Eu Não Queria Te Ver Nessa Guerra

Um conto erótico de Jader Scrind
Categoria: Homossexual
Contém 11064 palavras
Data: 09/07/2015 12:00:52
Assuntos: Gay, Homossexual

EU NÃO QUERIA TE VER NESSA GUERRA (PARTE 1 DE 2)

PARTE 1

Naquele momento não havia como saber disso, mas no futuro Ícaro se perguntaria por que raios ele havia saído de casa justamente naquele dia, ido até o fim da última rua da sua pequena cidade quando o céu pesado ameaçava derrubar uma tempestade, e, olhando para a floresta que delimitava até onde podiam ir, ele não sentiu medo, nem de pegar chuva nem de se perder, nem de preocupar os pais, tão decidido que estava de que naquele dia sim teria coragem de fazer o que queria desde que era pequeno. Ele simplesmente entrou naquela mata. E não saberia dizer porque, nem o que se passava pela sua cabeça, mas talvez fosse algo a que não coubesse explicações, sempre via aquela floresta e tinha vontade entrar nela, nem que só por uma tarde, mesmo seus pais dizendo que era perigoso, que ninguém entrava naquela mata, que podia ser atacado por animais ferozes, mas ele sempre jurava para si mesmo que um dia entraria, e agora, já praticamente um homem feito de 18 asnos, não tinha mais porque não fazer e foi naquele dia, justamente naquele dia. Mas talvez ele realmente precisasse estar naquela mata naquele dia, embrenhar-se nela até chegar bem no meio da floresta, na metade da distância entre a sua cidade, ao sul, e a cidade vizinha, do outro lado da floresta, pelo norte, porque foi naquele ponto da mata que ele parou, que ele notou que não estava sozinho e então correu para trás de um árvore tomando cuidado para não ser notado com medo de que fosse alguém perigoso, e olhou por trás do tronco para aquele desconhecido ali na frente, sem saber que aquele outro seria o motivo da sua vida sair completamente do rumo, seria o motivo para ele ficar se perguntando tantas vezes por que, por que entrara naquela bendita mata. Ou pior, porque ele continuou olhando para aquele outro rapaz? Por que seus olhos tinham que se encantar tanto com o dorso nu do outro que deixara a camisa jogada sobre uma pedra qualquer e subia e descia de um galho somente com a força dos braços em seqüências que ele contava em voz alta enquanto suava no auge do seu treinamento? Por que Ícaro não deu meia-volta e voltou para sua cidade? Por que não sentiu medo daquele estranho que provavelmente vinha da cidade vizinha? Por que ele fez aquilo, saiu de detrás daquele tronco e se aproximou do outro, até que o outro o visse e parasse o exercício, descesse do galho, olhasse com a sobrancelha esquerda erguida para ele e os dois ficassem assim naquele tão longo silêncio?

E a resposta que conseguia pensar para todas essas perguntas era somente uma, clara e cristalina como um rio da floresta: Porque ele tinha que ter conhecido Ulisses.

Parece meio falso dito assim, "saiu de casa sem motivo e se embrenhou na mata", mas era uma daquelas coisas que aconteciam e na hora pareciam extremamente naturais, como quando se conhece um grande amigo assim do nada, numa fila de armazém, na festa de amigos que você nem estava querendo muito comparecer, e só depois de anos de convivência é que se pensa que aquele pequeno primeiro encontro foi na verdade tudo, se não fosse por ele uma amizade inteira não teria existido. Mas no caso de Ícaro e Ulisses a primeira vista não foi uma mera amizade, ou pior, foi um tipo de oposto da amizade. Porque aquele silêncio do começo não duraria para sempre, não ficariam eternamente assim, Ulisses olhando Ícaro, Ícaro olhando Ulisses, um esquadrinhando o rosto, o jeito, o corpo do outro e achando bonito, mas disfarçando, como tem de ser, não dá para deixar claro que gostou de alguém assim que o vê na rua, você pode apanhar, você pode ouvir "Tá me estranhando? Vê se vira homem." Você pode ser ignorado, você pode ser humilhado, amar é crime, e eles disfarçavam até que Ulisses quebrou o silêncio primeiro, dizendo:

– Tá me olhando por quê? Gostou? – e havia um quê de desprezo na sua voz, mas não muito forte.

E em seguida não foi Ícaro quem quebrou o próximo silêncio, mas sim uma andorinha que saiu de entre as folhas de uma árvore e sumiu dali.

– Você também está me olhando – respondeu, e havia um quê de provocação na sua voz, mas não muito forte.

E ainda assim não paravam de se olhar.

– Se eu quisesse treinar acompanhado, ficaria na cidade – o outro disse, seu rosto brilhava de suor, o cabelo negro caía sobre o olho esquerdo mas o direito continuava fixo em Ícaro. Seu cheiro inebriante se misturava aos perfumes da mata.

– Eu não quero treinar – Ícaro não pode deixar de lembrar das manchetes que vinham estampadas nos jornais ultimamente, jovens se preparando por conta própria para quando o exército chamasse ao alistamento, a crise no seu país, o presidente cada vez mais polêmico em suas declarações, a um passo de declarar guerra. – Não sou a favor da guerra.

Ulisses soltou um "pff" meio debochado ao ouvir aquilo, deu as costas para ele como se ao dizer aquilo Ícaro perdesse o valor diante dos seus olhos, enxugou o suor do rosto com a camisa ali jogada e nesse momento, sabendo que não estava sendo observado, Ícaro subiu e desceu os olhos pelo corpo do outro. Cada músculo visível por baixo da pele branca, como se fosse a figura mais atlética do mundo, perfeitamente composta, as costelas, as costas, os braços. Na sua cidade não havia jovens tão fortes, ali ao sul ninguém treinava para a guerra, mas ouviam boatos de que na cidade vizinha os jovens estavam sedentos por lutar.

– É a favor do que eles fizeram com a gente? – Ulisses questionou, libertando outra vez a camisa que caiu suave sobre a mesma pedra. Ícaro não movia um músculo, tão enraizado naquele chão como qualquer um daqueles pinheiros ou carvalhos. Ulisses parecia ter se inquietado com o próprio comentário, como se isso o fizesse lembrar de coisas demais, alimentando a fogueira de raiva dentro de si. Voltou para debaixo daquele galho, com um pulo segurou-o e recomeçou seu exercício. – A favor da nossa miséria?

Ícaro sabia que muita gente usava aquele argumento, e era difícil imaginar uma resposta digna que não levasse a uma discussão acalorada, e ele não queria discutir, um pouco porque sabia que aquele outro rapaz não ficaria muito tempo só nas palavras e logo saltaria para bater nele, e um pouco porque também não queria ser como aqueles senhores de idade que vão para botecos discutir guerra e política aos berros com desconhecidos. Disse simplesmente:

– Não gosto de ver gente morrendo.

Ulisses estava no número vinte quando desceu do galho de novo mesmo sabendo que ainda não era nesse número que acabava a seqüência, olhou para ele mais uma vez e não disse nada, somente abriu um mínimo e esboçado sorriso de canto de boca. Havia tantas maneiras de interpretar aquela resposta. Podia não concordar com quem era contra a guerra, mas também não gostava de saber que tanta gente morria, que ele mesmo podia morrer quando ela chegasse e fossem mandados para o campo de batalha.

Talvez não fosse assim tão detestável aquele garoto ali, afinal de contas, pensou e então deitou-se no chão e começou uma seqüência de abdominais, quando seu tronco subia, seu rosto ficava frente a frente com o de Ícaro.

Ao subir o tronco, disse: – Pelo visto você é da cidade do sul, acertei?

Ao descer o tronco ouviu: – Como você sabe?

Ao subir o tronco, com um riso levemente escarnecedor, disse: – Você é delicado demais para ser do norte.

Ao descer o tronco, num tom de voz que percebeu irritado, ouviu: – Eu não sou delicado.

Ao subir o tronco, desafiou: – Então deita e me acompanha no exercício.

Ao descer o tronco: – Não tenho oito anos para ser convencido desse jeito.

Ao subir o tronco, sorria: – Não custa tentar. Menino delicado.

Ao descer o tronco esperou por uma resposta que não veio, custou a subir outra vez, como se ainda esperasse que alguma coisa fosse dita pelo outro, o pouco de palavras que trocaram já lhe deixara claro que Ícaro não era de ficar sem resposta, mas o silêncio perdurou e julgou que talvez o outro tivesse ido embora, o que por alguma razão não o deixou contente.

Ao subir o tronco, a primeira vista, não o viu ali em pé como estava desde o começo, mas não demorou muito e o encontrou, deitado no chão, sem camisa, fazendo abdominais de frente para ele. E quando Ícaro subiu o tronco, disse – Satisfeito agora?

Ulisses riu alto, sua risada era diferente, um pouco nasalada, ele tinha vergonha dela e tratou de conte-la, mas Ícaro olhou para ele outra vez, divertindo-se, contava suas abdominais em voz alta.

– Espero que me convide para o seu aniversário de nove anos – Ulisses provocou.

– Cala a boca.

E às vezes acontecia aquele alinhamento meio-mágico-meio-bobo e os dois subiam o tronco juntos e seus rostos ficavam frente a frente. Mesmo que tivesse começado bem depois, Ícaro já suava tanto quanto Ulisses, ou talvez mais. Mas não podia falar nada, não que se sentisse tímido ou sem assunto, curiosamente ele, que sempre foi tão reservado, não sentia nada disso quando estava perto assim daquele outro, que até então ele não sabia que se chamava Ulisses, mas não falava porque não queria perder o ar, cada pequeno fôlego parecia importante para que não desistisse das abdominais porque não queria parecer fraco, nem que saísse dali com o corpo todo doído, jurara a si mesmo em pensamento que só pararia quando o outro também parasse.

– Até que número você vai? – Ícaro perguntou, quando Ulisses contara 56.

– Tá cansado? É só parar.

– Diz o número... – ele respirou na hora errada e as palavras saíram arfantes dos seus lábios. A barriga doía a cada movimento.

– 100.

Na realidade ele costumava parar em seqüências de 45 no dias anteriores que viera para a mata treinar, mas quando passara pelo número e vira que o outro havia conseguido chegar lá sem titubear, decidiu fingir que era somente mais um número e continuou, sabia que já tinha condicionamento para chegar aos cem, talvez até mais, mas duvidava muito que aquele rapaz delicado fosse muito além do ponto que estavam agora.

Entretanto, para sua surpresa, os números continuavam saltando e nada daquele rapaz parar, gotas de suor deslizavam pela sua pele e Ulisses acompanhava o movimento delas pelas curvas do corpo do outro, os mamilos rosados, a barriga reta embora não definida, no rosto Ícaro era só calor, a pele vermelha destacava mais os lábios e aqueles olhos que tinham a mesma cor das folhas de pinheiro dispostas pelo chão e grudadas as costas dos dois, como se quisessem elas, as folhas, serem perfumadas de suor. E não acreditou que seu pau endurecia por baixo da calça fina. Não uma ereção completa, algo mais sutil que isso, começou como um comichão enquanto ele subia e descia, logo sentia o volume aumentando, se espremendo por baixo da calça, mas ainda assim algo que não devia estar acontecendo. Sentiu raiva mais de si mesmo que do outro. Aquilo não devia estar acontecendo, lembrava das conversas entre amigos lá na sua cidade, como zombavam de uns garotinhos e da maneira que a cidade inteira tratou dois visitantes quando eles se beijaram num restaurante, e ele também, embora nervosamente, ele também zombava porque se todos eles achavam aquilo motivo de piada, não podiam estar enganados, e ele não podia sentir essas coisas, era errado, errado. Não esquecer porque vinha treinar sozinho. Não esquecer que na sua cidade praticamente todos os rapazes da sua idade se reuniam na casa de alguém ou numa praça qualquer para treinar e ele até chegara a ir uma vez, mas essas coisas não podiam acontecer, ninguém podia saber que ele as vezes sentia essas sensações. Era errado, errado.

– Você contou errado – a voz daquele outro rapaz parecia um eco dos seus pensamentos.

– O quê?

– Você contou o número 92 duas vezes – se limitou a dizer, tão exausto que pensava e repensava cada silaba antes de soltá-la, como se estivesse tentando poupar saliva.

Ulisses saltou para o 94, e de lá até o 100 não foi nem meio minuto. Terminou. Parou. Deixou-se relaxar deitado no chão, sabendo que Ícaro ali na frente dele fazia o mesmo, mas não olhava, os olhos fixados no céu, ou melhor, no pouco do céu que conseguia ver além dos galhos e folhas altas da árvores. Mesmo acinzentado era bonito, o céu. E parecia brilhante. E meio que sem lógica, pensou que se um pássaro passasse naquele ponto do céu exatamente naquela hora, veria dois homens, dois garotos que mal começaram a raspar a barba de tão novos, ali no chão da floresta, nus da cintura para cima, olhando para o céu, peles em tons diferentes de branco, os corpos com um fino verniz de suor transparente, arfando, respirando, vivos.

Mas não havia pássaros.

– Eu disse que não era delicado – Ícaro fez questão de dar voz ao pensamento mútuo, e com prazer. – Mas me diz uma coisa, rapaz-do-norte – brincou com uma expressão que se dizia muito lá na sua cidade, "os idiotas-do-norte estão a favor desse presidente bestalhão" diziam os velhinhos; "as mulheres do norte apóiam que seus maridos se preparem para ir à guerra" dissera certa vez sua mãe, com uma voz muito surpresa como se aquilo fosse uma enorme estupidez. Havia sempre uma superioridade quando eles falavam das pessoas da cidade vizinha, mas não quando Ícaro dissera aquela expressão, não se considerava melhor nem pior que o rapaz-do-norte, somente diferente. Continuou: – por que você vem treinar aqui na floresta?

– Eu poderia te perguntar porque você vem passear no meio do mato, e tenho certeza que você não vai querer responder.

Ícaro se sentou no chão. – Não é verdade. Eu vim pra cá... sei lá, sempre quis entrar na floresta, desde moleque, e hoje tomei coragem, não sei explicar.

Ulisses ainda estava deitado, com a ponta dos dedos da mão direita brincava com uns poucos pelos no centro do peitoral, tão poucos que quase não eram visíveis. Ícaro olhou para ele e se obrigou a desviar o olhar.

– E eu venho treinar aqui porque... – as palavras morreram entre a garganta e o lábio, quase não acreditou que estava prestes a dizer aquilo, era o seu segredo mais intimo e aquele rapaz por pouco não ouvira assim, na primeira vez em que se viam, que tipo sinistro de confiança Ulisses vinha confiando a ele assim tão depressa? deitou a cabeça de lado na relva e olhou para o outro. Menino delicado, aquele. Menino do sul, onde as pessoas eram tão diferentes, mais... qual seria a palavra?... tolerantes? Isso, isso, as pessoas eram mais tolerantes. – porque...

Acabou por não dizer nada, e Ícaro já nem se importava, estava admirando as árvores ao redor, assim sentados elas pareciam ainda maiores, mais imponentes. – Você está ouvindo isso? – perguntou, mas para Ulisses o único som importante naquela mata era a sua voz.

– O quê? – se sentou como o outro também, para tentar escutar melhor, próximos assim, seus cheiros meio que tateavam um ao outro, se reconhecendo, se embrenhando. Levantou os olhos a procura de algum pássaro que estivesse assobiando, mas não encontrou nada. Quando abaixou os olhos outra vez, encontrou os de Ícaro fixos nele.

– Tem... uma folha seca... – com cuidado, muito tato para não parecer uma ameaça, como quem lida com um lobo para lhe fazer carinho sem ser mordido, Ícaro aproximou a mão, olhando nos seus olhos e com eles meio que falando calma, sou eu, do sul, não vou te fazer mal, não vou te socar, não vou te ofender, calma, é só a minha mão, olha, pode olhar, não estou te enganando; e tirou a folha seca da bochecha de Ulisses, que se grudara ali a pouco, e com a face do dedo, terminou de limpar a pele do rosto do outro, até que não houvesse sujeira nenhuma ali. Nenhum dos dois falou nada quanto a isso.

– Que barulho você está ouvindo? – Ulisses perguntou, a voz baixa, tímida. O rapaz que já veio com duas pedras na mão quando viu Ícaro ali na mata pela primeira vez, agora parecia até inseguro com aquela voz, não, inseguro não é a palavra certa, mas Ícaro não a encontrava.

Levantou-se pronto para seguir o som até encontrá-lo.

– Vem – Ícaro pediu.

E Ulisses foi.

E era um som que não demorou muito para que até ele notasse, tranqüilo o marulhar de uma lagoa, a água escura mesmo que limpa graças a quantidade gigantesca de folhas secas nas suas profundezas. Ícaro abriu um largo sorriso, foi até a árvore ali ao lado, que tinha galhos distorcidos de uma maneira que suas pontas mais altas ficavam bem acima da água, perfeito para que ele usasse de trampolim.

Tirou a calça, somente de cueca, apoiou o pé num galho seco que em falso se arrebentou e não deixou que ele subisse. – Me ajuda aqui, cara.

E Ulisses segurou nas suas pernas e as ergueu, içando Ícaro como se estivesse prestes a alçar vôo, até que o rapaz alcançou um outro galho bem mais alto e firme, e então uma última ajuda de Ulisses, que segurou com as duas mãos na sua bunda e o empurrou mais para cima. Por baixo de um tecido tão fino quanto o daquela cueca, a macia carne do outro enchendo suas mãos. Lá de cima, Ícaro estendeu a mão, pronto para ajudar Ulisses a subir também.

– Tira a calça, cara, se não depois não vai conseguir fazer com que ela seque.

O céu nublado parecia cúmplice, sem sol, sem calor, nem respostas.

– Não dá... Não tô com nada por baixo.

– Quem é que vai pra floresta sem cueca? – exclamou, rindo.

– Como se eu soubesse que ia nadar, né menino delicado.

Ícaro abriu um sorriso como quem abre as cortinas de um teatro para um cenário lindo, cheio de luz e de alegria. – Você que sabe, mas se voltar pra sua casa com a calça molhada com certeza vai ser difícil de explicar... E para alguém que parece tão orgulhoso de viver no norte, não imaginei que fosse assim tão envergonhadinho.

– Ah é?

Afobado, enxotou as calças fora, pisoteando nelas quando teimavam em ficar presas nos seus pés. Pelado, agradeceu por não estar com o pau duro naquele momento, quer dizer, realmente duro, estava inchado apenas, daquela maneira que ficava difícil de saber se era assim tão grande mole ou estava mesmo a caminho de uma excitação, mas não parou para pensar nisso, segurou a mão estendida de Ícaro que o puxou para cima, e os dois se juntaram no alto da árvore, num espaço tão apertado entre os galhos o cotovelo de Ulisses resvalava na pele da barriga de Ícaro e a nuca de Ícaro ficava a menos de dez centímetros do nariz e da boca de Ulisses, que olhou para ela por um instante, pensando talvez na atração que um vampiro sentiria por uma nuca assim tão próxima e na atração muito similar que ele também sentia ao vê-la ali. Mas Ícaro olhou para ele e perguntou quem pularia primeiro.

– Até onde eu sei, esse lago pode estar infestado de crocodilos – Ulisses falou. – Pode ir você primeiro.

– Exagerado – falou cutucando ele para provocá-lo, Ulisses se desequilibrou e cairia se não fosse a mão de Ícaro a segura-lo outra vez. – Mas eu vou mesmo – e sem hesitar saltou para dentro da água, estraçalhando a quietude do lago com marolas. Por um instante permaneceu submergido para ver até que profundidade aquela água ia, e depois surgiu outra vez na superfície, tremendo um pouco. – Que água fria!

Ainda no alto da árvore olhando assim de cima para Ícaro que se divertia de um lado para o outro na água mesmo com os lábios tremendo, Ulisses se sentiu feliz por tê-lo conhecido, por ter encontrado alguém assim tão cheio dessa inocência, dessa alegria meio infantil que ele tinha, justo ele que era tão inteligente e vivia retrucando qualquer coisa que Ulisses falava. Mergulhava e quando voltava o cabelo estava sobre os olhos, Ícaro tirava-o com as pontas dos dedos e olhava para cima, para Ulisses, sorrindo. E Ulisses se sentiu responsável por ele, querendo o bem para ele, que nunca tirasse aquele sorriso do rosto; e tão perdido estava nesses pensamentos que nem notou que seu pau continuava endurecendo fora do seu controle assim como também não notou quando Ícaro jogou água para cima acertando nele e o trouxe de volta a realidade.

– Não vai entrar não? Fica aí parecendo um bicho preguiça.

– Muito obrigado. Pneumonia não está entre as minhas metas para hoje.

E antes de responder aquilo, seus olhos que tiveram que ser outra vez limpos dos cabelos que insistiam em cair sobre eles, de repente notaram de maneira diferente Ulisses ali, entre os galhos claros sua pele ainda mais clara e nua se destacava, a dureza dos músculos dos braços e das pernas grossas se tão mais grossos que os galhos da árvore semi-aquática, o rosto combinava demais com a personalidade, aqueles traços sérios, os cílios muito escuros que lhe davam um olhar mais misterioso e sombrio, e o pau, duro, só agora Ícaro o notou ali tão duro, exatamente como um dos galhos ao seu lado, ou talvez não exatamente devido a maneira que o galho se projetava para baixo mas o pau ia para cima. Embriagou-se tanto naquela beleza que custou a responder a provocação de Ulisses, sabendo que não fosse por aquele lago de águas escuras, Ulisses também veria sua excitação sob a cueca. Mas então mergulhou o rosto na água para esfriar os pensamentos. Ulisses era um homem sério, Ulisses estava treinando para ir para guerra, talvez tivesse uma noiva em algum lugar da sua cidade que ficaria em casa tricotando e rezando enquanto ele lutava nas trincheiras. Se estava excitado era porque talvez fosse daqueles homens que só de sentir uma brisa no pau já tem uma ereção, não era nada relacionado a Ícaro. Ulisses não era o tipo de rapaz que Ícaro podia gostar. Ulisses não era o tipo de rapaz que corresponderia. Precisava parar de vê-lo dessa maneira. Precisava esquecer desses desejos. Ao emergir o rosto outra vez, falou:

– Agora nós vemos quem é delicado nessa história.

– Você é bem espertinho, né?

– Não te contei? Espertinho é o meu nome do meio – Ícaro jogou água para cima outra vez. – E o seu é delicado.

Como se fosse uma senha universal, foi só dizer aquilo para Ícaro saber que Ulisses saltaria naquela água. E não estava enganado, menos de dois segundos para que o outro pulasse de pernas e braços abertos e caísse ao seu lado, quase em cima dele, abrindo uma cratera na água e fazendo Ícaro rir com o seu jeito desastrado de saltar. O cabelo de Ulisses, preto e não castanho como o de Ícaro, também se espalhava pela testa agora que estava molhado, mas era mais curto e não chegava até os olhos, ele nunca perdia a visão, e estavam assim lado a lado e ele via bem de perto o outro, mas não por muito tempo já que Ícaro, de surpresa, segurou nos seus ombros deixando o coração de Ulisses acelerado para saber o que ele estava fazendo, e então num piscar de olhos as pernas de Ícaro estavam se apoiando em Ulisses também e Ícaro usou do seu corpo para pegar impulso e virou um mortal para trás, saindo completamente da água por um instante e caindo nela outra vez, aos risos.

– Duvido você conseguir fazer igual.

Se davam bem assim, um provocando o outro, um desafiando o outro e exigindo alguma quebra de limite do outro, desde que Ulisses fizera Ícaro dar aquelas abdominais.

– Claro que consigo, vem cá.

Suas mãos se apoiaram nos ombros de Ícaro, que olhava para ele, Ulisses tentou subir as pernas para fazer como Ícaro fizera com tanta facilidade, apoiá-las nos ombros também para dar o salto, mas quando ele tentou parecia impossível, e suas pernas foram parar nas costelas de Ícaro, uma de cada lado, aproximando os dois, o pau duro e o principio de sua bunda resvalaram na barriga do outro, a água dava a tudo uma gravidade diferente, como se qualquer posição fosse possível. Ulisses se afastou no reflexo, arrependido, envergonhado, meio frustrado por não ter conseguido. Mas Ícaro não estava ali para constrangê-lo, sabia a hora em que as frases provocadoras tinham espaço e as horas em que era melhor ser compreensivo. E também, ele não podia dizer que não gostou daquele contato. Ulisses virou de costas para ele e Ícaro se aproximou.

– Eu te mostro como faz.

Ainda assim, estava de costas e Ícaro nadou ao redor dele, ficando frente a frente.

– Você fez tudo certo, mas fez um passo de cada vez, devagar. Precisa ser rápido para não perder o impulso. Segura com as mãos no meu ombro – pegou as duas mãos de Ulisses e a pôs nos seus ombros – agora pega impulso para cima com as mãos, quando seus pés estiverem mais altos, apóia os dois nos ombros para pegar mais impulso e salta pra atrás no mortal. Vai, tenta.

Ulisses assentiu com a cabeça, bem ligeiramente, e fez como ele havia dito. Claro que por ser mais musculoso e pesado para ele era mais difícil saltar e também era mais difícil para Ícaro suportar seu peso quando ele se jogava para trás, por isso na primeira tentativa ele ainda não conseguiu, mas foi por pouco, só na hora do mortal que ele caiu de costas na água em vez de cair de cabeça. Mas tentou de novo, agora mais perto de conseguir. E na terceira tentativa sim ele fez um salto perfeito. Socando a água de alegria assim que conseguiu.

Alguns minutos depois, enquanto brincavam na água de ver quem ficava mais tempo sem respirar ou nadava mais depressa de um ponto a outro, começou a chover e os dois ainda estavam no lago.

– Você acha melhor a gente sair? – Ulisses perguntou.

– Bom, eu já estou molhado mesmo...

De tão fria que estava a água do lago, que as gotas de chuva pareciam quentes e até um alivio. E mesmo sob elas eles continuavam nadando. Até que mergulharam juntos sem terem combinado, e nadaram em direções opostas por sob a água, acabando frente a frente um com o outro. Tão tão próximos que o avantajado peito de Ulisses parecia defrontar o peitoral de Ícaro, em contato. Ulisses por reflexo mais uma vez se afastaria dele, fingiria que nada daquilo aconteceu, que estavam apenas acontecendo essas coisas ao acaso. Mas com aquela chuva quente deslizando sobre o rosto de Ícaro. Com aqueles olhos brilhando sob as mechas de cabelo, com aquele corpo assim macio contra o seu, ele simplesmente permaneceu parado, olhando no rosto do outro, era mais alto e tinha que projetar seu rosto para baixo, e Ícaro para cima, também olhando daquele jeito para ele.

E de repente tudo se fez claro e natural.

E de repente as mãos de Ícaro enlaçaram o grande corpo de Ulisses e suas pernas também se aproximaram das pernas dele, entrecruzando-se sob a água, os pés flutuando no infinito negro, e seus lábios beijaram o principio do tórax dele, subindo pelo pescoço, o queixo.

E de repente Ulisses o apertou tão profundamente que seu pau se comprimiu entre as barrigas dos dois, e ele segurou o cabelo de Ícaro e o puxou para si e beijou sua nuca, e mordeu seu ombro, e deslizou a mão pelas suas costas, descendo, descendo, até chegar na cueca, que ele puxou para baixo, e Ícaro tratou de tira-las de vez e o tecido foi afundando na profundidade, sumindo sumindo para nunca mais.

E de repente, seguro de si, Ulisses afastou o rosto só por um centímetro, olhou para o outro, tirou com carinho aqueles cabelos para mergulhar no calor dos seus olhos.

– Vem – ele pediu.

E Ícaro foi.

E os dois nadaram em direção a margem entre a chuva quente e a água fria do lago, era uma sensação diferente, gostosa e permaneceram nela, não saíram do lago, só ficaram na sua beira, a altura dos joelhos, e Ulisses ia atrás de Ícaro, de alguma maneira sem palavras ficava-se acertado alguns encaixes, alguns lugares e Ícaro gostava do corpo do outro assim atrás dele, o pau do outro tocando na bunda dele, de leve, de jeito. Virou o rosto para beijá-lo, mas Ulisses o beijou primeiro, mas não na boca, e sim na orelha, arrepiando-lhe. E Ulisses foi projetando aos poucos o corpo de Ícaro de quatro na água, sua cabeça no nível do lago, o pescoço abaixo d'água e a cabeça acima, as costas perfeitamente no nível do lago negro e gelado, como se estivesse boiando quando na verdade os joelhos e as mãos estavam na areia do fundo. E Ulisses atrás dele se abaixou, afundou a cabeça na sua bunda, a pele externa gelada mas transmitindo o calor dos músculos por baixo, os lábios de Ulisses não cansavam daquela carne, seus dedos avermelhando as nádegas, se desse uma palmada agora, o frio do lago faria com que ficasse marcado? Mordeu de leve e viu que a resposta com certeza seria sim. Ícaro gemeu, olhava para trás e a chuva conferia a Ulisses a imagem de um herói viril suando depois de uma batalha das mais sangrentas. Quando sentiu as mãos de Ulisses chegando no seu pau para ver se ele estava excitado, encontrou-o mais que duro, rochoso. E isso agradou o outro, que molhou dois dedos e começou bem de leve e enfia-los nele, primeiro um, só a pontinha, e a bunda se contraía, sentindo, testando, mas depois aceitava um pouco mais e ele ia em frente, até o limite de onde o dedo alcançava, provando do calor do outro agora sim realmente o calor, aquele calor água alguma de lago algum seria capaz de diminuir, e o segundo dedo entrou então, a grossura maior fizera com quem passasse com mais dificuldade pela entrada, mas assim que passaram ficaram igualmente bem postos por dentro de Ícaro, claro, claro, aqueles dedos não tinham o comprimento ou a grossura do pau de Ulisses ali perto, sob a água, sedento por seguir o mesmo caminho, mas não tinham pressa nenhuma, e Ulisses gostava de ver seus dedos assim de pertinho, entrando e saindo daquela bunda, e com a outra mão deslizava pelas costas do outro, gostava de ver Ícaro gemendo, agora sim se sentia um pouco sobre controle da situação, ao contrário de tudo o que faziam desde que se encontravam, em que parecia que nenhum dos dois conseguia de fato ser superior ao outro, e se desafiavam para tentar fazer o outro desistir, mas nunca acontecia, e talvez nem agora, talvez parecesse assim sobre o controle mas se Ícaro quisesse parar ele imploraria para que ficasse, faria qualquer coisa para que continuassem, e o outro sabia que também tinha seu controle, seu poder, eram iguais e foi pensando em serem iguais que Ulisses ficou em pé, o pau surgiu junto as coxas grossas lentamente para além da água à medida que ele ia se erguendo e Ícaro olhava, Ícaro não cansava de olhar, quando Ulisses repousou o pau sobre sua bunda, pesado, o pau batendo nas nádegas antes de seguir seu caminho pelo rego. Ulisses o segurava pela base e batia e batia com ele na carne do outro, era grande, grosso, branco e cheio de veias; com os dedos puxou a pele pela base e a cabeça foi surgindo lá na ponta, rosada e brilhante, babando. Ícaro olhou nos olhos de Ulisses, que sorria para ele também. Dobrou um pouco o joelho, ficou na altura certa e o pau começou tortuosamente a tentar entrar por um caminho que parecia impossível, o cuzinho fechado, mas foi se abrindo para receber aquela cabeça rosada, doía e Ícaro fechou os olhos e na expressão Ulisses podia ver que doía, mas ainda assim o corpo do outro vinha se projetando para trás, como se aquele também fosse um desafio que um fazia ao outro, e não pararia a menos que o outro também quisesse parar. Pensou nas cem abdominais, e foi aceitando aquele músculo grosso dentro do seu corpo, até o final de uma vez só, até os pelos molhados tocarem sua bunda e Ulisses segura-lo pelo quadril para sentir melhor seu pau alojado lá no fundo dele, lá no extremo dele. E saiu rasgando. E voltou queimando. E Ícaro soltou um sonzinho gostoso da garganta, ignorando a dor, pedindo mais. Saiu ardendo. Voltou macio. Saiu e já não doía. Voltou e Ícaro sussurrou "mais forte". Saiu bem gostoso. Voltou mais gostoso ainda. E ele continuava furiosamente batendo suas pernas naquelas pernas, seu quadril naquela bunda, seu pau entrando até o fundo para sair e tentar entrar mais longe, querendo fazer mais ainda parte do outro, querendo ir além do limite do possível puxou Ícaro para cima, e as costas de Ícaro grudaram-se ao seu peito e a boca de Ulisses não largava mais da nuca dele, da raiz do cabelo dele, da orelha dele enquanto fodia e fodia aquela bunda vendo ali na frente o pau de Ícaro também duro muito duro apontado para frente e Ulisses notou que não era do tamanho do seu, embora não fosse pequeno mas nem foi por isso (ou talvez tenha sido, ele não conseguir formular direito seus pensamentos, nem queria) que semeou sussurrando as sementes das palavras na orelha do outro: "Menino delicado". E a semente entrou e brotou lá dentro e seu fruto foi o sorriso de Ícaro que abriu mais as pernas e levou as suas duas mãos para trás, nas coxas de Ulisses puxando-as mais para ele, mais para dentro, mais forte o pau quente e a água fria e o cu quente e a floresta fria e a língua quente e o vento frio e Ícaro explodia assim com todas aquelas nuvens de sensações dançando dentro dele, explodia, explodia e sua explosão jorrando longe, caindo na água do lago enquanto ele gemia sofrido de boca entreaberta olhando nos olhos de Ulisses esperando que naquele momento recebesse um beijo na boca, o primeiro beijo na boca, mas Ulisses colocou seus dedos naquela boca, deslizando pelos lábios, sentindo a maciez e admirando a carne vermelha, mas não o beijou, continuou fodendo e trepando e entrando, até que também sentia o desaguar vindo, a cachoeira de dentro querendo destruir todas as represas e foi rachando as barreiras, destruindo paredes, até sair dele, lá dentro do outro, uma quantidade gigantesca de Ulisses dentro de Ícaro, esparramando aos pouquinhos enquanto que bem de leve, Ícaro beijava a ponta de um dos seus dedos. E por alguns instantes, era como se mergulhassem no silêncio, era como se aquela chuva não estivesse bombardeando a água do lago nem as folhas das árvores ou o chão da floresta. Somente silêncio. Somente os olhos um do outro. Somente a proximidade dos corpos, bombeando sangue, aquecendo a pele, satisfazendo a fome que não era de alimento.

Depois, difícil dizer exatamente quanto tempo depois, saíram da água, vestiram suas roupas que a chuva tratou de encharcar. Ulisses falou que Ícaro podia ficar resfriado desse jeito...

– Isso é só uma maneira indireta de me chamar de delicado, não é?

– Com certeza.

Não foram embora ainda, a chuva continuava, disseram que seria melhor ficarem por ali, porque quando chovia tão forte o chão da mata se enchia de lama o que escondia buracos que podiam machucar. Não lembravam qual dos dois deu essa desculpa, mas o outro aceitou na mesma hora, a verdade é que não queriam se despedir. E ficaram embaixo de uma castanheira de folhas muito densas que quase não recebia a chuva na parte de baixo.

Foi só então que se apresentaram. Aos risos, como assim ficar com alguém sem nem saber o seu nome? E nem parecia que não sabiam, conversaram muito antes, brincaram muito, se desafiaram muito, não eram estranhos embora nunca tivessem se visto antes. Não eram estranhos, de alguma maneira, mas qual? Apertaram as mãos, Ulisses tinha mesmo uma cara de Ulisses, Ícaro falou; e Ícaro tinha mesmo cara de Ícaro, segundo Ulisses.

Que foi quem comentou que quando a guerra vier, ele gostaria de ser uma figura importante, não um mero soldado, e lutar com muita valentia para que acabasse o mais depressa possível, porque o que ele mais gostava era a figura de um herói de guerra, de um sobrevivente de volta ao país pelo qual ele lutou. Ícaro falou que gostava de escrever e talvez publicasse um livro se conseguisse começar a escrevê-lo, já que segundo a lei do país, artistas em geral não são convocados a guerra de maneira obrigatória, somente se quiserem se alistar ou se o país estiver perdendo e precisar muito de mais soldados.

Sentados lado a lado sob a árvore, olhando para o lago onde estavam até há pouco, Ulisses virou o rosto para ele. – Eu espero que você consiga mesmo escrever, eu não quero te ver nessa guerra...

Podia parecer que mais uma vez ele estava falando aquilo para chamá-lo de delicado, mas quando Ícaro olhou nos seus olhos viu que não era nada disso, dessa vez era sério, Ulisses não queria vê-lo por lá, não queria que acontecesse nada de ruim a ele. Mesmo que sua aspiração fosse se tornar soldado, ele também não gostava de ver gente morrendo, só não podia admitir.

Ícaro se limitou a concordar com um gesto de cabeça.

A chuva cessara quando o céu começava a escurecer. Tinham que voltar, a realidade cobrava suas explicações. Ulisses: seus amigos iriam a uma festa e ele disse que as quatro da tarde estaria lá com eles, mas agora já deviam ser quase oito. Ícaro: tinha os pais que deviam estar a um passo de chamar a policia. E eram caminhos diferentes que cada um deles seguiria para voltar para casa.

Levantaram-se, Ulisses ofereceu a mão para apertar, mas Ícaro abriu um sorriso de canto de boca quando a viu assim estendida.

– É assim que o pessoal do norte se despede dos amigos? Que frieza! – foi até ele e o abraçou. Ulisses parecia ter voltado para aquele estado de quando os dois se conheceram e ele não podia mostrar que sentia atração por outro rapaz. Mas logo aquele abraço fez com que abrisse um intervalo na sua atuação de cara hétero e apertasse Ícaro contra ele, aquele cheiro já lhe trazia lembranças. Aquela nuca estava toda marcada de mordidas. Recebeu mais uma. Mas tinham que se afastar.

Depois seguiram pela mata. Não era difícil o caminho, norte, sul. E quando estavam a um passo de sumir da vista um do outro, olharam para trás, depois partiram.

E Ícaro desviava dos galhos com cuidado, ao redor escurecia depressa, galhos afiados por pouco poderiam cortar sua perna se não tomasse cuidado, mas no seu rosto não era esse tipo de preocupação que estava estampada. Não ele não se sentia culpado por ter ficado com um homem, Ícaro sabia do que gostava, desde sempre soube, e na sua cidade havia alguns rapazes que chamavam sua atenção, mas nada tão forte, tão intenso quanto Ulisses. Mas e agora? o que foi essa transa afinal de contas? Estavam juntos? Eram amigos? Eram mais que amigos? Por que Ulisses não beijou sua boca nenhuma vez? Claro, Ulisses não sentia o mesmo, Ulisses não gostava exclusivamente de homens, talvez fosse a fim somente de mulheres mas estivesse interessado em sexo durante essa tarde e ficou com Ícaro somente porque era ele que estava ali a vista, talvez, na hora de gozar, tenha fechado os olhos e imaginado que era uma mulher que estava lhe acompanhando... era do norte, não podia esquecer que lá era crime punível com a cadeia cidadãos locais terem relacionamento amoroso com pessoas do mesmo sexo. Ulisses levou sua virgindade e nem deve ter percebido, pareciam tão experientes enquanto transavam que não tinha com ter percebido, e também não se arrependia de ter sido ele o rapaz que o descobriu, ninguém nunca causou isso tudo no corpo de Ícaro, ninguém conseguiria causar todas as sensações que Ulisses causou, ninguém o faria gozar tanto e tão intensamente. Hoje, ele veio à mata e teve a tarde mais memorável da sua vida, daqui em diante, não sabia se aquilo tudo se repetiria, mas valeu a pena. As luzes da cidade já começavam a aparecer e ele se sentia livre.

E Ulisses seguia nervoso para o norte, nervoso não por estar chegando em casa, estava pouco se importando com isso, mas nervoso porque ainda tremia e sabia que não era de frio, sabia que era por ter gozado tão intensamente, e com um homem. Droga, até então podia dizer que aquelas suas ereções quando via rapazes malhando era algo confuso, da idade, não significava nada, mas agora? Depois de tudo aquilo como podia enganar a si mesmo e dizer que preferia estar com uma mulher ao invés daquele corpo tão macio de Ícaro contra o seu? Como poderia mentir e falar para si mesmo que preferia ter perdido a vingindade com uma mulher e não com aquele menino do sul tão petulante e... gostoso? Os troncos das árvores eram sombras da sua consciência lhe cercando e ele corria, queria fugir mas fugir de si mesmo, queria mentir, queria não ter gostado tanto, queria ser como todos os outros rapazes que se apaixonavam por mocinhas e casavam e tinham filhos e netos para alegria de suas famílias. O que fez para ser diferente? Merecia ser tratado como aqueles dois no restaurante? Tratados como paria. Queria tanto ir para guerra e voltar herói, e como tratariam mal um herói? Ele queria que o amassem, mas tinha medo que mesmo sendo herói de guerra, ao saberem do que ele gostava e com quer perdeu a vingindade, o tratariam mal da mesma forma. Havia tanto ódio – por quê? – E ele não queria ser alvo daquele ódio. Não queria ser desprezado pelos irmãos. E se o jeito para não ser alvo de tanto desprezo era também sair da mira daquele sentimento que nutrira por Ícaro, bom... talvez não pudesse vê-lo mais também... as luzes da cidade já começavam a aparecer e ele se sentia preso.

Em casa, os pais de Ícaro perguntaram onde ele havia se metido e ele disse apenas, andando por aí, indo tomar um banho quente e trocar de roupa. Depois, no seu quarto a idéia do romance brotou sem aviso talvez por estar com o cérebro tão irrigado depois da transa e com o coração ainda acelerado ao pensar em Ulisses, ao lembrar de Ulisses, sentou-se na mesinha, pôs uma montanha de papeis em branco ao seu lado, e a mão começou a escrever a idéia que viera a partir daquela tarde. E enquanto escrevia não parava de pensar que aquele livro precisava ficar pronto logo, que sua vida dependia daquilo, não podia ir a guerra, Ulisses também dissera aquilo. Aquela frase, aquela frase que Ulisses dissera martelava na sua cabeça, era um sinal de carinho, mesmo não tendo beijado sua boca, ao dizer aquela frase Ulisses não escondeu o carinho que sentia por ele. "Eu não queria te ver nessa guerra". Acabou por deixar a frase como título do livro, e a noite atravessou diante daquelas folhas, escrevendo sem parar deixando que paginas fluíssem com um mínimo de controle, queria que elas tivessem vida própria, as palavras, que elas se tornassem agudas e pontiagudas, que elas ajeitassem seu lugar no papel, e quando terminou o trabalho por hoje já tinha um quinto do livro pronto. Foi dormir sabendo que já estava amanhecendo, e sonhou com Ulisses.

Já Ulisses teve uma noite das mais agitadas, no jornal a noticia principal era que o exercito estava aceitando alistamento voluntário, sinal de que o presidente começava a se preparar para declarar guerra, talvez naquela semana mesmo tudo se tornasse oficial, e assim que a guerra começasse passaria a ser alistamento obrigatório, todos na sua cidade sabiam disso e estavam se preparando para se alistar. Inclusive ele, que começou a assinar os documentos que seu pai arranjara e que no dia seguinte seriam enviados as forças armadas. Iria começar, seria enviado para o campo de batalha talvez para além o estado, talvez do outro lado do oceano, e mesmo que não quisesse pensar mais nele, não conseguia parar de pensar que Ícaro não teria tempo para escrever seu livro...

*

No dia seguinte, por mais que quisessem, nenhum dos dois foi a floresta. Ícaro soube logo cedo das novas noticias e apressou o livro, escrevendo de manhã e a tarde, sabendo que Ulisses entenderia sua falta, na verdade nenhum dos dois combinou que apareceria assim no dia seguinte, mas se dependesse apenas deles, iriam e transariam outra vez, e se agarrariam outra vez, e se lamberiam e se morderiam e se arranhariam outra vez. Mas Ícaro sabia que era importante que aquele livro ficasse pronto e escrevia sem se importar se os outros iriam gostar ou não, escrevia sem ligar para a sua entrega, quem lesse saberia segredos íntimos dele e nem ligava, era importante escrever com toda a sua verdade para que saísse um livro genuíno. Mostrou as primeiras páginas ao pai que primeiro o fitou com um olhar estranho, mas depois disse que seria um bom livro e saiu do quarto. Talvez não soubesse até então que ele gostava de homens, mas soube depois que leu aquelas páginas, dois rapazes na floresta perdendo sua juventude, um treinando para se tornar soldado, lutar, matar, vencer ou morrer, seria honra ou sadismo? O outro lutando para escrever um livro muito depressa para fugir da guerra, seria pacifismo ou covardia? E os dois se amando, mas tendo que seguir por caminhos diferentes, a guerra, justamente o que fizera um deles ir treinar naquela floresta e os dois se conhecerem, era também o que mais cedo ou mais tarde os separaria.

Já Ulisses não foi a floresta porque precisava ir a capital para os exames físicos do exército, o que peneraria os alistados e os colocaria na hierarquia adequada. Ficaram muito impressionados com Ulisses, seu corpo extremamente definido, seu rosto sério mesmo sendo tão jovem, seu discurso sobre como a guerra era importante para que se revertesse a injustiça que o seu país sofria. Voltou para casa sabendo que um ótimo relatório foi escrito sobre ele.

No dia seguinte Ícaro já tinha metade do livro pronto e decidiu ir sim para aquela mata, precisava contar a Ulisses que escrevia sem parar, que talvez depois de amanhã já teria o livro pronto e o mandaria a uma editora, mas também porque queria vê-lo, porque sentia sua falta, e ficou mais que feliz quando o viu lá no mesmo ponto da floresta, ainda se aquecia, não estava treinando, Ícaro o chamou, e Ulisses parou o alongamento e ficou ereto, para que o outro o abraçasse. Para que se abraçassem, os dois. E depois Ulisses apertasse o corpo do outro contra o seu, cheirasse profundamente seu aroma, tocasse suavemente os lábios na pele da sua nuca. E Ícaro se aproximava para beijá-lo mas ele desviou:

– Na boca, não.

Os dois se olharam por um instante, havia ainda uma barreira. Aqueles dois que foram pegos no restaurante da sua cidade no norte estavam se beijando quando chamaram a policia. Se beijar era como anunciar que era daquela outra pessoa que você gostava, era como tornar público, por isso os filmes terminavam como terminavam, um beijo do casal, mas Ulisses não queria isso, não queria ser tratado como aqueles dois, embora gostasse e muito de Ícaro.

Mas o rapaz se afastou dele, meio constrangido pela negativa. Ulisses sabia que isso devia tê-lo magoado. O puxou de volta, as costas de Ícaro contra o seu peito, a bunda de Icaro apertando o seu pau: – Me desculpa, eu só não... não sei se é certo... beijar assim.

– Beijar outro homem? – Ícaro tentou se desvencilhar, mas os braços de Ulisses eram fortes e o prendiam. – Me larga, cara, por favor.

– Não. Fica aqui comigo – aos poucos Ícaro parou de se debater, Ulisses segurava-o tão forte que os músculos do seu braço pareciam crescer sobre a pele do outro, o seu rosto afundado na nuca do outro. – Pode ser a última vez que eu venho. Já me alistei, quando a guerra começar, eles me chamam. Não quero brigar...

Ícaro sabia que a qualquer momento poderia ser declarado o fim da paz. A qualquer momento ele seria mandado embora, e se isso acontecesse agora, o livro não estaria pronto e o próprio Ícaro não se safaria das trincheiras. Se acalmou, também não queria brigar. Seus corpos, assim mais parados, se encaixavam harmoniosamente e balançavam de maneira quase imperceptível de tão suave, como se estivessem sendo embalados um pelo outro.

– Eu estou escrevendo o livro. Já tenho a história pronta na cabeça, talvez termine ainda essa semana... você acha que dá tempo?

Custou a responder, uma raposa rapidamente saltou de uma moita para outra. – Talvez sim, não sei o que o presidente precisa antes de declarar guerra. Já estão empilhando a lenha na minha cidade, você sabe, a fogueira que anuncia a guerra. Você precisa se apressar... – abaixou a cabeça, depositou um beijo no ombro de Ícaro, depois encostou o queixo no mesmo lugar que beijara, os dois olhando na mesma direção, cabeças lado a lado. – Acho que não vou vir mais aqui, mesmo que a guerra ainda não comece, preciso estar em casa quando acontecer, e você precisa escrever mais, escrever sem parar até que fique pronto o seu livro.

– É sim, eu sei. Mas...

– Shiu... – Ulisses segurou na camisa de Ícaro por baixo, a puxou para cima, tirando-a. Atrás dele, foi lentamente se abaixando, beijando suas costas, lambendo, descendo, até chegar na calça, que ele abaixou com cuidado, com carinho, levando junto a cueca e revelando a linda branca bunda do outro, saudade dela, saudade dele inteiro, segurou-a com as duas mãos, e aproximou o rosto, afundou o rosto, beijando aquela carne, aquela pele, quente, cheirado forte a Ícaro, a tesão, a desejo. Havia algo naquele nome, Ícaro, algo de perigoso, de atraente, meio espinhoso, Ícaro. Ulisses nunca conseguiria pensar num nome melhor para aquele rapaz. Tirou a própria roupa toda, e depois levantou os pés do outro para puxar para fora a calça que estava amarrotada ali. Ícaro iria se abaixar com ele mas Ulisses o impediu com a mão – Não, fica em pé. – e olhando de baixo para o corpo do outro Ulisses se sentia realizado, se sentia agradecido por ter aquele rapaz todo para ele, e beijou seus joelhos, suas coxas, apertava com as pontas dos dedos, deixando cinco bolinhas vermelhas na pele, os pelos da perna de Ícaro todos arrepiados, Ulisses via, passou o dedo pelo reguinho dele, calmo, brincando, deslizando, e a bunda de Ícaro tentou morde-lo – Por que demorou tanto para vir me conhecer? – a voz sussurrada veio acompanhada do dedo entrando úmido de saliva na bunda de Ícaro, que se projetou um pouco para trás, empinando, pedindo mais. O corpo de Ulisses subia, nus se esfregando um no outro, com o dedo ainda lá dentro, se mexendo bem devagar, e quando chegou na nuca dele outra vez Ícaro se virou, frente a frente, o dedo escapou e Ulisses pensou que ele tentaria mais uma vez beijar sua boca, mas Ícaro apenas se dirigiu para baixo pelo seu corpo – Não, fica em pé – Ulisses repetiu, mas como resposta ouviu um sonoro e sorridente:

– Você não manda em mim.

E desceu também no seu corpo, começando pelo pomo-de-adão, o beijo mais quente que Ulisses já recebeu, passando pelas veias do tórax, todas latejando, gigantescas sobre a pele devido ao tesão, os músculos duros como se estivessem no meio da mais intensa luta corporal, Ícaro abocanhou seu mamilo esquerdo, o botão rosado e arrepiado sumiu dentro da sua boca e Ulisses olhava extasiado a maneira que ele o sugava, que a língua dava círculos lá por dentro, um "Ahhg" escapou dos seus lábios, quando Ícaro saltou para o outro lado, ele parecia que não ia agüentar, os lábios no mamilo direito, os dedos ainda no peitoral esquerdo, apertando a massa de músculos, tocando no mamilo agora sensível, e quando Ícaro continuou descendo pelos músculos da barriga, um a um, até chegar na raiz dos pelos pubianos, Ulisses já arfava, já não aguentava mais tanto tesão, mas teve que agüentar, porque Ícaro olhou para cima, para os seus olhos, e pegou seu pau com a mão direita pela base, puxando a pele para revelar a cabeça rosa brilhante exatamente como Ulisses fizera da última vez, para então coloca-lo inteiro dentro da boca. foi entrando e entrando mais, e Ulisses acompanhava enquanto cada vez mais do seu pau invadia a boca do outro como se houvesse espaço ali dentro para um pau tão grande, mas ele sabia que não havia, sabia que devia estar chegando até a garganta quando entrou inteiro, mas Ícaro continuava olhando para ele e chupando, tirando da boca até a metade para coloca-la outra vez, provando do gosto de Ulisses e sem medo, e sem nojo, gostando o sabor mais intimo do outro, como ninguém antes fizera a Ulisses, eram tão novos nisso, mesmo que não quisessem demonstrar eram novos demais e eram descobertas demais, para agüentar assim, mesmo se segurando com todas as forças, Ulisses sentia o gozo vindo além da sua vontade, forte, intenso, e tentou tirar a boca de Ícaro na hora para não gozar lá dentro e engasga-lo, mas só conseguiu um pouco disso, o pau havia acabado de sair da boca dele e gozou a dois centímetros dos seus lábios, esparramando sua essência branca pela boca do outro, pelo queixo, pingando – Me desculpa – Ulisses falou – Não se desculpe – Ícaro respondeu, e passou a língua, saboreando um pouco do seu gosto. – Você é louco – o outro respondeu, sorrindo da sua coragem. – Você é gostoso – respondeu, referindo-se ao gosto da porra, você, essa porra é você, esse leite na minha cara é você, um pouco de você para mim. E Ulisses se abaixou com ele, o jogou no chão de costas na relva, levantou suas pernas sobre os ombros – não quero parar agora – ele disse, com o pau mesmo encharcado de porra sem sinal de amolecer. – Então não para, não para – e foi enfiando o pau naquela bunda, servindo sua própria porra de lubrificante, invadindo o fogo do corpo do outro, e Ícaro olhava para cima, olhava para o céu, ainda cinza o céu, até que o rosto de Ulisses veio parar sobre ele quando o corpo do outro se projetou inteiro acima do seu, o pau lá dentro todo enfiado e as pernas de Ícaro totalmente abertas, centímetros afastando seus rostos, Ulisses olhando nos seus olhos, decorando cada traço do seu rosto, aquela boca, a tentação daquela boca assim brilhando com a sua porra, ele queria beijá-la, alguma coisa o puxava para beija-la mas ele não podia, eram homens não podia esquecer, não podia beijar homens. Mas podia foder, mais podia amar daquele seu jeito bruto, Ícaro gostava dele bruto, dele ser reservas, sem medo de quebrar. E por ter gozado a pouco essa segunda gozada demorou bem mais, Ícaro sabia controlar melhor o corpo e não gozaria enquanto Ulisses não estivesse pronto para gozar também, as suas mãos mexiam no rosto de Ulisses ali sobre ele, acariciavam sua barba por fazer, seu maxilar, seus ombros, suas costas enquanto o outro suava, os dois suavam, naquela foda no chão da mata, da natureza, até que Ulisses começou a gemer mais alto, a urrar de leve, já sem palavras a formular, e Ícaro se tocou e o acompanhou nos gemidos, abriu ainda mais as pernas, queria-o lá dentro na hora, no mais fundo do seu corpo quando a outra gozada viesse, para ele, só dele todo o sêmem do outro, só dele todo o coração de Ulisses, e o gozo veio feito uma tempestade, e os dois gritaram na hora, e Ulisses desabou em cima dele, misturando seus suores num só, seus batimento num só como se fosse um grande corpo desnudo no chão de folhas secas.

Era a última vez. Não se veriam mais. Ulisses não viria mais. Ícaro não viria mais. Depois, na hora de se despedirem as palavras fugiam como insetos, e eles se apressaram porque não queriam que o outro visse o momento em que as lágrimas começassem a cair...

Ícaro escrevia trancado no quarto por dezesseis horas ao dia. Ulisses acompanhava as manchetes do jornal e via da janela os cidadãos pondo mais lenha na praça principal, quando a guerra fosse anunciada, incendiariam uma grande fogueira para anunciar que o fogo consumiria tudo para que depois surgisse um novo país, mais justo, mais feliz. Queria acreditar nisso, mas pensava em Ícaro e em como talvez não fossem se ver nunca mais, e não conseguia. Ícaro concluiu o livro depois de três dias, quando soube que os ministros contrários a guerra estavam sendo demitidos, mandou o livro no mesmo dia a editora. Ulisses recebeu uma carta das forças armadas dizendo que era um dos soldados mais capacitados a se alistar voluntariamente e por isso dali a três dias estava sendo convocado para ir morar no quartel. Depois de dois dias, Ícaro recebeu uma carta da editora concordando em publicar seu livro no prazo mais curto possível e parabenizando-o pela obra. Com o livro a caminho da publicação, se a guerra começasse naquele momento, ele já não seria obrigado a lutar. Ulisses soube um dia antes da sua partida da noticia que se espalhou feito pólvora, havia começado, o presidente em comunicado publico anunciou a guerra contra o inimigo e os convocou a lutar, até os que não se alistaram estariam nos próximos dias recebendo cartas de obrigatoriedade a menos que se encaixassem em uma das situações nas quais não precisassem ir para o campo de batalha. Era guerra. Era guerra e os moradores correram para a praça, em festa e acenderam a fogueira e Ulisses queria saber se Ícaro havia ou não terminado o livro, se Ícaro havia ou não escapado desse destino, mas não tinha como falar com ele, não tinha como encontra-lo na cidade vizinha e ele correu para fora de casa, correu na direção contrária da fogueira, correu para a mata adentro e continuou correndo sem medo de cair num galho do chão ou num buraco qualquer correu correu vendo as cinzas da fogueira começando a chegar até ali e caindo feito uma chuva negra sobre o verde úmido do bosque até chegar no mesmo lugar de sempre, na mesma clareira onde se encontraram pela primeira vez, arfante, cansado, e feliz ao ver ali na sua frente Ícaro também chegando com a mesma pressa e desespero que ele. E os dois se encontram no meio do caminho e se abraçaram e se apertaram pela

Última vez.

Por dentro do abraço Ícaro diz que soube da guerra e que agora era oficial e o apertou ainda mais forte.

Última vez.

Ulisses perguntou afobado do livro, perguntou se estava pronto, se já havia sido entregue, se a editora já tinha cadastrado no catálogo oficial fazendo dele um escritor profissional, e Ícaro respondeu que sim mas...

Última vez.

Ulisses pediu para ele não dizer mais nada, que isso era o importante, que ele estava a salvo, que não conseguiria ir lutar se não tivesse certeza de que ele estava a salvo. E as cinzas caíam sobre eles, a floresta toda parecia se decompor mas eram só cinzas do céu, e Ulisses não sabia explicar, mas sentia alguma coisa muito forte por ele e continuava apertando-o como se não lembrasse que ossos quebram e que abraçam não são o bastante para levar outra pessoa para sempre com você, grudada ao seu corpo assim como você gostaria.

Última vez.

Ícaro abaixou os olhos e sussurrou – Você tem razão, isso é mais importante, e eu também, eu tenho que te dizer, que sinto alguma coisa por você – sugou profundamente o cheiro de Ulisses naquele abraço, nunca, nunca, nunca, esqueceria o seu cheiro. – Eu te amo, Ulisses. Você não precisa dizer nada, eu sei que pra você é mais complicado, mas eu te amo.

Última vez!

E a Ulisses aquelas palavras eram a fruta mais doce e deliciosa que ele já provara, era a água mais pura e saborosa que já matara sua sede, o agasalho mais quente que já provara para vencer os dias frios da vida. E era verdade. E ao ouvi-las ele sabia que era verdade, que era esse o nome disso que lhe lavava por dentro. Amor. Simples pequena palavra. Afastou a cabeça do seu ombro e olhou nos seus olhos, também o amava, nossa, como o amava. Mas as sirenes dos jipes de policia buscando os soldados que se alistaram já gritava lá na sua cidade e dali dava para se ouvir mesmo estando tão tão longes de qualquer um, dava para se ouvir e ele tinha que ir, deserção é crime, amar outro homem é crime, viver é crime. – Você tem que ir – Ícaro falou. Você precisa ir.

Última vez!!!

Ulisses sabia que se dissesse o mesmo, eu também te amo, não teria toda a verdade que ele queria por naquelas palavras, não queria que Ícaro pensasse que estava correspondendo porque era a última vez que se viam, ele o amava! Ele o amava e danem-se as leis, as regras, os outros, ele o amava e precisava demonstrar isso e era a última vez e não conseguia não conseguia aceitar a idéia de que era a última vez e que poderia estar morto daqui a uma semana, um mês, era o fim, mas não podia, não era justo. Ele o amava! Filmes não acabam assim, a vida é um crime. E ele se jogou no crime, e ele não tinha mais medo das conseqüências, e beijou aquela boca, e arrastou aquela boca para junto da sua, e saboreou aqueles lábios, e provou daquela língua, sentindo as cinzas que vinham do céu tocando sua pele e as sirenes mais nervosas do que nunca mas não podia não podia encurtar seu primeiro beijo – seu possível último beijo que durou minutos e era pouco, mas ele tinha que ir, Ícaro repetiu, sabendo que se não dissesse nada ficaria ali com ele e o guardaria para si sem forças para deixa-lo ir se não fosse naquela hora. – Me espera? – Ulisses perguntou. Segurando com as duas mãos nas suas bochechas. E Ícaro o beijou mais uma vez, um beijo mais suave que o primeiro, mais "delicado" e depois, com a milímetro separando os dois – Claro que te espero. – para vê-lo então se afastar, e ainda olhando para trás tendo que caminhar de volta para o norte, mesmo querendo ficar tinha que ir e ele se embrenhou outra vez na mata guardando muito bem na mente a fotografia do rosto daquele garoto, dos olhos dele, dos lábios dele, nem que fosse pela

Última vez.

*

E Ícaro ficou. Ícaro continuou parado no mesmo ponto mesmo sabendo que a uma hora dessas ele já devia ter chegado na sua cidade, entrado num daqueles jipes e partido dali, indo para a capital ou alguma outra cidade grande onde receberia um treinamento e de lá seria mandado para fora do país, para conseguir de volta as terras que eles tiveram certa vez mas agora não tinham mais, o que os deixara a eles todos mais pobres, Ícaro ficou ali, e a cinza já encobria toda a grama, e ele não tinha forças para ir embora. Ele não tinha coragem para sair daquele lugar, assim como não tivera coragem de contar a verdade a Ulisses, de dizer que mesmo com o livro oficializado ele recebeu uma carta de alistamento pelo correio e ligou para sua editora e eles disseram que por seu livro falar da guerra de maneira negativa, o presidente decidiu não considera-lo como artista, seu livro não se encaixava na lei que o livraria da farda, então ele teria que ir também, não por enquanto, já que os soldados que se alistaram por conta própria iam para o treinamento meses antes dependendo de quanto tempo demoraria a guerra, mas ele iria, em breve ele iria... mas Ulisses, Ulisses disse que não conseguiria lutar se não soubesse que ele estava bem. Não podia tirar isso do outro, que queria tanto ser um bom soldado. Ícaro não conseguia sair daquele lugar, e tirou do bolso o papel dobrado, a carta do governo e a jogou no chão e as cinzas a encobriram assim como talvez em algum momento conseguissem encobrir o próprio Ícaro, talvez fosse isso, ele queria sumir, queria se tornar cinza, mas não era assim que os filmes terminam. E em algum momento ele juntou as forças e voltou para casa.

Três meses sem noticia nenhuma de Ulisses, somente as manchetes de jornal, dizendo que seu país estava perdendo, que o inimigo não parava de mandar tropas, e que o número de mortos era incalculável, e então chegou o dia em que um soldado bateu na sua porta e disse que chegou a hora, que ele seria mandado naquele mesmo dia para o campo de batalha mais ao oeste da guerra, onde receberia o treinamento e já começaria a lutar. E o soldado nem esperou que arrumasse suas coisas, o pos num ônibus verde junto com outros rapazes da sua cidade e partiram dali, sem que Ícaro soubesse, e nem teria mesmo como saber, que essa base ao oeste tinha já um novo sargento, um muito jovem sargento, um sargento ali da cidade vizinha, ali do norte, um rapaz-do-norteContinua...

OLÁ PESSOAL, FAZIA UM TEMPO QUE EU NÃO ESTAVA TRAZENDO CONTOS NOVOS E ERA POR CAUSA DESSE CONTO AÍ, VOCÊS NÃO FAZEM IDEIA DE QUANTAS VEZES EU ESCREVI E REESCREVI ESSA HISTÓRIA ANTES DE ACHAR QUE ESTAVA DO JEITO CERTO, NA VERDADE A SEGUNDA PARTE AINDA NÃO ESTÁ PRONTA, PROVAVELMENTE VOU PRECISAR REESCREVÊ-LA DO ZERO, E POR CAUSA DISSO TALVEZ DEMORE UMAS DUAS SEMANAS OU MAIS PARA PUBLICAR O FINAL, MAS AINDA ASSIM JURO QUE VOU TERMINAR, NÃO VAI FICAR UMA HISTÓRIA INCOMPLETA. ESPERO QUE GOSTEM E BOA LEITURA A TODOS VOCÊS!

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Comentários

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Cara, vc é brilhante. Suas histórias são muito bem escritas. E esse conto então, perfeito! Cara, por favor, não mata nenhum deles. Não faz fim triste, pelo amor de Deus. Estou ansioso pelo próximo capítulo. Abraços

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Estou sem estruturas para esse final do conto, meu Deus eu estou com o coração na boca, aiiiiiii que angustia, tristeza e um enorme desespero, para mim esse casal acaba de se torna o meu favorito da CDC, sem sombras de duvidas eu os amo muito e quero e preciso que eles consigam passar e sobreviver a essa barra, quanto a você autor, você tem a mínima noção de quanto você é brilhante e incrível, você é um autor nato eu adoro todos os seus contos mas, esse me deixou sem chão nossa amei e amarei esse conto por muito tempo. Um enorme abraço em você, autor perfeito!!!

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Cara gostei muito, to sem palavras para descrever tudo que senti lendo esse conto, por favor nao demore muito, qualquer coisa meu email é eduardomartines511@gmail.com ou whats ( quarenta e um ) nove um sete cinco sete zero dois quatro, cara amei seu conto...

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Puta que pariu!!! Meu deusss que coisa perfeita!!! Esse conto me fez ganhar o dia. Já estava com saudades dos seus contos e para mim esse foi o seu melhor conto fora "A cidade do céu amarelo". Simplesmente perfeito. O jeito que você descreve as situações, as sensações e tudo mais é tão envolvente que me faz sentir um dos personagens ou um espectador onisciente. Você tem o dom incrivel de explicar as coisas com uma enorme sutileza e elengância, sem deixar com que o leitor entenda e principalmente sinta. Bravo!

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