2. MARCAS DO PASSADO
Eu havia sido nocauteado por um sono de pedra. Quando acordei, já havia se passado das dez da manhã do sábado. O sol lá fora estava tão forte, que mesmo com um cortinado bem revestido e escuro do meu quarto, a iluminação diurna vencia sem dificuldades a escuridão do ambiente, em que eu dormia. Estava faminto, sentindo a minha bunda bem ardida, depois da surra de pica que Luís havia me dado naquele banheiro da boate. E mesmo não querendo mais um repeteco, eu estava profundamente satisfeito por ele não ter me deixado fugir. Mas era só eu pensar na iminência desse casamento descabido com Tatiana, que a minha mãe arranjara, que o meu sorriso aos poucos se dissolvia como uma bruma em um início de uma manhã ensolarada.
Levantei-me e me enclausurei no meu banheiro, por um longo espaço de tempo. Eu tinha essa mania de demorar muito no banheiro, mas não era promovendo o desperdício da água corrente, ou fazendo sexo comigo mesmo. Ficava eu, sentando no vaso sanitário, com a tampa fechada, pensando nos acontecimentos da minha vida, e ponderando sobre os mesmos. Uma espécie de paródia do pensador de Rodin.
Depois de um delicioso banho frio, desci para comer, pois estava faminto, tinha que resolver muitas coisas em pouco tempo.
Quando descia os primeiros lances de escada, rumando para a sala principal, avistei uma moça de cabelos ruivos, graciosamente presos por um pente de cabelo perolado, e trajando um vestido leve com estampa florada. Era Tatiana, minha noiva. Ela conversava alegremente com meus pais, mas propriamente com a minha mãe, que lhe dedicava total e exagerada atenção, enquanto meu pai, munido de seu notebook, se limitava a apenas emitir respostas monossilábicas.
- Finalmente você acordou – Minha mãe disse, desviando o olhar de Tatiana e me fitando, com uma leve sombra de reprovação nos olhos. – Tatiana já estava quase desistindo de te esperar.
- Eu não sabia que você já tinha voltado de viajem – eu disse, sem demonstrar nem um pingo de entusiasmo pela sua presença ali na minha casa.
- Pois é amor, nem eu sabia que iria voltar mais cedo – ela se levantou e veio ao meu encontro, antes que eu terminasse de descer as escadas. – Mas é Dezembro, e o meu pai insistiu que eu voltasse para casa. Você sabe como ele fica nessa época. Faz questão que toda família fique reunida.
Ela se aproximou de mim, me dando um selinho bem morno. Sentia como se o meu corpo fosse lançar um exército de anticorpos sobre aquele pedaço de carne. Tatiana não me provocava nada. E não era por ela ser uma mulher. Eu já havia ficado com mulheres e sentido prazer, mas no caso dela, o meu pau ficava em coma na cueca, que as vezes até eu esquecia que ele estava lá. E coçava para conferir. Mas eu gostava dela, como uma boa amiga.
Fomos os dois nos sentarmos no sofá, ao lado da minha mãe, e por alguns segundos, ninguém disse uma palavra, até que a entrona da dona Laura, não se conteve, e resolveu abrir o bocão.
- Os pais da Tatiana nos convidaram para passarmos o natal e réveillon, juntos, na casa de campo deles na serra. – Mamãe contou, quase saltando fogos pelos olhos, de tanta felicidade.
- Imagina, amor, como vai ser legal, nossas famílias juntas no friozinho da serra – Tatiana soltou um risinho, me puxando para mais um selinho. Será que ela não percebia que eu não retribuía seus beijos?
- Infelizmente, Tati, eu já tenho um compromisso que não posso cancelar em hipótese alguma – eu disse, em tom definitivo.
- Compromisso? É algo do escritório?
Minha mãe soltou uma gargalhada nervosa, como se eu tivesse acabado de contar uma piada muito engraçada.
- Benjamim está brincando, Tatiana – minha mãe disse, ainda rindo. – Pode dizer para os seus pais que aceitamos o convite com a maior honra.
- A senhora, pode aceitar, eu não – contrariei a minha mãe. – Minha avó está doente, Tatiana, e quer que viajemos para o seu sítio, para passar as festividades em sua companhia, com o resto da família.
- Isso é um absurdo! – Minha mãe falou muito nervosa. – Eu não posso permitir que você abandone sua namorada no natal. É inconcebível. Roberto, você não vai falar nada? – minha mãe voltou-se para o meu pai.
- Acho que esse é um assunto entre Benjamim e Tatiana, Laura – disse meu pai, no alto de seu bom senso.
- Mas isso seria uma desfeita, com a família da Tatiana – minha insistiu. – Não é de bom tom...
- Bom tom? A vovó está com câncer terminal, e nos convida para essa, que pode ser nossa última reunião de família, e você ignora completamente o apelo dela, e ainda vem me falar de bom tom? Dá um tempo mãe – eu cuspi, como se as palavras queimassem a minha língua. – E quanto a minha “noiva”, eu tenho certeza que ela vai entender, já que a família dela dá tanta importância para este tipo de reunião.
- Você vai para casa de sua avó? – Tatiana me perguntou.
- Sim! E se você quiser ir, não tem o menor problema.
- Não seja bobo! – minha mãe exclamou. – A Tatiana não é moça de se enfiar naquele fim de mundo. Isso está simplesmente fora de cogitação.
- Na verdade, sogrinha, eu não vejo o menor o problema em fazer isso, mas infelizmente o meu pai não ficaria satisfeito em não me ter com a família.
- Então, minha querida, nós vamos ter que passar as festas de fim de ano, separados – eu disse, fingindo decepção, quando na verdade estava pulando de alegria por dentro. – Então acho que é isso. Nos vemos ano que vem.
- Isso é ridículo – minha mãe estava inconformada. Mas eu não ia ceder dessa vez.
- Bom, então eu acho que vou indo – disse Tatiana, percebendo, acho, o meu total desinteresse em sua presença, assim como no convite de sua família.
- Mas já? – minha lamentou, tentando fazer com que ela permanecesse mais ali.
- Eu tenho umas coisas para resolver para o meu pai, e já estou atrasada – disse Tatiana. Mas eu percebi que ela estava tentando fugir da anunciada discussão que seguiria entre eu e a minha mãe.
- Sendo, assim, eu aceito sua visita tão apressada – minha mãe a abraçou demoradamente. – E quanto ao convite de sua família, pode apostar que estaremos todos, lá. É que seu noivo ultimamente deu para tomar umas atitudes inconsequentes, mas nada que uma boa conversa não resolva.
Tatiana apenas ofereceu um sorriso amarelo como resposta para o que havia ouvido da minha mãe. Eu fingi que as duas estavam falando de outra pessoa, e não dei a menor bola, me limitando a apenas balançar a mão num leve aceno, quando Tatiana deixou nossa casa.
Antes que a minha mãe viesse me torrar a paciência, eu tratei logo de escapulir para cozinha, pois estava faminto. Meu estômago parecia um saco de batatas vazio. Mas ela não me deu trégua. Mal eu me servi de um bom pedaço de bolo de laranja, e sermão desaguou sobre a minha cabeça.
- Benjamim, será que eu tenho que lembrar você todos os dias sobre qual é nossa a situação? Ou você ficou retardo com o tempo, para não perceber que nós estamos prestes a cair em ruinas.
- E por acaso a culpa é minha, para eu ter que carregar o fardo desse casamento, só para manter a senhora no seu status?
- Você gosta da vida que leva, e não venha me dizer que pode se acostumar com a modéstia.
- Esse assunto já me cansou – disse levantando da mesa. – Eu não amo a Tatiana, mas eu disse que ia me casar com ela, e vou. Satisfeita?
- Só depois que vocês tiverem casados – ela disse.
Eu não queria estender aquela discussão, então não rebati a minha mãe.
- E quanto a essa viajem?
- Vou depois do almoço – eu disse a ela. – Se eu for agora, tem grandes chances de voltar mais cedo, e ir para tal casa de campo dos pais da Tatiana. Então todo mundo fica feliz. Mas no momento, a única felicidade que me interessa, é a da minha avó.
- Está certo – ela concordou, meio contrariada, mas percebeu que não conseguiria uma negociação melhor.
Antes do almoço, arrumei as minhas malas rapidamente, que se avolumaram mais do que eu pretendia. Com certeza a minha mãe notaria e não ficaria satisfeita, pois indicaria que eu demoraria voltar. E no fundo, no fundo, eu estava a fim mesmo de ir sem data para voltar. Precisava de um tempo de tudo, e ao lado da minha avó seria perfeito, apesar de não saber ao certo quem mais eu encontraria lá, e como estaria.
Saí de casa por volta das 14 horas. Eu iria viajar de carro próprio, e percorreria cerca de 650 quilômetros, até o interior, onde minha avó morava. Minha mãe não veio se despedir de mim, apenas meu pai.
- Benjamim, eu espero que essa viagem sirva para você repensar todas as suas escolhas, filho – disse o meu pai. – A vida é tão curta, que seria injusto abrir mão de quem somos, para satisfazer desejos alheios.
- Obrigado, pai, o senhor é o melhor – eu o abracei, me despedindo.
Finalmente peguei a estrada. Quando cruzei os portões da minha casa, senti que deixava um elefante de obrigações para trás. Estava tão leve e tão bem, como se já tivesse sentindo o cheiro de natureza, que me aguardava na casa da minha avó. Seria uma viajem longa e cansativa, mas há muito tempo eu não me sentia assim, feliz, na expectativa de acontecimentos.
Viajei a tarde de sábado inteira, fazendo pouquíssimas paradas. Fiquei ao volante até as dez da noite, então resolvi parar em um posto com pousada. Já estava muito exausto e seria um risco grande continuar dirigindo. Jantei na churrascaria do posto, e fui dormir em seguida, depois de um banho bem relaxante. Apesar de estar completamente exaurido, eu pretendi acordar bem cedo no domingo, pois assim chegaria logo no meu destino. Como viajei bastante durante o dia quase passado, eu já estava muito próximo.
Passei a noite inteira sonhando, correndo em um enorme casarão abandonado, com muitos espelhos quebrados, arremessados pelos corredores e muitos cômodos. Um garoto mais alto do que eu, me perseguia. Nós dois ríamos, enquanto batíamos com os pés na bunda, de tanto correr. Parecia uma cena feliz. Mas de repente, ainda no mesmo cenário, o sonho mudou para um quadro mais tenso. Eu observava uma coxa sangrando, devido a um corte profundíssimo, decorrente de uma queda sobre um dos espelhos trincados, espalhados pelo velho casarão.
Acordei suado e muito arfante. O dia já havia amanhecido, e o sol brilhava intensamente. Já eram oito horas da manhã de domingo.
- Porra! Caralho! Merda! Pica de aço! Pica de aço! – eu xingava, enquanto procurava uma toalha para um banho rápido. Dessa vez não dava para bancar o pensador de Rodin, do vaso sanitário. Era jogo rápido.
Banho tomado, estômago devidamente forrado, e lá estava eu novamente na estrada. Por sorte, as estradas estavam ótimas, no fim do percurso, o que facilitou muito a fluidez da viajem. No entanto, o carro estava margeado apenas por muitas chapadas e mata. Quase não se avistava casas por ali. Meu coração já começava a explodir no meu peito, quando eu percebi que estava rodando os quilômetros finais. Quase entro em choque quando cruzei a placa de “Bem-vindo”, no início da cidade, onde morava a minha avó.
Tudo estava tão diferente. Mas evoluído e populoso, naturalmente, já que haviam se passado dez anos desde a última vez que eu cruzara aquele limiar. Reconheci pouquíssimas coisas, e isso me assustou, pois não tinha certeza se conseguiria chegar até o sítio. Mas com certeza encontraria alguém que conhecesse. Eu lembrava apenas que deveria seguir um desvio da estrada que levava para área urbana da cidade. O sítio da vovó ficava um pouco antes.
Ao avistar o primeiro grupo de pessoas esperando transporte para irem até a cidade, eu parei para perguntar:
- Vocês poderiam me informar, onde fica o sítio Lagoa Santa, da dona Elisa Silvestre?
- Pode seguir esta estrada de chão batido a sua esquerda moço, e ir direto que não tem erro – respondeu um senhor idoso.
- Muito obrigado – eu agradeci contente, e arranquei com meu SUV pela estrada.
Tive que dirigi por uns dez quilômetros, até começar ser cercado por sítios e chácaras, por todos os lados. A essa altura, o belo sol já havia se escondido por detrás de uma camada de nuvens carregadíssimas, que em pouco tempo se desabaram em uma chuva de pingos muito grossos. Parecia que os céus estavam comemorando a volta do neto pródigo, pois assim que a chuva começou, eu vislumbrei uma enorme e nova placa de madeira, que encimava um portão de duplas folhas, indicando que se tratava da propriedade da minha avó.
O lugar era repleto de árvores frondosas, que se erguiam muito alto, lançando uma sombra fagueira sobre o lindo sobrado rosa, que surgia em meio a tantas flores. Não lembrava do sítio da minha vó ser tão deslumbrante. Buzinei três vezes em seguida, e logo veio um senhor negro, protegido por um enorme guarda-chuva, correndo em direção ao portão. Se eu não tivesse enganado, acho que até sabia o nome dele. Ele era o caseiro da minha avó.
- Seu Inácio, sou eu, Benjamim, filho de Laura e Roberto, neto de dona Elisa – eu gritei pela janela do carro, recebendo um golpe de vento e chuva no rosto e no cabelo.
- Benjamim? – ele arregalou os olhos, abrindo o portão o mais rápido que pôde. – Ah, meu Deus, dona Elisa vai pular de alegria com essa visita.
- Tá lembrado de mim? – eu perguntei, quando ele correu na direção do carro, e se curvou na janela do mesmo.
- Mas é claro, garoto – ele deu uma gargalhada. – Lembro de você mirradinho, correndo atrás dos patos do sítio. E agora tá homem feito.
- Pois é, o tempo passa – eu disse, olhando para o largo alpendre do sobrado, que tinha uma rede armada, e conduzindo o carro para o interior da propriedade, enquanto Inácio fechava o portão novamente.
Um misto de lembranças explodiu na minha cabeça, descendo em flashes rápidos e confusos. Cada pedacinho daquele sítio, me trazia uma lembrança fortíssima.
Desci do carro, e não me importei que a chuva caísse sobre mim. Minha vontade era rir, e deixar que aquela água me contasse o que eu havia fingindo ter esquecido, sobre os dias em que corri ali.
Quando caminhei em direção a um pequeno lance de escadas de três degraus, a porta da frente do sobrado se abriu, e uma senhora altiva e forte, com um lenço amarrado na cabeça emergiu da casa, lançando as mãos na boca, e deixando lágrimas rolarem pelos seus olhos.
- Meu pequeno Benjamim? – ela perguntou meio atônita e meio incrédula.
- Sou eu, vovó Elisa – eu disse correndo para os seus braços.
- Oh, meu Deus, que felicidade! – ela disse, segurando o meu rosto com as duas mãos, e me enchendo de beijos. – Dez anos se passaram, contudo, me lembro como se fosse ontem mesmo, aquele garotinho correndo para o colo da vovó. E agora é um homem lindo, que busca os braços dessa velha novamente.
- Que saudades minha avó! Que saudades! – eu a beijava também, com muita intensidade.
Entramos no sobrado de braços dados. Eu gotejando água pela casa inteira. Cada parede daquele lugar, cavava na minha mente sua parcela de lembranças. Cada detalhe me fazia ter descargas de energia. Era ali onde eu deveria estar.
- Meu garotinho! – uma senhora mulata correu ao meu encontro, me enchendo de beijos também. Era Rosa, a melhor cozinheira que eu já vira, e uma segunda avó para mim.
- Oh, minha boleira predileta – eu abracei também com muita força e saudade.
- Eu não disse, que ele vinha? – Minha avó estava explodindo de contentamento.
- E como estão Laura e Roberto? – Rosa perguntou.
- Estão, bem – eu disse, sem querer me estender no assunto. Aliás, tudo que ficou para trás, eu queria deixar exatamente lá.
Depois de todos os afagos iniciais necessários, Inácio me ajudou a trazer as malas para casa, e a minha avó o orientou a colocar em um quarto lá em cima, que ela já havia preparado para me receber.
Tomei um banho quente, pus uma roupa bem confortável e fui servido de uma sopa deliciosamente nutrida com verduras, que segundo a minha avó, era para não deixar o resfriado ter coragem de atacar meu corpo. Já havia me esquecido do quanto era bom ser paparicado por avó, principalmente se ela mora no campo.
Conversamos algumas amenidades na cozinha, até que eu não me contive e perguntei:
- Como está sua saúde, vovó?
Ela abandonou o sorriso, que estava estampando em seu rosto desde que eu chegara, por um momento, segurou as minhas mãos e me disse com serenidade:
- Eu pedi para os médicos para desfrutar da alegria da minha família no tempo que Deus me dispuser. Não quero definhar em hospital nenhum.
- Mas, vovó... – tentei argumentar. Foi inútil.
- Benjamim, não vamos entrar nesse assunto. – ela disse com firmeza, mas doçura. – Chamei você aqui, para celebrar e não lamentar, meu filho. Fico feliz que tenha se adiantado e vindo, antes mesmo do natal. Isso é um remédio infalível para mim, a sua presença. Espero que Laura e seu pai também venham, assim como seus tios, que já marcaram a vinda. Quero só sorrisos e muita festa.
Rimos os dois juntos, mas eu não conseguia esconder a minha preocupação. Vovó estava sem cabelo e visivelmente abatida, ambos devido a agressividade da quimioterapia, contra o câncer de estômago, que a acometia. Mas seus olhos, preservavam a jovialidade e alegria. Era como se o espírito dela estivesse bem mais vigoroso que o corpo.
- Depois dessa sopinha quentinha, é melhor você ir tirar um cochilo bem tranquilo, e gostoso, ouvindo essa chuva maravilhosa – minha vó recomendou.
- É uma excelente ideia, pois estou muito fatigado com a viajem – eu concordei, dando um beijo nela e em Rosa, e subindo para o quarto que me aguardava.
A casa havia sofrido algumas reformas e ampliações, que a melhoraram muito, mas eu podia, ainda, reconhecer traços e cômodos, de dez anos antes.
Antes de entrar no meu quarto, eu vislumbrei uma porta, que não havia dado atenção antes. Aquela parte da casa estava viva na minha memória, e só Deus sabe o quanto eu me controlei para perguntar sobre o seu dono. Ainda tive esperança que elas, minha avó e Rosa, comentassem alguma coisa, mas pareciam que tinham ensaiado o silêncio a respeito dessa pessoa.
Fiquei muito tentado a ir até lá, e como não tinha sinal de ninguém no corredor dos quartos, eu cedi facilmente ao desejo da curiosidade. Em passos lentos, caminhei até a porta, torcendo para que ela estivesse aberta. E estava. Girei a maçaneta lentamente e empurrei-a, abrindo apenas uma pequena fresta, por onde espreitei cautelosamente. Meu coração estava prestes a explodir. Mas o quarto estava vazio de pessoas. Então entrei por completo, sentindo um cheiro delicioso de perfume amadeirado masculino.
Tudo estava bem arrumado, exceto por uma cueca e uma camiseta laranja, jogadas sobre a cama de casal. Por um impulso peguei ambas as peças de roupa, usadas, e levei às minhas narinas. Estavam impregnadas por um cheiro de macho alucinante. Meu pau ficou duro em segundos, e me lembrei da última transa que eu tive, voraz, animal. Mas parecia que aquele cheiro ainda era mais poderoso do que o de Luís da boate.
Ouvi um barulho de caminhonete chegando na frente da casa, o que me fez despertar do transe que o cheiro, das roupas tinham me causado. Coloquei tudo no mesmo lugar e corri para porta, mas antes de sair, avistei na parede da cabeceira da cama, um nome adesivado na parede, com letras agressivas: “Giuliano”.
- Então esse continua sendo o quarto dele? – eu sussurrei para mim, olhando novamente para as peças de roupa. Senti vontade cheirá-las novamente, mas ao ouvir vozes lá embaixo, me assustei e sai do quarto, fechando a porta com cuidado.
Pensei em ir para o meu quarto dormir, mas os risos que começaram a ecoar lá embaixo, e uma voz linda de homem, falando alguma coisa com entusiasmo, me impulsionaram a descer novamente.
Tirei os chinelos que usava, e fui em direção as vozes, descalços, mais silencioso que um gato, ouvindo com atenção o que conversava.
- “... um rapaz tão bonito como você, não pode ser multado”, ele me disse – contava a voz masculina linda. – Então eu dei uma piscadinha para ele, e tudo resolvido.
As gargalhadas estrondaram mais ainda.
- Vai logo tirar essa roupa molhada, meu filho – dizia a minha avó.
Desci com pressa as escadas, mas ainda em silêncio. Parei numa posição que me desse para ver as pessoas que conversavam. Estavam na cozinha. Inicialmente só vi a minha avó e Rosa, sentadas, mas logo surgiu um rapaz, alto e muito forte, nu da cintura para cima, e de calça jeans bem justa. Seus cabelos loiros e curtos, casavam perfeitamente com a pele bronzeada e sem nenhuma mancha. Os ombros largos e a cintura mais definida, eram um caso à parte. Luis nem chegava aos pés dele. Aquilo não era um homem, eu pensei, era um fenômeno da natureza. Ele estava de costas, para mim, se servindo de suco. Meus olhos bateram principalmente no largo e empinado traseiro, que deixava escapar pelo jeans, uma pequena extensão da polpinha de sua bunda, mais clara que o resto do corpo.
- Benjamim, vem cá falar com seu primo Giuliano – minha avó me chamou, me fazendo quase cair para trás.
Se eu estava embasbacado com aquele homem de costas, quase desmaio quando ele se virou e me fitou com seus olhos verdes-selvagens. Não podia acreditar que ali era o meu primo. Estava paralisado, mas não era apenas pela beleza dele. A imagem da coxa sangrando, em um casarão abandonado cheio de espelhos, que eu havia sonhado, me veio como uma lembrança fortíssima.
CONTINUA...