"Onda do mar me levou, Me levou, mas hoje estou aqui; Onda do mar me levou, E eu resisti..." (Me Abraça e Me Beija, Lazzo Matumbi).
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Na sala da justiça, a cúpula gay para assuntos extraordinários seguia em plena atividade:
- Qual o plano? – Flávio caçava alguns pedaços de frango xadrez no prato.
- Passei o dia no Rio de Janeiro conversando com o garoto. O nome dele é Vinícius – prossegui – Ah, a Ju não sabe sobre a minha viagem. Vamos omitir isso por enquanto – adverti os dois.
- Pode ficar tranquilo.
- Ele me contou como tudo aconteceu. O cara passou um tempo seduzindo e forçando uma aproximação e depois levou para um motel afastado, onde deu o bote.
- Se o pai fica sabendo disso... – Gustavo resmungou, enquanto eu entregava o celular para o meu subordinado assistir o vídeo.
- Quem é o político? – tomou de minha mão e apertou o play.
- Joaquim Silveira.
- Vocês estão de brincadeira – ele arregalou os olhos em choque – Que piada pronta é essa?
- Pois é, todos nós pensamos a mesma coisa – respondi – O filho dele se chama Júlio.
Seus olhos esverdeados congelaram na projeção, com uma expressão incômoda, e ele não tardou em pausar o filme:
- Ok... Já estou com o estômago embrulhado, não vou conseguir assistir isso até o final – proferiu – O que vocês pretendem? O cara deve ter uma puta defesa preparada para qualquer situação.
- É o que eu penso também – procedi – Talvez por isso não seja tão simples entregar esse vídeo à polícia e fazer uma denúncia anônima. O pai vai conseguir abafar o caso. Quero fazer barulho.
- Eu acho perigoso demais – o mais novo se intrometeu.
- Se fizermos corretamente o que imaginei, será só uma faísca para uma bomba maior.
- Fala logo sua ideia então, tô ficando agoniado!
- Certo... – reorganizei a trama na mente – Eu estive no motel onde ele foi levado, e parece ser um lugar próprio para esse tipo de situação. É escondido, discreto, não chama atenção e tem um alto padrão perto dessas espeluncas que a gente vê por aí.
A dupla à minha frente escutava tudo bastante concentrada.
- Vai parecer meio idiota, mas pensei em convencer o garoto a chamar Júlio para repetir a dose, pedir um encontro no mesmo lugar e fazer uma queixa para a polícia pega-lo no flagra. Seriam três acusações em uma só tacada: tentativa de estupro, aliciamento de menores e sequestro.
- Sequestro? – Gustavo não compreendeu.
- Ele me disse que foi obrigado a entrar escondido no porta-malas do carro, porque as pessoas poderiam desconfiar e pedir a documentação dele. Assim, o assunto acabaria facilmente na delegacia, e seria mais provável que começassem um burburinho em cima desse fato.
- Sua pretensão é permitir que ele seja violentado de novo? – seguia perplexo.
- Não, por isso preciso de uma ação em equipe. O lugar é bastante vigiado, o que em parte poderia ser um trunfo pra gente. Minha ideia é ter acesso ao sistema de segurança para entender qual o alcance dos pontos de filmagem e intercepta-los antes que o pior aconteça. Daria um jeito de manter Vinícius seguro até a chegada dos guardas.
- Porque acha que as câmeras podem ser um trunfo? – Flávio tentava não perder o fio da meada.
- Se conseguirmos acessar o sistema, nada impede que a gente investigue o histórico e, em tese, salve as gravações que possam nos interessar.
- E se ele não topar no mesmo motel? – ponderou.
- Vamos por partes. Temos vários empecilhos. O maior é o receio do menino. Ele não quer que os pais saibam sobre a sua orientação e, para piorar, parece estar apaixonado por Júlio.
- Augusto, você mesmo está enterrando a sua estratégia – Gustavo mostrava-se resistente – Quer que tudo acabe na delegacia, mas ninguém pode saber. O que acha? Que basta um depoimento e vão liberar um menor de idade?
- Como disse... – aquela quantidade de objeções estava começando a me chatear – Existem muitos pormenores que precisam ser trabalhados. O principal é convencer a vítima. Disso eu me encarrego. Se ele não aceitar, partimos para o plano B.
- Tá, o que eu faço? – o novo participante comprou o desafio sem pestanejar.
- Eu registrei o nome da empresa de segurança. Veja o que consegue fazer com isso. Vou enviar a foto que tirei pelo celular. Se tudo der certo no dia D, te deixo no comando dessa área e vou com o Guga para a tocaia no local.
Meu parceiro não se alegrou muito com essa possibilidade, teimando em tentar fazer valer a voz da razão. Seguimos o jantar discutindo outras hipóteses e desdobramentos. Meu desejo era estar pronto para uma ofensiva em, no máximo, quinze dias. Ainda tinha outros três membros da liga na mira, e necessitava agir rápido.
Flávio listou algumas engenhocas que poderiam contribuir para a execução do projeto e auxiliar na comunicação entre nós três durante o ato. Perguntou-me se ainda guardava os óculos espiões, garantindo que também seriam muito úteis para a ocasião. Sabia que a sua inclusão naquela etapa seria de grande valor, mas ainda preferia deixar oculta a real intenção de toda aquela temática.
Perto de meia noite, satisfeito com o rendimento da reunião, começamos a nos despedir. Assim que meu funcionário partiu, peguei um casaco para levar Gustavo, que não perdeu tempo em me confrontar ainda na sala:
- Ele te ajudou contra César?
- Não que ele saiba. Ninguém mais tem conhecimento dessa história Guga, e pretendo manter assim.
- Você sabe que eu não concordo com nada disso, né? Poderia enumerar milhões de motivos para desistirmos dessa ideia.
- Eu não te entendo, sabia? – me peguei impaciente – Você faz o maior arerê pra que eu não aja ilegalmente. Já prometi isso; Depois diz que não podemos perder tempo, e foi o primeiro a descobrir sobre a ligação do garoto com o irmão dele. Beleza, os méritos são seus; Agora fica nessa de vou-não-vou?
- É perigoso Augusto...
- E sempre será, você tem ciência disso. Nunca disse que não iríamos correr riscos. Até prefiro envolve-lo o mínimo possível, mas careço de sua ajuda. Pare de agir como se tratasse de uma brincadeira. É uma vingança e eu vou até o fim. Posso contar com o seu apoio ou não? Seja sincero, vou entender caso queira ficar de fora.
- Vou abstrair para não considerar isso como uma ofensa. Existem situações onde é preciso ponderar, e você também tem ciência disso. Pra tudo existe um limite. Mesmo com toda a proposta mirabolante que escutei, não disse em nenhum momento que te deixaria na mão.
- Eu sei, desculpe por isso – percebi que a expressão foi mal colocada – Só acho que ás vezes existe uma cautela mútua que me parece exagerada...
- Não temo por Augusto – ele interrompeu – Não nesse caso específico. Mas lembre-se que estamos envolvendo uma terceira pessoa, que tem sentimentos e parece já ter sofrido o suficiente.
- Ninguém vai se machucar, ok? Vou fazer o que estiver ao meu alcance para ele sair ileso. Isso te tranquiliza mais?
- Talvez...
- Vinícius já perdeu a inocência, Guga, só precisa de um empurrão para enxergar melhor a realidade. Considere que a réplica é minha, mas quem está dando o troco pra valer é ele.
- Tudo bem – ele se deu por vencido, caminhando para chamar o elevador.
Esforçava-me para que meu amigo compreendesse o meu ponto de vista, e achava plausível ter um contraponto às minhas intenções. A finalidade, porém, não era negociável. Independente da imagem que ele criasse de mim, as cinco pessoas da Liga do Mal pagariam pelos seus atos.
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Na quinta-feira, cheguei cedo à empresa e me sentei com Juliana para contar um pouco sobre o andamento de outra importante concepção. Expus as minhas pesquisas e anotações, o que tinha imaginado e como o aplicativo especial para o futuro cliente seria lançado.
- Uau! Já estou ansiosa para essa reunião! – ela não escondia a animação.
- Acho que poderíamos convidar algumas pessoas da agência na terça-feira e demonstrar o funcionamento de tudo. Valeria como um teste final para o compromisso na quarta.
- Legal. A menina se chama Verônica, ela é ótima! Ligo agora de manhã e já deixo a sala de conferências reservada, tá?
- Fechado. Vou mexer em mais alguns detalhes e já dou um start na apresentação oficial.
Aquela questão já estava bem encaminhada. Era hora de dar atenção a outra de igual importância. Assim que minha sócia saiu, peguei o celular, escrevi em tópicos todo o conceito debatido na noite anterior, tirei um “print” da tela e mandei uma mensagem para Vinícius através do Snapchat. A resposta não demorou mais do que dez minutos:
- “Nem pensar! Dando certo ou errado, os meus pais vão ficar sabendo, e isso está fora de cogitação. Também não sei se quero fazer isso com Júlio...”.
Comecei a buscar na memória se mantinha essa visão do mundo com quatorze anos de idade e não disfarçava a irritação ao notar a ignorância do menino. Não podia força-lo a nada, mas precisava da sua presença no time. Resolvi dar um tempo para ele assimilar o recado e refletir. Posteriormente, recebi um e-mail de Flávio com alguns dados, como endereço e CNPJ, dizendo que me explicava logo mais do que se tratava. Antes do almoço, acolhi a sua visita, portando um envelope em mãos:
- Safe & Seg Vigilância e Monitoramentos Ltda.: Esse é o nome da empresa. São do interior do Rio de Janeiro.
- Rápido, hein?
- Ainda estou tentando monitorar o IP para entender como eles trabalham. Pode demorar um pouco, mas eu chego lá – sempre procurava ser técnico em suas justificativas – E você, algum avanço?
- Hum... Vamos dizer que uma hora eu também chego lá – ri – Espero informar em breve sobre a minha evolução.
- Tudo bem. Vou deixar esse material aqui. À medida que descobrir mais coisas, alimentamos o dossiê – ele deixou em cima da mesa e se dirigiu à porta, findando o rápido encontro.
Comprei um lanche para almoçar e passei o dia enfurnado na minha sala, à procura de uma brecha na teimosia de Vinícius. Precisava aguçar algum tipo de revolta na sua cabeça, que aflorasse um sentimento que também me motivava. Era errado, eu sei, mas sabia que se destinava para o bem dele. Voltei a ler as conversas do grupo, em busca de uma inspiração concisa:
- “O negócio aqui no Rio é certo, rapaz!”.
Deslizava a tela, atrás de uma dica:
- “Meu irmão conhece um monte de gente da Zona Sul”.
Divaguei por um instante, abri o chat virtual com César e comecei a digitar algo, mas logo apaguei. Resolvi ser mais incisivo e telefonei para o seu celular. Bastaram dois toques para voltar a escutar uma voz assustada:
- Oi.
- Pegue um papel e uma caneta e anote o que vai fazer – iniciei fugindo de uma simpatia forçada.
- Eu tô no meio de um trabalho em equipe agora...
- Se vire, não perguntei onde você está – mantive o tom ameaçador – Faça o que eu mandei.
- Ok, espera um pouco – acatou.
Escutei vozes ao fundo se distanciando. Alguns segundos depois, a conversa foi retomada:
- Pode falar.
- Escreva agora no grupo o que eu vou dizer e, assim que Júlio responder, me mande o histórico da conversa.
- Mas continuo te enviando diariamente?
- Óbvio – revirei os olhos – As regras continuam as mesmas.
Comecei a ditar a frase e como ele articularia se o assunto fosse desenvolvido. Sem cerimônias, encerrei o telefonema e voltei aos afazeres, ou pelo menos tentar me concentrar neles. Só me restava, naquele momento, manter a torcida de que a isca seria fisgada. Na metade final da tarde, o resultado da estratégia chegou. Parei tudo que estava fazendo e abri o conteúdo:
...
Quinta-feira, 20 de Março.
César diz: Que marasmo isso aqui. Quando vamos marcar alguma coisa?
Cláudio diz: Também acho, nem que seja uma cervejinha.
César diz: Cadê você, Júlio? Seu irmão não consegue alguma coisa pra gente?
Alexandre diz: Tá no desespero mesmo hein, filho?
Cláudio diz: Ahahahahaha.
Júlio diz: Sai fora! Só o malandro tem acesso às carnes de primeira!
César diz: Que egoísmo é esse? Você já foi melhor.
Júlio diz: Te falei, marca um dia aqui que consigo uma farra boa.
César diz: Se for garantia, eu vou mesmo.
Júlio diz: Meu irmão faz vários amiguinhos e me indica depois os mais fáceis pra descer a madeira. Posso separar uns pra você.
Claudio diz: Essas facilidades eu não tenho. Quem me dera...
Alexandre diz: Ahahahahaha.
...
A minha fonte de preocupações ganhava mais um elemento. Ninguém na família Silveira tinha ficha limpa, e Lúcio confirmava estar longe de ser um santo. Sinalizei o recebimento para o meu agente duplo e indiquei ser o suficiente. Larguei o aparelho na mesa e pensei no que faria com aquele dado. “Velho, ele só tem quatorze anos”, “Ele também tem sentimentos e já sofreu bastante”, “Pra tudo tem limite, Augusto”, visualizava Gustavo balançando a cabeça em negativa, decepcionado com o que estava prestes a fazer.
Continuava a encarar o celular. “Esse filho da puta vai ser preso. Esse é o limite”, bati o martelo para convencer os meus devaneios. Parei de raciocinar e rapidamente mandei uma nova captura da tela para Vinícius. Não havia mais o que pensar. Desconhecia o seu temperamento, mas só alguém muito imbecil defenderia o caráter de uma paixonite depois de ler aquilo. Estava feito.
Cinco, dez, trinta minutos se passaram, e nada. Afligi-me pela iniciativa possivelmente equivocada e estudei ligar para saber se estava tudo bem. Não foi necessário. No meio de toda aquela angústia corrosiva, escutei uma nova notificação e me apressei em verificar:
- “O que eu preciso fazer?”.
Levantei os braços e soltei um urro de comemoração, atraindo os olhares das pessoas do outro lado da parede de vidro. Logo atrás, Flávio encarava-me sorrindo, entendendo perfeitamente o que estava acontecendo.
...
À noite, expliquei novamente tudo o que planejava e repassei as instruções para o elo final. Era perceptível um misto de medo e receio na forma como ele escrevia, mas os últimos desdobramentos afloravam-lhe uma coragem e um ímpeto de justiça até então desconhecidos. Ele levaria adiante, estava confirmado.
Avisei aos meus comparsas que tudo seguia encaminhado tal qual inicialmente examinado. Mais tranquilo, decidi passar a noite avaliando os próximos estágios. Na prática, muitas atitudes poderiam sair do roteiro, e tinha que estar preparado para qualquer eventualidade. Quando comecei a rumar para o escritório, um novo alerta me acordou do transe:
- “Preciso falar com você, mas meus pais não podem escutar. Vou descer para o playground do prédio rapidinho. Pode me ligar em três minutos?” – era uma mensagem de Vinícius.
Alguma coisa deveria estar acontecendo, e com certeza não eram boas notícias. Perguntei o número e, no tempo estipulado, disquei aflito:
- Oi, Alessandro? – ele atendeu com uma voz baixa, quase cochichando.
- Sim, sou eu. O que houve?
- Liguei porque preciso de uma resposta rápida. Mandei uma mensagem e Júlio respondeu.
- Já? – me surpreendi – O que ele disse?
- Topou, mas disse que iria viajar no próximo final de semana. Quer marcar comigo sábado, o que respondo?
- Neste sábado? Depois de amanhã?
-É! E agora?
“Fodeu!”, pensei sem demonstrar um nervosismo crescente. Se não fosse na data marcada, só iria acontecer quinze dias depois. Não podia arriscar perder o ânimo do garoto com a ideia, nem esfriar aquela possibilidade de ouro. Era hora de pensar rápido:
- Façamos o seguinte: inventa uma desculpa qualquer, algum compromisso e peça para ser no domingo. Um dia a mais seria muito precioso para nós – mantive a calma – Lembre-se: tem que ser no mesmo lugar, diz que gostou de lá. Combinado?
- Tudo bem, vou tentar e te aviso já.
- Beleza, vai dar tudo certo – o encorajei.
Assim que desliguei, criei rapidamente um grupo no Whatsapp com os meus aliados. Convoquei uma reunião emergencial:
- “Duas coisas” – digitei apressado – “Uma: Mandem o nome completo com o número de documentos de vocês” – cheguei ao escritório, já ligando o computador – “Duas: Embarcaremos para o Rio amanhã. Vamos antecipar tudo”.
- “Oi? Amanhã?” – Flávio parecia abismado – “Mas eu ainda não tenho tudo que preciso”.
- “Vamos correr. O cara caiu na armadilha e marcou para sábado. Ele está tentando convence-lo a sair domingo” – completei.
- “Tá muito em cima! Preciso conversar com Ju antes, pedir uma grana emprestada...” – Gustavo mostrava-se apreensivo.
- “Relaxe Guga! Vou conversar com ela. Não se preocupem com isso. Estou convidando os dois. E Flavinho, me diz em que pé está a sua investigação que eu vou te ajudar...”.
- “Tô ligando para um contato meu aqui. Vou dar um jeito, pode deixar”.
No outro aparelho, a tela anunciava um novo comunicado no Snapchat:
- “Consegui! Marcado domingo!”.
Suspirei aliviado com as horas extras para avaliar o que fazer:
- “Estou de partida amanhã. A gente se encontra sábado, ok?”.
Com a afirmativa, passei a procurar passagens aéreas e hospedagem. A noite tranquila passou a ser uma contagem regressiva. Coletei tudo o que soava relevante – inclusive os itens utilizados com César – e guardava cuidadosamente na mochila. Estava elétrico, e não conseguia descansar. No meio da correria, recebi uma imagem no grupo. Era uma selfie de Flávio, ao lado do computador com a tela dividida, evidenciando diversas imagens em preto e branco:
- “Partiu Himerus! Ahahahaha” – dizia a legenda.
“Caralho, ele conseguiu” – contemplei o apetrecho:
- “Você é foda!” – o lado hacker do meu braço direito sempre me impressionava.
- “Não é pra tanto, nem foi tão difícil” – completou.
- “Então é oficial galera! Zarpamos amanhã de noite!”.
Joguei-me esparramado no futon do gabinete, bem mais sossegado. Encarei a foto de Júlio presa na parede e sorri confiante. “Vamos ver quem é o malandro agora...”, a hora da verdade estava chegandoPode falar rapidinho? – revelei minha cabeça atrás da porta.
- Claro Guto!
- Não me diga não, tá? – adiantei – Fui convidado para uma festa super legal no Rio e resolvi levar seu irmão e Flávio a tiracolo. Partiremos hoje no final da tarde e precisaremos sair um pouco mais cedo. É isso, um beijo e tchau.
- Como é que é? – ela respondeu antes que eu me retirasse – Que história é essa? O Guga não me falou nada.
- E nem deveria. Conversei com ele ontem e disse que viria pedir a sua permissão. Mas já comprei as nossas passagens sabendo que teria algum interrogatório.
- A semana de provas dele tá chegando, Guto. Marcos não vai gostar muito disso.
- Ju... – me aproximei brincalhão – Há quanto tempo você não tem um fim de semana só seu? Pra namorar pela casa inteira, se desligar dos problemas, ficar com o maridão, hein?
- Muito engraçadinho – riu sem jeito.
- É sério! Imagine Marquinhos peladão o dia inteiro, à sua disposição, cheio de amor pra dar...
- Para com isso! – ela gargalhou – Sai logo daqui!
- Devolvo o seu irmão no domingo – segui em tom de conclusão – Deixa o menino curtir um pouco também, ele tá precisando!
Não esperei uma resposta e anunciei aos envolvidos que estava tudo certo. Já tinha separado dois laptops, e meu funcionário levaria outros dois. As passagens já estavam emitidas e as reservas do hotel pagas. Durante o almoço, fui novamente à loja de eletrônicos com Flávio e comprei outros acessórios indicados por ele. Era a nossa segurança, não podia poupar um bom investimento nisso.
No fim das contas, o próprio Marcos nos levou ao aeroporto, sem conter a animação com a intimidade conjugal recuperada, mesmo que temporariamente. As horas contadas foram generosas conosco, e o voo saiu no horário previsto, dentro da normalidade. O pacote viagem-transporte-hospedagem também não revelou nenhum contratempo. Aluguei novamente um carro - dessa vez em outra empresa, para disfarçar - e ficamos em um hotel confortável, próximo ao bairro de Vinícius (relatado previamente por ele), no intuito de facilitar a sua ida.
Depois de nos alojarmos – eu num quarto e meus defensores em outro – resolvemos fazer um checklist de todos os equipamentos:
- Vamos lá – Flávio conectou os dois computadores um ao outro em cima da bancada perto da janela – Acho que a gente teve sorte de ser domingo, porque é muito difícil ter alguém na empresa de olho nesses monitores. Não sei onde fica esse controle dentro do motel, provavelmente é na recepção ou gerência.
Em uma das telas, diversas imagens mostravam os ambientes do estabelecimento:
- Temos dois pontos no corredor do prédio principal, que dá acesso aos quartos – ele prosseguiu - um na cozinha, dois na avenida principal, outros dois na rua de trás, um em cada bangalô de luxo, um na recepção e mais dois na guarita, apontados para a entrada e saída.
- E pra que serve a outra máquina? – o ”Robin” do grupo estava curioso.
- Bom, é aqui que a mágica acontece – um painel se abriu ao lado – Baixei um programa padrão que essas companhias usam e, com o IP rastreado, também consigo acessar e ter o comando de todas as câmeras remotamente.
- Nossa! Acho que já temos um Nolan na equipe!
- Quem? – estranhei a piada.
- Sério que você não sabe? – o loiro acompanhou a risada de Gustavo.
- Esquece, já desisti de conversar sobre séries com ele – me censurou – Mas e aí, o que faremos com isso?
- O que pensei: Levaremos outro computador, enquanto Flávio fica na liderança daqui. Chegaremos antes para deixar tudo a postos. Vamos nos comunicar através desse retorno eletrônico, que ninguém pode tirar do ouvido! – mostrei o produto – Vinícius vai ficar usando os óculos o tempo todo e as imagens serão transmitidas via streaming. Com esse auxílio, saberemos o número do quarto e o que eles estão fazendo.
Falava sem parar, organizando os itens em cima da cama:
- Na hora certa, você – apontei para o meu empregado – vai avisar quando eu poderei seguir andando para a garagem deles sem ser notado pelas câmeras, enquanto você – me dirigi ao meu amigo – vai me deixar a par de tudo o que está acontecendo em tempo real. Agiremos antes de Júlio, a segurança da presa vem em primeiro lugar. Assim que amarra-lo, fico esperando a torre de operação me avisar que a polícia chegou para voltar ao quarto.
- Mas é necessário deixar claro que ele não pode sonhar em sair do script. Se vacilar, estamos fritos – o mais novo advertiu.
- Vou me encontrar com ele amanhã, para esclarecer tudo. Não avisei sobre as presenças extras, acho que poderia pressiona-lo demais. Precisarei de um pouco de privacidade, certo?
Os dois assentiram compreensivos. Queria anunciar aos quatro ventos o tamanho da minha empolgação naquele momento, mas procurava manter uma postura séria e profissional.
...
Passamos o sábado inteiro inspecionando cada passo. Gustavo focava vidrado no calçadão da praia, lamentando não poder dar um passeio. Avisei na recepção que receberia a visita de um primo, permitindo a sua entrada. Logo depois do meio dia, comunicaram-me que ele estava subindo. Flávio disse-me então que ajustaria mais alguns detalhes e sairia em seguida para comer e caminhar pelas redondezas, fazendo o terceiro integrante vibrar com a folga.
Cumprimentei Vinícius e o convidei a entrar. Ele ainda parecia acanhado e temeroso com as consequências do conceito arquitetado, mas não sinalizou em momento nenhum que queria desistir.
- Desculpa a forma súbita como te enviei aquele diálogo ontem, mas fiquei um tanto irritado. Senti-me na obrigação de compartilhar – comecei.
- Tudo bem, ao menos descobri em tempo – não senti firmeza na sua voz – Antes tarde do que nunca.
- Olha, você é muito novo e tudo isso que está vivendo é uma grande injustiça. Nessa fase, aproveitamos para paquerar, nos descobrir, nos divertir, fazer muitos amigos... Talvez tenha pulado algumas etapas, mas não deixe isso manchar a sua história de forma alguma.
Ele seguia com o olhar perdido.
- Você ainda vai sofrer outras desilusões, Vinícius. Essa é a verdade, todos nós passamos por isso. Com o tempo, aprendemos a construir nossas fortalezas, a confiar nas pessoas certas, saber levantar de novo. Pode parecer uma bobagem o que estamos conversando, mas a minha maior motivação é a certeza de que enfrentamos e fizemos a diferença. Futuramente, você vai entender e acredite, vai se orgulhar muito disso.
Percebi um sorriso começando a nascer no canto da sua boca, e também me deixei contagiar pelo discurso improvisado:
- Vamos mostrar pra eles que se meteram com as pessoas erradas e não sairão impunes.
A cabeça erguida ressaltando o olhar decidido e triunfante que recebi em troca era digna de uma capa de revista em quadrinhos. Minha responsabilidade era grande, mas a confiança também. Não cogitava nada que nos levasse a falhas de qualquer natureza.
Peguei a mochila e comecei a mostrar como pretendia fazer com que tudo funcionasse perfeitamente. Mostrei a armação de falsas lentes, onde a câmera ficava oculta e como eu também veria o que ele estivesse enxergando. Instruí como ligar e contei sobre a estratégia de usar outro equipamento de filmagem escondido no quarto, na intenção de comprovar que se tratava de um menor. Avisei que não se deixasse levar pela esperteza de Júlio. Quando a armadilha se revelasse, não duvidaria se ele utilizasse de algum tipo de chantagem emocional ou ameaça para escapar.
- Eu vou ter mesmo que ir para a delegacia? E se eles ligarem para os meus pais?
- Eles provavelmente irão se comunicar com os seus responsáveis sim – admiti – Mas você vai alegar que foi sequestrado. O local e as circunstâncias é que vão levar as autoridades a outras conclusões. Não precisa assumir nada, ele é que vai sair do armário à força. O seu segredo estará a salvo, fique tranquilo.
Não sabia afirmar se o suspiro que escutei era de alívio ou preocupação. Pedi que ele usasse o aparelho e começamos a encenar um ensaio de todas as etapas que realizaríamos. A cada ponto, ele tirava as suas dúvidas e raciocinava como deveria atuar. Fingimos estar no local, demonstrei como deveria se comportar, onde deixar o celular para fazer a ligação e, o principal, como deixar o acesso livre para a minha chegada. No final, repetimos todo o processo, fazendo-o entender perfeitamente cada estágio de tempo e ação, e entreguei uma sacola com tudo que seria imprescindível. Em seguida, pedi um táxi na entrada do hotel e prometemos novo contato na manhã seguinte.
Mais tarde, encontrei Gustavo e Flávio em um bar na orla de Ipanema e contei sobre todo o diálogo. O irmão da minha sócia ainda não parecia muito contente com o envolvimento do garoto, mas nada disse. Quando voltamos, já próximo do anoitecer, me isolei no apartamento e fiquei analisando o arquivo geral de gravações da empresa.
Lembrei a data da conversa no grupo, quando Júlio se gabava da sua mais nova conquista, e busquei no sistema. Pacientemente, pausava o vídeo a cada instante que algum veículo se aproximava da guarita. Alcançando o início da tarde, avistei um modelo importado solicitando uma suíte. Atentei-me ao fato do indivíduo estar sozinho e logo identifiquei o agressor. Anotei a placa do carro e salvei aquele intervalo.
Passei, então, a exercitar a minha perseverança. Com calma, olhei o período anterior em busca do mesmo automóvel. Passava rápido pelos dias úteis, onde a movimentação era menor, e espreitava os fins de semana, já que o fluxo de clientes aumentava. Vinte dias antes, enfim, lá estava ele sozinho de novo e retrocedendo mais doze, mais uma vez.
Nesta última, um episódio curioso atraiu o meu olhar. Júlio estacionou o carro e voltou caminhando para a recepção. Ali, foi direcionado para outra sala, onde parecia funcionar a gerência. Pouco tempo depois, um homem mais velho apareceu, convidando-o a sentar-se. A conversa durou pouco mais de trinta minutos e se encerrou quando o membro da gangue entregou um envelope ao senhor, seguido de um breve aperto de mãos.
Aparentemente tinha descoberto uma pequena mina de ouro. Não sabia ao certo o que aquilo significava. Júlio deveria pagar algum tipo de propina pelo silêncio do estabelecimento, mas isso não explicaria o motivo de ter que esconder as vítimas para concretizar as suas ações. O esquema particular dele, contudo, também era muito forte. Salvei todo o material capturado no laptop e, com o sono falando mais alto, resolvi descansar para a batalha do dia seguinte.
“Algo me diz que estamos prestes a entrar na cova dos leões”, tentava me tranquilizar, temendo um pouco pelo sucesso da empreitada.
(continua)
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Oi pessoal! Prontinho, mais um capítulo entregue! Drica Telles (VCMEDS), confesso que essa fase da vingança está sendo mais complexa justamente por causa dos preparativos. Sei que às vezes tudo parece detalhado demais, mas não consigo não me ater a isso. O ruivo também manda um beijo. Isztvan, pode deixar, postarei até o fim :)! Lucassh, obrigado! Pois é, acho que teremos uma vingança em dose dupla! Plutão, pode chegar que a mesa já está posta! O ruivo manda outro abraço! Jeff08, ahahahaha, valeu! Irish, confesso que os desdobramentos podem ser perigosos, já que se conectam a muitas outras histórias paralelas. Mas não tenha dúvida que Augusto vai pagar pra ver, rs. Sobre o romance, bom... Não posso adiantar muito, mas algumas coisas acontecerão nos próximos capítulos! Ah, aproveitando, percebi alguns erros grosseiros no capítulo anterior que passaram despercebidos na revisão (malditas madrugadas), mas já corrigi tudo (se perceberem outros, podem falar!). Mais uma vez, agradeço demais os comentários empolgados e ansiosos. Até mais e um grande abraço!
