PROSTITUIÇÃO MODERNA – Parte 16
Era para ser um sonho lindo. Eu e Valéria passeávamos de mãos dadas por uma ilha deserta e paradisíaca. O mar não parecia mar, e sim um rio cristalino. Peixes de várias espécies nadavam alegremente aos nossos pés, enquanto adentrávamos um pouco na praia. Aí minha esposa soltou minha mão e começou a se banhar sorridente. Com água à altura dos seios, esfregava levemente as mãos no corpo. Então o sonho virou um terrível pesadelo.
Sua pele passou a ficar rubra onde era tocada por suas mãos, e a água cristalina ficou manchada de sangue. Cada vez mais, aquela mancha encarnada ia se espalhando pelo mar, fazendo os peixes se afastarem apavorados dela. Valéria começou a gritar. Um grito pavoroso. Depois desfaleceu, submergindo nas águas que a cada momento ficava mais viscosa. Mergulhei para impedir que ela se afogasse, mas não consegui encontrá-la. Emergi aflito, gritando o seu nome. Então, senti algo se enroscar nos meus pés. Aquilo logo me envolveu as pernas, serpenteando pelas minhas coxas. Fiquei estático, apavorado, esperando a cabeça daquela serpente, que me imobilizava, aparecer fora das águas turvas de sangue. E o monstro tinha as feições de Valéria, com um sorriso maligno na boca distorcida daquela aberração. Aproximou-se de mim e sibilou a língua na minha boca, num beijo tosco. Depois mergulhou e desapareceu nas águas turvas, sem deixar de me imobilizar com seu corpo de serpente. Afrouxou a pressão na minha região pélvica e eu senti sua língua sibilar, só que dessa vez na cabeçorra do meu pênis que ficara ereto independente do meu pavor. Aí aquela boca monstruosa e quentíssima abocanhou meu mastro, engolindo-o pouco a pouco, tal como uma jiboia engolindo sua presa. Mesmo apavorado, eu me deliciei com aquela estranha felação. Meu pau ficava cada vez mais excitado, pulsando a cada mamada que o monstro dava nele. O resto do meu corpo estava paralisado, mas a sensação do orgasmo que se aproximava me causava estremecimentos e era sufocante. Acordei naquela letargia e abri os olhos bem devagar, ainda sonolento. Valéria me punhetava o cacete com as duas mãos, enquanto tentava engoli-lo com sua boca voraz.
Não consegui prender o gozo que já aflorava à cabeça da rola. Foi um jato poderoso, que a fez engasgar. Ela largou do meu pau e começou a tossir sufocada com minha porra. Eu fiquei ejaculando aos poucos, botando para fora todo o resto do esperma. Valéria finalmente conseguiu falar, mas só gritou impropérios. Estava visivelmente enojada por eu ter ejaculado em sua boca e me xingava raivosamente por isso, enquanto corria ao banheiro ligado ao quarto. Quando me aproximei dela, forçava o vômito no vaso sanitário. Nem bem me viu, atirou-se com toda sua fúria, gritando a peito aberto o nojo que tinha de mim. Não insisti em socorrê-la. Apenas dei uma olhada circular para dentro do banheiro. A primeira coisa que me chamou à atenção foi um estojo de maquiagem aberto que tinha sobre o balcão. Só tons escuros, como os que davam coloração às suas olheiras, quando ela estava em suas crises de insanidade. Fiquei cismado.
Enrolei-me com uma toalha e fui para o meu quarto. Tomei um longo banho, pensativo. Lembrei-me de minha mãe. Certa vez, quando eu ainda era criança, flagrei-a dizendo a uma amiga que cada vez mais sentia nojo do meu pai. A tal amiga respondeu-lhe que toda mulher sente nojo de fazer sexo com seu homem, se não mais gosta dele. Ela própria evitava chupar o seu e corria para se lavar quando ele esporrava dentro dela. Tinha asco da relação sexual com o marido. Só o aguentava porque não tinha para onde ir, nem como se autossustentar. Minha mãe ia dizer alguma coisa, quando fui percebido por ambas. Ela interrompeu a conversa e nunca mais eu a vi tocar de novo no assunto. No entanto, gritou com meu pai dizendo que tinha nojo dele na véspera de ele deixá-la por uma viúva rica. Eu não tinha ligado uma coisa à outra, até então. Fiquei triste. Esperava um dia ainda ter Valéria e vivermos bem, mas cada vez mais isso parecia um sonho impossível.
Após o banho, vesti-me para o trabalho e fui fazer o desjejum. Quando estendi o paletó no espelho da cadeira da copa, minha cozinheira olhava para mim com o semblante entristecido. Decerto ouvira toda a algazarra de Valéria e estava com dó de mim. Dona Eulália se aproximou da mesa e ela nos deixou a sós. Depois que eu descobri que ela era minha sogra, nunca mais eu tinha visto acordada tão cedo do dia. Perguntei se estava bem e ela respondeu que só estaria quando tivesse notícias de Carmelita. Havia telefonado para casa e para o puteiro e não teve como saber dela. Ninguém a tinha visto desde então. Tive vontade de contar onde Carmelita estava, mas preferi honrar meu acordo com a mocinha. Terminei meu desjejum em silêncio. Dona eulália disse que ouviu o que Valéria gritou de mim e queria falar comigo depois. Tinha algo urgente para me dizer, mas não queria ser ouvida pelas caseiras. Aquiesci com a cabeça e disse que depois conversaríamos. Levantei-me, lavei as mãos e a boca e saí para trabalhar. Quando dava partida no carro, a mãe legítima de Valéria veio me entregar o paletó, que eu esquecera estendido no espelho da cadeira. Aproveitou para me dar um beijo de saudades. Correspondi, mas sem muito entusiasmo, e fui embora.
Quando peguei meu celular, percebi que o deixara desligado desde que o doutor Ivo Moura exigira que eu o fizesse. Havia cinco ligações não atendidas de Carmelita. Deixaria para ligar para ela quando chegasse ao escritório. Àquela altura, qualquer que fosse o motivo de ela ter me ligado deixara de ser urgente. Quando parei num sinal, um pequeno jornaleiro veio me oferecer o matutino, repetindo a manchete. O assassinato do meu amigo, dono da agência de automóveis e também amigo da gueixa por quem eu me apaixonara, era a notícia de capa. Comprei-lhe um jornal disposto a ler a matéria com calma no escritório. Não demorei muito a chegar lá. Abri na página específica e li tudo que estava escrito de um fôlego só. Dizia que a polícia apenas sabia que os assassinos eram nipônicos, mas não sabiam o motivo do crime nem o paradeiro de sua acompanhante, que conseguira fugir dos criminosos. Estavam investigando um suposto ex-namorado da misteriosa mulher. Era de se supor que se referiam a mim. O enterro estava marcado para as onze da manhã e eu estava disposto a prestar minha última homenagem ao meu amigo. Comprei-lhe uma bela coroa de flores e levei ao funeral.
Ele foi enterrado com direito a discursos dos amigos no cemitério Parque das Flores e eu também declamei algumas palavras de pesar. Das pessoas que estavam no funeral, eu só conhecia alguns dos seus empregados, além de sua esposa e dois filhos menores. Troquei algumas palavras com cada um deles, me despedi e caminhei em direção ao meu carro, estacionado numa rua perto. Tinha um homem encostado em meu veículo. Temi que fosse um dos assassinos, mas ele logo se apresentou como o detetive Jairo Barros. O cara foi bem direto. Ele falou-me que achava muito estranho que três pessoas do meu convívio morressem de forma violenta num período tão curto de tempo. Referia-se à morte de meus sogros, ainda não esclarecidas, e a do meu amigo empresário. Antes que eu perguntasse, disse que a polícia desconfiava de mim e que ele estaria sempre na minha cola. Retruquei que não tinha nada a ver com nenhuma das mortes e que estaria à disposição da polícia a qualquer hora que quisessem me interrogar. Ele apenas pediu-me ajuda para localizar a acompanhante do meu amigo, que era muito importante para esclarecer o crime. Entregou-me seu cartão de visitas e eu prometi entrar em contato, caso tivesse alguma informação útil. Fui embora sob seu olhar desconfiado.
Resolvi parar em algum lugar para almoçar, já que era quase meio-dia. Também aproveitaria para ligar para Carmelita. Entrei num restaurante lotado, mas encontrei uma mesa vazia. Fiz meu pedido e, enquanto aguardava, digitei o número. Ela atendeu logo na primeira chamada. Sua voz estava aflita. Perguntei-lhe o que estava havendo e ela pediu que eu passasse no apartamento tão logo pudesse. Cancelei o pedido no restaurante e fui depressa ter com Carmelita. Ela abriu a porta do apartamento só depois que eu me identifiquei. Abraçou-se comigo tremendo de medo. Só então eu vi a minha amiga gueixa estendida sobre a cama.
Carmelita contou-me que ela chegara tarde da noite ferida a punhal, procurando por mim. Havia sofrido um atentado e jurava me conhecer e precisar da minha ajuda. Era um caso de vida ou morte. Sangrava muito, mas insistia em não ir para um hospital. Carmelita tentou várias vezes me ligar, sem sucesso. Depois improvisou um curativo e conseguiu estancar a hemorragia. Não sabia o que fazer, por isso ficou aguardando meu telefonema. Eu confirmei minha amizade com a coroa e sentei na borda da cama, perto dela. Carmelita pediu para não acordá-la, pois ela estivera febril até então, só conseguindo dormir havia pouco tempo. Mostrei-lhe o jornal onde estava estampada a notícia do assassinato do meu amigo e a mocinha logo entendeu tratar-se da acompanhante foragida. Perguntei se alguém a tinha visto ali e ela respondeu que só um rapaz do terceiro andar, que havia ajudado a coroa gueixa a chegar até ali. Deixara seu telefone, caso precisasse dele novamente. Liguei para o cara e pedi que ele subisse até meu apartamento. Queria saber como ele havia encontrado a mulher e se alguém vira os dois entrando no prédio. Para minha surpresa, o jovem que apareceu em minha porta era o mesmo que havia praticado o assalto sexual na lavanderia...
Ele ficou todo desconfiado quando me reconheceu. Mesmo assim, não se intimidou em falar comigo. Disse que voltava de uma balada quando a coroa saiu das sombras e segurou no seu braço, pedindo ajuda. Estava toda ensanguentada e não queria ser vista entrando no prédio. Deu-lhe o número do meu apartamento e logo depois desmaiou. Ele a carregou nos braços e levou-a ao local indicado, entregando-a a Carmelita. Esteve cuidando da mulher junto com ela, e só saiu do apartamento quase de manhã. Agradeci sua ajuda e mostrei-lhe o matutino. Ele disse já ter lido a matéria no jornal de casa e tinha ficado preocupado. Perguntei se ele podia me emprestar o revólver que usara no assalto, pois podíamos estar correndo risco de morte. Ele, encabulado, chamou-me a um canto e confessou ter apenas um revólver de brinquedo muito parecido com um de verdade. Passamos um tempo rindo à vontade, pois eu não percebi o truque na ocasião. Ele disse que pagara à balconista da lavanderia para realizar uma fantasia sua, que era estuprá-la num assalto. Por azar eu estava lá na hora, mas ele criou coragem para seguir com a trama. Já conhecia a mulata gostosa há tempos e conversavam sempre pelo MSN. O cara era valente e se ofereceu para me ajudar, caso estivéssemos em perigo. Concordei em ter a sua ajuda.
Deixei os três no apartamento e saí em busca de comprar algo para almoçarmos. Carmelita, cuidando da gueixa, não teve tempo para fazer nada para comermos. Quando cheguei perto da recepção, percebi dois japoneses pedindo informações ao porteiro. Como não me viram, entrei novamente no elevador e liguei para Carmelita. Pedi que ela passasse o celular para o rapaz. Pedi que ele levasse ambas as mulheres, depressa, para o seu próprio apartamento. Expliquei-lhe que havia dois nipônicos perguntando pela coroa na portaria. Ele desligou antes que eu terminasse de falar. Esperto, o rapaz. Havia entendido logo o perigo a que estavam expostos. Quando voltei ao apartamento, não havia mais ninguém nele. Peguei minha cópia da chave e abri a porta. Eu ainda não sabia como, mas tinha que despistar os dois japas assassinos. No entanto, se pertenciam mesmo à máfia japonesa, eu estava correndo um sério perigo. Resolvi preparar-lhes uma ousada armadilha.
Rapidamente, peguei papel e caneta e escrevi um breve bilhete simulando uma caligrafia feminina. Dizia que havia dado uma saída e que voltaria dentro de meia hora. Corri os olhos pelo quarto e encontrei um batom de Carmelita. Passei-o brevemente nos lábios e depois beijei o papel, fazendo parecer que o bilhete era apaixonado. Imediatamente, corri à farmácia existente no banheiro e peguei o que precisava para nocautear os dois nipônicos criminosos. Preparei a arapuca na sala e saí do apartamento a tempo de me esconder nas escadas quando ouvi a porta do elevador abrir. Desci sorrateiramente pelos degraus e chamei o elevador do andar de baixo. Ele desceu vazio. Corri até o meu carro, onde tinha deixado o laptop. Liguei-o apressadamente, querendo ter acesso às imagens das microcâmeras que eu havia instalado dia desses para saber quem invadia minha morada. Uma, do corredor, mostrava um dos mafiosos tentando abrir a porta com uma gazua, enquanto o outro, mão metida dentro do paletó, vigiava atentamente o corredor e elevador. Pensei por um instante e resolvi telefonar para o detetive. Dei-lhe o endereço e prometi entregar-lhe os responsáveis pelo assassinato do meu amigo empresário, caso ele chegasse dentro de menos de meia hora. Ele disse que estava bem perto, defronte ao prédio, pois estivera me seguindo até ali. Olhei em volta e ele acenou para mim, de um carro estacionado perto. Chamei-o até meu automóvel.
Mostrei as imagens no laptop no momento em que os assassinos invadiram meu apartamento. Um estava armado de pistola e o outro tinha uma espécie de espada curta, dessas de design japonês e que eu não sei o nome. Procuraram sorrateiros por toda a residência, antes de lerem meu bilhete sobre a mesinha da sala, perto de uma garrafa de uísque e dois copos, que eu deixara apressadamente ali. O detetive olhava para mim, perplexo e desconfiado ao mesmo tempo. Eu expliquei que andava cismado de que uma amante vinha me traindo e mandara instalar as câmeras para vigiá-la. Ele perguntou tratar-se da acompanhante do meu amigo morto e eu confirmei com a cabeça. Ele voltou sua atenção para os japas na hora em que um deles sentou no sofá e abriu o uísque, despejando largas doses nos dois copos. Ambos verteram a bebida de um só gole e tornaram a encher os recipientes. O que estava em pé foi até à cozinha em busca de gelo. Abriu o refrigerador e pegou a caçamba. Ia voltando para a sala com ela, quando se sentiu zonzo. Tossiu forte e continuou seu percurso, oferecendo o gelo ao parceiro. Ambos colocaram algumas pedrinhas geladas nos copos, tilintando para dissolvê-las um pouco. Depois de dois goles, o que estava de pé se escorou no sofá para não cair. O outro tentou ampará-lo e ambos caíram um sobre o outro. Ainda tentaram se levantar, mas permaneceram grogues no chão.
O detetive Jairo Barros olhava para mim, espantado. Expliquei-lhe que, antes de sair do apartamento, havia despejado um vidro inteiro de remédio para dormir dentro do uísque, com ajuda de uma seringa. Contava que eles ficassem bebendo, à espera da gueixa, já que eu deixara de propósito a garrafa e os copos juntos com o bilhete. Caíram na armadilha ardilosamente preparada por mim. O detetive me aplaudiu, antes de ir até seu carro chamar a polícia pelo rádio. Mesmo ele dizendo que não precisava pressa, dez minutos depois o prédio estava cheio de policiais. Liguei para Carmelita e ela indicou o apartamento onde estavam. O delegado, que viera junto com seus comandados, quis interrogar a gueixa que já acordara com o barulho das sirenes ligadas. O detetive exigiu que eu fosse com ele até a delegacia, pois tinha muitas perguntas a me fazer.
FIM DA DÉCIMA SEXTA PARTE