Eram três e meia da manhã de sábado e Marco ainda não tinha dormido. No escuro do seu quarto, ele encarava o vazio sem se fixar em nada especial. Silêncio. Ocasionalmente, Marco ouvia o barulho de um carro lá em baixo ou um latido de um cachorro ao longe. Não havia nenhum pensamento rolando na mente do jovem. Ele bem que queria, mas naquele momento apenas um turbilhão de imagens iam e vinham em velocidade. Todas as imagens eram referentes aos acontecimentos do dia anterior e algumas de coisas passadas que se misturavam. As vozes na cabeça de Marco estavam em “descanso”. Foi um dia muito tumultuado e todas precisam de uma pausa, mas a consciência de Marco continuava a mandar imagens em cima de imagens sem nenhuma reflexão sobre nada em especial. Ele tentou dormir. Ele tentou pensar. Ele tentou esquecer. Ele tentou de tudo. Nada adiantou. As imagens iam e vinha. Aquela que mais ficava vindo e indo era do rosto de Rodrigo com aquele sorriso. Marco resmungou com raiva. Silêncio.
O relógio da cozinha marcou quatro horas. No meio da bagunça que se tornaram os pensamentos de Marco apenas uma surgiu. E, deitado ali, Marco ponderou que era a mais sensata ideia que tinha tido durante aquele dia: ele precisava conversar com alguém. Quem? Ele pensou nas possibilidades e apenas uma fazia algum sentido: a sua melhor amiga, Júlia. Sim, a Jú é a única que vai me entender! E melhor: ela não vai espalhar o seu “segredo”. Pera aí? É segredo? Ahã, claro, né! O Rodrigo não queria o que aconteceu espalhado por aí. Seja sincero: nem você! Ótimo, agora eu consigo pensar direito! Ok: vamos por partes? A primeira coisa era conversar com a Jú, depois eu penso melhor. Espero consegui pensar. Espero que a Jú me ajude. Espero conseguir dormir. E novamente estava lá: o turbilhão. Dessa vez de pensamentos. Idéias. Fragmentos de imagens. Tudo rodando. Felizmente, o cansaço venceu os pensamentos. Marco adormeceu.
Eram sete e meia da manhã de um sábado que prometia ser ensolarado e quente. Marco tomava seu café na mesa da cozinha. Pão, queijo fresco, presunto, café com leite e iogurte com mel. Tudo já tinha sido arrumado previamente por Clau no dia anterior. Marco olhou para o relógio que marcava sete e quarenta e cinco minutos. Ele estava se perguntando se era uma hora ruim para mandar uma mensagem para a sua amiga. Marco arriscou.
Preciso falar com vc. Importante. Tem como vc vir aqui hj? por favor.
Marco esperou a resposta.
Enquanto lavava as louças do café, Marco ouviu o seu telefone vibrar.
Claro, amor! Tá tudo bem?
Sim. Só preciso conversar com vc. Q hrs vc pode vir?
Ok. As dez. tá bom?
Sim.
Ok. Bjos.
Bjos. Te espero.
Eram oito da manhã. Marco foi para o seu quarto. Tentou estudar, mas não conseguiu se concentrar. Voltou para a sala e ligou a TV. Ficou assistindo o que estava sendo transmitindo sem prestar muito atenção. Dez e cinco da manhã. O interfone tocou e Marco autorizou a subir. Algum tempo depois, ele ouviu batidas na porta. Ele foi atender.
Marco nunca tinha sido o garoto mais popular da escola ou da vizinhança ou mesmo do prédio, mas ele tinha alguns bons amigos. Três no total. Júlia era uma desses amigos. A jovem abraçou o amigo assim que a porta foi aberta.
-E aí, sweetie pie? Está tudo bem?
-Sim. Está. Mais ou menos. Entra, por favor. Quer alguma coisa?
-Não, já tomei o café. O que aconteceu? Você está parecendo abatido! - Júlia olhava com ternura para o amigo. Marco conhecia Júlia desde que os dois tinham dez anos e a garota foi estudar na mesma escola. A amizade deles era do tipo que eles poderiam conversar apenas com um olhar ou ficar muito tempo sem se encontrarem e mesmo assim parecer que se viraram no dia anterior quando se reúnem novamente. Apesar de adorar de verdade o Mauro e a Taty, seus outros dois amigos, apenas com Júlia que Marco se sentia totalmente à vontade para falar de tudo. Tudo mesmo. Inclusive o fato de Marco gostar de garotos.
Os dois se sentaram no sofá. A mente de Marco começou a trabalhar. Ele viu Rodrigo sentado como no dia anterior. Claro, ele estava dando aquele sorriso. Os dois jovens se sentaram de frente um para o outro. Júlia observava o amigo com um olhar de preocupação, mas também emanando aquela sensação reconfortante de segurança de que “vai, conta tudo para mim que você vai ficar bem. Prometo!”. E era isso que Marco adorava nela.
-Aconteceu algo, sim. - Marco começou, mas estava confuso de como continuar - Eu não sei como começar.
-Que tal pelo começo? - Júlia disse colocando a mão no ombro do amigo mostrando o seu famoso “confia em mim”.
-Ahãm... Eu... não sei como...
-Algo com a sua mãe? - preocupou Júlia.
-Não! Ela está ótima!
-A Clau?
-Também não. Está tudo bem com elas.
-O seu pai? - Júlia ficou hesitante.
-NÃO!- Marco se exaltou, mas logo recuperou a calma - Não, faz tempo que não o vejo. Foi algo comigo que aconteceu.
-Ok. Você tirou uma nota baixa?
-Não, né? - Marco estava um pouco ofendido com aquela hipótese. - Foi algo que eu fiz.
Marco não sabia por que não contava tudo de uma vez, mas aquele interrogatório estava indo bem no caminho que ele queria.
-Você fez? Algo de errado?
-Não exatamente, mas também não foi algo de certo. Acho.
-Fez algo que não é certo, nem errado?
-Sim?!? Acho que eu posso falar assim.
-Ok, darling. Isso está um pouco estranho. Vamos lá: você fez sozinho? - Júlia tinha entendido que Marco não iria falar por si.
-Não. Tinha alguém comigo. Melhor: eu fiz com alguém.
-Estou começando a entender. Alguém que eu conheço?
-Mais ou menos.
-Como assim? Eu conheço ou not.
-Sim. Você conhece.
-Você fez algo com alguém que eu conheço? - Júlia apertou os olhos e fez uma expressão de quem estava esforçando a pensar - Você... ficou com alguém?
-Sim. - Marco abaixou a cabeça em sinal de timidez.
-Alright. Vamos aos fatos: você ficou com alguém que eu conheço mais ou menos sendo isso uma coisa boa ou não, mas, pelo o que eu estou vendo, você está em um dilema pessoal grandioso que nem consegue falar sobre isso diretamente. OMG! Você ficou com o seu primo?
-NÃO! TÁ LOUCA? - Marco parecia ofendido - Aquilo foi uma vez só: um beijo e eu estava bêbado. Foi a minha primeira bebedeira. Ok? Não foi meu primo. Está bem? Não foi o meu primo. Foi outra pessoa.
-Então, quem foi? Pelo amor of God! Não pode ser tão difícil falar quem é! FALA LOGO!
Marco ponderou um pouco. Então, as palavras saíram:
-Foi o Rodrigo.
Júlia ficou com uma expressão vazia por alguns momentos. Aos poucos, a expressão dela vai mudando e uma grande reação de confusão e surpresa aparece.
-O Rodrigo? Aquele Rodrigo? O Rodrigo da escola? O Rodrigo da Laurinha?
-É esse Rodrigo, mas não sei se ele é o “da Laurinha”. Quer dizer, eu não sei.
Marco só lembrou desse detalhe naquele momento: Rodrigo e Laurinha. Ele também viu Rodrigo acariciando seu rosto enquanto o beijava lentamente no sofá. Ele colocando as mãos por debaixo da camisa do outro sentindo a pele molhada por suor de Rodrigo e os músculos contraídos. Rodrigo começou a beijar o pescoço dele, enquanto puxava a perna de Marco colocando-a sob o seu corpo. Ele gemeu.
-Como assim? Vocês dois ficaram? Quando? Onde? E mais importante: por quê? - Júlia perguntou.
Marco respirou fundo.
-Ele me beijou. Ontem. No banheiro na escola.
-NA ESCOLA?- Júlia quase gritou de novo.
-Fala baixo! Sim, mas só foi um beijo. A gente realmente ficou de tarde aqui em casa.
O queixo da garota caiu.
Marco contou tudo o que aconteceu desde o começo. Inclusive quando ele começou a tirar a camiseta de Rodrigo sem nenhuma objeção do outro. Rodrigo ficou em posição que Marco poderia ver todo o seu torço nu. Rodrigo estava em excelente forma. Os dois se olharam por um tempo até que Rodrigo pegou a mão esquerda de Marco a fazendo percorrer todo o seu peito (Marco sentiu os músculos fortes), a sua barriga (definida, mas não exagerada), até chegar aos quadris. As respirações dos dois ficaram ainda mais intensas. Marco pode sentir, mesmo por cima dos jeans de Rodrigo, que ele estava muito....
-VOCÊS TRANSARAM HERE?- agora Júlia quase gritava.
Júlia continuou com aquela cara de surpresa estampada no rosto, mesmo sem estar mais de boca aberta.
-Júlia, você está gritando! Você precisa falar baixo! Eu tenho vizinhos. - Marco estava alarmado com a atitude de Júlia. Mas ele não a culpava: era muita coisa para assimilar até para ele mesmo. A garota respirou profundamente.
- Ok. Sorry! É muita coisa de uma vez, né? - Júlia sorriu - Então, vocês transaram ou não? Fala logo!
-Mais ou menos.
-Você tá de brincadeira? Mais ou menos?!?!?!?!?
Marco continuou o relato. Depois de perceber o que estava acontecendo era mais que uma “ficada”, Marco se levantou e pegou na mão de Rodrigo dizendo:
-Vamos pro meu quarto.
Rodrigo concordou com a cabeça.
O que Marco contou para Júlia foi tudo verdade, mas ele precisou escolher as palavras para tentar evitar alguns constrangimentos que poderia acontecer. Mais do que isso: ele queria guardar algumas coisas para si. Pode-se dizer que Marco contou meias verdades.
Continua...