(Tudo vem com um propósito).
Os anos após a separação foram para Carol Vandré e a filha, agora uma jovem de dezesseis anos, como uma ferida aberta. O tempo como também as circunstâncias estavam ali, marcando o contorno do conturbado relacionamento mãe-e-filha. Construíram uma relação recheada de longas ausências e no fundo Carol atribuía que em grande parte do seu fracasso como mãe ela era absoluta e total culpada.
Já agora, depois de seis anos longe do país ela estava de volta, sentou um calafrio desconfortável correr-lhe a coluna, aconchegou-se firmemente e abraçou o travesseiro. Pondo em prática todo autocontrole de que era capaz ela escorregou de debaixo do cobertor.
- Isso é insano - pensou ela.
- Poderia dormir por mais uma hora e meia pelo menos, antes de me aprontar e enfrentar este longo dia - falou a si mesma bocejando.
- É... Com certeza, se tivesse algum pingo de juízo voltaria pra cama - completou logo que a imagem da água jorrando do chuveiro veio a sua mente.
Procurou os chinelos com os pés e depois se levantou, espichou-se e só então abriu as cortinas da janela, logo os primeiros raios de sol invadiram o quarto, poucos meses antes Carol decidira que seria uma grande ideia retornar ao Brasil enfrentar novos desafios e principalmente seus fantasmas, rescindiu vários contratos e recusou ofertas de empregos milionários, esteve ansiosa e animada boa parte do tempo antes de retornar. Agora, porém, depois de cinco semanas no país reorganizando sua vida profissional, porque a vida pessoal para ela era uma causa perdida, a "grande ideia” de Carol já lhe causava aborrecimentos. Quanto mais contratos lhe eram oferecidos, mais desconfortável Carol se sentia, nada realmente lhe interessava, até a proposta feita pelo Sr. Garcia, dono da Síntese Publicitá.
Na verdade Carol nem sabia ao certo o que havia chamado tanto a sua atenção nessa Agência - certamente foi o grande número de premiações - tentou se convencer. O fato é que estava curiosíssima para conhecer sua nova parceira de trabalho, em pouco tempo já ouvira diversas coisas a respeito de Anna Luiza Garcia, tanto coisas boas como coisas ruins, mas principalmente coisas bem surpreendentes. Carol tomou um banho, trocou-se e, depois telefonou para seu ex-marido. Murmurou um "Claro que sim" bem seco quando este lhe disse em meio ao sarcasmo se ela não estaria muito ocupada para conversar sobre a filha dali à alguns minutos.
Uma brisa fria atravessou o interior do carro tão logo Carol deixara a garagem do prédio onde morava, sentiu um arrepio e viu os pelinhos de seus braços eriçados. "Que dia" pensou. O sol brilhava exuberante enquanto Carol seguia seu percurso. Parou o carro perante o grande portão da mansão de seu ex-marido e admirou-se com o número de carros espalhados por todo o estacionamento. Artur não havia avisado que estava dando uma festa... Ainda mais àquela hora da manhã. Deteve-se diante da porta, tocou a campainha em estilo provençal, e esperou. Poucos minutos mais tarde já estava tocando a campainha impaciente, não suportava que a deixassem esperando. Logo a porta se abiu e um senhor grisalho com ar altivo, vestido de pinguim veio atendê-la.
– Bonjour madame posso ajudar? - falou o mordomo em "frescurês", pensou Carolina.
– Bom dia, sou Carolina Vandré e o senhor Artur Albuquerque me espera – respondeu Carol com ar de superioridade tão habitual.
– Siga-me, por favor, madame! – disse o mordomo indo em direção a um suntuoso salão repleto de pessoas bem vestidas e que conversavam em pequenos grupos, embalados por um som ambiente e bem agradável.
Carol admirou-se com tudo que estava a ver, não que Carol nunca tivesse entrado em uma mansão, mas admirou-se com o fato de seu ex-marido ter-se tornado tão ostentador. O lugar misturava o estilo provençal com o contemporâneo, Artur tinha bom gosto não podia negar, não demorou em encontra-lo, e este logo abriu um enorme sorriso sarcástico, como se dissesse “você veio mesmo” Carol sustentou o olhar de Artur e respondeu com um meio sorriso nada amigável.
– Olá Carolina, como vai? – disse Artur.
– Oi Artur, onde está Alicia?! – perguntou de uma vez.
– Calma senhorita nervosinha – disse Artur com desdém.
– Responde logo Artur. Onde está Alicia?!?!
– Não grite comigo.
– NÃO ESTOU GRI-TAN-DO!
– Pois não quero estar aqui quando você começar...
– ASSIMMMM?!
– Nossa! Tem certeza que inda és publicitária?! Porque você tem uma bela e longa carreira como megafone – ironizou Artur.
Carol olhou pra ele irritada, nesse momento entra Alicia acompanhada de sua madrasta e cheias de sorrisos cumplices. A reação de Alicia ao se deparar com a mãe não foi das melhores.
– Por que o senhor não disse que ela viria? – questionou Alicia irritada.
– Tenha modos Alicia, por favor!
– Oi pra você também minha filha!
– Ah! Nossa! Lembrou que tem uma filha é Carolina? – debochou Alicia.
– Por um acaso eu jamais esqueci minha tão linda e malcriada filhinha – respondeu Carol no mesmo tom que Alicia usara.
– Alicia, minha querida, não fale assim com a senhorita Vandré! – interrompeu Laura, esposa de Artur.
– Mas, mamãe! – tentou Alicia sendo logo interrompida pela madrasta – Sem, mas, Alicia.
– Está bem – respondeu vencida.
– Você sabe que vai ter que ficar com a sua mãe esta semana, durante a nossa viagem – falou Artur.
Carol observava a cena incrédula, aquilo era muito pra ela. Era fácil perceber que ela não digerira muito bem a coisa toda. O que a incomodou profundamente não foi o fato de ter que passar uma semana com a filha, mas o que realmente pesou naquele momento foi constatar o quanto seu relacionamento com a filha se perdera, ver que na vida da filha outra mulher tomara seu lugar de mãe. Carol ficou brava e decepcionada com seu próprio fracasso. Tinha tanta esperança que Alicia pudesse compartilhar esses dias com ela de forma amigável. Ficou em silêncio por alguns segundos e juntando as forças que tinha reprimiu e impediu que seus sentimentos de tristeza aflorassem em lágrimas ali mesmo. Retomou sua pose autoritária e apenas sentenciou.
– Certo, está tudo muito bem, mas ainda tenho um milhão de coisas para resolver, te pego às 20h Alicia e esteja pronta, pois tenho um evento e você irá comigo meu bem.
– Eu não vou a lugar algum com você!
– Você vai e está decidido. Agora, vou indo, passar bem – disse despedindo-se de todos.
No carro, Carol ficou pensativa. Como sempre, Alicia tentava manter distância e fazia questão de demonstrar a Carol à ótima relação com a madrasta, isso era a única coisa capaz de machucar e desmontar Carol por completo. Passou o resto do dia resolvendo detalhes de seu contrato na companhia de Miguel, seu fiel assistente e amigo. Participou pouco das conversas e Miguel percebeu que ela não estava em seus melhores dias e convenceu Carol a ir pra casa relaxar, ou ao menos tentar. Em casa, depois de se deleitar na água quente por alguns longos minutos, a água começou a esfriar e Carol foi obrigada a sair, após terminar de arrumar-se o celular bipou avisando a chegada de um sms olhou para o visor e viu que era uma mensagem da filha, pegou o celular avidamente sentindo uma pontinha de esperança que pudesse reavivar seu relacionamento com a filha, somente para se frustrar logo em seguida.
A mensagem apenas dizia “Já estou pronta Carolina”. A semana com certeza seria no mínimo desgastante, pensou Carol. Já eram 20h05min quando Carol estacionou em frente à mansão de Artur, esperou por mais 5min até que Alicia surgiu, deu a volta e entrou no carro.
– Boa noite filha!
– Oi Carolina! – Alicia limitou-se a responder em seco e no caminho não disseram mais nada.
Chegaram ao Centro de Convenções e foram recebidas por diversos flashes, entraram e o lugar já estava praticamente lotado, logo Alicia procurou se distanciar sem que nada Carol pudesse fazer, já que teria que cumprimentar vários empresários do setor de Publicidade e Propaganda. Miguel logo a encontrou e a levou até o senhor Eduardo Garcia dono da Síntese Publicitá.
– Olá senhor Eduardo como vai?! – cumprimentou-o Carol.
– Olá Senhorita Vandré, estou melhor agora é uma honra poder tê-la em nossa equipe, tenho certeza que trará ainda mais resultados para nossa agência – disse o senhor Eduardo parecendo realmente animado.
– Eu é que me sinto honrada e assim espero poder contribuir da melhor forma com o meu trabalho e claro vamos constatar tudo isso que o senhor falou nos próximos meses – respondeu Carol e continuou – Pensei que sua filha estaria aqui, ela não está concorrendo ao prêmio? – perguntou por pura curiosidade, surgida de algum lugar obscuro de seu subconsciente, e que Carol não conseguia entender.
– Por falar nela, acaba de chegar – respondeu o senhor Eduardo olhando na direção do hall de entrada.
Quando olhou para a entrada Carol prendeu a respiração, deparou-se com aquele olhar fascinante que há muito parecia ter visto, só não lembrava onde. De repente as luzes dos holofotes dissiparam a momentânea falta de sentidos que havia tomado conta de Carol. Cinco intermináveis minutos mais tarde ela aguardava nervosa que a filha do senhor Garcia se aproximasse, na verdade a filha do senhor Garcia parecia para ela bastante descolada, como diria Miguel, e Carol sentia-se péssima por estar nervosa, pois isso era algo que não fazia o menor sentido.