um pouco menos eu concordo, mas nada que justifique esse despropósito. – disse, revoltado. – E não preciso de nenhuma cortesia sua. Quero apenas que cumpra sua parte no combinado, que é o de me levar a East Cape. Minha grana paga seu serviços, só isso, e estamos quites. – acrescentei.
- Não me faça arrumar eu mesmo a sua mochila. E, já que o senhor é tão certinho, não se esqueça que temos dois passageiros esperando a sua boa vontade. – retrucou. A voz dele já começava a me dar nos nervos. Contudo, tive que concordar com ele quanto aos outros dois passageiros. Não seria justo atrasá-los por minha causa.
Fiz uma rápida seleção do que julgava ser mais importante levar comigo e deixei o restante na outra mochila. Ele acompanhava meu trabalho balançando a cabeça de um lado para o outro, à medida que verificava o que estava nas minhas mochilas. Detestei-o por isso.
- Quer uma cerveja, uma água, ou qualquer coisa para refrescar a garganta? – perguntou, assim que viu que eu concluíra minha arrumação.
- Não. Só quero chegar a East Cape, o quanto antes. – respondi, com aspereza.
- OK! Sua vontade é uma ordem para mim. – revidou, fazendo um gesto com o braço em direção à porta.
- Você vai deixar o cão sozinho à própria sorte? – indaguei, quando vi o olhar desolado que o animal nos lançava.
- Ele sabe como se virar, não é mesmo Trevor? – disse, dando umas palmadas nos flancos do cão, enquanto esse lhe retribuía sonoros latidos.
Fiquei com mais raiva ainda quando, ao nos juntarmos ao grupo novamente no aeroporto, um sorriso disfarçado se escondia por trás dos lábios comprimidos da loira e do maori. Concluindo que o amigo havia conseguido impor sua vontade a mais um pobre resignado. Este se prontificou a pegar minha mochila e ajeitá-la no compartimento de carga. O Owen e o maori entraram na cabine assumindo suas posições de piloto e co-piloto, os outros dois passageiros sentaram-se nas janelas do lado oposto ao meu. Afivelei o cinto, que estava sobre a poltrona com o tecido desgastado, à cintura e abri a escotilha para poder ver a decolagem pela janela. Havia lugar para oito passageiros além dos pilotos, que estavam separados por uma portinhola metálica. Os motores foram ligados um após o outro, e começaram a sacudir a cabine como se estivéssemos dentro de uma betoneira. O Maori travou a porta por onde havíamos entrado e ajustou uns fones à cabeça ocupando seu acento. O Owen se virou para trás perguntando se todos estavam à postos, e empurrou o manche colocando o avião em um movimento lento que nos fez rolar aos solavancos até a cabeceira da pista. Um estrondo nos motores fez o avião ganhar velocidade e, segundos depois, as rodas deixavam de ter contato com o asfalto e o nariz da aeronave alçava os céus. Da minha janela eu podia ver a costa insular diminuindo enquanto subíamos, enquanto das janelas opostas se descortinava a imensidão azul do Pacífico. Não voávamos muito alto, pois dava para reconhecer perfeitamente o que estava lá embaixo. Embora a cabine estivesse quase toda desocupada, dava para sentir que o avião transportava um peso significativo, que deveria estar no compartimento de carga.
- Se quiserem alguma bebida, há um frigobar nos fundos da cabine. E algumas coisas para beliscar. – disse a voz do Owen, depois de atingirmos a altura de voo e ele ter estabilizado o ronco dos motores. – Nosso voo deve durar aproximadamente quatro horas e meia, a uma velocidade média de 300 quilômetros por hora, se o vento colaborar. – acrescentou.
Cerca de dez minutos após termos sobrevoado o estreito de Cook, o sol que nos acompanhava no horizonte subitamente desapareceu. Mergulhamos num denso aglomerado de nuvens cinza chumbo, e era impossível distinguir qualquer coisa do lado de fora. O avião afundava em imensos vácuos, trazendo nossos estômagos até a garganta. O maori nos aconselhou a permanecermos sentados e afivelados a nossas poltronas. Trocamos um olhar mudo na parte traseira do avião, e eu percebi que um dos passageiros começava a passar mal. Toda a estrutura do avião recebia repetidos solavancos que iam se tornando cada vez mais intensos e constantes. A velha fuselagem rangia como se os pedaços quisessem se soltar. Minutos depois estávamos imersos numa daquelas tempestades repentinas que se formam no Pacífico Sul. No breu do lado de fora das janelas desenhavam-se feixes luminosos que produziam um clarão intenso no formato de galhos de árvores secas. Os trovões ribombavam fazendo tudo estremecer. Subitamente a fuselagem foi atingida por um estalo seco, como se fosse uma chicotada. O ronco dos motores cessou e um zunido atingiu meus ouvidos obrigando-me a levar as mãos em concha até as orelhas. Estávamos caindo. Eu distinguia uma única palavra, repetida várias vezes, na voz agitada do Owen berrando na cabine dos pilotos – MAYDAY!
Embora fosse possível perceber que perdíamos altura, a cabine permanecia relativamente estável, e as oscilações não produziam uma inclinação tão acentuada que não fosse possível contornar, simplesmente se segurando nas poltronas. Quando olhei pela janela, pairávamos sobre as copas de uma floresta, e logo em seguida um barulho ensurdecedor fez com que uma asa fosse arrancada e uma sequência de cambalhotas terminou de sacudir o avião, até o silêncio total. A princípio eu não sabia onde estava. Senti um peso sobre mim, uma poltrona havia se soltado e se interposto entre os encostos na fileira onde eu estava sentado. Meu ombro esquerdo doía muito. Desafivelei o cinto e dei um empurrão com os dois pés na poltrona entalada sobre mim. Ela cedeu caindo no corredor que agora parecia uma rampa. O passageiro que estava passando mal estava caído, inconsciente, nos fundos do avião, e seu braço direito tinha uma forma estranha. O outro permanecia sentado na poltrona com a cabeça entre as pernas, e me encarou como se estivesse vendo um fantasma.
- Você está bem? – perguntou.
- Sim, estou. Só sinto uma forte dor no ombro. – respondi e, só então, olhei para o meu braço que pendia sem tônus ao lado do corpo. Eu luxara o ombro.
Da cabine dos pilotos vinha um gemido estertoroso. Eu e o passageiro enfiamos a cara pela portinhola e vimos o Owen debruçado sobre o painel de instrumentos cobertos de sangue, e o maori com as pernas presas entre parte da fuselagem e a poltrona onde estava sentado. Era ele quem gemia. Aos poucos o Owen começou a levantar a cabeça e levar as mãos até ela, seu rosto transfigurado tinha uma cortina de sangue descendo de um corte na testa.
- Estão todos bem? – perguntou, voltando a assumir uma postura autoritária.
- Precisamos tirá-lo dali. – afirmei, entrando na cabine e me dirigindo ao maori.
- Você não está em condições de fazer isso. Deixe que nós cuidamos disso. – disse o passageiro, que aguardou o Owen se posicionar para iniciarem a remoção do co-piloto.
- Esperem. É melhor estabilizarmos as pernas dele com alguma amarria. – sentenciei, enquanto procurava por alguma coisa que pudesse amarrar ao redor das pernas dele.
- Esta jaqueta deve servir. – disse o passageiro, que habilmente a amarrou juntando as pernas.
Enquanto transportavam o maori para fora do avião, o outro passageiro recobrava os sentidos e, embora pálido, segurou a porta do avião com o braço sadio. Assim que estávamos todos do lado de fora, deu para avaliar o tamanho do desastre. O avião rasgou uma clareira na mata, derrubando tudo o que encontrava pela frente. De uma asa e seu motor não havia nem sinal. Parte da outra estava partida e o motor pendurado na extremidade não tinha mais as hélices.
- Não seria prudente nos afastarmos do avião? Pode haver uma explosão se houver combustível nos tanques. – argumentei.
- Não é preciso. Eu liberei o combustível durante a queda. – disse o Owen.
Enquanto todos se sentaram e procuravam tomar ciência de tudo o que estava acontecendo, eu comecei a tentar recolocar meu ombro no lugar. Lembrei-me imediatamente de um senhor que vinha com frequência aos plantões do pronto-socorro durante a residência médica. Chamava-se Joe Campbell. Era um negro enorme, de mais ou menos cinquenta anos, um velho conhecido dos estudantes de medicina, que assistiam boquiabertos ele próprio reduzindo a luxação recidivante que acometia seu ombro esquerdo. Ele fazia questão de passar por todos os procedimentos prévios, preenchia a ficha e autorizava os procedimentos, depois deitava-se numa maca dos boxes da emergência e recolocava o ombro no lugar. Quanto tudo estava bem, ele encarava o residente e resmungava que estavam demorando a fazer a bandagem imobilizadora. Despedia-se de todos e saía caminhando pela porta do pronto-socorro. Dali a algumas semanas estava de volta repetindo o mesmo ritual. Tive que rir ao me lembrar dele, e isso me ajudou a suportar a dor de recolocar o ombro na posição. O olhar petrificado dos meus companheiros era parecido com o dos residentes e das enfermeiras da emergência. O Owen retirou uma caixa de primeiros socorros de um nicho acima do frigobar. Examinei o parco conteúdo e depois comecei a examinar as pernas do maori. Ele fraturara a tíbia em dois lugares, e era o que exigia os maiores cuidados; pois as pernas haviam sido prensadas entre a fuselagem e o painel de instrumentos, causando ferimentos perfuro-cortantes profundos. Precisei improvisar bandagens antes de estabilizar a perna fraturada com talas. O passageiro que fraturou o úmero, próximo ao cotovelo, sentiu um alívio assim que terminei de instalar umas talas improvisadas.
- Eu não sabia que você é médico. – disse o Owen, enquanto eu limpava e desinfetava o ferimento de sua testa. O corte não era profundo, e a reposição do retalho de pele foi suficiente para estancar a hemorragia.
- Sou. – respondi, antes de voltar para junto do maori e reavaliar seu estado geral.
Continuou a chover torrencialmente pelos dois dias seguintes, o que nos obrigou a ficar praticamente o tempo todo dentro da cabine do avião. O Owen estava tenso, como uma fera enjaulada. Ele se mostrava agressivo e autoritário, instigando reações cada vez mais exaltadas por parte do outro passageiro que não havia sofrido mais do que algumas escoriações e apresentava dois extensos hematomas no flanco direito e nas costas. Uma alta carga de tensão pairava ameaçadora no ar.
- Não entendo por que até agora não ouvimos nenhum barulho de helicópteros ou equipes de buscas? – disse o canadense. – Eles conheciam a nossa rota e já deveriam estar aqui, pois estamos próximos da costa.
O maori e o Owen trocaram um olhar significativo depois dessa observação. Já haviam cochichado algumas vezes entre si quando ninguém estava muito próximo deles.
- Quando fui avisado da tempestade que se aproximava pelo leste eu mudei nossa rota desviando para o interior da ilha e, antes que eu pudesse avisar a torre de controle do aeroporto de Wellington, as descargas elétricas geraram uma energia estática que afetou a comunicação por rádio. – revelou nosso piloto, diante da expressão estarrecida de todos.
- Quer dizer que você sabia do perigo iminente de uma tempestade, ignorou-o, e ainda mudou a rota sem dar ciência às autoridades. Que tipo de babaca é você? Nos lançando nesse inferno. – berrou o canadense.
- Veja lá como fala! Não sou nenhum amiguinho seu para aturar esses chiliques. – sentenciou o Owen.
- Você é um cretino que colocou nossas vidas em jogo ao invés de ter pousado em Wellington com essa banheira sucateada. – descontrolou-se o passageiro, partindo para cima do Owen com seu corpo colossal, o único dentre nós em condições de peitar os músculos do piloto.
- Parem com isso! Parem! – gritei, quando os dois se engalfinharam numa luta ferrenha. O outro passageiro também interveio e a custo conseguimos que eles se largassem.
- Podemos apodrecer aqui antes que nos encontrem! – arfou o canadense, depois de secar o sangue que lhe escorria pelo lábio.
O Owen saiu do avião e se embrenhou na mata. Tentei segui-lo, mas logo o perdi de vista e acabei voltando. A chuva fina que passava pelas copas das árvores estava gelada.
- Deixe-o. – balbuciou o maori, quando me aproximei dele, pois havia se agitado com toda aquela confusão. – Ele está tenso, se sentindo responsável pelo acidente e, sobre pressão, ele se torna uma bomba. – disse, com o conhecimento de velho amigo. – Além do que, a falta de uma fêmea o deixa ainda mais mal humorado.
- Não sou piloto, mas talvez ele tenha sido imprudente em realizar uma manobra sem avisar a torre de controle mais próxima. – argumentei.
- Se todos estão vivos é graças a ele. Não havia como enfrentar a tempestade com essa aeronave. E a habilidade dele em pousar sobre as copas das árvores sem ter baixado o trem de pouso, com aquelas péssimas condições de visibilidade e, ainda, ter emborcado uma das asas para que ela se partisse e reduzisse a velocidade do impacto, não são manobras de um amador. – disse o co-piloto.
Senti que havia sido injusto em meu julgamento e movido pela culpa, coloquei um agasalho sobre a cabeça, e levando outro comigo, fui atrás do Owen. Encontrei-o a cerca de oitocentos metros na trilha onde o perdi. A trilha acabava num penhasco rochoso donde se avistavam as montanhas menores ao redor e uma fenda da qual não se via nem o começo e nem o fim. Ele estava sentado sobre um tronco caído, segurando as pernas e com a cabeça mergulhada nos joelhos. Parecia um garotinho que levara uma surra dos pais, nem de longe lembrava aquele gigante que ditava ordens e saía distribuindo socos como um touro enfurecido. Aproximei-me dele e estendi o agasalho que havia trazido.
- Acho que você fez o que julgava ser o correto. Precisamos encontrar uma estratégia para sair daqui, ou talvez nos encontrem, não acha? – disse brandamente.
- Não me venha com essa conversa! Eu sei o que fiz. – revidou zangado.
- Bem, está feito. Todos estão vivos, e isso não é pouco. – argumentei
- Mas o estado do meu amigo é grave, eu tenho consciência disso. – devolveu, aceitando o agasalho.
- Não vou negar. Mas ele é forte e jovem. E não vai demorar a nos encontrarem.
- Talvez aquele cretino esteja certo. Vamos apodrecer antes disso, ou pelo menos ter uma baixa entre nós. – sentenciou cheio de remorsos.
- Não seja infantil. Um avião não desaparece dos radares sem que alguém se dê conta disso.
Permanecemos em silêncio sob a chuva fina. A expressão amargurada dele me atingiu de tal maneira que não consegui segurar minhas palavras.
- Se você quiser eu posso ser sua fêmea. – foi menos que um murmúrio, mas eu mesmo me espantei com a ousadia das minhas palavras.
- O que você disse? Acha que pode me fazer uma proposta destas, seu viado, só por que estamos nessa situação? – os gritos dele me fizeram temer por uma agressão, com aquelas mãos cerradas que ele agitava no ar e se controlava para não desferir contra mim.
- Desculpe! Não sei o que me deu. Já temos problemas suficientes, não quero criar mais um. Me perdoe, por favor. – eu devia mesmo estar maluco. Como pude fazer uma proposta absurda dessas a um sujeito que até ontem me incomodava tanto?
Na manhã do terceiro dia o sol começou a se infiltrar através das folhas úmidas das árvores ao redor da clareira aberta pelo avião. Os raios luminosos que atingiam as gotas que ainda pingavam delas formaram um arco-íris no céu incrivelmente azul e limpo. O co-piloto estava empapado de suor mesmo estando embrulhado em diversos agasalhos. O estado dele estava se agravando. As feridas abertas precisavam ser tratadas e eu não tinha nada em mãos para fazê-lo.
- Temos que sair daqui! Não vão nos encontrar nunca. – sentenciou o passageiro canadense. A hora é agora, a chuva parou e devemos pegar uma trilha e começar a descer a montanha.
- Certa vez eu li, ou talvez tenha ouvido numa dessas reportagens sobre acidentes aéreos, que a chance de ser resgatado é maior quando se fica próximo ao avião. – comentei
- Isso é bobagem! Não temos mais comida por muito tempo, e nem teremos forças se ficarmos desperdiçando essa oportunidade. – devolveu ríspido.
- E como você pretende transportar nosso enfermo? – inquiriu seu amigo.
- Eu proponho que você que é médico fique com ele. Nós procuramos por socorro e damos sua localização. – falou decidido.
- Mas o ombro dele também não está bem. Além do que ele já está fazendo o que pode. – argumentou o parceiro.
- Bem, isso é um problema dele e de quem quiser ficar. – rosnou, indiferente. – Quem vem comigo?
- Ninguém vai a lugar algum. Pelos meus cálculos, e baseado nas últimas informações que pude captar nos instrumentos de voo, devemos estar dentro da floresta do parque nacional de Tararua. As condições meteorológicas aqui são muito inconstantes, e enfrentar esses ventos sem equipamento adequado pode ser um desastre. – disse o Owen – Agora que parou de chover podemos fazer uma fogueira lá outra extremidade da clareira. A madeira molhada vai fazer muita fumaça e há uma chance de sermos notados. – completou.
- Que desastre pode ser maior do que esse em que você nos enfiou? E, o absurdo maior, é você nem saber exatamente onde nós estamos o que nos impossibilita até de prever um rumo a seguir. – questionou o canadense.
- Vá se ferrar! – berrou o Owen. No que o outro já se preparava para reiniciar o combate. A testosterona os levava aos limites. Eles pareciam dois touros raivosos confinados num curral.
- Essas discussões não vão nos levar a lugar algum. Comportem-se como homens, pois ninguém aqui aguenta mais essa exibição machista. – disse o parceiro do passageiro.
Fizemos a fogueira, ela realmente elevou uma nuvem densa muito acima das copas das árvores. A temperatura caía muito rapidamente no final da tarde, e os ventos que assolavam as encostas das montanhas impossibilitavam que se ficasse fora do avião. Também era a parte do dia em que o maori tinha seu quadro clínico exacerbado. Na última tarde ele começou a convulsionar. O Owen saiu do lado dele e se atirou para fora do avião ignorando a ventania lá fora. Ver o amigo naquelas condições o mortificava. Depois de tentar diminuir a temperatura do co-piloto com compressas de água fria, segui-o pela mesma trilha onde ele se refugiava.
- São picos de temperatura devido à infecção. Ele vai melhorar assim que esses picos cederem. Não fique assim. – disse, ao me acocorar a seu lado.
- Por quanto tempo ele vai aguentar? – perguntou atormentado.
- Até sermos resgatados. – respondi, confiante. Encarando seus olhos apagados.
- Você é um otimista. – sentenciou.
- Sou realista. Estamos vivos, então temos que ser razoáveis.
Ele pegou a mão do meu braço sadio e a colocou entre as suas. Segurou-a por um bom tempo, como se estivesse avaliando o que pretendia fazer, depois lentamente a levou até sua pica. Me encarou constrangido, mas deixou-a sobre aquele volume entre suas coxas. Eu deslizei suavemente minha mão ao longo daquela protuberância, e ela começou a ganhar vida. Inicialmente não passavam de pulsações discretas que iam tornando seu membro cada vez mais consistente. Ele abriu as pernas para que ele pudesse se expandir livremente. Quando senti que ele estava encorpado, abri delicadamente a braguilha e deslizei meus dedos longos e finos pela fenda do zíper. O Owen soltou o ar num sibilo longo quando o calor da minha mão se fechou ao redor do seu cacete. Aquele volume começou a latejar na minha mão e crescia descomunalmente. Desafivelei o cinto e desabotoei o jeans, liberando o caralhão. Movido por um desejo intrépido, aproximei minha boca daquela glande protuberante e toquei suavemente meus lábios nela. Senti a masculinidade do cheiro que exalava de sua virilha, e apertei com força meus lábios ao redor daquela cabeçorra, que delicadamente fui colocando para dentro da boca. Senti a mão do Owen na minha nuca, empurrando-me contra seu cacete. Lambi, chupei e me lambuzei em seu pré-gozo. Havia algo naquele sumo que me atraía como o pólen de uma flor atrai as abelhas. Minha mão deslizava pelo caralhão pesado e rígido, e enquanto eu o punhetava, seu sacão se ingurgitava, tornando as duas bolonas bem nítidas e encorpadas. Não resisti e coloquei uma delas na minha boca, chupando-a com firmeza e carinho, mesmo estando com a boca cheia de pentelhos. Ele gemia e tirava os olhos da minha boca, incrédulo com o prazer que eu lhe proporcionava.
- Chupa mais a minha pica! – gemeu com os dentes cerrados.
Eu tornei colocar a cabeçorra na boca e a suguei energicamente. Ele a estocou na minha garganta e gozou abrupta e fartamente. Quando levantei meu olhar para seu rosto, e fui engolindo os jatos de porra que enchiam minha boca, ele abriu um sorriso que há dias eu não via estampado em rosto. Não tive vontade de me afastar daquele caralhão, e por mais de meia hora continuei a acaricia-lo, enquanto permanecíamos abraçados em silêncio.
Pouco antes do meio dia do quinto dia da queda comecei a ouvir um ruído se aproximando. Todos exceto o co-piloto correram até o centro da clareira. Á medida que o ronco característico do rotor de um helicóptero se tornava mais claro, a euforia tomou conta do grupo. Saltávamos e agitávamos os braços como ensandecidos, quando a silhueta de um enorme Sea King amarelo pairava sobre o topo das árvores, criando um turbilhão que arrancava os galhos mais frágeis e os lançava no ar. Da porta corrediça lateral dois homens confirmavam ter nos localizado. Cerca de quinze minutos depois, dois grandes malotes foram lançados da porta. O Owen fez uma sequência de sinais com os braços antes que o gigante se afastasse, deixando o eco dos motores se perder na floresta.
Corremos em direção aos malotes e checamos seu conteúdo. Além de víveres, havia o que eu mais precisava, medicamentos, bandagens e o mínimo para melhorar as condições do co-piloto. Passei o restante da tarde envolvido com a instalação de um equipo de soro e a administração de antibióticos, analgésicos e demais procedimentos de limpeza e desinfecção das feridas nas pernas do maori.
Num bilhete lançado junto com os malotes, havia algumas instruções básicas de sobrevivência, e a confirmação de que uma equipe seguiria por terra para dar apoio a um helicóptero menor que pudesse efetuar o resgate com mais segurança.
Ao contrário das noites anteriores, quando cada um se encurralava num canto e engolia o pouco que havia para comer, naquela noite devoramos a comida lançada e preparada pelo passageiro canadense, num circulo falante e com as esperanças renovadas. Fez muito frio naquela noite, havia uma lua crescente iluminando a clareira e a fuselagem prateada do avião. As estrelas pareciam piscar no céu límpido. Eu estava agitado demais para conciliar o sono, e percebi quando o Owen fechou silenciosamente a porta do avião depois de passar por ela. Encontrei-o parado do lado de fora enrolado numa grossa manta impermeável, admirando o luar.
- Você tinha razão, nos localizaram. Acredito que mais um ou, no máximo, dois dias estamos saindo daqui. – disse, ao perceber minha presença. – Me desculpe por ter feito isso com você. – emendou, olhando para o chão.
- Está tudo bem, é isso que importa. Não se culpe, foi um acidente. – retruquei
- Não consigo dormir! Acho que vou caminhar até o penhasco, você vem comigo? – perguntou, no que me soou como um convite.
- Vou pegar uma manta e podemos ir. – respondi.
Ficamos conversando longamente. Ele me contou um pouco mais detalhadamente como iniciara o serviço de taxi aéreo, e quis saber o que me levou até a Nova Zelândia. Foi a conversa mais amena e amistosa que tive com ele desde que nos conhecemos. E, eu percebi que ele estava conseguindo exteriorizar muito mais coisas do que já havia conseguido com qualquer outra pessoa.
- Eu gostei muito do que você fez anteontem. – disse, de repente, um pouco embaraçado.
- Eu também gostei muito. – respondi, enlaçando meu braço no dele.
Aos poucos ele foi se debruçando sobre mim e tocou levemente seus lábios mornos nos meus. Eu retribuí aquele toque confortante, beijando-o carinhosamente. A língua dele entrou na minha boca e eu a chupei, sentindo a fluidez quente de sua saliva. Meu corpo se alvoroçou numa tremedeira que não era causada pelo frio, mas pelo desejo de cobiça brilhando nos olhos dele. Envelopados nas grossas mantas, nossos corpos nus resvalavam um no outro. As mãos dele me percorriam com sofreguidão e enquanto ele tentava me colocar de bruços, meu ombro luxado deu uma fisgada que me fez gemer. Quando encontrei uma posição mais cômoda para o braço, ele já estava sobre mim e eu sentia sua ereção forçando meu rego. Minha bunda protuberante estava encaixada em sua virilha e ele se esfregava em mim, excitado e carente. Senti que um dedo dele penetrou meu ânus e se movia em movimentos circulares dentro de mim, me fazendo gemer de tesão. Ele testava a elasticidade das minhas pregas, com tamanha voracidade que fazia meus esfíncteres se contraírem alucinadamente. Com uma das mãos ele levou o caralhão até a portinha do meu cu e começou a força-lo. Eu arfava e me entregava empinando a bundinha carnuda contra sua pelve. Ele empurrou com mais força e meteu a rola no meu cuzinho, dilacerando minhas pregas durante a passagem daquela jeba calibrosa. O eco do meu grito reverberou nas profundezas escuras da fenda rochosa abaixo de nós, sendo carregado pelo vento. Ele me estocava ensandecido pelos meus músculos anais que apertavam sua rola com tamanha força que massageavam não apenas sua carne, mas seu ego e seu instinto de macho. Ele bufava como um touro na arena, enquanto me penetrava profundamente, estocando minha próstata e me fazendo ganir em agonia e prazer. A plenitude daquele preenchimento visceral foi a melhor sensação da minha vida. Era a primeira vez que eu encontrava eco para as minhas necessidades junto ao corpo de alguém. Era uma realização mágica de todo um desejo almejado, o de me sentir a metade que completa o todo. A pica dele começou a inchar mais ainda durante o vaivém rítmico que ele mantinha entrando e quase saindo do aconchego das minhas pregas. Jatos pegajosos iam se aderindo a minha mucosa esfolada, acalentando com sua tépida consistência, o tesão que eu sentia. Gozei sem ter tocado meus genitais, com tamanha intensidade e tamanha realização como nunca imaginei ser possível gozar. Ele foi tirando vagarosamente a pica das minhas entranhas, enquanto segurava meu rosto em suas mãos e me beijava como se quisesse distribuir parte do prazer que estava sentindo. Depois deitou-se de costas e pediu para que apoiasse minha cabeça em seu ombro, puxando-me para junto dele. Enquanto o firmamento se deslocava sobre nossas cabeças, na desolação daquele lugar perdido, conversamos amenidades como se nada mais além daquele momento e de nós dois existisse.
- Preciso voltar e repetir a medicação do seu amigo. – disse, ao perceber que a aurora ia clareando o céu.
- Obrigado! – disse ele, enquanto eu me vestia e enrolava a manta ao redor dos ombros. – Obrigado por existir e cruzar meu caminho. – emendou, ajudando-me a ficar de pé.
- Eu é que preciso te agradecer por colocar luz no meu caminho. – retruquei, tocando sutilmente meus lábios nos dele. Naquele momento ele não compreendeu plenamente o significado dessa frase, mas ficou contente por ouvi-la.
Aquele foi talvez o dia mais longo desde o acidente. Esperamos em vão pela ajuda que não regressou, e nos preparamos para mais uma longa e angustiada noite. Quando voltou a chover durante a madrugada, todos ainda estavam acordados. O co-piloto delirava em meio a mais um pico de febre, e isso reduzia os nervos de todos a frangalhos. Nos raros momentos em que ele se mostrava mais consciente, o Owen tentava tranquiliza-lo enchendo-o com seu otimismo. Doze homens com roupa de camuflagem e pesadas mochilas nas costas só surgiram dentre as árvores no início da tarde do dia seguinte. Cerca de uma hora depois dois helicópteros sobrevoaram a clareira e começaram as manobras para nos içar até as aeronaves. Fui içado logo após o co-piloto, cuja manobra foi a mais complexa, para poder fornecer as informações sobre seu estado clínico para o colega médico do resgate. Toda a operação só terminou quando a noite caía, resgatando os últimos homens da patrulha enviada por terra. Recebemos o primeiro atendimento médico no Hospital Wairarapa em Masterton, a cidade mais próxima. O passageiro canadense e o co-piloto foram operados naquela mesma tarde. Depois de uma tomografia meu ombro foi imobilizado e passei a usar uma tipóia descente. O Owen me esperava na saída do hospital, com um curativo limpo e mais discreto na testa.
- Para onde você vai? – perguntou
- Vou dormir num hotel da cidade esta noite. Amanhã pretendo ir a Wellington e de lá até Auckland para regressar ao Brasil. Minha família deve estar aflita com esta semana sem notícias. – respondi
- Se importa se eu for com você? – inquiriu
- Nem um pouco. Gostaria de ter sua companhia por mais algumas horas. – ele sorriu e passou o braço pelo meu ombro.
Nunca a água morna de uma ducha me pareceu tão abençoada. Enquanto a água escorria pela minha pele branca e lisa manchada de hematomas e equimoses, eu rememorava nossa luta pela sobrevivência, com os olhos fechados. Abri-os assustado quando senti os braços do Owen me envolvendo. Ele passou as costas dos dedos pelo meu rosto e me puxou para junto dele. Espalmei minha mão sobre os pelos de seu peito e o acariciei, mergulhando nas profundezas daqueles olhos verdes serenos. Ele ajudou a me secar e me reclinou sobre a cama, como se meus quase 90 quilos não fossem mais do que algumas gramas. Beijou meus hematomas e começou a apartar minhas nádegas. Agora a visão daquelas pregas ainda vermelhas e levemente inchadas de sua incursão voraz, visíveis sob a luz âmbar dos abajures do quarto, o excitaram mais do que sua imaginação havia conseguido naquela noite. Vulneráveis e marcadas por sua intempestividade, elas estavam ali a sua mercê. Ele sentia o calor do tesão se apossando dele, como um ente que lhe roubava o juízo, e fazia dele um predador. Soltei um gemido choroso quando sua língua úmida deslizou sobre elas, e balbuciei seu nome. Ele abriu minhas coxas e colocou minhas pernas sobre os ombros. Do falo duro e empinado dele escorria uma longa gota aquosa que impregnou minhas narinas com seu cheiro viril. Ele enfiou o cabeçorra em mim e esperou que eu a agasalhasse com meus esfíncteres mais relaxados, e então meteu o caralhão em mim, bombando meu cuzinho até me esfolar. Eu gania, e puxei seu tronco sobre mim, pois só essa proximidade conseguiria aplacar o furor que percorria minha pelve. Gozei antes dele, e recebi seu sêmen como quem ganha uma dádiva.
Três dias depois eu estava em casa. Aquele apartamento onde eu passei meu último ano, de repente, me pareceu o lugar mais inóspito do mundo. A família e os amigos vinham em levas sucessivas me visitar. Repeti os detalhes do acidente à exaustão. E, quando todos já estavam inteirados de tudo, e a vida começava a entrar nos eixos, eu me senti incapaz de levar aquela farsa adiante.
- Você tem outra. – disse Mariana quando levantei a questão da separação, caindo num choro convulsivo.
- Você sabe que não é nada disso. Procure ser racional e reflita sobre nossa situação neste último ano e meio. Você vai ver que não somos realizados nessa relação.
- Quem é ela? Você viajou com ela? – delirava com a surpresa da minha proposta.
- Seja razoável. Não estamos falando de ninguém mais do que nós dois. – ponderei.
- Eu vou para a casa dos meus pais, assim você consegue pensar melhor. Pode ter sido o trauma do acidente. – sua torrente de palavras era desconexa e irracional.
- Mariana, este apartamento é seu. Não é você quem vai sair, e sim eu. E é você quem vai refletir, sem interferências e sem cobranças. Você vai ver que eu estou certo, e que é o melhor para a nossa felicidade.
Fui para um flat naquele mesmo dia. Precisava do recolhimento e da solidão. Não era hora de ouvir as indignações e os conselhos de ninguém. O drama se espalhou como um rastilho de pólvora entre as famílias. Até que as semanas foram passando e a lucidez voltou a guiar as ações de todos os envolvidos. O fato estava consumado.
- Chegou uma mochila sua esta manhã. – disse a voz mais serena e conformada da Mariana ao telefone.
- Nem me lembrava mais dela. Não consegui embarcar essa bagagem no taxi aéreo. – revelei. – Importa-se se eu for busca-la esta noite. Tenho pacientes até as oito, depois passo aí, está bem?
- Pode vir. Até depois.
Senti meu coração palpitando quando vi a enorme mochila sobre um dos sofás da sala. Não eram mais objetos inanimados que ela continha, mas recordações que mexiam comigo. Quando voltei ao flat e comecei a retirar as coisas dela, meus dedos acariciavam cada item que eu ia tirando, e um nó começou a se formar na minha garganta.
Pouco mais de quinze dias depois da chegada da mochila, num sábado pela manhã, o porteiro interfonou avisando que um homem pedia para subir.
- Não estou entendendo a língua que ele está falando, mas ele tem um papel nas mãos com seu nome e o endereço daqui. – disse o porteiro.
Não pode ser ele. Estou tão emotivo que começo a imaginar coisas. Mas, quem mais poderia estar me procurando com um endereço nas mãos. Não consegui esperar no apartamento, fui até a frente da porta do elevador. Devia ter vestido pelo menos uma calça. O que iam pensar de mim com bermuda e chinelos? Quando o sinal sonoro tocou anunciando que o elevador havia chegado ao andar, um calafrio percorreu minha espinha. O rosto dele tinha aquele sorriso franco e despachado que mexeu comigo desde a primeira vez que o vi. Eu me atirei em seus braços e envolvi seu rosto em minhas mãos para ter a certeza de que não estava tendo uma alucinação.
- Eu vim te buscar! – disse aquela voz grave que tanto ecoava em meus sonhos desde que voltei da Nova Zelândia.
Ele passou duas semanas comigo. Tempo suficiente para conhecer meus pais e meus irmãos. Tempo suficiente para revelar o que sentia por mim. Tempo suficiente para me fazer ver que meu destino estava atrelado ao dele. Eu demorei mais três longos e impacientes meses para ajeitar a minha mudança. Não mais algo temporário e passageiro, mas uma mudança radical e permanente.
Na véspera gelada do dia de Ação de Graças chegamos a Boston, na casa dos pais dele. Sete anos haviam se passado sem notícias dele, as lágrimas copiosas da mãe e os olhos marejados do pai não acreditavam que o filho estivesse de volta e os apertava em seus braços. Assisti comovido ao reencontro deles, e senti que havia feito o certo ao convencê-lo a apagar as rusgas do passado e criar uma nova relação com eles. Era desse homem inteiro e, quites com seu passado, que eu precisava, e foi assim que voltamos para a Nova Zelândia logo depois do Natal.
Há um ano compramos uma fazenda na região de Canterbury às margens do lago Ohau na ilha do sul, de um casal de idosos que não se achavam mais em condições de tocar a propriedade. Além dos vinhedos que cobrem a metade da fazenda, resolvemos investir na horticultura orgânica. Às três estufas iniciais estamos anexando mais duas para dar conta da demanda. A casa, um chalé com grossas paredes de pedras da região, incrustado na vertente leste das montanhas que acompanham a espinha dorsal dos Alpes do Sul, não é grande, mas confortável o suficiente para acomodar nossos sonhos. Nos finais de tarde de agosto, como agora, quando o sol dourado se põe atrás dos picos gelados cobertos de neve, o Owen e eu nos sentamos lado a lado nas almofadas do sofá de rattan da varanda envidraçada, com uma caneca de chá fumegante esquentando as mãos enregeladas e o Trevor enrolado aos nossos pés, e eu sei que tomei a decisão certa. Sinto o corpo quente dele resvalando no meu. Desde o café dessa manhã ele já me enleou umas três vezes e seu olhar está com aquele brilho afogueado e terno ao mesmo tempo; aquele brilho que diz – quero entrar em você – e que tem a capacidade de deixar todos os meus sentidos em alerta. Sei que esta noite, quando sua rola estiver pulsando cada vez mais espaçadamente dentro de mim, e minha musculatura anal já não estiver tão tensa e dolorida, seu olhar satisfeito vai procurar o meu, e antes que seus lábios toquem os meus, ele vai sussurrar um – TE AMO – com sua voz rouca e sensual. Como sempre, vou enfiar as pontas dos meus dedos nos seus cabelos e devolver um – EU TAMBÉM TE AMO, MUITO – antes de nos embalarmos em nossas próprias respirações e adormecer.