Lendas de Amor e Sangue II

Um conto erótico de Cesar Neto
Categoria: Homossexual
Contém 5705 palavras
Data: 06/09/2015 23:10:07

[Prólogo]

- Ei bandidão! Tenho uma surpresinha incrível para você...

Os pelos do corpo do senhor Toledo arrepiaram-se quando sua mulher entrou dentro do quarto vestida de lingerie preta com os seios bem apertados sob o sutiã.

- Você vai me deixar aqui esperando é? - ele disse para sua mulher com uma voz grave cheia de desejo.

Por mais que Sr.Toledo tivesse uma idade avançada, 46 anos, ele não iria negar uma boa safadeza com a mulher. Ele casou quando tinha 19 anos, não por vontade própria e sim porque o seu sogro o obrigou logo após descobrir que ele havia desvirginado sua filha.

Denise, esposa do Toledo, amava seu marido assim como amara sua filha mais nova. O casal teve apenas uma filha que veio a falecer muito cedo por conta de uma febre amarela. Depois disso eles abandonaram a ideia de ter filhos e continuaram com um matrimônio monótomo e sem graça, baseado em guardar dinheiro para viajar e fazer compras uma vez ao ano.

Toledo era alto, tinha quase dois metros de altura, sua pele era queimada por horas e horas de trabalho braçal de pedreiro que ele exercia. Seus cabelos já mostravam uma calvície aparente e uma barba negra preenchia metade do seu rosto. Todo seu corpo era preenchido por pelos que jamais foram raspados na vida. Aquilo era o que mais excitava a mulher de 42 anos. Denise tinha apenas 15 anos quando fora forçada a casar e por mais que o tempo tivesse passado, ela ainda mantinha uma aparência jovial. Seus seios não eram caídos, seu rosto tinham algumas rugas, mas mesmo assim era objeto de inveja por todos da vila Celestino.

O casal sempre teve uma vida sexual ativa, mas depois da morte da filha as coisas esfriaram um pouco. Após a tragédia, eles ficaram sem manter relações por quase um ano. Quem mais parecia sofrer era Toledo, que mesmo com as investidas da mulher, parecia não ter mais interesse na coisa. O tempo preencheu a dor dos dois, mas mesmo assim o fogo do amor e do desejo já não passava de uma faísca.

Até que as coisas começaram a arder em chamas novamente.

Uma semana atrás Denise estava tendo uma grande crise. O marido não transava com ela já fazia mais de um mês e depois de várias tentativas a única coisa que ela ganhava era uma brochada vinda dele. A mulher chegou a cogitar o adultério, conhecia um homem de nome Jair que sempre fazia uns favores para a família, esse mesmo homem tinha por volta da sua idade e uma cara de safado que a enlouquecia por completa. Porém, sua fidelidade era uma das coisas que mais a orgulhava na vida e assim a traição estava fora de contexto.

Sem alternativas, Denise chegava do trabalho e sentava no sofá vendo as horas passar e sua vida indo junto. Irritada, ela chorou pela filha, pela vida triste e infeliz que levava todo dia e por não encontrar nenhuma solução para seu sofrimento. Nesse mesmo instante de desabafo emocional, seu marido chegou na casa em viu o seu estado.

Vinte sete anos de casados e Denise explodiu pela primeira vez com seu marido. Foi uma discussão sem limites, ambos gritaram, choraram e no final Denise acertou o marido com tapa na cara que eternizou um silêncio no vácuo. O tapa acordou algo em Toledo, ele tinha se sentido vivo, energizado. Denise tentou pedir desculpas e o beijou, mas não era isso que o seu marido queria.

Toledo queria apanhar mais. Toledo queria ser xingado, maltratado.

Assim a relação dos dois se elevou em outro nível. Eles transaram todos os dias da semana com Denise dominando seu marido, o humilhando na cama, o tornando um submisso. No começo ela só dava tapas em sua cara ou também esmagava suas partes sensíveis. Com o passar do tempo Denise tentou ousar mais, tentou até uma penetração de dedos no orifício anal do marido, isso o fez dar a melhor gozada dos vinte sete anos de casados. Algemas, cintas, chicotes... Toledo estava completamente a mercê de sua mulher.

E como ela já havia dito, naquela noite ele ia ganhar uma surpresa.

- Primeiro vamos brincar de algemas - Denise falou enquanto prendia o marido na cabeceira da cama de casal.

Então ela o despiu deixando a mostra um corpo todo peludo. Denise o beijou na boca e sentiu o hálito quente do marido entrando por sua narina. Aos poucos ela foi descendo e mordendo com uma pressão forte os mamilos de Toledo. Sentindo uma dor alucinante ele gemia e se contorcia sem poder fazer nada a não ser tremer em cima da cama.

A mulher foi até a cabeceira da cama e de lá tirou um pênis de borracha, o consolo tinha trinta centímetros e fora comprado a dois dias atrás para explorar mais a vida sexual do casal. Sem muitas delongas, Denise começou a brincar com o objeto no meio das nádegas do marido e logo o objeto entrou pelo seu anus. Toledo soltou um gemido controlado e seu pênis cresceu repentinamente.

- Quer saber qual é a surpresa? - ela perguntou quando retirava o objeto devagar - hoje você vai experimentar um de verdade.

E então, a mulher abandonou o quarto por um segundo deixando o marido desentendido amarrado no quarto. Ao voltar, entrou no quarto com um homem semi-nu de nome Jair, o mesmo que a mulher sentia a uma semana atrás forte atração.

Os olhos de Toledo, castanhos claro, brilharam de felicidade. Talvez aquilo era tudo o que ele queria. Seus olhos não desgrudaram do volume que a cueca de Jair fazia e então ele agradeceu por ter uma das melhores esposas do mundo.

Denise sentiu a aprovação do marido e começou a beijar o Jair. O beijo parecia o de dois adolescentes beijando pela primeira vez. Denise se deu conta que aquela era a primeira vez que beijava um outro homem e sentia-se estranha. Deixando-se levar pelo tesão da situação, a mulher abaixou a cueca de Jair e começou um sexo oral intenso no homem.

Quando o membro de Jair já estava duro feito aço, ele partiu para cima de Toledo.

Toledo viu seu colega se aproximando com um pênis de dezesseis centímetros perto da sua cabeça e a única coisa que ele fez foi abrir a boca. Sentiu a vara de Jair atravessando sua goela e o fazendo ter pequenas tosses de engasgo. Jair não mostrava piedade e não parou até se satisfazer.

Depois de implorar quase mordendo a glande de Jair, Toledo conseguiu que aquilo parasse. Sentiu uma tontura profunda e sua visão se desfocou um pouco. Sua pressão pareceu cair a zero, mas mesmo assim, havia uma vontade imensa dentro dele de continuar com aquilo tudo. Ao perceber que o marido estava pronto, Denise olhou para o Jair com uma cara de safada, no fundo ela adorava tudo aquilo:

- Arregaça o cu desse viado - ela disse sentindo-se uma vitoriosa.

E foi o que Jair fez. Enfiou seu simples pênis no rabo de Toledo fazendo entrar tudo de uma vez só. As metidas aumentavam cada vez mais e os gritos de Toledo começaram a ficar bem escandalosos deixando Denise um pouco preocupada em serem ouvidos pela vizinhança da vila Celestino.

Toledo sentia dentro dele um prazer e uma dor incontrolável. Sentia-se feliz, completo, preenchido. Mais uma vez sentiu uma leve tontura, olhou para o teto e viu as imagens começarem a desfocar. Aos poucos ele fechou os olhos e não sentiu mais nada.

Demorou um minuto até Denise perceber que o marido havia desmaiado. Alertou Jair que ainda aproveitava a situação e ambos ficaram desesperados.

- Amor, vocês está bem? - disse a mulher com uma voz sem mostrar muita preocupação.

- Fiz seu maridão desmaiar na pirocada!- Jair falou convencido.

Os dois deram uns tapinhas em Toledo que aos poucos foi abrindo os olhos. Denise respirou aliviada, enquanto Jair aproximava o rosto do seu submisso.

- Olha só, posso dar um beijo na bela adormecida aqui? - ele falou com uma risada engasgada.

- A princesa vai adorar - disse Denise também se aproximando do marido.

Denise procurou os olhos do marido e então ela percebeu que havia algo errado.

Os olhos de toledo estavam brancos, sem nenhuma cor, sem nenhuma vida.

Um movimento de súbito fez Denise pular de susto. O braço de seu marido arrebentou a madeira da cama e estourou as algemas vagabundas de plástico. Jair ainda tinha em mente o beijo de princesa, mas ele mudou de ideia quando o braço de Toledo grudou em seu pescoço, sufocando-o até quase o matar.

Denise não entendia nada e apenas gritou desesperada. Seu marido estourou a outra algema e começou a socar murros na cara de Jair. A mente de Denise não pensava em nada além de que era culpa dela, ela pensava que tinha ido longe demais e agora seu marido estava com uma raiva incontrolável.

- TOLEDO PARE! - ela gritou - EU SÓ FIZ ISSO POR QUE EU TE AMO!

Essas palavras o fizeram encarar a mulher pela primeira vez. Toledo recuperou a consciência por um breve momento e começou a vestir-se sem olhar para a mulher. No chão, Jair gritava com a mão em seu nariz quebrado e sangrando pelo soco que havia levado do homem maior:

- SEU VIADO DE MERDA! EU VOU ACABAR COM VOCÊ SUA BIXA! VOU FODER SUA MULHER SEU CAIPORA!

Aquilo encheu Toledo de raiva, sua vontade era a de acabar com a vida do homem em sua frente, mas sua mente mandava ele sair de casa e fugir. Em sua cabeça várias imagens passavam como um filme, momentos alegres, tristes, dolorosos. No final, ele estava na cozinha segurando uma faca de cortar carne na mão. Teve mais uma visão de raiva e se perdeu novamente no seu subconsciente. Sem ao menos olhar para trás ele foi andando carregando uma faca e um olhar branco, brando e neutro pelas ruas da vila Celestino.

Lá fora as crianças brincavam de esconde-esconde.

Toledo sentiu que deveria entrar na antiga construção da rua número 4. Não sabia o porque, mas lá havia uma energia que o atraía. Ele tinha arranjado um emprego como pedreiro lá, tinha as chaves. Entrou, escutou gemidos, escutou passos, escutou mais gemidos. Passou pelas paredes em construção e se viu na frente do banheiro. Tentou abrir a maçaneta e escutou a respiração de duas pessoas no banheiro.

Dentro dele já não existia mais nenhum sentimento, esqueceu da mulher, esqueceu do seus desejos, esqueceu da sua filha, esqueceu de tudo.

E dentro dele só havia uma vontade que o movia.

Matar.

...

[Joana]

O ódio estava me esgotando e me vencendo.

- COMO ASSIM? VOCÊS VÃO DESISTIR DA INVESTIGAÇÃO?

O delegado limpou o suor da cara, ele não passava de um senhor acima do peso que colocaram no cargo por falta de opção.

- Não estamos desistindo - ele falou com a voz calma e tranquila, o que me deixou mais nervosa ainda - só estamos diminuindo o número de policiais na investigação. Eu não posso parar todos os policiais da cidade para encontrar seu irmão. Tenha certeza que eu encarreguei uma equipe de profissionais qualificados para continuar a investigar o caso.

Respirei fundo, eles eram um bando de inúteis mesmo, não poderia esperar mais nada vindo da polícia. Contei até dez, como minha tia sempre me ensinara a fazer, e sai da sala sem fazer mais nenhuma consideração.

- Joana? - escutei uma voz chamando meu nome.

- O QUE? - deixei a ira escapar pela minha voz.

Ao me virar meu sangue parece congelar. Com um sorriso no canto da boca vejo a única pessoa que eu não esperava ali. Já fazia tanto tempo e ela estava irreconhecível naquele fardo de polícia.

- CARLA? - deixei a empolgação percorrer a minha voz - Carla é você mesmo?

Como nos velhos tempos, abracei minha melhor amiga e companheira. Aquilo foi a melhor coisa que havia acontecido comigo desde quando eu voltei para o meu "lar doce lar". A emoção foi tanta que meus olhos chegaram a se encher de lágrimas. Eu teria alguém para me ajudar a superar tudo isso.

- Sinto muito por tudo - ela disse baixinho em meu ouvido - estou aqui para o que for preciso.

- Mas... - falei largando os braços dela ainda incrédula - como você veio parar aqui?

Ela deixou um sorriso leve contagiar o seu rosto. Carla sempre adorava me ver com cara de boba.

- Eu sou da policia militar - Carla disse mostrando o fardo - me transferiram para cá, pois há uma falta de policiais nessa cidade.

Carla tinha o sorriso mais lindo do mundo. Nós duas éramos carne e unha desde a infância e um dos maiores motivos que me fazia ficar perto dela era sua alegria contagiante. Seu bom humor, seus bons conselhos, seu bom coração e várias outras qualidades me fizeram perceber que aquela era a melhor amiga que eu poderia ter.

Faziam três anos que não se víamos mais. Parece pouco, mas a diferença era gigante. A menina bobona que batia em todos os meninos da escola já não existia mais. Em minha frente havia uma mulher de um metro e setenta e cinco, cabelos castanhos amarrados com um rabo de cavalo. Uma pele branca como leite e pequenas sardas no rosto. Seus olhos verdes eram mega expressivos e podiam intimidar qualquer um.

Eu por outro lado permanecia a mesma de sempre. Pele morena, cabelos negros cacheados que caiam até o meus ombros, olhos castanhos claros. A única diferença que eu sentia na minha aparência foi o meu tamanho. Eu havia engordado um pouco e deixado de ser a menina magricela da escola que ninguém dava bola.

- A gente pode marcar de se encontrar qualquer hora? - Carla falou passando a mão em meus cabelos, ela sempre adorou fazer um carinho em mim principalmente quando eu estava mal.

- Pode ser - respondi com uma piscada - amanhã o que acha?

- Eu saio do trabalho depois das seis, fechou?

- É claro - falei abraçando-a - é muito bom saber que você está de volta.

- Sim - ela respondeu - se você precisar de qualquer coisa é só me chamar.

Sai da delegacia com um bom pressentimento. Já faziam três semanas que eu havia voltado para a pequena cidade de São Tomé e a única coisa que eu recebi ao chegar aqui foram patadas atrás de patadas. Entrei dentro do meu carro e voltei para Vila Celestino conversar com meus tios.

Vivi toda a minha vida naquela pequena vila. Quando criança minha mãe havia morrido de câncer pulmonar. Meu pai ficou devastado e se entregou para o álcool. Assim eu fiquei completamente órfã e sem escolhas, tive que partir morar com meus tios.

Eu tinha seis anos quando eles me adotaram. Meu tio era irmão do meu pai e se chamava Alberto, ou só Berto mesmo. Ele casou-se com uma menina chamada Ana Rosa e do matrimônio surgiu meu primo Caio. Diziam as más bocas que Caio não era filho do meu tio, pois o menino só tinha os traços brancos-euroupeu da minha tia e não havia nada da descendência afro do meu tio.

Eles nunca tiveram uma questão financeira muito boa, por isso quando eles tiveram que me criar as coisa ficaram mais difíceis. A solução foi vender a pequena casa no centro da cidade e ir morar na Vila Celestino, aonde as casas estavam começando a serem construídas por um bom preço.

Morávamos na rua 7, a mais afastada de todas as ruas. Atravessei a rua principal e virei na última esquina antes de acabar a cidade. A casa dos meus tios era a mais bela da vizinhança, apesar da simplicidade eles tinha de fato muito zelo por tudo o que construíram e aquilo de certa forma me dava muito orgulho.

Encontrei tia Ana Rosa sentada no quintal com a mão no rosto. Ela tinha 39 anos, mas sua aparência cansada a deixara com cara de 50. Pelo jeito ela ainda estava chorando. Seu filho estava desaparecido há mais de um mês e ele ainda era suspeito de assassinar as duas vítimas. Senti pena dela e sem dizer nada, caminhei até ela e dei um forte abraço a surpreendendo.

- Você está bem? - perguntei melancólica.

- Meu filho provavelmente está morto - ela falou como se respondesse uma pergunta qualquer - e se não estiver, provavelmente é um assassino. Acho melhor eu te perguntar, você está bem?

Fitei o chão meio envergonhada. Caio sempre fora um menino bom e educado, crescemos juntos e ele sempre foi um exemplo para qualquer garoto de sua idade. Eu o tratava como um irmão caçula e por isso eu precisava acha-lo. Por isso quando meu tio ligou falando o que havia ocorrido, larguei meu pequeno apartamento, larguei meu estágio, larguei tudo para voltar aqui e entender o que havia acontecido. Perguntar se as coisas estavam bem não era nem um pouco sensato.

- Aonde está o tio Berto? - falei mudando de assunto.

- Foi resolver algumas coisas no centro - minha tia falou indo fazer algum trabalho doméstico - volta só a tarde.

"Provavelmente ele está no bar", pensei. Na semana passada, havia pego ele virando uma garrafa de cachaça no portão de casa enquanto minha tia dormia. Ele estava fazendo o que o meu pai fez, se matando aos poucos com o álcool. Eu já havia perdido um pai, não deixaria isso acontecer com meu tio também.

Por isso decidi fazer alguma coisa.

Sai a pé pelas ruas da vila Celestino. Relembrei os tempos da infância, o qual eu brincava todos os dias pelas ruas da nossa pequena vila. Andei até a rua de número seis e vi algumas crianças brincado com bolinhas de gude. Na rua cinco eu avistei a casa com o muro coberto de folhas verdes, lá morava Tiago, meu primeiro namorado. Depois passei pela rua quatro, um caminhão de mudanças estava estacionado no meio da rua, fixei o meu olhar na casa de muros altos aonde o assassinato havia acontecido. Eu tinha que entrar lá, mas antes eu continuei caminhando pelas ruas.

Ao chegar na rua três me lembrei de algo importante. Subi a rua caminhando lentamente até chegar em frente de uma casa com um portãozinho simples de metal e grades. O quintal da casa estava sujo de poeira, fazia um bom tempo que não se via uma vassoura naquele lugar. Respirei fundo e bati palmas esperando que alguém me atendesse.

Depois de um minuto, Dona Denise me atendeu.

Com uma olheira gigante embaixo do olho, Dona Denise abriu a porta e tentou se lembrar de mim:

- Tudo bem Dona Denise? - perguntei com um sorriso simpático - queria conversar com a senhora um pouco.

- A pequena Joana - ela disse pensativa - pensei que você já tinha saído desse inferno. Entre menina!

Dona Denise sempre fora uma mulher bonita para sua idade, porém ela também havia ganhado mais dez anos de idade após os incidentes do mês passado. Dona Denise sempre dava uma passada em casa para fazer um bolo com minha tia e fofocarem a tarde inteira. Cresci ouvindo as suas reclamações diárias, seus desabafos e principalmente seus lamentos por ter perdido a sua única filha.

A casa da mulher estava uma bagunça só. Um cheiro de cigarro exalava de todos os cômodos da casa. Papéis, lixos, embalagens de comida, tudo jogado pelos pequenos corredores. Devagar, ela foi me guiando até a cozinha, aonde havia uma mesa cheia de velas em cima. Senti um calafrio esquisito ao ver aquilo e resolvi quebrar o silêncio:

- Minha tia está te convidando para jantar qualquer dia desses lá em casa - menti - para vocês trocarem as novidades.

Dona Denise não se importou com o convite. Apenas puxou uma cadeira na beirada da mesa e começou a rezar alguma coisa. Sua atitude estava me assustando e aos poucos eu fui notando mais coisas ao redor da cozinha. Podia jurar que a mancha vermelha no piso branco era sangue. Algumas louças quebradas no chão sugeriam algum tipo de violência.

Voltei a olhar para Dona Denise e agora ela estava com a cabeça quase encostada nas chamas da vela. Sua voz murmurava algumas palavras estranhas que faziam o fogo aumentar cada vez mais. Perturbada com aquilo tudo, resolvi fazer alguma coisa:

- Dona Denise! - chamei ela - Dona Denise!

Meus pensamentos me imploravam para sair daquela casa o mais rápido possível, mas quando eu parei para prestar um pouco mais de atenção, vi que Dona Denise realmente precisava de ajuda.

Em cima da mesa havia uma pequena faca. Dona Denise a pegou com uma das mãos e a levantou para cima.

- DONA DENISE! - gritei partindo para cima da mulher.

Com um gemido eu a segurei pelos braços. Faze-la soltar a faca não foi tão difícil, o que veio depois é que foi o pior.

- MEU MARIDO ESTÁ MORTO! - ela gritou se batendo, chorando e caindo no chão - MORTO! EU NÃO TENHO CULPA SE... EU NÃO TENHO CULPA...

- Xiiiiii - falei tentando acalma-la - você não tem culpa de nada está me ouvindo? Ninguém tem culpa de nada...

Em cima da mesa as velas ainda ardiam em chamas.

- Jair! - ela sussurrou em meu ouvido - ele também está estranho, ele também vai morrer.

- Que Jair? - perguntei tentando acalma-la.

- Os olhos dele... - Denise falava o mais baixo possível - ele vem em casa todo dia a procura do meu marido, ele quer matar o meu marido...

- Do que você está falando? - perguntei desesperada.

Essa poderia ser uma chance de eu descobrir alguma coisa. A polícia não tinha nenhum suspeito a não ser o meu irmão e o nome que ela estava falando... Jair, eu precisava encontrar essa pessoa. Tentei acalmar um pouco a senhora Denise com um copo d'água e ao levantar para pegar, vejo um homem parado ao lado da porta da cozinha.

Não sei porque, eu pressenti que havia encontrado o tal de Jair mais rápido do que esperava.

O homem tinha meu tamanho, parecia ter uns quarenta anos, cabelos negros com alguns fios brancos. Ele não parecia ser uma grande ameaça para mim, mas ao encarar seus olhos, os pelos do meu braço se arrepiaram de medo.

Não havia olhos, e sim uma órbita branca e vazia.

Tentei ficar o máximo sobre controle, mas Dona Denise não teve a mesma ideia que eu. De súbito a mulher começou a gritar desesperada. Tentou levantar-se e para isso se apoiou na pequena toalha da mesa. Ao puxar a toalha, todas as velas caíram em cima dela e se estilhaçaram no chão. De repente a pequena cozinha ficou mais escura do que o normal. Os gritos se calaram e eu me direcionei até a faca que eu havia retirado da mão de Denise, já pensando em auto-defesa.

O silêncio se quebrou com o som da voz de Jair:

- Vocês estão bem? - ele perguntou acendendo as luzes da cozinha - escutei a gritaria e vim ver o que aconteceu.

Voltei a encarar o homem parado em minha frente e agora seus olhos estavam normais. Duas pupilas castanhas-escuras que eu não havia notado na primeira vez que eu vi seu rosto.

- Estamos bem - respondi olhando para Dona Denise que ainda estava no chão.

- Eu vou buscar uns calmantes para Dona Denise - ele falou normalmente - foi o que os médicos receitaram. Pode ficar tranquila que vai ficar tudo bem.

E assim, sem nenhum explicação, o tal de Jair saiu da casa.

Olhei para Denise em busca de respostas enquanto ela agachava e recolhia cada vela do chão, dando um beijinho em cada uma como se isso fosse sarar as velas.

- Menina Joana - sua voz ficou mais rouca que o normal - há algo de errado acontecendo nessa vila. Eu não tenho mais o que amar, eu não tenho mais motivo viver. Por isso te aconselho, ou você some de uma vez dessa vila, ou você acabará pagando pelos crimes que não cometeu.

Dito isso, ela se aproximou de mim e me entregou uma vela.

- Acenda uma vela por seu pai - ela falou me olhando dentro dos olhos - pois hoje ele acabará cometendo um ato terrível com a vida de um inocente.

- Do que você está falando? - perguntei - Meu tio jamais seria capaz de fazer algum mau...

- Eu preciso descansar - ela disse virando as costas - avise a biscate da sua tia que eu jamais irei comer aquele lavagem que ela chama de comida.

Sem entender mais nada, sai da casa da Dona Denise. Olhei para a vela que ainda estava em minha mão e me lembrei do único conselho que minha tia me deu sobre esse tipo de coisa: "Fique longe, mesmo se você não acreditar, fique longe". Joguei a vela na lixeira e me direcionei de volta para casa.

Mas mesmo assim eu acreditava em uma coisa que Dona Denise havia falado.

Algo muito terrível estava acontecendo na vila Celestino.

...

Sonhei com mortes, sangue e destruição.

Meu pai estava parado na porta de um bar tomando uma garrafa de pinga. Ele sempre fora meio parecido com meu tio, só era um pouco mais alto e tinha um cabelo maior. A lembrança que eu tinha mais forte dele era a cicatriz no meio dos olhos que ele ganhara em uma luta de bar. No sonho ele pegava a garrafa de vidro e estraçalhava na cabeça de um outro homem. Corri em direção dele para tentar impedi-lo, mas ao me aproximar olho para sua face e vejo seus olhos brancos feito leite.

E então meu pai segura em meu pescoço e me sufoca até a morte.

Ou até eu acordar.

Levanto da cama e ando pelo meu pequeno quarto até encontrar meu celular. São exatamente oito horas da noite, nem tinha me dado conta do quanto a minha soneca de quinze minutos durou mais de horas. Fui até o banheiro para me olhar no espelho, meu rosto estava inchado de tanto dormir. Minha pele negra tinha ficado um pouco pálida, me dei conta de que eu não comi nada naquele dia. No fundo eu me sentia fraca, mas a minha vontade de descobrir o que tinha acontecido era maior do que qualquer coisa.

Por isso eu joguei uma água na cara e sai em frente de casa.

Meu tio se encontrava em pé do lado de fora de casa, apoiado no muro e observando a grande pastagem que seguia para além da cidade. Assim como eu, ele também mostrava uma certa fraqueza que eu jamais pensei em ver nele. Tio Berto sempre foi um bom homem, diferente do seu irmão, meu pai. Apesar de sempre sofrer com racismo, preconceito e vários outros problemas que as pessoas negras passam, ele nunca desistiu de lutar para dar o melhor para sua família.

A mesma garrafa de pinga do meu sonho se encontrava do seu lado. Já pela metade.

- Boa noite tio! - disse fazendo ele me perceber.

- Boa noite - ele respondeu sem sequer me olhar - você quer um gole?

Exitei um pouco quando ele pegou a garrafa e ofereceu a mim.

- Vamos lá - ele insistiu - você já tem idade, não é mais a menininha do titio.

Sorri com seu comentário e aceitei a bebida.

- A gente não vai desistir tio! - fui direto ao assunto - eu irei até o fim para encontrar o Caio, e eu juro que estará tudo bem com ele. Eu te prometo.

- Você sempre foi uma ótima irmã para o pequeno Caio - meu tio disse ainda sem me olhar nos olhos.

- E é por isso que eu irei até o inferno para traze-lo de volta - disse tentando faze-lo olhar nos meus olhos.

- Eu também tinha um irmão - tio Berto olhou para o céu procurando alguma coisa - sempre protegi ele de tudo, mas um dia ele simplesmente sumiu. Desapareceu.

- Tio... - toquei o ombro dele tentando passar confiança.

- Seu pai desapareceu Joana, ele enfiou a cara na cachaça e sumiu. Ouvi de algumas pessoas que ele foi encontrado morto na beira de um lago. - consegui fazer meu tio me olhar e me arrependi disso na mesma hora - continue procurando pelo Caio e você o encontrará morto por aí também.

Tentei não me estressar com a estupidez do meu tio, mas era tanta coisa na minha cabeça que foi impossível me segurar:

- A única pessoa que eu tenho medo de encontrar morta por aqui é você! - falei um pouco mais alto do que o normal - sua esposa está lá dentro chorando, seu filho está desaparecido, sua sobrinha precisa de você e a única coisa que você faz é ficar bebendo feito um idiota...

- EU NÃO SOU A PORRA DO SEU PAI! - ele me cortou gritando - só me deixa em paz, entendeu?

Pisando fundo, eu sai andando pelas ruas novamente. Meus olhos se encheram de lágrimas ao lembrar dos meus pais. Lembrei do velório da minha mãe, do meu pai aparecendo em casa com uma cicatriz enorme no rosto, dos meus tios me levando para a casa deles, das brincadeiras com meu irmão.

Lembrei-me também que eu não podia ser fraca.

Pensei em passar na casa da Dona Denise novamente para ver como ela estava, mas não achei uma boa ideia ir lá nessa hora da noite. Ao invés disso, fui em direção a rua 4. Precisava conversar com a mãe do menino que fora assassinado, Jorge, e quem sabe eu não entraria naquela maldita casa em construção de uma vez por todas.

A rua de número 4 estava uma barulheira só. Crianças na rua estavam brincando de esconde-esconde quando eu comecei a subir a rua. Vejo então uma manada de crianças correndo para o lado de cima da rua e um único garoto batendo cara. Vou em direção até a casa aonde vivia o menino Jorge, mas me interesso mais pela casa em construção do lado da sua.

Com um muro bem alto e uma faixa de interditado no portão, tento abrir a pequena maçaneta da casa. Sem muito sucesso devido a porta estar trancada, o nervosismo vai tomando conta de mim. E para ajudar, a contagem aguda do menino no bate não tem fim.

- 77, 78,ele contava sem chegar em um objetivo.

De raiva, eu penso em lascar uma bicuda naquele maldito portão, mas quando eu estava quase tomando impulso, sou surpreendida por um garotinho que passa na minha frente.

- Por favor moça - ele fala baixinho - não entra aí não.

- Por que? - falei interrogando o pequeno garoto.

- Um mostro acabou de sair daí - a criança tinha um medo de alerta na voz - ele foi andando naquela direção.

- E como ele era? - perguntei dando uma chance para a falação do menino.

- Ele era bem grande, tinha uma faca na mão, era forte e...

- É! Você anda vendo muito filme - falei - volta para sua casa amiguinho.

- Ele tinha olhos brancos - o menino falou chamando minha atenção - ele foi lá embaixo perto dos muros.

"Olhos brancos". Aquilo poderia ser algo.

- Do lado do terreno baldio? - perguntei.

O menino balançou a cabeça afirmando.

- Fique aí que eu darei uma olhada - disse enquanto corria até a esquina chegando na rua principal.

Lá na rua, uma voz finalizava a contagem.

- 98,99 e 100!

Atravessei a rua e adentrei ao lado do terreno baldio. Esgueirei-me por entre a grama alta e exitei um pouco por conta da escuridão. Notei tarde demais que o garoto havia me seguido. Mas para seu mérito ele me mostrou uma sombra esquisita que eu não havia visto.

Sem dar chances, corri em direção a sombra e me joguei em cima da pessoa de súbito. Surpreso, o homem até tentou levantar a faca, mas essa já havia caído a uns três metros de distância. Subi em cima do peito do homem, imobiliza-lo foi fácil de mais. Reparei nos trapos sujos e desgastados que ele usava e percebi que sua situação era péssima.

A pouca luz que havia no lugar clareou o rosto da pessoa sobre mim e eu tive um tremendo susto.

Uma cicatriz enorme cobria o rosto do homem no chão. Eu reconhecia aquela cicatriz que ia da sobrancelha até os lábios.

Aquele no chão era meu pai. Meu pai de verdade.

- Maria - ele disse tentando recuperar o fôlego - Aonde você está Maria?

Maria era o nome da minha falecida mãe. Ele me chamava pelo nome da minha mãe.

- Eu preciso fazer isso Maria! - ele falava com uma garganta seca, sem fôlego - eu preciso Maria.

Seus olhos castanhos claros, iguais aos meus, tornaram-se brancos e gelados e então, com uma força que uma pessoa no seu estado não teria, ele virou seu braço e me deu um soco na cara.

A falta de energia somado ao soco me deixou enfraquecida e vendo o mundo acima de mim rodar. Meu pai levantou-se do chão e agora eu podia enxergar novamente aqueles olhos brancos que junto a sua cicatriz, foram as coisas mais sinistras que eu já vi na vida. Torci para que aquilo fosse um outro sonho. Rezei, implorei, pedi a todos os deuses para acordar.

Lembrei do que a Dona Denise havia me dito a tarde. "Acenda uma vela por seu pai, pois hoje ele acabará cometendo um ato terrível com a vida de um inocente."

Eu não era inocente. Eu já havia cometido tantos erros na vida. Eu não era inocente.

Mas o garoto que assistia tudo era um pobre inocente daquilo tudo.

E meu pai partiu para cima dele.

Com todo o restante de força que eu tinha, levantei-me e fui em direção ao garoto para tentar ajuda-lo. A luz foi ficando mais forte, tentei gritar por ajuda, mas minha voz não conseguiu se sobrepor a gritaria que ocorria na rua 4. Vi meu pai com roupas rasgadas e sujas indo para cima do garoto que parecia estar muito em pânico para fazer qualquer coisa.

E então todas as luzes se apagaram.

O pequeno menino gritou.

Caí no chão, já não tinha mais forças para continuar. Vi as luzes voltando aos poucos. Tentei entender o que estava acontecendo, mas isso durou pouco tempo, apenas virei meu rosto de lado e resolvi desistir. Estava cansada de lutar e no fundo meu tio Berto estava certo.

Eu não podia fazer mais nada.

Fechei os olhos e por um breve instante eu me senti criança novamente. Senti o ar batendo em minha cara quando eu corria nas brincadeiras. Senti o cheiro de grama aonde eu brincava com meu irmãozinho Caio. Naquele momento eu senti todas as coisas boas da minha infância e no fim eu senti a melhor sensação de todas.

Eu senti meu pai me carregando no colo.

...

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