(Chegando perto.)
Na manhã seguinte, enquanto Carol preparava o café da manhã, a conversa com Alicia ainda ecoava em sua cabeça. Sentou-se a mesa da cozinha muito bem arrumada e quase toda revestida de material cromado, começou seu café e ouviu quando Alicia aproximou-se da cozinha. Olhando assim, Alicia se parecia bastante com a garotinha que muitas vezes caminhara ao seu lado pelo parquinho da cidade há alguns anos atrás. Sua voz estava animada, e a impressão que Carol teve era de que a madrasta de Alicia estava lá, pelo jeito que a filha ria.
Com a madrasta e o pai, Alicia jamais ficava sem assunto, e batia papo com eles com desembaraço. Saber que Alicia jamais conversaria com ela dessa maneira tão despretensiosa, livre de barreiras afligiu o espirito de Carol. “Mas, o que fazer?” Carol se perguntava. Então, decidiu tentar alguma aproximação, e assim que, Alicia desligou o telefone Carol tentou atrair o olhar da filha clareando a garganta. Mas, ela não lhe dirigiu sequer um bom dia. Em vez disso pegou algumas coisas e começou a fazer um sanduiche, quando viu que Carol a encarava disse: “Ah, papai mandou um abraço, a mamãe disse que eles estão se divertindo muito nessa segunda lua de mel”.
Carol forçou um sorriso ao responder “Que bom”, secamente. Em silencio, Carol sentada e Alicia em pé, continuaram cada uma com seu respectivo café. A medida que os minutos iam passando Carol observava o rosto inexpressivo da filha que tentava de todas as formas ignorar a presença dela ali.
Alicia? – disse Carol.
Humm? – respondeu e continuou comendo seu sanduiche, olhando para qualquer lugar que não fosse o rosto da mãe.
Sinto...er... – Carol hesitou por um instante – sinto muito por ter me exaltado ontem – enfim disse com calma.
Alicia pareceu um pouco surpresa com o repentino pedido de desculpa da mãe, mas apenas isso não bastava para fechar as feridas que os anos de distância deixaram em Alicia.
Olha só Carolina, não quero discutir com você ok, já estou indo, estou atrasada pra aula! – respondeu jogando a mochila nos ombros.
Você não quer carona filha? – tentou Carol… Não – respondeu rapidamente – a Flávia já está me esperando lá em baixo - deu as costas e saiu sem se despedir.
A manhã arrastou-se como um fardo pesado para Carol, que já não suportava mais a sensação sufocante que esmagava seu peito. Tentou inutilmente se concentrar no trabalho, mas era praticamente impossível ainda mais com Anna-Lú tão incrivelmente linda, inebriante e completamente irritante, que não perdia tempo em deixar Carol "pê-da-vida" como se já não bastasse os problemas com a filha. “Deus do Céu! Como uma pessoa pode ser tão linda e um capeta ao mesmo tempo!” lamentava-se Carol.
No meio da tarde as duas foram ao apartamento de Anna-Lú para decidir as ilustrações que iriam para a gráfica e que ela havia esquecido em casa. Anna-Lú discorria dando seu parecer sobre algumas ilustrações, enquanto Carol observava-a hipnotizada. Ela estava com os cabelos presos em um coque, os óculos de grau dando a ela um ar totalmente sexy, imaginava como seria tocar seus lábios nos dela, era surpreendente como pensar em Anna-Lú dessa forma tirava Carol de órbita. O leve pender de peles, vez ou outra, para Carol era como encostar-se a um tição aceso, o fragrante odor do perfume de Anna-Lú despertava todos os sentidos de Carol.
Assim, que a noite iniciou uma inesperada corrente de vento fez arrepiar o braço de Anna-Lú quando Carol se aproximou para pegar um dos quadros em suas mãos. Anna-Lú procurou vê-la com o canto do olho e pode perceber que Carol a olhava fixamente, enquanto mordia o lábio inferior. “Grande programa!” raciocinou Anna-Lú. “Estou no meio da minha sala ao lado de uma bela mulher. Estamos completamente sozinhas. Ela está esperando que eu a beije! Eu teria que ser muito idiota, boba, ou surda, ou muito cega, para não perceber o que está se passando por sua mente. Que droga! Ah eu não seria a primeira mulher a beijá-la, ou seria?! Mas depois de mim, com certeza não seria a ultima..hehehe”.
Esses pensamentos começaram a martelar a mente de Anna-Lú. “Admita Anna Luiza, você também está interessada, mas não é a garota, e sim o ambiente, é com certeza é o ambiente”. Tentava se convencer, “Numa situação normal eu jamais teria escolhido estar com ela, hmm...uma hétero convicta, como ela se auto intitulou, ainda mais ela é tão, tão gostooosaaa” sua boca salivou com o pensamento, “quer dizer, tão ridícula e irritante, eu nunca admitiria estar nutrindo qualquer tipo de interesse por ela, nem pra mim mesma ”.
Mas, quem poderia saber? – resmungou Anna-Lú pensando alto.
Ãh? Falou algo? – indagou Carol.
Ah? Oh, não...nada – respondeu constrangida como quem é pega no flagra.
“Mas, o que está acontecendo comigo?!” gritou Anna-Lú em seus pensamentos, “ficar constrangida na frente de uma garota! Essa mulher me tira do sério, além de não sair mais da minha cabeça! Estou perdendo o jeito só pode! Como essa mulher me deixa maluca, Oh Céus!”
Você almoçou hoje? – interrogou Anna-Lú tentando se livrar desses pensamentos.
Não tive tempo! – respondeu.
Então, agora que já terminamos, que tal pedirmos uma pizza? Eu também não comi nada quase o dia todo.
Não sei se é uma boa idéia! - apontou.
Ah qual é Carolina vais me fazer essa desfeita? É só uma pizza...sei que está com fome tanto quanto eu. E eu não mordo...prometo...palavra de escoteira - Anna-Lú sorriu zombeteira.
Mas você nem é escoteira! - respondeu Carol torcendo o rosto e tentando inutilmente esconder o sorriso que se formou em seus lábios.
Mas, você tem que admitir que é uma boa idéia, oras? Sentar e relaxar comendo uma deliciosa pizza depois desse dia exaustivo e além disso, podemos aproveitar e conversar um pouco...já que meu querido pai insiste tanto que devemos nos dar bem...nos conhecer...é uma boa oportunidade, não é?
Por que não? - finalmente concordou Carol.
Vinho? - sugeriu Anna-Lú e Carol assentiu.
Vinte minutos depois a pizza chegou, compartilharam uma garrafa de Borgonha tinto não muito encorpado do jeitinho que Anna-Lú adorava, comendo como duas universitárias colegas de quarto. E enquanto comiam deram detalhes sobre suas vidas.
Então, além de não ter muitos amigos por aqui...o que posso dizer... - fez uma pausa - o mais óbvio claro... sou divorciada, tenho uma filha de 16 anos e passei seis anos longe do país...tinha um namorado na Itália que terminou comigo porque decidi voltar pro meu país - concluiu Carol.
Hm...entendi, e o que achou? Digo, de passar tantos anos morando fora, é como você imaginou? Porque eu o máximo que passei fora foi seis meses fazendo curso de inglês e italiano - falava Anna-Lú muito interessada estreitando os ombros e gesticulando com uma fatia de pizza em mãos.
Sim...foi tudo como eu imaginei...claro que até eu me firmar foi um pouco complicado, mas eu já esperava por isso, é sempre difícil quando se tem que lutar pra ser reconhecido. Depois, tudo foi melhorando e aos poucos consegui meu tão sonhado lugar ao sol, mas por conta de todo esse sucesso acabei perdendo sem perceber o bem mais precioso que eu tinha na vida... - Carol pegou-se simplesmente falando abertamente para Anna-Lú algo tão pessoal de forma tão natural e continuou - que era o amor da minha filha, na época eu não pude leva-la comigo...o pai acabou ganhando a guarda total dela e eu tive que escolher entre ficar e recorrer contra a decisão ou aceitar a proposta de trabalho no exterior...foi a decisão mais difícil da minha vida - disse Carol pesarosa e uma pequena lágrima teimosa escorreu rosto abaixo.
Anna-Lú teve vontade de tomar Carol nos braços e acalenta-la até que todo aquele sofrimento desaparecesse daqueles lindos olhos azuis.
Eu posso imaginar - assentiu Anna-Lú.
Mas, chega de falar de mim - disse Carol limpando o rosto com o dorso das mãos - e você além de ter passado boa parte da vida em uma fazenda, como foi vir pra cidade??
Ah...foi diferente...a vida aqui é bem mais agitada...não que a vida na fazenda fosse um tédio...pelo menos não a minha...na verdade eu sempre fui boa em aproveitar a vida - disse Anna-Lú com um largo sorriso - e meu pai obviamente detestava minhas peripécias...ainda detesta...pra ser sincera. Então, eu vim fazer o ensino médio e também queria me formar na mesma profissão do meu pai, mas é claro sem depender dele, cheguei aqui e conheci a Marina na rodoviária eu sempre fui rica, mas nunca quis ser dondoca...ao contrário do que o meu pai pensa sempre dei muito valor ao trabalho, por isso quando a conheci foi tipo amizade ao primeiro trocar de malas acabamos por descobrir que além das malas iguais estávamos as duas tentando a sorte e pensamos...porque não dividir as despesas? ela já tinha onde ficar então fizemos um acordo para diminuir os gastos...arranjei um emprego de meio expediente e assim fui vivendo...meu pai nem fez questão de me ajudar quando eu decidi sair de casa minha mãe é que choramingou um pouco, mas acabou aceitando ...sempre quis mostrar pra ele que eu era capaz e depois do episódio que te falei, com a garota da universidade nos últimos semestres eu tive que recorrer a agência do senhor Garcia...e não pense que foi fácil ele não facilitou em nada a minha vida...tive que passar por todos os testes que qualquer candidato a estágio passa lá na agência até provar pra ele que o curso que eu havia escolhido não era um mero capricho. Passei e comecei estagiando...fui mudando de posição aos poucos até começar a colher em premios para a agência os frutos do meu trabalho e enfim meu pai passou a ter mais confiança em mim me passando a presidência da Síntese...e ainda assim foi um longo caminho - terminou Anna-Lú.
Carol...ficou uns poucos segundos olhando para Anna-Lú totalmente despojada, comendo pizza e ao mesmo tempo falando sem parar e sem a menor cerimônia, ficou tão entretida que sorria sem perceber.
Que foi?! - perguntou Anna-Lú pegando sua taça - Tô suja? - passando a mão pela boca e estreitando os olhos ao ver que Carol sorria olhando para ela.
Não...não é nada disso - respondeu divertida - é só que você não é nada do que pensei!
Ah é?! - questionou Anna-Lú de boca cheia fazendo Carol sorrir ainda mais - Desculpa - sorveu um pouco de vinho - E como você pensava que eu era?!
Ah...algo tipo...uma filhinha de papai muito mimada e inconsequente!
Hm...e agora o que você pensa? - incentivou Anna-Lú.
Bem...penso que você não é nada disso...muito pelo contrário...você não é nenhum pouco mimada e nada inconsequente. Na verdade és bem responsável...ao menos com teu trabalho és absolutamente comprometida.
Anna-Lú assentiu com a cabeça e continuou a questionar - e porque você tinha aquela opinião sobre mim?
Ah...por causa das coisas que ouvi a teu respeito, você é popular...tudo que você faz vira notícia senhorita Garcia, e também pelo episódio na premiação e depois, por causa das nossas diferenças na agência.
Você há de convir que meu pai não fora nada gentil ao me impor a tua presença na agência, mas quem sabe daqui pra frente as coisas melhorem...afinal você também não me parece tão ruim quanto eu pensava - disse Anna-Lú sorrindo e dando uma piscadela - Então, quer dizer que você andava lendo coisas a meu respeito senhorita Vandré?? - perguntou zombeteira.
Não! - quase gritou e Anna-Lú divertiu-se mais ainda com a pequena reação - er...não ...claro que não...não que eu tenha procurado tantas coisas assim...é só que...eu precisava conhecer com quem eu iria trabalhar - Carol deu de ombros ruborizada.
Certo, certo...não precisa se explicar...eu estava te zoando! - disse Anna-Lú com um sorrisinho de vitória.
A luz de um raio atravessou as vidraças da sala de Anna-Lú seguida do som de um trovão, anunciando que uma chuva torrencial acabara de cair. As luzes piscaram por alguns segundos até se dissiparem deixando a sala em um completo breu, somente os clarões vindos de fora iluminavam o ambiente o deixando a meia luz.
É parece que São Pedro resolveu abrir as porteiras - comentou Anna-Lú tentando romper o silêncio que havia se instaurado.
Sabe de uma coisa? - perguntou Carol.
O quê? - respondeu.
Eu tenho que admitir...essa foi mesmo uma boa idéia - comentou Carol encostando a cabeça no sofá - eu estava com fome.
Percebi...você come a bessa - provocou Anna-Lú gargalhando.
Até parece...você comeu sem parar...quase não deixa pra mim - retrucou - e você acabou com a minha dieta, vou ficar uma baleia - em tom brincalhão Carol acusou Anna-Lú que apoiava a lateral da cabeça no encosto do sofá com a mão fechada observando Carol.
Se eu fosse você não me preocuparia com isso - respondeu Anna-Lú seriamente.
E porque não...posso saber? - questionou Carol de olhos fechados.
Ah...simplesmente porque você continua tão linda quanto no dia em que te vi pela primeira vez na festa de premiação - sem reservas Anna-Lú deixou que as palavras saíssem.
Carol ficara em silêncio ao ouvir o que Anna-Lú dissera e outro clarão iluminou seu rosto. Pelo riso de tensão que se formou nos lábios de Carol Anna-Lú percebeu que suas palavras não surtiram um bom efeito. Carol se rosetou abruptamente para encarar Anna-Lú que desviou o rosto para as janelas.
Acho que não entendi bem o que você quis dizer - apontou Carol puxando o rosto de Anna-Lú para si.
Como assim?
O que você quis dizer agora a pouco? Sobre mim - explicou Carol.
Eu quis dizer o que eu disse - respondeu Anna-Lú de forma boba, sentindo-se ainda mais boba por estar nervosa - que te acho linda de qualquer jeito - concluiu e hesitando elevou a mão para colocar uma mecha loira atrás da orelha de Carol.
Demorou-se ali deixando seus dedos passearem calmamente no contorno do pescoço, ombro e depois deslizando ao longo do braço de Carol até chegar na mão, depois tomando-a e depositando um beijo suave em sua palma.
Linda demais - sussurrou Anna-Lú.
Com os olhos fixos em seus lábios, vagarosamente Anna-Lú foi aproximando-se do rosto de Carol já sentindo o calor da respiração ofegante de ambas e quando os lábios estavam quase se tocando as luzes irromperam iluminando toda a sala. Afastaram-se apressadamente piscando atordoadas, quando o celular de Carol toca, mais que depressa ela atende afoita tentando esconder o constrangimento.
Alô! Sim é ela - Carol ficou apenas escutando por alguns segundos até que - O QUÊ?! - falou em pânico.