Ricardo narrando.
Eu me chamo Ricardo, mas todos me chamam de Ric. Tenho 19 anos e estou no primeiro período de direito na faculdade federal. Não consegui passar no vestibular do ano passado, pois estava competindo em um campeonato de jiu jitsu daqui do meu estado. Eu luto desde criança e hoje ja sou faixa preta. Dou aula em uma academia aqui na cidade a algum tempo. Temos o mestre principal e eu e mais outro amigo meu o auxiliamos nas aulas. Eu consigo um bom dinheiro para pagar coisas básicas da faculdade, como livros e xerox, vida de universitário não é facil. Eu sempre chamei muita atenção pela minha beleza, não que eu me ache, mas eu tenho consciência de como sou bonito. Odeio gente com falsa modéstia que fica se chamando de feio para as pessoas elogiarem. Eu sempre fiquei com o corpo em forma e definido graças à luta, e isso chama a atenção tanto de garotas quanto de garotos. Como eu odeio aqueles caras que ficam dando em cima de mim, da vontade de quebrar a cara de um por um. Quer ser viado mermão, vai ser viado pra la. Uma vez eu ja até cheguei a bater em um cara aqui da faculdade por conta dessas gracinhas, mas também ele mereceu, chegou querendo me beijar. Teve que aprender na marra a respeitar cara de homem.
Há uma semana atrás aconteceu algo que mexeu muito comigo. O meu amigo de faculdade Gustavo me convidou para estudar na casa dele, pois era semana de provas. Antes de chegarmos la, ele teve que ir buscar os irmãos menores na escola. Quando eles apareceram, waw. foi tudo o que eu consegui pensar. O menor era a cara do Gus só que bem mais bonito. Mesmo todo machucado, dava pra perceber a semelhança. A diferença era que o garoto, que depois eu descobri que se chama Gabriel, era mais delicado, sua pele era lisinha e bem clarinha. O Gustavo tem mais cara de homem, ja ele tem um rosto mais lisinho que dava vontade de tocar. Seu olhar era triste e cabisbaixo. Ele tinha um curativo no rosto e outro no braço. Alguns garotos da escola tinham batido nele e pelo visto o Gustavo não ligava nem um pouco. Ao que me parece ele é daqueles que os outros fazem de saco de pancadas sem motivo algum. Me deu uma pena dele, vontade de proteger, de não deixar ninguém tocar nele... Mas espera ai? Por que eu estou pensando assim? Ele é um garoto, você ta doido Ricardo? Ele que aprendesse a se defender sozinho.
quando chegamos em sua casa, fomos logo almoçar. O Gabriel não era de falar muito, chegou na cozinha e foi colocar seu almoço. Ele é daquele tipo de pessoa que parece ta sempre triste, sua feição abatida nunca muda. De repente a concha que ele usava para colocar o feijão escorregou de sua mão e caiu em cima do Gustavo. Vocês não tem noção do que foi pra mim acompanhar aquela cena de perto. O Gus deu um tapa tão forte no garoto, que ele imediatamente caiu no chão, chorando. Na mesma hora me subiu uma raiva muito forte, era puro ódio. Como ele pôde ser tão cruel assim? O gabe ja tava todo fodido por ter apanhado na escola e agora isso? Que espécie de irmão ele era? Eu fui com tudo pra cima dele, eu tinha vontade de matá-lo pelo que ele fez ao Gabriel. Aquilo foi desumano. Um garoto tão frágil e delicado não merecia aquilo. Ele me tirou de cima dele e eu fui ajudar o garoto a se levantar. Seu rosto ja tinha as marcas dos dedos do irmão. Ele saiu correndo, logicamente com vergonha. O Gabriel devia comer o pão que o diabo amassou naquela casa. Lembro de ter ficado sério o resto do almoço e nem tentei puxar papo com o idiota do gus. Como é que eu era amigo de alguém assim? Se bem que eu só descobri esse seu jeito quando o vi em casa, convivendo com os irmãos... Passamos a tarde estudando e teve uma hora que Max desceu e de uma vez, deu uma rasteira no Gustavo. Confesso que me senti vingado com a atitude dele, bem feito.
Bom naquele dia não aconteceu mais nada de interessante, tirando o fato de que antes de dormir eu NÃO CONSEGUIA PARAR DE PENSAR NELE. Será que ele estava bem? Será que ele tinha apanhado mais do Gustavo? Por que aquele garoto estava me deixando desse jeito? Eu acho que é só pena... deve ser só isso mesmo. Afinal, quem não se sentiria da mesma forma vendo tudo aquilo? Eu sempre gostei de mulher, isso deve ser só um instinto protetor.
Já era segunda feira e eu estava a caminho da faculdade, morava la perto. Cheguei na sala e encontrei um Gustavo diferente. Ele que sempre estava reunido com a galera, conversando com alguém ou fazendo graça, dessa estava deitado por cima de sua mesa com a cabeça apoiada nos braços. Fui la falar com ele.
- E ai cara, o que ta pegando?
- Nada não mano.
- Deixa de besteira vai, eu sou teu parceiro. Fala aí o que houve?
- Mano isso não pode sair daqui, beleza?- Ele me olhou meio desconfiado.
- Fica tranquilo.
- Cara, essa semana aconteceram umas coisas horríveis la em casa. Eu não sei nem por onde começar.- Ele me parecia triste.
- Pelo visto a gente não vai conseguir assistir aula hoje né? Vamos pra biblioteca e la você me conta.- Saímos da sala com nossas bolsas e não demorou muito, ja estavamos dentro da biblioteca.- Desembuxa.
- Primeiro aconteceu algo terrível com o Gabriel.- Um frio subiu pela minha espinha imediatamente.- Uns caras da escola dele o fecharam na saída e bateram muito nele.- Nessa hora ele começou a chorar. Eu fiquei pasmo. Como será que ele estava? Nossa, do jeito que ele é, eu posso imaginar o estrago.
- E ai, como ele está?- Ele ignorou a minha pergunta e continuou falando.
- Mijaram nele cara.- Seu choro se intesificou.- Algum filho da puta pôs a porra do pau pra fora e urinou no meu irmão depois de quase matá-lo de tanta porrada.- Puta que pariu. Eu não sabia o que dizer. Era coisa demais pra processar. Eu comecei a ficar com raiva.- Você devia ter visto ele chegando em casa.-Ele continuou.- Ele chegou se arrastando, coitado. Sua face era a mais triste que eu ja vi. Seu cheiro, nossa, era insuportável. E o pior de tudo: foi tudo culpa minha.
- C-c-como assim culpa sua? Me explica isso direito.- Eu estava nervoso.
- Nesse dia o Max foi jogar futebol em outra escola e iria pra casa de ônibus, então eu decidi ir pra casa simplesmente por ir e foi quando tudo aconteceu. Cara você tem noção de que eu ia perdendo o meu irmão por uma babaquice minha?- Deu vontade de matá-lo após ouvir aquilo.
- Eu não acredito nessa estupidez que você fez com seu prórpio irmão seu idiota. Eu não sei nem porque eu ainda to te ouvindo. Gente como você não merece o meu tempo.- Ia levantando para ir embora, mas ele segurou o meu braço.
- Mano, eu me arrependi muito do que eu fiz, ou você acha que eu estou chorando aqui, na sua frente, de felicidade?- É, pensando por esse lado... sentei de novo e bufei. Ele ia me contar tudo tim tim por tim tim.- Cara foi tudo horrível. Ele chegou em casa e me falou coisas horríveis, disse que tinha nojo de mim, vergonha de ser meu irmão e que eu tinha morrido para ele.
- Dou toda razão para ele. Se eu tivesse um irmão que me trata da mesma forma que você faz com ele, eu ja tinha me matado. O que você faz é perturbador.- Fiz questão de jogar na cara dele.
- O que eu faço não, o que eu fazia. Porque eu mudei. Depois disso a minha ficha caiu e eu vi o idiota que eu era. Mas as coisas não acabam por ai.- Tinha mais?- o meu pai foi na delegacia prestar queixa contra o agressor dele e uma psicologa após uma consulta, disse que ele tinha traumas que foram causados por mim e que poderia denunciar meus pais. Meu pai perdeu a noção de tudo e me deu uma surra mano, que eu to me sentindo um lixo em forma de gente, eu estou tão envergonhado.- Ele abaixou a cabeça nessa hora.- As minhas costas ardem até hoje, foi humilhante. Ele me colocou pelado de joelho e bateu até começar a sangrar e por incrivel que pareça, se não fosse o Gabriel pra me salvar, eu nem sei o que teria acontecido.
- Pra você ver né... ele fez por você o que você não fez por ele. Sinceramente você não merece o irmão que tem.
- Calma cara, eu sei que tudo o que eu fiz foi horrivel, mas a gente ja se perdoou. Está tudo bem entre nós agora.
- Mas então por que você está chorando?
- Por que mesmo estando tudo bem entre a gente, eu ainda me arrependo muito de tudo o que eu fiz e ficar lembrando da forma que o tratei todos esses anos e depois a forma como ele me ajudou, foi um tapa em cheio na minha cara. Aquilo só me mostrou mais o ser humano podre que eu era. Ele engoliu todo o seu orgulho, toda a dor que sentiu esses anos todos pra me ajudar, enquanto eu não merecia nada disso... esse choro é de vergonha, é de arrependimento. Esse fim de semana ele cuidou de mim, me ajudou e eu sempre fiz o que por ele? Nada. Eu estou mee sentindo péssimo.- No fundo eu entendia o que ele queria dizer... eu ja não o condenava pelos erros do passado, mas sim tentava entender o remorso que ele sentia.
- Cara que bom que você se arrependeu, eu percebi agora que seu sentimento é verdadeiro. Se eu tivesse um irmão.- Sou filho único.- Eu com certeza trataria ele da melhor forma possível. Você não sabe a falta que me fez enquanto eu crescia ter alguém para brincar, conversar, descobrir as coisas do mundo... espero que a partir de agora tudo fique bem entre vocês.
- É mano, agora não desgrudo mais daquele moleque... Você acredita que o Max tava com ciúmes de mim e do Gabe? Vê se pode rsrsrs.
- Ih que estranho, eu vi o grude que ele tem com o gabe. Na sua casa ele até te bateu por causa dele e vivia abraçado com o garoto. Será que ele não sente algo a mais? haha- Falei de zoação, claro que eu não pensei isso, eles eram irmãos.
- Você ficou maluco?- Ele ficou sério.- Nunca mais repita uma coisa dessas nem de brincadeira.- continuamos conversando sobre outras coisas até a hora de ir embora. Fui em casa, minha mãe tinha feito um almoço delicioso.
- E ai meu filho, como foi na faculdade?- Xii ela não ia gostar de saber que não assisti aula.
- Mãe aquele meu amigo o Gustavo, ele ta passando por dificuldades na família... eu acabei não assistindo aula pois ele precisava desabafar, desculpa...
- Tudo bem filho. Ei sei que foi por uma boa causa, só não torne isso um hábito ok?
- Ta certo.
terminei de comer e fui me arrumar para a academia, pois vou dar aula hoje. Não demorei muito e parti para a academia. Chegando la, o Isac, um carinha que dava em cima de mim descaradamente veio falar comigo. Nossa como eu odiava sua atitude, ja o tinha repreendido antes, mas ele nunca me ouvia. Só nunca quebrei a cara dele porq é meu aluno e não quero ser demitido.
- E aí Ricardinho- Odiava quando ele me chamava ssim.- Como é que vai?
- Eu ja disse pra você não me chamar assim, vou bem.
- Ah desculpa, MESTRE Ricardinho.- Ele começou a rir. Nossa que engraçado.
Ele sabia que eu não curtia a fruta, mas mesmo assim não cansava. Chegamos no tatami e o Mestre Matheus começou com a aula. Em um determinado momento ele mandou que os alunos formassem duplas para treinar os movimentos e golpes que ele ensinava. O Isac por ironia do destino ficou sem dupla o que acabou fazendo com que eu treinasse com ele.
- Parece que o destino está do meu lado né gato?
- Você não está aqui para falar e sim para treinar.- Cortei logo o papo.
- Inicinei o primeiro movimento, no qual consistia na queda de costas do adversário. O derrubei com um pouco mais de força que o normal.
- Ai cara, não faz assim senão eu me apaixono.- Eu já não aguentava mais aquele moleque e estava a ponto de socá-lo, quando o mestre aparece.
- Ta tudo bem por aí?
- Tá sim.- O Isac respondeu.- tudo tranquilo.
- Então vamos ao próximo movimento.
Eu sinceramente não entendia porque o Isac fazia essa aula. Ele é um pouco afeminado e não tem cara de que curte. Acho que o pai deve o obrigar pra ver se vira homem. Bom a aula acabou e fui para casa. Fiz os trabalhos da faculdade e fui dormir. Mais uma vez a imagem do Gabriel veio a minha cabeça. Engraçado que a gente trocou no máximo duas frases e eu ja pensava nele direto. Mas que merda era essa? Eu não entendo porque estava pensando tanto nesse garoto. Eu ja estava começando a ficar com raiva dele por estar invadindo minha mente dessa forma. Eu tinha que parar de me preocupar com ele, ele não é nada pra mim. Acabei dormindo.
Na terça feira fui para a faculdade e percebi que o Gustavo ja estava bem melhor, a aula correu na mais perfeita ordem. Na academia mais uma vez o Isac pegava no meu pé e lá se foi mais um dia. Nossa como a semana estava passando rápido. Já era quarta pela manhã e eu estava na faculdade. Já era hora da saída e o Gus estava com pressa.
- Cara tenho que ir logo, ainda vou levar meu irmão na academia. - O Max tinha um corpo bacana, se fizesse musculação iria ficar bem massa.
- então tá mano, até amanhã.
Fui para casa almoçar e logo depois fui para a academia. A aula ja estava começando. De repente eu vejo alguém entrar pela porta. Os olhos encaravam o chão, seu cabelo castanho claro e liso estavam caidos pra frente. Era ele. Agora entendi, não era o Max que iria fazer academia, era o Gabriel. Quanta coincidência ser justo na minha academia e a luta que eu pratíco. Ele estava muito fofo com aquele Kimono azul. Parecia um bebezão indo pro primeiro dia de aula. Ele levantou a cabeça e me encarou. Ficamos nos olhando por alguns segundos que pareciam horas. Foi como se tudo ao meu redor tivesse parado. Cara eu tô muito ferrado. Eu tinha me apaixonado por ele, certeza. Droga! E agora, o que eu faço?