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Gabriel
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- Camilla, como você pode. - sussurrei. - Porque?
- Porque você merece! Ela rosnou.
- Mas o que eu te fiz?
- Você roubou Lucas de mim.
Ela me olhou magoada, com os olhos cheios de lágrimas. Se não fosse o medo, eu teria piedade.
- Sabe o que é você ver a pessoa que você ama olhando daquele jeito para outra pessoa? Dói muito. Saber que uma pessoa quase foi sua e outra pessoa veio e te roubou. Eu amava ele e sempre amei. Quando Lucas terminou comigo por sua causa não sei como conseguir me conter, mas eu quis matar você. Amor é uma droga, certo? Ela perguntou zombando.
- Bem, olhando pelo lado de que fui sequestrado por uma louca, sim, parece que sim. Comentei. Ela deu um risinho.
- Fazendo piadinhas até agora... Talvez não seja tão covarde quanto pensei.
- Você não viu nada.
Me joguei para trás e a cadeira de quebrou como imaginei. A vaca tinha amarrado minhas mãos, então me levantei como pude e corri para a porta mais próxima. Ela atirou duas vezes no teto.
- Pode correr Gabriel, não tem saída. Ela gritou do outro lado da porta. Me virei para correr novamente e quase gritei. O corpo do pai biológico de Christopher estava estirado no chão.
A porta se abriu num rompante e ela entrou, rindo.
- Vejo que já encontrou seu amiguinho.
Olhei para ela confuso.
- O que ele tá fazendo aqui?
- Ah fala sério, não entendeu ainda? - ela passou por mim, e deu um chute na perna dele. - O pai de Christopher não aceitou o fato do filho ser gay e culpa você por isso, então ele surtou, sequestrou você e te matou, então ele se matou de decepção. A história é perfeita.
- Eles vão descobrir que foi você.
- Não vão, por isso é bom sempre ter um álibi. Minha mãe acha que nesse momento estou tomando um demorado banho de espuma.
- Acha mesmo que ela nunca vai subir lá em cima para ver se não morreu afogada?
- Sei que não. Ela respeita meu espaço...
- Veremos o quanto ela vai respeitar quando for presa por assassinato. - Rebati já furioso. - Aliás, como você fez tudo isso?
Ela girou e sorriu.
- Não foi difícil, contratei um otario para bater em você naquela noite da faculdade, o que não surtiu nenhum efeito bom para mim. Então, fingi ser uma Mórmon e fui até a casa de seu namoradinho, mas ele não estava, só que num golpe de sorte, achei o telefone dele no sofá... Olha só, tudo deu tão certo, quase como se fosse feito para acontecer. Embora, matar você não parece ruim o suficiente... - ela circulou o cômodo, me deixando cada vez mais apavorado, como medo de reagir. - Na verdade... Acabei de ter uma ideia, esperai ai.
E então ela saiu, fechando a porta. Me debrucei sobre o corpo do pai de Christopher, talvez em dois teríamos mais chance de desarmá-la e fugirmos.
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Lisa
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Meia hora depois, meus pés estavam me matando e esse vestido parecia apertado demais, mas eu ignorava tudo isso. Precisava achar Gabriel de qualquer forma. Eu andava rapidamente para o grande portão da casa de Carlos, com Lucas e Christopher atras de mim, podia jurar que na cara dos dois estava estampada a frase "Por Favor, não esteja com ele". Garotos são mesmo babões.
Toquei o interfone e levou alguns segundos para Carlos responder.
- Sim?
- Sou eu, posso subir? Falei inocentemente.
- Oh, sabe Lisa agora não é uma boa hora...
- Vai ser rápido. Insisti, e se passou alguns segundos em silêncio até um sino tocou e o portão se abriu.
Subimos os três correndo, Lucas parecia apreensivo e Christopher nervoso. Talvez devesse tê-lo alertado sobre os garotos. A entrada da casa grande de Carlos dava direto na sala de estar, e lá estava ele, usando apenas uma samba canção amarela com folhas de maconha na estampa. Ele tinha o corpo tão bonito. Arregalou os olhos ao ver os meninos comigo.
- Opa, o que tá rolando? Cadê o Gabriel? Ele perguntou parecendo nervoso ou confuso, ou as duas coisas.
Lucas e Christopher meio que suspiraram aliviados. Que viados! Meu amigo perdido por aí e esses bocós com ciúmes bobo.
- Não sabe dele? Perguntei.
- Há muito tempo, não estamos exatamente nos falando, lembra?
- Porque? - Perguntou Christopher. - Vocês pareciam bem próximos desde a última vez que te vi.
Carlos fez careta, como quem tenta esquecer uma lembrança ruim.
- As coisas mudam meu caro. Enfim, o aconteceu?
- Ele esta sumido desde ontem à noite. - Falou Lucas. - Ninguém tem ideia de onde ele possa estar. Estou preocupado... Quer dizer, nós estamos.
Carlos fechou a cara subitamente. Olhei para Lucas por baixo dos fios irritantes lisos de meu cabelo que caíam no meu rosto. Ele meio que parecia alarmado. Como quem fica quando está perto da namora e uma ex aparece ou... OH MEU DEUS!
- Vocês estão se pegando? Eu quase gritei.
Carlos engasgou e Lucas desviou o olhar. Pelo amor de Deus, isso estava mesmo acontecendo? Não... E Gabriel não estava aqui para ver isso? Não mesmo!
- O o que? - gaguejou Carlos. - nós só... Não...
Christopher assista tudo com um tom de satisfação estampado no rosto.
- Não vem com essa vocês. Há quanto tempo isso tá rolando? Gabriel tá sabendo?
- Não. Foi só o que Lucas disse depois de alguns minutos constrangedores. Por baixo daquele ar de desdém e preocupação, Christopher parecia estar adorando aquilo. O telefone dele tocou e todos olhamos nervosos para ele.
- É só minha mãe, ela e meu pai não sabem ainda. E então ele saiu para a varandinha. Curiosíssima, me joguei no sofá próximo e encarei os dois pombinhos flagrados.
- Então, qual de vocês vai me contar a história toda?
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Christopher
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Eu atendi o celular assim que estava afastado o bastante daquela loucura. Era um número confidencial.
- Alô?
- Hum, Christopher? - disse a voz de uma garota aflita. - É você? Chamou ela.
- Sim, quem é? Perguntei.
- Oi, eu achei esse celular no bolso de um garoto atropelado e estava na discagem rápida.
Meu coração caiu naquela hora. A visão ficou turva e então escura, minhas pernas cederam e eu me sentei no chão. Aquilo não estava acontecendo! Aquilo não estava acontecendo!
- Ainda está aí? Ela perguntou.
- Sim. - Falei com as lágrimas já caindo pelo meu rosto. - Aonde estão?
- Perto do nove cemitério da cidade, na parte de trás. Pode vir até aqui e checar se é mesmo seu amigo?
- Sim sim eu vou...
- Ah, - ressaltou a garota. - pode não avisar ninguém ainda? Quer dizer, se não for ele, você vai estar assustando as pessoas por nada.
- Ok, já chego aí.
Ainda tremendo, e meio choroso, voltei para a casa e passei correndo pelos amigos de Gabriel. Todos gritaram meu nome e me perguntavam coisas, mas eu não podia parar ou sequer escutar o que estavam dizendo. Precisava saber se Gabriel estava bem. E eu teria certeza de que não seria ele o garoto atropelado. Sou bonito demais para ser atropelado, eu praticamente ouvi a voz dele dizer isso na minha cabeça.
Entrei no carro e a viagem até o cemitério foi tensa. Não vai ser ele, não vai ser ele. Chorei quase todo o caminho.
Quase trinta minutos depois, eu finalmente encostei o carro em uma vaga qualquer e corri para os fundos do cemitério. Havia uma garota loira ajoelhada sobre o corpo de um garoto. Meu coração acelerou, mas ao me aproximar, vi cabelos grandes que não eram o de Gabriel, a pele era mais clara e o corpo era musculoso. Aquele não era o meu amor. Me aproximei assim mesmo, podia oferecer ajuda.
- Oi, cheguei.
A menina se virou para mim, parecia assustada. Porém, eu tinha quase certeza de que já tinha visto esse rosto antes...
- Nós conhecemos? Perguntei.
- Ainda não. Ela sussurrou, e então o corpo do rapaz se mexeu e seu punho atingiu em cheio meu rosto... E essa foi a última coisa que vi.
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Gabriel
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Sabe se lá por quanto tempo eu estava apagado, mas pela minha dor de cabeça não era pouco tempo. Eu estava amarrado a uma cadeira novamente, podia sentir a corda apertando meus pulsos. Se Camilla não me matasse, minhas veias iriam gangrenar. Abri os olhos devagar e sempre quase berrei, se não fosse pela fita adesiva em minha boca.
Christopher com um machucado na testa estava desmaiado ao lado. Seu pai estava do outro lado, com o rosto meio roxo. Camilla estava lá, sentada como uma maluca, um sorriso gigantesco de tubarão sorrindo para mim, como uma predador rindo para a presa. Meu coração gelou de medo.
Eu iria morrer. Tinha quase certeza de que desta vez não seria poupado, mas de jeito nenhum que essa vadia vai machucar meu namorado!