A rola gulosa do metrô
Era a minha primeira semana no novo endereço da agência de publicidade onde eu trabalhava. Os escritórios da agência haviam se mudado para uma paralela à Avenida Paulista e eu precisava mudar minha rotina de ida e vinda ao trabalho. Como raramente precisava do carro durante o expediente, resolvi me arriscar no transporte público. O casal de dentistas, vizinho de porta do edifício onde meus pais me cederam um imóvel que haviam adquirido para alugar, me ofereceu carona até a clínica deles próxima à estação Santa Cruz do metrô. E, quando, por ventura, nossos horários não coincidissem, me disponibilizaram uma vaga na garagem da clínica. Assim passei a fazer uso das facilidades que esse meio de transporte coletivo, nem sempre confiável, me oferecia.
A estreia aconteceu numa segunda-feira nublada, que amanheceu com uma garoa fina e gelada em pleno mês de julho. Mesmo no horário de pico, e contando com a baldeação que precisava fazer na estação Paraíso, da linha azul, para a linha verde, até chegar à estação Consolação, não demorei mais do que trinta e cinco minutos; um recorde, se comparado ao mesmo trajeto feito de carro. Chegar ao serviço foi fácil, comentei com um colega de trabalho, tomara que a volta seja tão ágil quanto.
O vento frio castigara os pedestres que precisavam circular pelas ruas cercadas de edifícios nas proximidades da agência, o dia inteiro. Pouco depois das dezenove horas percorri os três quarteirões que me separavam da estação Consolação, caminhando sem aquela pressa de fugir do vento gelado que via nos outros transeuntes. A plataforma da estação ainda estava lotada com o alvoroço e a ansiedade das pessoas para chegarem a suas casas. O trem chegou já abarrotado poucos minutos depois, mesmo assim consegui me espremer e encontrar um espaço diminuto do quarto vagão da composição. Assim que o trem começou a acelerar em direção a estação seguinte, notei um sujeito tão atrelado às minhas costas que mal podia me mover. Ele tinha a minha altura, cabelos castanhos escuros num corte curto e moderno, um rosto anguloso coberto por uma barba hirsuta que parecia ter sido feita na véspera, e um corpo truculento, pelo menos três vezes maior que o meu e que, no entanto, ficava muito alinhado no terno azul marinho de bom corte que ele trajava. Teria por volta de trinta e poucos anos. Ele carregava uma pasta executiva que, com a movimentação das pessoas no vagão, de tempos em tempos batia nas minhas pernas. É o preço que se paga por não estar atrás do volante de seu carro, ouvindo suas músicas favoritas, pensei comigo mesmo. O novo afluxo de passageiros na estação seguinte tornou o incomodo maior e, eu comecei a sentir que ele encaixava sua virilha nas minhas nádegas proeminentes sem o menor constrangimento. E, para minha inquietação, elas pareciam ter sido talhadas para se encaixarem ali, como se tivessem sido feitas sob medida para aquilo. Tive a impressão de que ele aspirava enlevado o perfume do meu cangote, pois sentia a respiração morna dele roçando minha pele. Eu mal podia me mover e, certamente, se tirasse um dos pés do lugar, não encontraria mais um lugar desocupado para coloca-lo.
Desci na estação Paraíso e, para minha surpresa, ele também. Caminhava poucos passos atrás de mim, e outra suspeita me fez acreditar que ele mantinha estrategicamente uma distância para não me perder de vista. Tornamos a embarcar num trem tão ou mais lotado da linha azul, e ele tratou de se alojar o mais próximo de mim que pode, embora eu não lhe tenha dado a chance de se encaixar na minha bunda.
- O dia frio parece ter deixado esses caixotes ainda mais superlotados! – exclamou com um sorriso largo e atrevido, assim que nossos olhares se cruzaram.
Limitei-me a acenar com a cabeça confirmando sua observação com um sorriso econômico. O entra e sai de passageiros havia me colocado novamente à sua frente, e as encoxadas, menos discretas, foram se repetindo até que duas estações depois uma passageira que estava sentada num banco paralelo ao longo eixo do vagão se levantou e eu consegui me sentar. Ofereci-me para segurar a pasta que agora pendia bem diante do meu rosto, pois ele a havia posicionado estranhamente diante do corpo, segurando-a na altura da cintura com o polegar se encaixando no cinto dele. Mas, ele se recusou, agradecendo com um sorriso amarelo. Depois de algum tempo, percebendo que aquele trambolho obstruía minha visão, ele se dispôs a me entregar a pasta. Passei a vislumbrar, meio constrangido, o contorno de uma rola enorme ajustada a sua perna direita. Logo compreendi o porquê dele relutar em me entregar a pasta. Ele devia estar usando uma cueca boxer ou uma samba-canção, ou talvez nada debaixo das calças, pois a rola parecia livre e solta no meio daquelas coxas grossas. Duas garotas, pouco mais do que adolescentes de baixo nível social, sentadas no banco transversal, não desviavam o olhar daquela protuberância sensual. Entre cochichos e risadinhas exaltadas, tentavam disfarçar o furor que devia estar molhando suas bucetas assanhadas. Ao chegar ao meu destino, entreguei-lhe a maleta e retribuí o muito obrigado dele com um ligeiro sorriso.
Fiquei intrigado quando, na quarta-feira, nos encontramos casualmente na plataforma da estação Consolação. Algo me dizia que esse reencontro não se dera pelo mero acaso.
- Olá! Pelo visto nossos horários estão coincidindo! – exclamou ele, assim que cheguei ao final da escada rolante, donde ele surgira do nada.
- Os nossos e o de mais um milhão de pessoas! – retruquei, mais amistoso devido ao meu espírito de contentamento por termos fechado uma conta polpuda na agência, e ela ficar sob as minhas diretrizes.
- Prazer, sou Ricardo. Trabalho num escritório de advocacia, na Alameda Santos. E você? – perguntou, me estendendo a mão num cumprimento sorridente.
- Eduardo, trabalho numa agência de publicidade na Haddock Lobo. – respondi, enquanto minha mão desaparecia no meio da dele.
- Nunca o vi por aqui antes, e olha que eu sou um bom fisionomista! – disse, assim que as portas do trem se abriram.
- Este é o meu terceiro dia por estas bandas depois que a agência se mudou. Ainda estou me adaptando a esse espreme-espreme, e a esse contato humanitário tão próximo. – sentenciei com ironia. – Me desculpe, mas sou um tanto quanto metódico e prefiro embarcar no quarto vagão. – emendei, num tom de despedida.
- OK! Vejamos se conseguimos embarcar nele. – apressou-se a dizer ao me acompanhar até as portas, e com uma mesura, permitir que eu entrasse primeiro.
Meu jeito introvertido, e pouco a favor de papo com estranhos, fez com que ele se esforçasse para não deixar a conversa arrefecer. Ele até que era simpático, ou estava procurando demonstrar essa qualidade, mas eu não estava inclinado a fazer daquilo uma amizade. Ainda me lembrava nitidamente de seu comportamento durante nosso primeiro encontro.
- O que me diz de tomarmos um café no Celebrity do Shopping Metrô Santa Cruz? – convidou. – Só uns minutinhos? – emendou diante da minha cara de não concordância.
- Quem sabe outra vez, hoje não posso. – respondi, por não querer me deter por mais tempo ao lado dele.
- Que pena! Mas vou cobrar. – respondeu frustrado, quando me despedi dele ao desembarcar.
No dia seguinte protelei propositalmente minha saída da agência, e na sexta-feira, deixei o expediente hora e meia antes, desta forma não o encontrei.
Já fazia algum tempo que eu recusava o convite de um colega da agência para darmos uma circulada pela noite paulistana. Saulo é um homossexual assumido e resolvido, ao contrário de mim, que aos vinte e quatro anos ainda me sentia desconfortável nesse rótulo. Mas, minha recusa em sair com ele não se devia a isso, pois ele era um cara discretíssimo e avesso a comportamentos caricatos. O que eu não queria, era desfilar ao lado do sujeito pelo qual ele havia se enrabichado, esse sim, uma figura sem muitos pudores, que ele tentava corrigir, sem sucesso, em nome do afeto que sentia por ele.
- O que é que eu vou ficar fazendo entre vocês dois? Não me sinto muito confortável segurando vela para um casalzinho de apaixonados. – revidei, diante da insistência do Saulo.
- E você acha que ficando em casa aos sábados à noite, ou aceitando sair com aqueles seus amigos que não podem ver um rabo de saia, você vai conhecer alguém interessante? – argumentou.
- Quem foi que te disse que eu quero conhecer ‘alguém interessante’? – retruquei.
- Quer ficar para semente, ou para titio? – provocou sarcástico.
- Não tenho saco para ir nesses lugares, onde nego fica desmunhecando, drag queens emplumadas arrastando um rabo de plumas e, saradinhos de camiseta colada ao corpo e voz esganiçada se comportando como se estivessem num zoológico. – devolvi resoluto.
- Prometo que não vamos a lugares assim. Apesar de o meu namorado achar muito ‘out’, ele concordou em irmos até o Ritz da Alameda Franca. Beliscamos algumas coisinhas entre uns chopinhos e você põe esse corpão na vitrine, quem sabe não aparece teu príncipe encantado. – tripudiou sarcástico.
- Vai debochando, vai! – respondi contrafeito. – O máximo que eu vou encontrar por lá é um desses sujeitos que estão a fim de uma trepada instantânea, e como isso não faz a minha cabeça, estou dispensando.
- Deixa de ser bundão! O que custa dar a cara à tapa, pelo menos uma vez na vida? – insistiu.
- OK! Para encerrar essa lengalenga, e você parar de me encher eu topo. Mas, como eu disse, fala para o seu ‘amadinho’ segurar a franga e nada de ir nesses inferninhos da baixa Augusta. – capitulei, vencido pelos argumentos.
O namorado do Saulo fazia caras e bocas pelo programa brega que teve que encarar. Eu já achava tudo ousado demais para meus padrões, mas confesso que tinha um pouco de curiosidade em conhecer esse mundinho. Os bares e restaurantes dos Jardins ferviam apesar da noite gelada, mas incrivelmente estrelada e aberta. Chegamos ao Ritz pouco antes da meia noite, e um grupinho de caras descolados entupia a entrada. O Saulo tentou descolar uma mesa com a garçonete enquanto eu e o namorado dele aguardávamos na calçada.
- Tem um bofe acenando para você de dentro de um BMW prata. – anunciou a voz de taquara rachada. – Depois você que é o enrustido, estou sabendo! – emendou irônico.
- Até parece que é para mim! Não conheço ninguém que tenha um BMW. Devem estar tirando uma da nossa cara. – retruquei, imaginando que fossem as roupas apertadíssimas que ele estava usando.
- Oi! Tem um rapaz gesticulando da rua para dar um toque em você. – disse um dos sujeitos que também aguardava na calçada.
- Viu? Eu não te disse que o bofe está de olho em você? – sentenciou, antes de apressar o retorno do Saulo. – Olha só o bofe que está dando em cima do Eduardo. – disse, divertindo-se com a situação, assim que o Saulo se juntou a nós.
- Você o conhece Eduardo? – inquiriu ele, curioso.
- Claro que não! – exclamei exaltado, antes de me virar em direção à rua, e dar de cara com o Ricardo, descendo do carro onde havia mais dois sujeitos, atravessando a rua em nossa direção.
- Oi! Que surpresa boa te encontrar por aqui! – exclamou descontraído, com um largo sorriso no rosto.
- Oi! O que faz por aqui? – gaguejei, sem graça, sob o olhar estupefato e debochado do Saulo e seu namorado.
- Estou dando um rolê com uns amigos. E você? – perguntou, enquanto cumprimentava com um aceno de cabeça os meus acompanhantes.
- Prazer, Felipe. Este é meu namorado Saulo. Você é amigo do Dudu? – antecipou-se num atrevimento que eu fuzilei com o olhar.
- Nos conhecemos esses dias no metrô. Prazer, Ricardo. – devolveu sorridente. – Estão esperando uma mesa?
- Sim, já fiz o pedido. Quer se juntar a nós? – eu queria matar o Saulo ali mesmo.
- Ah, legal! Só vou dar um toque para os meus amigos. – concordou ele.
- Qual é a de vocês? Eu não conheço esse camarada. Só o vi duas vezes no metrô. Que saco! – esbravejei.
- Ele, pelo visto, está muito interessado em te conhecer melhor. Topou de cara! – disse o Felipe, rindo.
- Dá uma chance para o cara! – fez coro o Saulo.
Nem a comida, e nem o ambiente barulhento estavam lá essas coisas, mesmo assim, o papo rolou madrugada adentro. Demorei a me recompor da surpresa e da necessidade de engolir aquele sapo, mas depois de um tempo resolvi que não adiantava me aborrecer por tão pouco. Cheguei até a me divertir com o interrogatório que o Felipe fez sobre a vida do Ricardo, encurralando-o algumas vezes contra a parede com suas perguntas capciosas. Por outro lado, senti um alívio ao receber essas informações de bandeja, sem que fosse eu quem tivesse que questioná-lo. Aparentemente o Ricardo levou tudo na esportiva, e respondia as perguntas direta e objetivamente. Foi assim que eu descobri que ele era divorciado havia dois anos, tinha um filho de quatro que fora morar com a mãe na Espanha, era sócio do escritório de advocacia onde trabalhava com o amigo que estava dirigindo o BMW, estava solteiro e a fim de aproveitar aquilo que perdera com um casamento precipitado e tumultuado. O Saulo me cutucava por baixo da mesa algumas vezes e esboçava um risinho sarcástico enquanto o Ricardo respondia às perguntas. Ele e o namorado se divertiram às minhas custas a noite toda. E eu, normalmente já muito travado e calado, não via a hora daquele suplício terminar.
- Bem! Eu não sei quanto a vocês dois, mas o Saulo e eu ainda vamos dar uma esticadinha para chacoalhar o esqueleto. Querem nos acompanhar? – questionou o Felipe, pouco depois das três e tanto da madrugada.
- Vou com vocês, já que viemos no meu carro! – disse, me preparando para me despedir do Ricardo.
- Não precisa. Vamos encontrar com uma galera por lá e voltamos com eles. – afirmou o Saulo.
Despedimo-nos na calçada do Ritz, com o Felipe nos fazendo jurar que em breve encararíamos um programa mais ‘in’, conforme seu linguajar descolado.
- Se não for te causar nenhum transtorno eu vou aceitar uma carona. Acabei dispensando a minha. – disse o Ricardo, visivelmente satisfeito com a possibilidade de prolongar a minha companhia.
- Claro que não! Deixo você em casa.
Ele não me disse exatamente onde morava, apenas se limitou a me indicar a direção para o bairro do Campo Belo.
- Não precisa me levar até em casa. Faça o seu caminho, de lá eu me viro. – falou, quando eu já estava pela metade do caminho.
- Não me custa nada. – asseverei. Percebi que ele não queria me deixar saber seu endereço.
- Já é tarde e não há motivo para você se desviar do seu caminho. – afirmou. Algo me dizia que ele queria descobrir onde eu morava. Estávamos num impasse.
Ele acabou sendo tão categórico em sua postura que não me restou outra opção, senão a de fazer o trajeto até Moema onde ficava meu apartamento. Mas eu decidi que o deixaria num lugar mais movimentado e não na rua onde morava e, muito menos, próximo do meu endereço. Parei o carro próximo de um ponto de ônibus na Avenida Ibirapuera, e comecei a me despedir dele.
- Vai me deixar aqui? – inquiriu com uma cara de desolado.
- Você não disse que não precisava te levar até sua casa. Que você seguiria de onde eu não precisasse desviar do meu caminho? Aqui estamos! – retruquei.
- Mas você não mora aqui! – afirmou, confirmando minha suspeita.
- Não estou longe de casa. Aqui é mais fácil de você conseguir um taxi! – respondi.
- Pensei que você fosse me convidar para conhecer seu apartamento. – disse, não fazendo a menor menção de se despedir ali.
- E o que o fez pensar isso?
- Só um palpite! Pensei que estivesse gostando da minha companhia. – respondeu, dando início a um jogo que eu não estava disposto a disputar àquela hora da madrugada.
- É tarde. Nos falamos na segunda-feira. – revidei lacônico.
- Que balde de água fria! Você já me deu o bolo na quinta e na sexta. E, acho que se não fosse pelo Felipe, talvez nem tenha me chamado para me juntar a vocês esta noite. – sentenciou
- Que ideia! Não é nada disso. Está tarde e estou cansado, só isso. – argumentei
- Aliás, recordando a situação, foi o Felipe quem me chamou e não você. Você não se mostrou nem um pouco interessado quando me viu. – continuou, insistente e começando a me aborrecer.
- Bem! Não posso ficar estacionado aqui. Como eu disse, deixo você em casa, se quiser. – falei, tentando encerrar a conversa.
- Só se você prometer que vem até o meu apartamento! – retrucou decidido.
- Não seja chato! Dá uma olhada na hora, estou a fim da cair na cama e dormir. – repliquei
- Então, caia na minha. Comigo! – exclamou ousado. – Só te vi três vezes, contando com a de hoje, mas estou fascinado por você. Acho que deixei isso bem explícito. – acrescentou, colocando a mão enorme sobre a minha coxa.
- Não há dúvida de que deixou! Só que eu não estou habituado a ir para a cama com desconhecidos.
- Há sempre uma primeira vez! Pense bem, não sou mais um desconhecido depois de ter respondido ao interrogatório do seu amigo. – disse, com um sorriso malicioso.
- Ele é namorado do meu amigo. Algumas respostas suas não deixam de fazer de você um desconhecido. – retruquei.
- Cara, você é duro na queda! É sempre assim com quem te faz um elogio? Com quem está a fim de você? – quis saber.
- Não estou habituado a esse tipo de elogio, muito menos a esse tipo de convite. E, certamente não às 04:00 horas da madrugada. – respondi impaciente.
- Não sei se acredito nisso. Um carinha bonitão como você, não estar habituado a elogios. Bonitão é pouco. Eduardo, você é muito tesudo, tesudo e gostoso, para dizer o mínimo. – declarou, me encarando. – Já o fato de não ter recebido esse ‘tipo de convite’ me deixa mais contente ainda. E mais maluco também! – emendou, baixando o olhar em direção ao volume indecente que havia se armado entre suas pernas.
- Saidinho você, hein? – observei, no mesmo instante em que os faróis de um ônibus se aproximando piscavam no retrovisor. Voltei a colocar o carro em movimento e ele começou a me ditar as coordenadas rumo ao apartamento dele. Um sorriso maroto se formou em seu rosto.
O prédio de estilo moderno e precedido por um jardim amplo e ligeiramente elevado em relação à rua, ficava num quarteirão bastante tranquilo e restrito a moradias do bairro do Campo Belo. Ele me fez estacionar no primeiro subsolo da garagem, onde três vagas tinham o número 111 adesivado na parede. Numa estava uma BMW 535i prata e noutra uma moto Ducati Diavel Carbon. O décimo primeiro era o penúltimo andar e só tinha dois apartamentos. Ele destrancou a larga porta de feita de grossos pranchados de madeira e me fez entrar antes de acender as luzes. Dei três passos para o interior e, do vestíbulo onde eu estava, só consegui distinguir a silhueta do mobiliário de uma sala ampla iluminada pela pouca luminosidade que entrava por enormes janelões perfilados numa parede lateral. Assim que a porta se fechou atrás de nós, senti o corpo dele junto às minhas costas e seus braços se enleando em mim.
- Na toca do lobo! – exclamou, num sussurro rente ao meu ouvido. O calor e o perfume do corpo dele fizeram minhas pernas tremer.
- Meus instintos me dizem que não se deve confiar em lobos, especialmente os que se vestem com pele de carneiro. – trocei.
- Nunca me vesti com pele de carneiro. E, o que mais teus instintos estão te dizendo? – indagou transbordando luxúria.
- Que eu devia ter deixado você naquele ponto de ônibus! – exclamei, sentindo a pele da minha nuca se arrepiar.
- Que malvadeza! Não acredito que você seja do tipo que faça uma malcriação dessas com quem está maluquinho por você, meu carneirinho gostoso.
- Se eu desse ouvidos aos meus instintos não teria caído nas mãos de um lobo mau!
- Quem te disse que sou um lobo mau? Esses teus instintos é que estão te fazendo ver maldade em tudo, ou quem sabe seja o tesão que você sente por mim? – declarou confiante.
- Eu? Tesão? Por você? Convencido! – a inquietação tomava conta da minha voz.
- E que nome você daria àquilo que sentiu quando eu te encoxei no metrô e, pelo que me lembro, você não fez nenhuma objeção. – ele se divertia com a minha insegurança.
- Está se entregando, seu aproveitador? – perguntei, ciente de que aquelas encoxadas não foram um acaso, nem se deviam à lotação do vagão.
- Não resisti ao perfume da sua pele e, muito menos, a essa bunda redonda e arrebitada. – murmurou, lambendo meu pescoço. – Sou fissurado numa bundinha musculosa como a sua!- Ele se esfregava sensualmente em mim, e sua ereção se tornava cada vez mais nítida.
Ele desatou meu cinto e abriu minha calça como num passe de mágica, enquanto eu entrava numa espécie de transe causado pelo tesão que estava sentindo. Quando a mão dele deslizou da minha barriga para meu mamilo, comecei a arfar sentindo o quanto ele desejava o corpo que finalmente estava a sua mercê. Tudo acontecia tão rápido que eu me via correndo atrás das sensações inebriantes que meu corpo experimentava. Dois dedos dele apertavam o biquinho intumescido do mamilo que ele roçara até ele se arrepiar de excitação. Na sanha desesperada por me ter por inteiro em suas mãos, ele se valia de sua força, que era um pouco bruta demais para um ser que já estava subjugado. Isso me fazia soltar alguns gemidos, que iam atiçando seu desejo. A calça caiu aos meus pés e pouco depois senti a cueca sendo arriada por uma mão enorme e pesada, que agarrou minha nádega no mesmo instante em que ele soltava um sibilo que vinha das profundezas de seu peito. Continuávamos ali a poucos passos da porta de entrada, na penumbra, enlaçados e explodindo de desejo. De repente, aquela pica que eu só sentia através dos tecidos, se manifestou rija e molhada diretamente sobre a pele das minhas nádegas. Ele a fazia deslizar pelo meu rego, e eu quase perdi o fôlego quando me dei conta da vulnerabilidade do meu cuzinho exposto. Ele segurava meu rosto e me puxou para um beijo fazendo meu torso se contorcer num malabarismo, até que sua língua me penetrou a boca. Eu sentia o quão sedento e esfomeado ele estava, e que a única refeição que o saciaria seria o meu corpo. Daquele sumo que brotava do caralho dele, e que me lambuzava as nádegas ele passou no dedo indicador e médio, e depois os colocou sobre meus lábios para que eu sentisse seu sabor. Eu chupei aquele néctar másculo dos dedos dele e sentia meu cuzinho se alvoroçando em espasmos que se espalhavam por toda minha pelve. Eu nunca havia sentido um desejo tão manifesto e nítido. E meus pensamentos voaram até o dia em que o vi pela primeira vez no metrô, e a imagem daquela rola herética não me saia da cabeça, mas eu a desejei com toda vulgaridade da minha lascívia carnal. Era um instinto tão primitivo e impudico que passava longe da minha racionalidade. Essa necessidade insana parecia convergir para a mesma espécie de sentimentos que ele experimentava. Enquanto eu empinava a bunda como uma potranca no cio, ele encaixava a virilha dele naquelas protuberâncias macias e permissivas. Eu o sentia pincelando o caralho no meu rego numa procura desesperada pelo meu orifício corrugado e pestanejante. Nessa busca arrebatadora o pré-gozo fluía da rola dele e deixava meu rego úmido. Abrupta e repentinamente ele forçou a glande contra o meu cuzinho, que se fechou ao redor daquela jeba numa contração involuntária e dolorosa. Meu ganido plangente e a sensação da minha carne morna e úmida comprimindo sua rola como um elástico apertado o fez gemer de prazer. Aquele macho vigoroso e seivoso estava dentro de mim, na mais sublime das sensações que eu já havia tido. Por uns instantes ficamos imóveis, como se qualquer distúrbio pudesse quebrar o encanto daquele momento. Ele me apertava contra seu corpo, e para me sentir mais seguro, pois minhas pernas tremiam sem controle, eu me segurei em seus braços.
- Caralho de cuzinho, acho que minha pica vai explodir de tanto tesão. – sussurrou, procurando meus lábios com a sofreguidão dos dele. Enquanto eu gemia, ia sentindo ele me penetrando com suas estocadas lentas e cadenciadas. – Caminhe naquela direção! – ordenou, me apontando um ponto na escuridão de um corredor.
Eu não conseguia dar passos normais, pois as minhas calças estavam emboladas nos meus pés, mesmo assim tive que soltar um grito quando esbocei o primeiro movimento e senti aquela pica enorme rasgando minhas entranhas. Chegamos ao quarto dele e só então ele acendeu as luzes. O ambiente tinha uma decoração sóbria e máscula. O cheiro dele estava por todo o canto e eu já era capaz de distingui-lo de todos os outros. Nem sei de onde tirei forças para chegar ao pé da cama, onde ele me fez ficar de quatro e me fodeu como um garanhão montando uma égua, bruto, viril e desatinado. O sacão batia contra as minhas nádegas quando a verga mergulhava nas minhas carnes, eu gania e ele soltava gemidos guturais. Sem abrandar aquelas estocadas por um segundo sequer, ele encheu meu cuzinho com seus jatos de porra pegajosa e, só então, eu me dei conta de que havia gozado algum tempo atrás.
Ele não me soltava, mesmo decorrido um bom tempo daquela ejaculação que havia me molhado as entranhas. A jeba também continuava dura e latejante dentro da minha mucosa anal acolhedora. Eu começava a me perguntar o que fora aquilo. Que química é essa que nos fez agir como dois animais satisfazendo seus instintos carnais? E enquanto tentava encontrar as respostas, me sentia agraciado por estar naqueles braços, e por saber que ele também havia conseguido se satisfazer. Só então comecei a me questionar se era apenas isso que ele queria de mim, uma foda rápida e intensa para satisfazer seu ego de macho.
- Quero que você vá andando até o chuveiro, e me proporcione o mesmo prazer que me deu quando veio até aqui. Nunca senti um cuzinho tão apertadinho agasalhando minha rola. – disse, sem se desvencilhar de mim.
- Nem sei se ainda consigo andar, seu brutão insensível. – murmurei, com o que me restava das minhas forças.
Debaixo da água tépida percebi que estava machucado. Ele me apertou de encontro ao seu peito e me beijou quando me viu sangrando. A língua dele me penetrou e eu senti como se flutuasse no ar. Acariciei a nuca dele enfiando a ponta dos meus dedos na linha de implantação dos cabelos dele, foi como se um arrepio deleitante percorresse toda a coluna dele.
- Como você consegue ser tão doce? – balbuciou, enquanto continuava a apertar seus lábios contra os meus.
Eu estava exaurido quando ele se aconchegou a mim e passou seu braço pela minha cintura, depois de nos enfiarmos debaixo dos cobertores completamente nus. Eu segurava seu braço junto ao meu corpo da mesma maneira que costumava segurar meu ursinho quando menino, e acariciava aqueles pelos macios. A ereção dele estava entalada nas minhas coxas como se ele procurasse um abrigo quente para ela.
Acordei com o sol batendo no meu rosto, perdido e desorientado. Mesmo que houvesse sol lá fora ele não atingiria meu rosto, a cama estava com um cheiro estranho e almiscarado, é impressão minha ou tem alguém respirando ao meu lado, meu coração disparou. Esse não é meu quarto, esses não são meus lençóis, estou tão pelado como quando vim ao mundo, que loucura. Eu dormi com o Ricardo. Viro-me lentamente, ele ainda dorme, não quero acordá-lo. É um homem bonito. Relaxado e tranquilo como está me parece maior do que eu supunha, ou seria essa proximidade que o fazia parecer tão grande. Não, há muitos músculos e eles são enormes, ele é grande mesmo. Sinto a umidade viscosa que ele deixou em mim. É uma sensação boa, é a primeira vez que a sinto. Como será a reação dele quando acordar? Provavelmente vai se levantar e inventar uma desculpa qualquer para que eu me vá. Depois que conseguem o que querem machos desse tipo perdem o interesse. Todo aquele furor da conquista desaparece, e ele sai à caça outra vez dentro de alguns dias. Talvez nem se lembre de mim daqui a um mês. Sinto-me um tolo por acordar ao lado de um homem que mal conheço, e que deixei me foder até se fartar.
- Já acordado? Acabamos de nos deitar! – ronronou, com a voz mais grave que o habitual.
- Não consigo dormir com a claridade. – respondi.
- Desculpe, esqueci-me de fechar as cortinas. – justificou-se, dirigindo-se até a janela e baixando o cortinado. O quarto voltou a cair numa penumbra preguiçosa.
Ele se recostou aos travesseiros e ficou numa posição mais sentada do que deitada. Fazia um pouco de frio, mas ele não voltou a se cobrir. A rola assim exposta, livre e solta, a meia-bomba, é deliciosamente atraente. Ele não se furta ao prazer de exibi-la naquela consistência escandalosa e natural de quando acorda. Coloca uma mão sobre meu rosto e me acaricia.
- Conseguiu dormir um pouco? – indagou com um sorriso.
- Sim, adormeci com os movimentos respiratórios do seu peito roçando minhas costas. Foi como um sonífero. – respondi, beijando a mão que me acariciava.
- Então deita a cabeça aqui no meu peito! – o pedido era irrecusável.
Fiquei dedilhando os redemoinhos que os pelos do peito dele faziam, era um fetiche que eu nutria desde adolescente. Depois de algum tempo ele pegou minha mão e a levou aos lábios. Brincou com os meus dedos longos e finos entre os grossos e fortes dele, antes de levar minha mãos até o púbis, onde a deixou como se quisesse me dizer – acaricie aqui também – e sorriu para mim. Fiz exatamente o que ele queria. Sutilmente fui enfiando as pontas dos dedos naquele matagal denso, contornei a pica e fui brincar com o saco, acariciando-o e palpando seus testículos. Ele abriu mais as pernas para que todo o equipamento dele ficasse mais exposto e ao alcance dos meus afagos. Assim que o meato uretral dele começou a babar ele voltou a molhar a ponta dos dedos no pré-gozo e os passou nos meus lábios.
- Mama meu cacete! Põe a rola nessa boquinha aveludada e chupa! – ordenou, libidinoso.
Identifiquei a mais calibrosa das veias que circundavam sua jeba e comecei a passar lenta e suavemente a ponta da língua ao longo do traçado dela, enquanto encarava seu olhar atento e voluptuoso. Ele sugou o ar entre os dentes semicerrados. A minha saliva se misturava com o pré-gozo dele e facilitava sugar aquela jeba latejante. Eu alternava um período chupando a rola e outro dando lambidinhas, beijinhos e mordiscadas quase imperceptíveis nas bolonas ingurgitadas dele. Quando estava sugando a verga, ele segurava minha cabeça entre as mãos e erguia os quadris, socando a tora na minha garganta e me fazendo gemer.
Um estrondo seguido de um vozerio atabalhoado que ia se intensificando e ficando mais próximo, culminou com mais um estrondo que fez a porta do quarto se abrir violentamente.
- Polícia! Mãos na cabeça e deitados! – berrava uma voz potente e grave.
- O que .... – balbuciei, antes de levar um safanão nas costas que me fez cair novamente de boca na virilha do Ricardo.
- Deita e mão na cabeça! Não se mexa! – tornou a gritar a voz exasperada. – Ricardo! – emendou, procurando identificar quem procurava.
- Ricardo sou eu. O que está havendo aqui? – disse calmamente, levantando cuidadosamente meu rosto entre suas mãos.
- O senhor está preso por corrupção, lavagem de dinheiro, desvio de tributos federais e enriquecimento ilícito. – sentenciou o dono da voz que agora lançava olhares pervertidos sobre a minha bunda carnuda e vulneravelmente nua.
- Está havendo um equívoco. Estou me levantando e vou dar todas as explicações. – retrucou o Ricardo, numa tranquilidade impressionante.
- Levante-se lentamente, nada de besteiras. O senhor vai dar explicações sim, mas é na delegacia da polícia federal. E quem é seu amiguinho? – proclamou o sujeito, enquanto outros quatro que cercavam a cama davam uma vasculhada apressada em todo o aposento.
- É um garoto de programa! Deixem que se vista e vá embora. – respondeu secamente o Ricardo.
- Garoto de programa, eu? – questionei, indignado com a postura fria dele.
- Você é ou não garoto de programa? Ou também está envolvido no esquema? – perguntou o sujeito, enquanto me puxava pelo braço.
- Não sou garoto de programa. Eu conheço o Ricardo a pouco, mas não sou o que você está pensando. – retruquei furioso.
- Permita que eu acerte o pagamento do rapaz e deixe-o ir. Em seguida eu os acompanho e esclarecemos tudo. – revidou o Ricardo, deixando-me perplexo e puto com a maneira que estava me tratando.
- Então ande logo e, vista-se, para que possamos sair daqui. – declarou o policial.
O Ricardo começou a se vestir e abriu uma gaveta na mesa lateral da cama, tirou um maço de notas de cem Reais e colocou nas minhas mãos. Fiquei tão atônito que mal conseguia me mover, havia me esquecido que estava nu diante daquele bando de machos, e por pouco não atirei o dinheiro na cara dele.
- Coloque as roupas e pegue seu carro na garagem. – disse, com o semblante soturno.
- Você pode me explicar o que significa isso? Quem você pensa que eu sou? – questionei, quase chorando, ao me lembrar que há poucos instantes eu estava chupando a pica daquele cara frio e arrogante.
- Que porra está acontecendo aqui, seu puto? – vociferou o policial, tão próximo do meu rosto que eu pude sentir os perdigotos respingando no meu rosto. – Coloque uma roupa e vamos sair daqui, você também vem conosco.
Eu perambulava, feito uma barata tonta, procurando as minhas roupas espalhadas pelo chão do quarto e corredor, pelo qual o alcançamos na noite anterior. Os olhares de deboche dos policiais não desgrudavam do meu corpo exposto. Descemos até a garagem onde alguns condôminos curiosos acompanhavam toda aquela movimentação. Havia três viaturas bloqueando os carros estacionados nas vagas do apartamentoSuas falcatruas renderam uma bela coleção de importados. Um BMW, um Audi e uma Ducati. Não dá para negar o seu bom gosto!– ironizou o homem que conduzia a operação, referindo-se aos veículos estacionados nas vagas.
- Vou reiterar o meu pedido. Ele é um garoto de programa e esse Audi é dele, deixe-o ir. Não há nada que ele possa esclarecer aos senhores. – repetiu o Ricardo, enquanto eu o encarava com os olhos úmidos e uma raiva que jamais havia sentindo por alguém.
- Por que você está fazendo isso comigo? – questionei, engolindo o nó que se formara na minha garganta.
- Eu já disse, ele vem conosco. Lá vamos decidir o que ele sabe ou não sabe. E chega desse melodrama. Entrem nas viaturas.
Fomos conduzidos separadamente até uma delegacia da polícia federal. Eu estava sentado no banco traseiro entre dois policiais parrudos que trocavam olhares sarcásticos entre si. Quando me lembrava da cena daqueles homens invadindo o quarto, no exato momento em que eu chupava o cacete do Ricardo e ele apalpava minhas nádegas numa devassidão libertina, sentia a humilhação crescendo dentro de mim. Eu sempre fui tímido, primava por um comportamento reservado e contido, e agora era tachado de garoto de programa, com o agravante de ter sido flagrado em pelo exercício impudico.
Fui conduzido a uma sala sem janelas, cujo mobiliário consistia de apenas quatro poltronas. Uma luminosidade extra entrava por uma sequência de vidros instalados na parte superior da parede onde ficava a única porta do cômodo, e que dava para um corredor. Fiquei horas preso naquele espaço. As únicas coisas que me distraíam era o som de vozes difusas que vinham do corredor, e uma mancha amarronzada e desbotada pela tentativa de removê-la, na pintura de uma das paredes, que depois de algumas horas me parecia a figura de um animal pré-histórico. Dei-me conta de que não comia desde o jantar na noite anterior, porque meu estômago se contorcia e provocava uma sensação de queimação. Também estava com sede e tinha vontade mijar. Fui até a porta e tentei girar a maçaneta, mas ela não se abriu, como era de se esperar. Bati algumas vezes, inicialmente com os nós dos dedos, e depois, com a mão cerrada, até que um policial a abriu.
- Preciso ir ao banheiro! – disse, ante o olhar inquisitivo dele.
- Me acompanhe! – retrucou secamente.
Alguns risinhos pérfidos se formaram nos semblantes dos poucos policiais que encontramos no caminho até o banheiro. O policial ficou postado a poucos metros atrás de mim enquanto fazia minhas necessidades. Uma sensação de insegurança se apossou de mim quando senti a umidade pegajosa do Ricardo querendo aflorar no meu cuzinho, mas a vigilância canina daquele policial me inibiu de sentar no vaso sanitário, pois ele havia me alertado para não fechar a porta.
- Você poderia me dar um copo d’água? – pedi, quando ele me conduziu de volta a sala. – Quanto tempo ainda tenho que ficar aqui? – nenhuma das minhas perguntas teve resposta, mas ele reapareceu instantes depois, com um copo de água.
Consultava o relógio no meu pulso com frequência crescente, os ponteiros pareciam não se mover. Meu domingo se esvaia entre aquelas quatro paredes sem que eu soubesse o que estava fazendo ali. Pouco depois das dezoito horas o mesmo sujeito que nos havia conduzido até ali entrou na sala, acompanhado por mais dois homens.
- Sou todo ouvidos! – exclamou, sentando-se numa das poltronas na minha frente.
- Não sei por que me trouxeram para cá, nem o que você quer de mim. – retruquei.
- Seu amigo continua afirmando que você é um garoto de programa. Pode estar mentindo para livrar a cara de um comparsa, e é isso que eu vou descobrir. – disse, com a postura de quem já havia feito esse tipo de trabalho inúmeras vezes.
- Eu já repeti diversas vezes que não sou um garoto de programa! – exclamei com a voz exasperada.
- Onde conheceu o seu amigo? E, há quanto tempo você o conhece? – indagou, inclinando-se para frente em minha direção.
Mal ele havia terminado de formular as perguntas e eu me senti acuado como uma presa. O que vou responder? Que o conheci casualmente no metrô enquanto voltava para casa? Que isso aconteceu há apenas cinco dias atrás? Que eu o havia visto não mais do que três fugazes vezes? E, que na terceira vez já estava dando o cuzinho e chupando o caralho dele? Eu quis evaporar no ar, sumir dali como a fumaça de um cigarro que se perde no nada.
- Eu o conheci no metrô. – eu mal conseguia ouvir a minha própria voz. – Faz cinco dias que o conheço.
- O que sabe a respeito dele? – continuou. Percebi que ele tentava disfarçar um riso malicioso.
- Que é um advogado e tem um escritório com uns sócios próximo à agência publicitária onde trabalho. Apenas isso. – sentenciei, mais confiante.
- O senhor já esteve lá alguma vez? E, que tipo de causas eles assumem naquele escritório?
- Não, nunca estive lá. Não sei exatamente onde fica o escritório dele. – confessei.
- Você me diz que faz apenas cinco dias que conhece o senhor Ricardo, que não sabe onde ele trabalha, apesar de trabalharem próximos um do outro, e que no terceiro encontro ele já comeu o seu rabo e você é pego se esbaldando no caralho dele. E quer me convencer de que não é um garoto de programa?
- Sei que parece tudo muito precipitado e esquisito, mas é exatamente o que eu estou afirmando. – voltei a gaguejar e me sentir a mais infeliz das criaturas.
- Liberem esse viado! O cara estava dizendo a verdade, contratou o garoto para se divertir. – sentenciou, voltando-se aos dois policiais que haviam permanecido calados enfurnados cada um numa poltrona, acompanhando atentos o desenrolar da nossa conversa.
Nada que eu pudesse dizer mudaria a situação, por isso me calei. Queria sair dali o quanto antes, e isso só ia acontecer ser eu ficasse de boca fechada. Não permitiram que eu falasse com o Ricardo. Minha carteira e documentos estavam no porta-luvas do meu carro na garagem do prédio dele. Pouco antes de ser conduzido até a porta de saída da delegacia, reparei que nem as chaves de casa eu tinha em meu poder.
- Posso dar um telefonema? Estou sem dinheiro e sem as chaves do meu carro e de casa. – perguntei ao policial que me acompanhava, e que havia participado da operação.
- Eu teria o maior prazer em te deixar em casa! Mas, ainda não terminei meu turno. – respondeu solícito, me entregando seu celular.
- Obrigado! Acho que esse foi o pior dia da minha vida! – retorqui, com um sorriso tímido.
Liguei para o Saulo pedindo ajuda, sem fornecer maiores detalhes. Ele quis me encher de perguntas, mas disse que estava a caminho. Enquanto esperava a chegada dele, ainda tive que ouvir alguns gracejos e até um pedido mais contundente do sujeito que me emprestara o celular, para que eu registrasse meu telefone na agenda do dele.
Enquanto ele me levava para casa fiz um relato de tudo o que acontecera desde que ele e o Felipe se despediram de mim na porta do Ritz. Até cheguei a lamentar o nível de detalhamento dos fatos que lhe contei. Embora achasse que ele, com sua racionalidade e isento de qualquer sentimentalismo, pudesse ser mais objetivo ao dar sua opinião.
- Fui um idiota me deixando seduzir por aquele sujeito! O delegado que me interrogou chegou a essa conclusão em apenas algumas perguntas. Como pude me deixar envolver por um crápula desses? – desabafei, assim que terminei meu relato.
- Você ainda está sendo tendencioso. Está sob efeito dos acontecimentos recentes e não está conseguindo enxergar com clareza. O Ricardo não me pareceu um mau sujeito. E, de uma coisa eu tenho certeza, ele está muito interessado em você. – disse, depois de me ouvir.
- Você precisava ver como ele caiu em cima de mim quando chegamos ao apartamento dele. Parecia um animal querendo se saciar. Eu fui imbecil concordando em ir aquele apartamento.
- Não seja tão severo consigo mesmo. Você é sempre muito desconfiado com as pessoas. – concluiu ele.
- Só que desta vez me deixei levar, e olhe no que deu? Passei o dia numa delegacia por conta desse homem. Aliás, um homem que eu mal conheço, um bandido. O delegado enumerou um rol de crimes no qual ele estaria envolvido. Na garagem dele tem um BMW de trezentos e tantos mil Reais e uma moto de quase cem mil, imagine no que ele não está envolvido. – revidei descontrolado.
- Ele não me parece o tipo de sujeito capaz de se envolver em algo ilícito. Conversei pouco com ele, mas digo e repito, ele não me parece um mau sujeito. – afirmou categórico.
- E como você pode ter essa certeza? Bandido não tem cara de bandido, especialmente os desse tipo. Ele me teve porque fui uma besta romântica e iludida. Certamente nunca mais o veremos, ele conseguiu o que queria, me foder. – despejei revoltado.
- Algo me diz que ele vai te dar uma explicação lógica e convincente a respeito do que aconteceu. Posso estar enganado, mas acho que ele tentou te proteger dessa situação toda. – ele não se abalava ao tentar me convencer de sua lógica.
- Como? Dizendo que eu sou um garoto de programa? Querendo colocar um maço de notas na minha mão? Nunca mais quero ver esse camarada na minha frente! Você precisava ver a cara de escárnio que os policiais faziam para mim, depois de me flagrarem com ..., bem, você sabe com o que daquele homem na boca. – começava a sentir vergonha até do Saulo, com quem aprendi a me abrir mais intimamente.
- Exatamente por essa atitude. Acho que ele não quis que o levassem até a delegacia. E, quanto aos policiais, aposto que ficaram com inveja! Você não disse que um deles até pediu para te levar em casa e para você dar seu telefone para ele? Você é um cara muito bonito, inteligente, refinado, não preciso ficar aqui desfraldando uma série de adjetivos a seu respeito, você sabe o quão diferente e exclusivo você é. Eles são homens que, na maioria das vezes, não conseguem se satisfazer plenamente com as mulheres. Você bem sabe o quão cheias de pudores elas gostam de parecer. E você, com todo esse corpão, sem falar nessa bundona que atiça os fetiches de qualquer macho, estava fazendo com o Ricardo exatamente aquilo com que eles sonham. Não se martirize por conta desses babacas. – ele parecia tão centrado e lúcido, que conseguiu me acalmar.
- O fato é que nunca me senti tão humilhado. – argumentei.
- Você fez o que teu coração mandou, não precisa se sentir humilhado por isso. Ou você acha que aqueles caras são todos certinhos e comportados quando estão entre quatro paredes dando vazão a sua sexualidade?
- Eles pelo menos não precisam se envergonhar de terem sido flagrados. – contrapus.
- No entanto, garanto que vão bater um bela punheta pensando em você! – disse rindo.
- Não piore as coisas! – esbravejei.
A segunda-feira foi péssima. Não tinha conseguido dormir direito, e essas duas noites em claro deixaram sequelas tanto físicas quanto psicológicas. Não conseguia me concentrar no trabalho e não via a hora de ir para casa. No final do dia o Saulo me levou até o edifício do Ricardo para eu pegar o meu carro. O BMW e a Ducati estavam lá, mas o porteiro me garantiu que ele não estava em casa. Não peguei o metrô uma única vez naquela semana, fui de carro para o trabalho todos os dias, minha versão ecoverde resolveu tirar férias.
Na quinta-feira fui surpreendido com um arranjo de tulipas vermelhas e brancas, e astromélias lilás cercando uma única rosa branca, tão logo cheguei em casa. Um envelope fechado com meu nome em letra cursiva acompanhava as flores. ME DÊ UMA CHANCEZINHA DE PEDIR PERDÃO, dizia o cartão de assinatura ilegível contido no envelope. Subitamente senti toda a minha raiva contra ele voltando. Ele agora tem meu endereço, sabe-se lá que meios usou para consegui-lo. Minha confiança nele era nula. No dia seguinte ele pessoalmente me aguardava no hall do prédio.
- ‘Seu’ Eduardo! Tem um senhor esperando falar com o senhor aqui no saguão. – disse a voz do porteiro quando acionei o portão da garagem do meu prédio.
Que maçada, pensei, era tudo que me faltava. Desci no térreo e lá estava ele. Um terno cinza chumbo alinhado como sempre, um sorriso desconfiado e um olhar escrutinador me receberam com um abraço empolgado.
- Podemos conversar? – não havia insegurança em seu tom de voz.
- Acho que não temos nada para conversar, muito menos aqui. – retruquei, sob o olhar espichado e curioso do porteiro.
- Aonde você quiser, mas me ouça. Não quero que você fique zangado comigo. – insistiu.
- Zangado! Eu estou muito mais do que zangado, pode ter certeza disso! – disse baixinho para não ser ouvido.
- Você vai entender o que eu fiz se me ouvir, por favor. – ele voltou a esboçar um sorriso, já mais seguro. – Vamos subir e eu te explico tudo. – emendou.
Ele examinou demoradamente meu apartamento sem dizer uma palavra. Parecia estar procurando um meio de iniciar aquela conversa difícil, sem me deixar na retranca. Por fim resolveu usar sua arma mais letal e a que melhor sabia manejar, a sedução. Caminhou até junto de mim e quis pegar na minha mão. Eu a recolhi como se a estivesse tirando do fogo, não cairia mais uma vez na lábia dele.
- Fale o que tem a dizer e depois, por favor, me deixe em paz. – disse enfurecido.
- Não fique assim. Quero que você me ouça, mas me ouça com seu coração. – ele era mesmo muito habilidoso com as palavras, não negava sua profissão.
Depois de se sentar ao meu lado no sofá, começou a esclarecer aqueles pontos obscuros daquela história escabrosa. Ele e o outro sócio já vinham desconfiando de algumas atitudes do terceiro sócio, que por coincidência também se chamava Ricardo, mas não conseguiram atinar com o que fosse. Apenas se espantaram com as aquisições constantes de bens, que extrapolavam a retirada de pró-labore do escritório, e que ele atribuía a um namoro recente com uma socialite, que eles desconfiavam não estar com essa bola toda. Também desconfiaram de umas visitas de supostos clientes que acabavam por não contratar os serviços do escritório. Um colega dele o alertara a respeito de uma petição que estava em poder de um juiz, solicitando a prisão cautelar requerida por um delegado da policia federal, e da qual ele ouvira uns boatos circulando pelos bastidores do fórum. Por isso, mantivera-se tão calmo e despreocupado no dia em que seu apartamento foi invadido pela polícia cumprindo aquele mandato. Sabia tratar-se de um engano. Não queria me ver envolvido na questão e nem intimado a dar explicações, por isso inventou a história do garoto de programa, que o delegado teria engolido se eu não tivesse me mostrado tão indignado.
- Mas você é tão ressabiado e enfezadinho que pôs tudo a perder. É como aquela rosa do buquê, no meio de tanta doçura ainda é capaz de espetar com seus espinhos afiados. – sentenciou, me encarando com aquele olhar de conquistador safado.
- O que você queria? Depois de ser pego completamente nu com seu cacete na boca por um bando de homens e ser tachado de michê, eu ainda tinha que concordar com aquele pagamento indecente que você fez questão de fazer na frente deles. Isso foi demais para mim. Nunca me vi numa situação tão bizarra. – disse, desoprimindo o que estava entalado na garganta.
- Lamento ter colocado você nessa situação. Mas, na hora, me pareceu o mais sensato a fazer, livrando-o de mais constrangimentos. Eu me encantei com você. Estou gostando cada vez mais desse seu jeitinho marrento. E, estou apaixonado por aquelas carícias que você me fez. Não quero te perder. – confessou sincero. – Dá um sorriso pequeninho assim para mim e, diz que me perdoa, diz? – acrescentou, mostrando com a ponta do dedo mindinho o tamanho do sorriso que estava me pedindo. Não dava para não achar graça do jeito desengonçado dele.
O Saulo e o Felipe não pararam de fazer campanha em prol do Ricardo nas semanas que se seguiram. E, passada a raiva e a humilhação daquele dia fatídico, também comecei a achar graça da situação.
- Pelo menos não corro o risco dele esquecer como foi que me conheceu. – disse o Ricardo, durante um almoço, num domingo, quando fomos nos encontrar com o Saulo e o Felipe para assistirmos a uma apresentação de um quarteto tocando saxofone no Museu da Casa Brasileira.
- Acho que vocês vão rir dessa história por muitos anos, pelo menos eu torço para isso. – disse o Felipe, com uma pontinha de ciúme pela maneira como o Ricardo dava em cima de mim.
Alguns meses depois a intuição dele começou a se cumprir. O Ricardo e eu tiramos férias juntos para podermos viajar. Passamos três semanas circulando entre Paris, Amsterdã e Berlim. Na noite que antecedeu nosso regresso, fomos jantar no restaurante Sphere na Fernsehturm na Alexanderplatz em Berlim. Enquanto a esfera girava no alto de seus 368 metros, sobre a cidade iluminada ao anoitecer, tendo como fundo um céu ainda alaranjado pelos últimos raios de sol, o Ricardo tirou uma caixinha do bolso e a colocou diante do meu prato de sobremesa.
- O que significa isso? – balbuciei, com o coração batendo acelerado no peito.
- Abra! – Disse, sem tirar o olhar vidrado de mim.
Na caixinha estavam duas alianças. Numa havia a inscrição AMOR ETERNO RICARDO e, na outra, de diâmetro maior, AMOR ETERNO EDUARDO.
- Diga que aceita. E, deixe que eu a coloque no seu dedo. Eu amo você! – ronronou sedutor.
- Eu também amo você. E não precisava de uma aliança para dizer que te aceito. – retruquei emocionado.
- A aliança é para todos saberem que você tem dono. Para todos saberem que você é o meu garoto de programa, só meu, entendeu? – ele apertava minha mão na dele depois de ter colocado a aliança no meu dedo.
- Eu quero ser seu garoto de programa! Quero ser o garoto de programa mais feliz do mundo ao seu lado. – sussurrei num sorriso acanhado.